Zona de Impacto - ISSN 1982-9108 ANO 13 Vol. 1 - 2011 - Janeiro/Junho
|
||
|
A província de Manitoba foi
explorada primeiramente ao longo da rota de seus grandes rios por comerciantes
de pele. Como todo o oeste canadense, ela tem uma história de protesto e
disposição para resistir à opressão e à dependência. Esta característica estava
presente na região até mesmo antes da anexação da província ao domínio do
Canadá em 1870. George Melnink sugere que “a história dos descontentes no Oeste
começou na época do comércio de pele no final do século dezessete quando os
recursos do Oeste estavam sendo explorados pelo mercado europeu. Em 1670,
Charles II cedeu à Companhia Hudson’s Bay o controle de toda a terra banhada
pelos rios que corriam pela bacia. A ocupação branca na região era transitória
e ligada somente ao comércio de pele e a postos de venda que eram estabelecidos
rapidamente pela Companhia Hudson’s Bay. Os índios Chepewyan e Crees que tinham
vivido na região por milhares de anos, logo se tornaram instrumentos
importantes no comércio de pele, trabalhando como pessoas que capturavam os
animais. Em 1763 Pierre Gaultier de la Verendrye alcançou a confluência dos
rios Assiniboine e Red, estabelecendo um posto de comércio no local onde hoje
está Winnipeg (que ficou conhecida dos brasileiros por causa dos últimos
"Jogos Panamericanos"). Nas décadas seguintes, os comerciantes de
pele franceses e seus índios aliados tornar-se-iam os habitantes mais
importantes da região das pradarias ajudando a formar as características da
região. Estes mestiços descendentes de caçadores brancos e mulheres indígenas,
caçavam búfalo das pradarias e forneciam a carne de búfalo (mais
especificamente “pemican”) para os comerciantes. Em 1812 o Lord Selkirk da
Companhia Hudson's Bay trouxe colonizadores escoceses para o vale do Rio Red.
Portanto os colonizadores escoceses também contribuíram para o desenvolvimento
de uma etnia mista através do casamento com indígenas. Estas pessoas de sangue
misto levavam uma vida independente e acreditavam que eles tinham autoridade
sobre a região. O seu futuro, no entanto, estava nas mãos do Canadá Central. Assim que o Sul de Manitoba se
desenvolvia em um importante centro de comércio de pele e tornava-se o centro
de transporte entre o Leste e o Oeste canadenses, as forças colonizadoras fora
da região estavam observando o seu potencial para explorações futuras. Em 1821
a Companhia Hudson's Bay absorveu a Companhia Northwest. Antes da absorção, a
competição entre as duas companhias provocou muita tensão entre os Métis. O
comércio de pele permaneceu, no entanto, vitalmente importante para a região e
os Métis continuaram a desempenhar um papel importante como caçadores de búfalo
fornecendo comida para a região. Os Metis tinham orgulho de sua terra e
consideravam-se os verdadeiros herdeiros dela. O interesse do leste canadense
no Oeste, no entanto, aumentava. Na década de 1840 George Brown, o dono do jornal
Toronto Globe, um periódico que representava o interesse da elite canadense
conduziu uma campanha para anexar as terras da companhia Hudson’s Bay ao
Canadá. Muitos políticos interessados nos negócios Ocidentais assumiram a causa
da expansão para o Oeste. Em
1867, a Confederação ou Domínio do Canadá, foi estabelecido pelo “British North
America Act.” A federação centralizada incluía a província de Canadá (Ontario e
Quebec), Nova Scotia, New Brunswick, e fazia um acordo para a inclusão dos
territórios restantes que pertenciam à América do Norte sob o controle
britânico. O Oeste estava destinado a se ligar ao Canadá central que em 1868
comprara as terras que pertenciam à companhia Hudson. Em 1869 a companhia
transferiu seu território ao domínio do Canadá sem informar as pessoas que viviam
na área. O governo canadense não deu atenção aos Métis; seu interesse principal
era o planejamento da estrada de ferro transcontinental. Outra preocupação do
governo era a colonização da área com a intenção de formar um Canadá totalmente
britânico de costa à costa. Os indígenas e Métis, que partilhavam de um estilo
de vida semelhante e falavam a mesma língua, reclamavam os direitos territoriais
como povos aborígenes. No entanto, uma vez que os Métis, diferentemente de seus
“primos índios”, não tinham direito legal sobre as terras (reservas), a sua
situação tornava-s ainda pior (Margaret Laurence, 140). Em dezembro de 1869 o líder Métis
Louis Riel, amplamente apoiado pelos povos do Rio Red, conduziu uma resistência
contra o governo canadense, estabelecendo o corpo representativo dos Métis.
