RESUMO: Pretendemos com este artigo, melhor compreender as
manifestações do pensamento autoritário brasileiro na década de 30, nos
reportando a seu líder, Plínio Salgado, evidenciando as características
do campo do pensamento social brasileiro, em formação, assim como
evidenciar as características da “intelligentsia” nacional daquele
momento, que buscava entender os fenômenos sociais brasileiros através
do resgate histórico da formação da nação e simultaneamente contribuir
para a consolidação e constituição de uma “identidade nacional”.
Palavras-Chave: pensamento autoritário, integralismo,
Intelligentsia, campo social.
1. Introdução
Em busca de compreender a contribuição do pensamento/ideologia
autoritários nacional, como o de Plínio Salgado, nos anos 30, à
formação do campo sociológico brasileiro, entendemos ser necessário
primariamente reportarmo-nos a teorias de Karl Mannheim e Pierre
Bourdieu.
Para
Mannheim, a divisão do trabalho nas sociedades exige especializações
dos grupos sociais. Estas especializações geram a consciência de classe
em cada um destes grupos, auto-reflexões a respeito de sua condição. No
momento em que escreve, Mannheim afirma que a sociedade vive o momento
de reflexão sociológica, após os estágios em que se “auto explicou” de
maneira religiosa, iluminista e histórica. O autor afirma que “o
proletariado foi o primeiro grupo a propor-se uma auto avaliação
sociológica consistente e a adquirir uma consciência de classe
sistemática” (MANNHEIM, 2004).
O
termo “intelligentsia” é cunhado por Mannheim para descrever uma
espécie de “supraclasse”, a dos intelectuais, que dentro de uma
sociedade organizada na forma de classes, não estaria vinculada nem aos
grupos dominantes e tampouco aos dominados dominadas.
Os
intelectuais estariam libertos dos radicalismos de classe, podendo
circular livremente entre estas camadas e dedicar-se à geração de
consciências. O autor expõe da seguinte forma:
O surgimento da intelligentsia marca a última fase
do crescimento da consciência social. A intelligentsia foi o último
grupo a adotar o ponto de vista sociológico, pois sua posição na
divisão social do trabalho não lhe propicia acesso direto a nenhum
segmento vital e ativo da sociedade. O gabinete recluso e a dependência
livresca só permitem uma visão derivada do processo social (MANNHEIM,
2004, p. 27).
No caso de pensarmos a respeito de uma sociologia brasileira em
formação, é válido utilizarmos o pensamento de Mannheim, pois os
intelectuais nacionais, em nosso estudo, os especificamente atrelados
ao pensamento autoritário da década de 30, não podem ser classificados
como sendo exclusivamente movidos por interesses de classe. O
conhecimento produzido pelos intelectuais nacionais não pode
necessariamente ser avaliado pela origem de classe do intelectual.
A
construção da Sociologia brasileira não pode desprender-se da
constituição de uma Intelligentsia nacional. O termo de Karl Mannheim é
apropriado na medida em que buscamos uma maior elucidação dos processos
que levaram ao estabelecimento do campo (BOURDIEU, 1983) da Sociologia
no Brasil.
Quanto à teoria dos campos, de Pierre Bourdieu, esta se torna útil ao
nosso estudo na medida em que observamos que a formação do pensamento
sociológico brasileiro está atrelada a própria constituição de seu
campo. Para Bourdieu, não há possibilidade de utilizarmos o conceito de
totalidade para a explicação da sociedade, o que existe são inúmeros
campos sociais.
Os
campos sociais são constituídos à medida que a sociedade vai se
tornando mais complexa, com a expansão da divisão do trabalho. Quanto
maior a especialização de uma sociedade, maior a quantidade de campos
sociais dentro dela. O funcionamento de um determinado campo depende de
regras, “leis de funcionamento invariantes” (BOURDIEU, 1983) que são
compartilhados pelos membros do campo em questão. Este conjunto de
normas, ditando o comportamento dos que participarão do campo compõe o habitus
do campo.
O habitus
é transmitido dentro do campo social de maneira inconsciente. Os
indivíduos pertencentes a determinado campo não estão a todo tempo
refletindo sobre o motivo que os leva a ter determinada crença ou a
agir de uma forma específica. Estas atitudes e orientações já foram
“incorporadas” no momento da educação dentro daquele campo social. O
que constitui o habitus de um campo são as regras inconscientes
incorporadas pelos indivíduos deste mesmo campo e que fazem sentido
para estes que estão imersos nesta realidade.
Um
exemplo pertinente capaz de elucidar esta questão referente ao
significado do habitus e ao campo de Bourdieu são as
produções do pensamento social brasileiro no início do século XX.
