ISSN 1982-9108 - Zona de Impacto. Ano 15 - 2013 - Vol. I
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Rita Clara Vieira da Silva
Graduação de História - UNIR“Minha mãe dizia que eu tinha que ajudar todo mundo que quisesse estudar...”
(Úrsula Depeiza Maloney)RESUMO: Este trabalho refere-se uma possível caracterização da Mulher Barbadiana como modelo educacional, tratando de peculiaridade e diferenciais dessas mulheres que lutaram pela educação de seus descentes em uma terra ainda sem Escolas, que fizeram da Educação um símbolo da resistência cultural de seu povo e contribuíram imensamente com o início e a estruturação da Educação na cidade de Porto Velho. Mulheres Negras, pobres, em maiorias protestantes, professoras de formação, que transformaram a Educação e são modelos educacionais ontem e hoje.
PALAVRAS-CHAVE: Barbadianos, Mulheres, Negras, Professoras, Educação, E. F. M. M.INTRODUÇÃO
A cidade de Porto Velho nasce no início do século XX, devido à construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré – E.F.M.M., carregando em seu bojo os discursos da modernidade, mesmo que tardia, na Amazônia. A partir desta construção surge também toda a formação econômica, político, social e cultural deste lugar, contando com fatores como a vinda de trabalhadores de diversas nacionalidades distintas. O cenário de nascimento da cidade é enfatizado por FONSECA (2007, p.96):Denominemos então o cenário e os personagens do “romance”. A Amazônia no auge do Primeiro ciclo da borracha, grande mercado fornecedor dessa matéria-prima para as indústrias européias e norte-americanas e, ao mesmo tempo mercado consumidor dos produtos desses países. A Ferrovia que com o auxílio da navegação a vapor, símbolos da do moderno mundo industrial, integrava esses mercados. O empreendedor “romântico” Percival Farquhar, um norte-americano caçador de concessões monopolistas nos “espaços sombrios” do mundo não moderno, com as quais provia a fusão de capitais para explorá-las, espalhando nesses espaços os símbolos da modernidade. O estado, soberano, às vezes incerto, nesses “espaços sombrios”. Finalmente, milhares e milhares de trabalhadores, vinculados ao moderno empreendimento ferroviário e ao tradicional mundo extrativista amazônico, que construíram e habitaram a cidade de Porto Velho, outra face paradoxalmente não moderna da modernidade. (FONSECA, 2007, p.96)
Antes de darmos prosseguimento às discussões é importante salientar o significado de modernidade utilizado na composição deste trabalho, para tal utilizamos BERMAN (1986, p. 15-35):
A modernidade é a tragédia do desenvolvimento, que permitiu deslumbrar incríveis horizontes ao mesmo tempo em que criou uma força que desmancha tudo que é sólido no ar. Esta discussão a propósito das ciências e de seus objetos de estudo inscreve-se no contexto da modernidade desde o século XVI até os dias de hoje. Aventura na modernidade é marcada por uma certa circularidade narrativa e temática. (...) A modernidade é o estado de coisas criado pelo advento do capitalismo, ou seja, um produto da revolução burguesa, (...) paradoxalmente, a revolução contínua da modernidade capitalista produz miséria e opressão para muitos, o que acaba por reduzir suas possibilidades de desenvolvimento individual. (BERMAN, 1986, p. 15 – 35)
A partir deste significado de modernidade como sendo o advento das coisas criadas pelo capitalismo, percebemos que assim como o capitalismo, a modernidade não chegou a todos os países ao mesmo tempo, simultaneamente. Levando a alcunha de “Modernidade Tardia” ao chegar ao “Terceiro Mundo”, pois o processo desencadeado na Europa, com o advento da Revolução Industrial, não atingiu os lugares (países) “mais atrasados” (em comparação ao velho mundo europeu) de maneira uniforme, homogênea, universal e simultânea como propôs o ideal capitalista.