Este governo era capaz de forçar o governo central a negociar. Através do
“Manitoba Act” resultante destas negociações, os Métis receberam garantias
lingüísticas (permissão para falar francês, pôr exemplo) culturais e
educacionais e a província de Manitoba foi criada em 1870. O nome “Manitoba”
foi escolhido pelo próprio Louis Riel e significa o “espírito” (Manito)
"que fala" ou, em outra versão, “estreito do espírito”. Os
colonizadores do leste começaram a chegar à província, que experimentava um
crescimento rápido na década de 1870. Em 1873 a famosa "Polícia Montada do
Noroeste" foi fundada a fim de servir como um instrumento de controle
federal. A polícia montada caçava comerciantes americanos e policiava os índios
e Métis. Tendo vivido por milhares de anos sem polícia, os índios não viam
razão para força policial na área. Para os índios e Métis, a Polícia montada
representava a força colonizadora e portanto os opressores. Em muitos casos, a
presença da polícia que deveria significar "a garantia da ordem" era
apenas fonte de opressão e agitação. Além disso os índios estavam perdendo o
direito às terras através de muitos tratados e eram enviados às reservas. Em
1880 a estrada de ferro chamada "Canadian Pacific Railway" foi
aberta. O ministro dos transportes, Charles Tupper, revelando que não tinha
nenhuma preocupação por Manitoba, declarou que os interesses de Manitoba
deveriam ser sacrificados pelos interesses do Canadá. As autoridades políticas
viam o oeste canadense como um "local vazio", disponível para
qualquer empreendimento. Não havia preocupação, da parte das autoridades
britânico-canadenses, com os Métis e os índios que estavam passando por uma
condição econômica muito ruim, passando fome com o fim da caça ao búfalo nos
anos de 1880. Quando ameaçado pelo grande número de colonizados, os Méis
pediram ajuda para obter sementes de cereais, mas em vez de receber ajuda
tiveram que pagar pôr sua própria terra. A fim de lutar contra as injustiças e
a situação difícil, Louis Riel, que tinha conduzido a resistência em 1870, foi
chamado dos Estados Unidos, onde ele vivia desde 1873, depois do acordo que
criou a província de Manitoba. Em 1885 Louis Riel foi a
Saskatchewan para ajudar os povos da região em sua luta contra o governo
central canadense. Em março ele estabeleceu seu próprio governo na região. Dois
meses depois os Métis foram derrotados pelas forças centrais que usavam todo o
poder do exército. Louis Riel foi preso. Ele foi submetido a diversos tipos de opressão
e humilhação, que às vezes, totalmente estressado, parecia estar louco. Daí o
fato de algumas pessoas ligadas ao governo central divulgarem que Riel era um
visionário louco. Em 16 de novembro de 1885 depois de passar por vários
tribunais e julgamentos, Riel foi enforcado "por traição" sob as
ordens do primeiro ministro John Alexander Macdonald. Os Métis perderam sua
terra e alguns revolucionários foram condenados à prisão perpétua. Louis Riel
foi considerado pelas autoridades, como louco, ignorante, violento, entre
outras qualificações negativas. Isso reflete bem a teoria de Edward Said que ao
discutir o imperialismo europeu afirma que os colonizadores e opressores vêem a
resistência ao colonialismo e ao governo central como "trabalho de doidos
milenários e assim pôr diante" (CI, 198). O Brasil está cheio de exemplos
deste tipo que não convém citar aqui. O líder canadense Métis, odiado pelo
governo central recebeu, no entanto, a simpatia de muitos habitantes do oeste e
mesmo do leste canadense. Douglas Owran relata que um ministro presbiteriano
marchava com a tropa para prender Riel e pregava, não o mal da rebelião, mas
sim os erros do governo canadense. O ministro dizia que os Métis tinham sido
roubados por comerciantes sem princípio, pauperizados por caridades e
corrompidos pelos vícios canadenses (Melnyk, 92). Não muito tempo depois da revolta de
1885, os Métis foram suplantados por milhares de americanos e europeus na
região, e o comércio de pele da região acabou. Após a rebelião, a condição dos
Métis era deplorável. Sem terra para cultivar, muitos deles se retiraram da
região para terras marginais. Com o passar do tempo a sua história começou a
ser revista e recontada. Riel que era tido como louco ou revolucionário
violento, começou a ser visto como um herói a quem o Oeste canadense deve
muito. A escritora canadense Margaret
Laurence, nascida em Manitoba, muitas vezes revela sua simpatia pelos Métis que
sofreram profunda injustiça. Ela se refere a estes povos como seus ancestrais
porque ela nasceu na sua terra, "numa terra que eles tinham habitado,
formado e investido como seus espíritos" (M. Laurence: carta para Al Purdy