Primeiramente não há um campo da sociologia brasileira com seu entorno
solidamente definido. O pensamento da intelligentsia nacional, as
reflexões iniciais sobre nossa sociedade e como teria acontecido a
formação da nossa sociedade manifestavam-se através de ensaios,
romances e crônicas jornalísticas.
A procura por respostas a questões referentes à formação da
sociedade brasileira perpassava por intelectuais que respondiam tanto à
produção de literatura como a de artigos jornalísticos (O caso de
Plínio Salgado, líder do movimento Integralista, por exemplo). Outros
intelectuais exerciam funções burocráticas como servidores do Estado em
diversos setores (esta informação reitera a conexão das teorias de
Mannheim e Bourdieu no caso da formação do pensamento social
brasileiro).
Desta forma, é pertinente atentar para a situação brasileira na década
de 1930 à luz destas duas teorias. Neste momento, não se apresentava no
país um campo da sociologia totalmente estabelecido e a intelligentsia
nacional exercia as mais diversas funções e se originava tanto na
burguesia como no proletariado.
Com
o decorrer da complexificação da sociedade brasileira, consequência do
processo de industrialização do país, há uma espécie de “mutação”
(TRINDADE, 1985, p. 15) do pensamento social brasileiro,
desvinculando-o com o passar das décadas da produção literária (como na
obra de Euclides da Cunha) para a sociologia científica (podemos
exemplificar com a obra de Florestan Fernandes), marcada pela técnica
estabelecida nas Universidades do Rio de Janeiro e São Paulo, onde a
partir da década de 1930, inicia-se a experiência de
institucionalização das Ciências Sociais, encerrando o campo do
pensamento social brasileiro dentro dos moldes da sociologia
científica.
Com
a clivagem entre a produção literária e a sociológica, são
estabelecidos os campos e habitus diferenciados tanto de autores da
literatura quanto de cientistas sociais. O habitus de um cientista
social, por exemplo, deve conter práticas de pesquisa empírica que
corroborem suas teorias de forma a serem reconhecidas dentro do campo
das Ciências Sociais e sejam reconhecidas pelos membros deste campo.
Como afirma Bourdieu: “Ser filósofo é dominar o que deve ser dominado
na história da filosofia para saber agir como filósofo num campo
filosófico” (BOURDIEU, 1983, p. 6).
2. O Pensamento autoritário brasileiro
A
Ação Integralista Brasileira foi o primeiro partido brasileiro a
estabelecer-se nacionalmente, abarcando em torno de meio milhão de
adeptos. Desta maneira, é evidente a importância de estudos que
envolvam a formação e consolidação deste movimento ideológico nacional
na década de 1930, “o primeiro movimento de massa no Brasil” (TRINDADE,
1985).
Hélgio Trindade comenta a conjuntura brasileira no momento da expressão
do pensamento Integralista da seguinte forma:
O ano-chave do período é 1922. Nele eclodem quatro
acontecimentos simbólicos que contém, em embrião, a mutação da
sociedade brasileira entre as duas guerras mundiais. A Semana da Arte
Moderna, em fevereiro, desencadeia a revolução estética; uma nova etapa
da organização política da classe operária se delineia, em março, com a
fundação do Partido Comunista Brasileiro; a criação do Centro D. Vital,
ligado à revista A Ordem, de orientação católica, prenuncia a renovação
espiritual; e, finalmente, a primeira etapa da revolução política
tenentista irrompe, em julho, com a rebelião na Fortaleza de Copacabana
(TRINDADE, 1985, p. 15).
A ideologia e o pensamento autoritários no Brasil podem ser observados
enquanto exemplos da interseção entre diversos campos da sociedade
brasileira. Os autores do Integralismo se dedicaram a uma produção que
respondesse a questões pertinentes às preocupações da intelectualidade
do país nesta época, tais como a necessidade de estabelecimento de uma
arte tipicamente brasileira, como a criação de heróis nacionais, ou “a
utilização de um enfoque sociológico, em moda na época” (TRINDADE,
1985, p. 27). Citando o chefe Integralista: “Salgado não concebe
projeto político sem uma dimensão artística e vice-versa” (SANTOS,
2007, p. 2).
É
importante lembrarmos que uma das preocupações dos intelectuais
brasileiros, da qual fazem parte também os intelectuais que se afinaram
ao pensamento autoritário, era explicar as razões e de alguma forma
trazerem respostas quanto aos motivos que faziam o Brasil permanecer
como uma nação não industrializada, com um atraso em termos
capitalistas em relação às nações centrais. Essa era uma das grandes
questões da intelectualidade nacional.