Seguindo essa ideia de modernidade e todos os seus prós e contras, percebemos ainda que, é uma característica do processo de modernização em países de “Terceiro Mundo” criar a dualidade dos espaços, criar os opostos, como por exemplo, no embrião da cidade de Porto Velho, que trazia no território demarcado e controlado pela M.M.R.C. (Madeira & Mamoré Railway Company) um pedaço dos Estados Unidos da América – EUA em plena mata amazônica e em contraste, fora dos limites da ferrovia o nascimento de uma outra Porto Velho, nascida do caos e do vício. Como nos cita FONSECA (2007, p. 92 – 93):
De fato, Porto Velho era anunciada como uma cidade, moderna, planejada, a partir do pátio da ferrovia, seu núcleo inicial, observa-se a divisão funcional do espaço: o local de recreio, os locais de moradia (hierarquicamente divididos) e de trabalho (oficinas e escritórios). Mas, ao lado do espaço controlado pela ferrovia, surgiu uma aglomeração que, desde o início, revelou ser o avesso de seu embrião. Anarquicamente, nessa parte da cidade, misturavam-se as funções de moradia, trabalho e diversão (pouco recomendável segundo os padrões da administração da ferrovia). (...) Tradição e modernidade superpuseram-se em uma cidade com duas faces, com evidente vantagem para a primeira, em função do meio ambiente circundante ao espaço urbano. Assim, o fato de a cidade ter surgido a partir de um empreendimento industrial conduz a várias confusões, dentre elas a de considerar uma cidade predominantemente moderna em seus pródromos.(FONSECA, 2007, p. 92 – 93)
Segundo os registros do Hospital da Candelária, hospital da E.F.M.M., foram registradas as entradas de pacientes de aproximadamente 52 nacionalidades distintas, a partir destes dados, utilizamos estes números para nos referir à quantidade de estrangeiros na localidade no período da Construção (1907 – 1912). Com a chegada desses trabalhadores de diversos lugares, Porto Velho se transformou em uma verdadeira Torre de Babel em plena Amazônia. Constituindo assim um lugar do mundo e sem identidade cultural definida. Porto Velho nasce como uma cidade do estrangeiro, que não leva em conta o que já tem no lugar, quem tem no lugar a ser ocupado.
Entre esses trabalhadores de distintas nacionalidades estavam os “Barbadianos”, na verdade Afro-caribenhos, negros vindos da América Central, que ficaram conhecidos aqui por Barbadianos, receberam essa generalização nominal devido a todos terem passado obrigatoriamente pelo Porto de Barbados antes do embarque, mas pertenciam a diversas ilhas do Caribe, como: Antilhas, Granada, Barbados e tantas outras. Também receberam esta generalização de tratamento, para caracterização do grupo por eles formado, que se mantinha em distinção de todos os outros negros que estavam na região.
Os Barbadianos caracterizam um grupo diferente de todos os outros grupos negros e não só negros, mas também grupos locais, formados por brancos e mestiços, devido ao tipo de colonização sofrida pelas ilhas do Caribe. Esta colonização foi realizada pela Inglaterra, que já tinha interesses capitalistas desde muito cedo, então precisava de mão de obra especializada e mercado consumidor consciente, por isso em seus processos colonizatórios, deu ênfase a educação como principio básico para a construção de seus objetivos capitalistas. Outro ponto importante desta colonização é a preocupação do colonizador com a questão religiosa, implantando nas colônias a religião Anglicana, que servia não para “amansamento do selvagem”, mas, para construção do trabalhador consciente, de boa índole, pregador da moral e dos bons costumes, preocupado com a família e com os irmãos, e principalmente preocupado com a obtenção do lucro, que não era visto como pecado pelas religiões protestantes. A respeito da colonização Inglesa nos fala SAMPAIO (2010, p. 46) que:A colonização inglesa se distinguiu dos demais processos colonizadores em decorrência de implantar, em primeiro lugar, a escola para ensinar os nativos colonizados a lerem, sobretudo a Bíblia, para somente depois construir um banco. O processo de conversão dos povos colonizados garantia o controle social e minimizava através dos convertidos qualquer tentativa de levante social. (...) Manter a higienização do corpo, do lar, do espaço de convivência social, manter a mente sã com a leitura bíblica foram valores transportados pelos ditos barbadianos para a cidade de Porto Velho do inicio do século XX. Devemos aqui ressaltar que os colonizados pelos ingleses, na maioria, aprenderam uma profissão e aos poucos foram tornando-se mão-de-obra especializada e, automaticamente, transportada para as mais diversas localidades onde as empresas inglesas tivessem obras a desenvolver. (SAMPAIO, 2010, p. 46)