em 12 de junho de 1974). Em seus romances, especialmente em The Diviners
eles aparecem como vítimas do governo canadense-britâncio, que considerava a
cultura britânica como superior à dos Métis. A história dos Métis no Oeste
tinha ajudado a caracterizar os povos da região como inimigos da opressão e da
colonização. Aritha Van Herk, uma escritora de
Alberta também tem usado sua ficção para re-escrever a história dos Métis e de
Louis Riel em particular. Em um de seus contos, "There si nothing to do
but Die" (Não há nada a fazer senão morrer) Van Herk apresenta um diálogo
(supostamente no céu) entre Louis Riel e Joana D'Arc. Neste diálogo o personagem
Riel conta um pouco de sua história e a história dos Métis, sob sua perspectiva
isto é sob a perspectiva dos oprimidos. Ele demonstra, entre outras coisas,
como a cultura dos Métis era tida como inferior pelos britânicos, dizendo que
um dos motivos de ser enforcado foi por usar mocassim. Muitos outros escritores canadenses
do século vinte se propuseram a rever a história de Riel. Interessante é
perceber que no Brasil mesmo houve quem escrevesse sobre este revolucionário
logo após a sua morte. Matias Carvalho, um poeta carioca do final do século dezenove
fez poemas em homenagem a Riel. Estes poemas foram traduzidos para o Francês e
publicados quase cem anos depois em Quebec. Isto significa que a vida e os
escritos de e sobre Riel estão sendo revisitados e revistos por estudiosos
atuais. A influência de Riel é perceptível
também na tradição do Oeste Canadense para se mobilizar contra as injustiças e
opressões. É importante lembrar que depois de 1885 a estrutura social do Oeste
Canadense desenvolveu-se em uma sociedade de classes. Os agricultores comuns e
os trabalhadores formavam a maioria da população, mas recebiam os benefícios
mínimos tendo pouco poder. Os agricultores reclamavam que enquanto os preços
das mercadorias subiam, o preço dos seus produtos eram desprotegidos. Enquanto
os agricultores tomavam sua própria iniciativa para exigir tratamento justo, os
trabalhadores se organizavam-se em sindicatos a fim de lutar pelos benefícios.
Assim se formou a OBU - One Big Union, ou Grande Sindicato Único, que
influenciou muito na Greve Geral de Winnipeg em 1919 - a maior retirada de
trabalhadores em toda a América. Outro movimento que tem raízes
semelhantes foi o "Social Gospel" ou Evangelho Social. Ele apareceu
dentro da Igreja presbiteriana nas primeiras décadas do século vinte.
Referindo-se a ao Social Gospel, Matthews afirma que "a noção que Jesus e
a primeira igreja eram os primeiros socialistas, tinham papel importante em
legitimar o socialismo." (66). O movimento combinava a moralidade cristã
com a justiça social e lutava para o fim da exploração de classe e por um
sistema que lutaria contra a pobreza. Os líderes religiosos pregavam que o amor
de Deus somente poderia ser manifestado no amor ao próximo ou na política. O CCF - Cooperative Commonwealth
Federation - ou Federação das Cooperativas Comunitárias - criada sob a
orientação de Woodsworth foi mais radical que o "Crédito Social". O
movimento propunha uma legislação mais favorável aos trabalhadores que as
encontradas em qualquer parte do país. T.C. Douglas defendia a idéia de que a
fim de combater o capitalismo, os agricultores deveriam organizar cooperativas.
O CCF deu origem mais tarde ao NDP - New Democratic Party - que é o partido de
centro esquerda no Canadá até hoje. É importante lembrar que todos estes
movimentos receberam a influência de Louis Riel e das lutas dos Métis no Oeste
canadense contra as forças centrais. Quando uma forma de luta contra as forças
desaparecia, outra surgia, mantendo a tradição do Oeste como insubmisso à opressão
e à injustiça. Portanto, como Tiradentes no Brasil, Louis Riel no Canadá é
reverenciado como um herói que não se curva às injustiças e lutas contra as
forças opressoras. Riel também deixou escritos que, sem serem considerados
grandes obras, revelam que tinha um ideal e tinha princípios de liberdade.
Hoje, mais do que nunca, se pesquisa tudo o que envolve sua luta, sua vida e
seus escritos. BIBLIOGRAFIA MELNINK, George, RIEL TO REFORM : A HISTORY OF PROTEST IN WESTERN
CANADA, Saskatoon, 1992. SAID, Edward. ORIENTALISM. N. York, Vintage Books, 1979. __________. CULTURE AND IMPERIALISM. N York, Vintage Books, 1994. VAN HERK, Aritha. THERE IS NOTHING TO DO BUT DIE. IMAGES OF LOUIS
RIEL IN CANADIAN FICTION. Saskatoon, 1991 Nota
[1] [N. do E.] A
publicação desse texto faz parte do projeto editorial, realizado pela Zona de
Impacto, com o intuito de republicar trabalhos que compuseram o periódico
Caderno de Criação - ISSN 0104-9389. Esse artigo foi publicado no Ano VII, Nº
22, Junho - Porto Velho, 2000 |
|