Por toda essa diferença cultural, imposta pela colonização inglesa, os Barbadianos se sentiam superiores em relação aos outros negros, aos locais e até mesmo à elite branca, também sofriam diferenciação, preconceito tanto com a cor como pelo comportamento, como nos diz SAMPAIO (2010, p. 38) a respeito das considerações feitas por locais ao verem a chegada dos Barbadianos:
(...) “naqueles negros havia um ar de superioridade maior do que a dos ingleses e norte americanos que por aqui tinham passado ou viviam”. (...) Os barbadianos, na verdade, sofrem preconceitos de todos os lados, pois os demais estrangeiros brancos, e com uma posição mais privilegiada na companhia ferroviária, tendem a tratar com distância os negros, por considerá-los trabalhadores menos qualificados; e os nativos por sua vez se ressentem do grau de escolarização, da estreita ligação de uma parte do grupo com o alto escalão da administração, de falarem um idioma desconhecido por eles, da postura altiva, da elegância com que se vestiam, pois mesmo sob o calor rigoroso característico da Amazônia eles trabalhavam de terno ou de calça e camisa de linho, além do chapéu. (SAMPAIO, 2010, p. 38)
Por serem funcionários da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, os Barbadianos, tinham o direito de morar dentro dos limites da ferrovia, que era destinado a moradia dos trabalhadores, constituíram assim um Bairro, chamado em inglês (língua falada pelos Barbadianos) Barbadian Town, sendo chamado pela população local de Alto do Bode, por diversas explicações, que remetem ao mais alto nível de preconceito, mas, a explicação mais difundida é porque, segundo os nordestinos, que também trabalhavam na construção, os barbadianos não falavam e sim bordejavam, por falarem em inglês e não serem compreendidos.
Negros, súditos da realeza inglesa, a serviço norte americano na Amazônia, protestantes, escolarizados, trabalhadores qualificados, funcionários da ferrovia, amantes das artes (música, teatro e danças) e da boa educação, os barbadianos constituíram um grupo forte, para manter a tradição trazida na bagagem e chamaram a atenção e despertaram o preconceito em homens pobres e ricos influentes. A desativação do Alto do Bode em 1943 e à sua posterior derrubada na década de 1960 são possíveis reflexos do preconceito atribuído aos Barbadianos por uma elite branca, que possivelmente invejava a educação e os bons costumes oferecidos pelos negros aos seus filhos e conterrâneos em contraste com a falta de educação e de escolas para os locais, inclusive dos filhos da elite local, que apesar do poder dos pais não tinham alfabetização. Como nos relata “ROSA” (descendente de barbadianos e professora de profissão) ao ser entrevistada por SAMPAIO (2010, p.79):
Fiquei surpresa ao saber que o pai era sabedor de leitura e mandava o filho fingir que sabia ler para não passar vergonha, pois o sujeito, que tô falando, dele era uma espécie de prefeito da cidade. Como já disse fiquei pensando muito e resolvi que eu iria ensinar aquele garoto, pois fazer roupa, vestido de noiva, era bom, mas ensinar parecia ser mais útil e razão para uma vida, dava para fazer mais. Peguei uma cartilha e comecei com o garoto e daí vinheram outros e quando dei fé já era professora e não queria mais deixar de ser, tinha muitos princípios e lições para fazer com eles, pois era preciso primeiro educar eles para depois ensinar. Depois de algum tempo me tornei professora oficial porque o município precisava e não tinha ninguém. (Depoimento dado por Professora “Rosa” à Sampaio) (SAMPAIO, 2010, p. 79)
Este trabalho tem como objetivo principal tratar do valor dado por este grupo à educação de seus descendentes que cresciam e nasceram aqui, na cidade que um dia seria a capital do Estado de Rondônia. Para tanto é preciso salientar que o Alto do Bode, bairro constituído pelo grupo, tinha índice zero de analfabetismo, e que as mães e outras familiares das crianças em idade de alfabetização preocupavam-se com a educação dos filhos, netos e sobrinhos em um lugar onde não existiam escolas até final do século XIX e início do século XX, pois a primeira escola do Governo municipal só entrou em funcionamento em 1915, o Colégio Barão do Solimões e uma particular e católica um tempo depois, o Instituto Maria Auxiliadora, instituto encarregado, primeiramente, só da educação de meninas.
2. DESENVOLVIMENTO E DEMONSTRAÇÃO DOS RESULTADOS
O Alto do Bode foi símbolo de educação e Mister Davis foi o professor mais conhecido das redondezas, mas, só os filhos de Barbadianos e até mesmo brancos que podiam pagar tinham aulas com Mister Davis, que já tinha vindo da sua ilha de origem com esta profissão e aqui trabalhava como telefonista. Ele não foi o único, muitos outros negros que trabalhavam na E.F.M.M. nas horas vagas, preocupados com a educação dos filhos e conterrâneos, ministravam aulas para essas crianças. ELTON BLACKMAN, fez algumas considerações sobre a atuação de Mister Davis na educação no Alto do Bode: “(...) existia um professor que ensinava a falar inglês, mas era pago, era Mr. Davis. Só quem tinha condições mandava os filhos estudar inglês. Naquela época só tinha Mr. Davis, era da Granada.” (Entrevista recolhida no Centro de Documentação do Estado de Rondônia – em Anexo). ÚRSULA DEPEIZA MALONEY também faz considerações em louvores a Mister Davis:
Sim, “Mister Davis” era da Granada, tinha como profissão Telefonista da Ferrovia, mas era Professor de formação, dava aulas particulares em uma escola onde hoje é o atual camelódromo, foi meu Professor de Datilografia, andava sempre muito perfumado e alinhado, é pai da Silvana, aquela que se meteu em política, a Silvana Davis. Era muito amigo de papai, meu pai. (ÚRSULA DEPEIZA MALONEY, entrevista concedida pela mesma a estes pesquisadores)
As mães e outras mulheres da comunidade também tinham essa função de educadoras, enquanto os homens trabalhavam na ferrovia as mulheres cuidavam da casa, dos filhos e da educação das crianças. Existia uma escola itinerante, que funcionava primeiramente nos fundos de quintais, salas de casas do próprio Alto do Bode e à posterior passou a funcionar nos galpões da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, que tinha como professoras as mulheres do bairro com boa formação, algumas eram até professoras de profissão em suas terras de origem, mas aqui estavam sem trabalho, encarregadas apenas do trabalho doméstico. Esta escola seguia padrões ingleses da Escola Nova, nunca teve um prédio fixo, mas contribuiu muito para a formação dos descendentes deste povo preocupado com a educação dos filhos e com a formação de trabalhadores especializados para a Estrada de Ferro Madeira Mamoré, que substituiriam a primeira geração de trabalhadores. A respeito do comportamento dessas negras que foram atrizes principais da educação dos filhos com essa Escola Itinerante, chamada de Escola dos “Categas”. SAMPAIO (2010, p. 76) nos diz que:
Ao apostar na educação dos filhos como uma prioridade, as protestantes barbadianas sabiam que estavam lançando bases definitivas para que seus filhos viessem a se tornar pessoas que influenciariam, muito diretamente, dali para diante, o processo de educação e consequentemente o processo de formação de mão-de-obra especializada, tendo em vista que a formação idônea do caráter havia sido construída, pelos pais e comunidade, no indivíduo, desde cedo. (SAMPAIO, 2010, p. 76)
Um fator que salta aos olhos com referência a educação que as negras e negros barbadianos dedicavam a seus filhos tanto em casa, como a posterior na Escola dos “Categas” é o da moral e dos bons costumes, dando a essas crianças negras, suas descendentes, valores que são de fundamental importância para o ser humano, como o caso de “ROSA” uma descendente de barbadianos, que estudou na Escola dos “Categas” e diz que o seu sonho era ser modista, mas ao ver crianças que não sabiam ler e nem pegar em um lápis, se sentiu no dever de ensinar e concluiu que ajudaria muito mais a humanidade como professora do que como modista. Assim como ÚRSULA DEPEIZA MALONEY nos diz que:
(...) vim de volta pra Porto Velho e estudei no Carmela Dutra, onde estudei Ginásio e Magistério, sai de lá com o oficio de Professora, não era o que eu queria, eu queria fazer Direito, mas naquele tempo não tinha aqui e a mamãe era pobre e não podia me mandar pra fora, então fui ser Professora, eu não queria de Jeito nenhum ser Professora, até que me ofereceram uma vaga de Professora no Duque de Caxias, de alfabetização e no segundo mês que eu tava dando aula uma aluna leu uma frase inteira que tinha no quadro, ai eu descobri que dava pra coisa e decidir ficar nisso mesmo, ensinando os outros a ler e escrever. (...) Minha mãe dizia que eu tinha que ajudar todo mundo que quisesse estudar... (ÚRSULA DEPEIZA MALONEY, entrevista concedida pela mesma a estes pesquisadores
A Escola do “Categas” mesmo sem lugar fixo tinha apoio da administração da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, que sedia alguns espaços para a ocorrência das aulas e comprou material para o ensino das crianças que reclamavam apenas da falta de livros, material didático, que facilitasse a aprendizagem, como nos diz SAMPAIO (2010, p. 63):
O problema maior, segundo relatos de filhos de barbadianos que passaram por esse modelo de escola, era a ausência de livros, representando a maior dificuldade. Porém os administradores da ferrovia, aprovando a ideia, avisaram que mandariam buscar o material didático na Inglaterra. O material didático a que se referiam mais especificamente eram as cartilhas. (SAMPAIO, 2010, p. 63)
A Escola do “Categas” não teve apenas participação feminina, apesar desta ser em maior número, homens barbadianos, que tinham trabalho da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, também em horas vagas lecionavam na Escola Itinerante. A partir da chegada do material didático, as crianças aprendiam a ler e escrever através das imagens representadas nas cartilhas que faziam parte do seu dia a dia nos arredores da E.F.M.M., aproximando cada vez mais as crianças de seu possível futuro trabalho, a ferrovia.
É importante salientar que esta Escola nunca teve funcionamento oficial, nem papéis de regulamentação, surgiu apenas da preocupação dos negros barbadianos com a alfabetização de seus filhos em um lugar que não tinha escolas para tal. Preocupação esta que ia além das letras como, por exemplo, a manutenção dos costumes através da conservação da língua materna, as aulas eram ministradas em inglês, para que as crianças não perdessem o vinculo com a terra de origem e acima de tudo o ensinamento de valores. Segundo SILVESTRE descendente de Barbadianos, já nascido em Porto Velho:
A educação era outra, não era como hoje em dia, que não respeitam mais os velhos. Os velhos se encarregavam de educar os jovens, transmitindo o pouco que sabiam, embora só estudássemos até a 3ª – 4ª série, os velhos ensinavam suas lições de vida – os costumes, a forma de vida, naquele tempo. Por exemplo, nós, barbadianos usávamos muita mescla, chita, caque, chapéu, a minha mãe até hoje usa chapéu. (Entrevista recolhida no Centro de Documentação do Estado de Rondônia)
É importante perceber a riqueza e a valorização que este grupo dá a Tradição e manutenção da mesma. Sendo para a cidade exemplo de resistência cultural, mesmo em meio a tantas diversidades, com fatores ainda mais agravantes e que tendem com o tempo a afastarem os grupos de suas origens, como por exemplo, à distância, a saudade de tudo que ficou para trás, em sua terra de origem e a convivência com outros grupos. Os Barbadianos souberam driblar as diversidades e os empecilhos que os afastavam de sua cultural de raiz, sem deixar de contribuir para a formação da cidade (por causa do isolamento do grupo) e de adquirir para o grupo características locais. Deixando clara a afirmação de que cultura não se perde, se acumula.
ÚRSULA DEPEIZA MALONEY em sua entrevista concedida a nós, afirma não ter conhecimento a respeito da existência da Escola dos “Categas”, pois nasceu no Alto do Bode, mas saiu de lá muito nova, ainda não estava em idade escolar, diz apenas que já ouviu a Professora e amiga Berenice Johnson (também descendente de Barbadianos) falar sobre o assunto em algumas palestras, mas nos afirma que existia sim uma grande preocupação dos Barbadianos, que ela chama de preocupação familiar, em educar os descentes nascidos aqui e ao falar desta preocupação faz um breve histórico das famílias de seus conterrâneos, nos mostrando que em suas maiorias as famílias queriam sim transformar seus filhos em profissionais qualificados:
Agora assim, Escola, essa Escola ai (Escola dos Categas), eu não tenho conhecimento, dessa escola ai, acho que a “Berenice” é que deve saber disso. Lá no alto do Bode, eu nasci lá, nasci lá, mas, sai de lá pequena. (...)? Agora, essa preocupação, por exemplo, eu tenho também um exemplo aqui: a “Letícia”, a “Letícia” praticamente tá sozinha, era ela e dois irmãos, os dois irmãos morreram, ela mora ali perto do Dr. Enoch, era ela e a “Dona Violeta”, a mãe dela que morreu com cem anos, ela vez cem anos em outubro de 2011, nós estivemos nesses cem anos, ela leu a Bíblia sem óculos, oito horas da noite, com cem anos de idade, quando foi em Janeiro o coração dela parou, “Dona Violeta” era Barbadiana, baixinha, engomadinha, gostava muito de chapéu engomado, roupa branca para ir para a Igreja todo domingo impecavelmente de branco, na Assembleia ou na Batista de branco engomado, com a roupa durinha na goma, a “Dona Violeta” também educou a “Letícia”, tanto que a “Letícia” foi enfermeira muito tempo desde o São José (Hospital), ela tá aposentada já, ela caminha aqui, ela é mais velha do que eu parece [...] (ÚRSULA DEPEIZA MALONEY, entrevista concedida pela mesma a estes pesquisadores
TEIXEIRA & FONSECA (2010, p. 157) fazem uma homenagem as Negras Barbadianas e Educadoras, falando de sua importância e influência para a formação e início do processo educacional em Porto Velho na primeira metade do século XX, que se deu em grande parte pelo incentivo delas, que já eram Professoras formadas:
A atuação de educadoras negras de origem “barbadiana” é mencionada por todos os antigos moradores da cidade. Desde a fundação da primeira escola pública na cidade de Porto Velho, o Colégio Barão do Solimões, notou-se a presença de descendentes dos “barbadianos” atuando na educação local. Professoras muito antigas, como, Judite Holder, e Aurélia Banfield ainda são lembradas pelos mais antigos moradores da cidade. Professoras de geração mais recentes com Gertrudes Holder, Úrsula Maloney, Silvia Shockness, Ruth e Raimunda Simoa Shockness destacaram-se na estruturação da rede de ensino médio do setor público e do setor privado em Rondônia, nos períodos finais da existência do Território Federal ou de sua passagem para a condição de Estado. Outras descendentes dos afro-caribenhos, como as irmãs Eunice e Berenice Johnson atuaram na implantação do Ensino Superior em Rondônia, desde a criação dos cursos de graduação do Núcleo da Universidade Federal do Pará em Porto Velho, até a fundação da Universidade Federal de Rondônia. Muitas dessas senhoras ocuparam importantes cargos na administração da Secretaria de Estado de Educação em Rondônia, desde a década de 1940, até os dias atuais. (TEIXEIRA & FONSECA, 2010, p. 157)
Nas falas de TEIXEIRA & FONSECA (2010, p. 157) é importante salientar a influência das negras Barbadianas na formação educacional de Porto Velho e deixar nítida a participação e influencia dessas mulheres que foram e continuam sendo Modelos Educacionais.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o material documental e oral coletado e analisado é possível afirmar que o modelo educacional implantado no Alto do Bode foi responsável por impulsionar a abertura do Colégio Barão do Solimões, primeira escola do Governo, que começou a funcionar em 1915. E mesmo com essa influência toda o modelo da Escola dos “Categas” foi pouco divulgado e pouco conhecido, mesmo dentre os descendes mais novos dos moradores do próprio Alto do Bode.
Percebemos também através do material coletado e analisado que a desocupação e posterior demolição do Alto do Bode pode ter ocorrido devido à “petulância” dos negros advindos da América Central em manterem uma escola no ideal para a Educação de seus filhos e conterrâneos, enquanto a população branca e local permanecia na pura ignorância do ser, sem escolas. Isso pode ter gerado um sentimento de inferioridade na Elite da época, que se sentia ínfima na frente dos negros Afro-caribenhos alfabetizados.
É notável o quanto a escola barbadiana, com toda sua simplicidade, foi importante para a formação da estrutura educacional da cidade de Porto Velho na primeira metade do século XX, nela iniciou-se o processo de educação que formou à posterior, muitas professoras descendentes de Barbadianos. E talvez o principal, manteve acesa e viva as tradições Barbadianas, perpetuando entre seus descendentes a língua materna, a cultura e os valores.
Foi de altíssima importância o confrontamento entre a fonte oral e as fontes documentais, principalmente no tocante a existência da Escola dos “Categas”, citada nos trabalhos anteriores e, ao mesmo tempo tema desconhecido pela fonte oral.
Importante também por comprovar a existência de tantas negras educadoras advindas do Alto do Bode, fundamental por comprovar a importância dada pelos Barbadianos à educação de seus descentes em uma terra distante, por manutenção cultural e melhores condições de vida.
Por fim, salientamos a importância da comparação das fontes para a comprovação da veracidade na afirmativa proposta por este trabalho que trata das Negras Educadoras Barbadianas como modelos educacionais de ontem e de hoje na cidade de Porto Velho. E ainda, esperamos que esta pesquisa contribua para o reconhecimento da importância dessas Educadoras Negras Barbadianas para o início da educação em Porto Velho.
REFERÊNCIAS
BERMAN, Marshall. Modernidade: ontem, hoje e amanhã. In: Tudo o que é sólido se desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Cia das Letras, p. 15 – 35, 1986.
BLOCH, Marc. Introdução à história. 6.ª ed. Lisboa: Europa-América; 1993.
FERREIRA, Manoel. A Ferrovia do Diabo. São Paulo: Melhoramentos; 1982.
FONSECA, Dante Ribeiro da. Uma Cidade à Far West: tradição e modernidade na origem de Porto Velho. In: Compêndio Porto Velho Conta sua História, Porto Velho: SEMCE, s/d.
__________. Estudos de História da Amazônia. Porto Velho: Gráfica e Editora Maia, 2007.
NOGUEIRA, Mara Genecy Centeno. Alto do Bode: modelo educacional inglês e suas influências. In: Afros & Amazônicos: Estudos sobre o Negro na Amazônia; EDUFRO – Rondoniana; 2010.
_________. Negro sim, porém instruído. Revista da Amazônia, vol.1, Porto Velho: EDUFRO; 2004.
SAMPAIO, Sonia Maria Gomes. UMA ESCOLA (IN) VISÍVEL: Memórias de Professoras Negras em Porto Velho no Início do Século XX. ARARAQUARA – SP; 2010.
TEIXEIRA, Marco Antônio Domingues & FONSECA, Dante Ribeiro da & ANGENOT, Jean-Pierre. AFROS E AMAZÔNICOS: Estudos sobre o negro na Amazônia. Porto Velho: EDUFRO – Rondoniana; 2010.
THOMPSON, Paul. A voz do Passado: História Oral. São Paulo: Paz e Terra; 1998..