Outro tema que não deve ser deixado de lado quando decidimos abordar a
questão do pensamento autoritário brasileiro é o impacto da Semana de
Arte Moderna. Durante a semana de 1922, esteve um grupo de artistas
mais conservadores, o Grupo Anta. Tanto na literatura quanto nas outras
artes, não devemos esquecer que o tema fundamental era a “construção da
nação”. A busca de uma arte que representasse genuinamente o Brasil era
carregada de nacionalismo. Desta forma, é válido assinalar que um
nacionalismo ao extremo torna-se autoritarismo.
Mesmo que não dentro de um campo específico da sociologia enquanto
ciência, o Integralismo se propunha a explicar o Brasil e responder à
problemática política, econômica e social. O pensamento social
brasileiro, naquele momento ainda era marcado por formas híbridas,
pelas quais se manifestava de forma diferenciada da que veio
posteriormente, a qual intensificou a “diferenciação” do campo das
Ciências Sociais, com seus métodos, técnicas e teorias específicas. As
práticas do pensamento social no Integralismo, como híbridas, eram
próximas da Literatura. Não é coincidência Plínio Salgado, líder do
movimento, escreveu diversos romances.
Assim como outras manifestações da intelligentsia nacional, o
Integralismo também objetivava explicar o passado brasileiro e de que
maneira este passado repercute nas orientações do país. Para os
integralistas uma grande lástima para nosso país foi a instalação da
República. Para o pensamento autoritário, o país ainda não tinha
condições de assumir as consequências de um regime republicano de forma
“saudável”. O povo ainda não possuía as características necessárias
para o regime republicano.
O
movimento Integralista está solidamente ligado à classe média católica,
com suas recomendações acerca da defesa da família e “bons costumes”,
basta lembrarmos a máxima integralista: Deus, Pátria e Família.
3. A “doutrina Integralista”
Como já exposto na parte anterior deste artigo, inúmeros conflitos
ideológicos, ebulições sociais e mudanças econômicas e culturais marcam
a emergência do movimento integralista. Tratemos de agora assinalar os
objetivos deste movimento que segundo as palavras de seu líder, Plínio
Salgado:
[...] considera o universo, o homem, a sociedade e
as nações, de um ponto de vista total, isto é, somando todas as suas
expressões, todas as suas tendências, fundindo o sentido materialista
do falo ao sentido interior da idéia, subordinando ambos ao ritmo
supremo espiritualista e apreendendo o fenômeno social segundo as leis
de seus movimentos (SALGADO, 1969, p. 25).
Santos (2007), escrevendo sobre a produção literária de Plínio Salgado,
expõe uma característica que marca a produção desse autor e permeia o
pensamento Integralista: o desânimo e negativismo quanto a condição
humana. Essa visão de humanidade degradada pode ser entendida então
como uma alavanca para a “reconstrução” nacional dentro do molde
Integral e a posterior Humanidade Integral. Na obra “O que é
Integralismo” Salgado anuncia “as fórmulas definitivas de salvação
nacional e humana” (SALGADO, 1969, p. 37).
O
pensamento Integral, como exemplo de parte da intelligentsia nacional
do período, visava explicar o Brasil dentro de uma concepção própria e
elaborar soluções para as questões nacionais. Pelo viés integralista a
resolução era libertar o homem daquilo que o amarrava a uma concepção
individualista e material do mundo. Fazê-lo exercer sua plenitude. Para
Salgado, tanto as ideias, marxistas ou liberais, geravam um homem
incompleto, distante de sua verdadeira missão enquanto ser na Terra.
Ambas as correntes ideológicas, tanto a liberal quanto a marxista eram
enxergadas como materialistas, uma sob o prisma do individualismo, a
outra sob o prisma do coletivismo. O liberalismo, conforme o
Integralismo é materialista, “porque permite que se processe a evolução
das forças materiais da sociedade sem nenhuma orientação diretiva do
Estado, tornando este um mero mantenedor da ordem pública” (SALGADO,
1969, p. 29). O marxismo, por sua vez, relegava o poder de todas as
ações da humanidade ao plano de produção material, negando a natureza
da vontade independente de cada ser humano.
Como
detrator do pensamento liberal, uma das características desta
orientação política/ideológica a ser atacada na obra “O que é
Integralismo”, é o voto. De acordo com o pensamento exposto por
Salgado, o voto é uma “artimanha” dos capitalistas, da elite liberal,
ludibriando o povo com a idéia democrática. O voto obriga a população a
eleger como representante um indivíduo que não abarca as aspirações
reais daquela população, pois não se encerram nele as características
de um Estado forte, o Estado funciona apenas como aparato da
administração burocrática para a livre atividade econômica.
O
marxismo, por sua vez não atende às necessidades nacionais e humanas de
uma forma geral por encapsular o homem na esfera econômica reduzindo a
complexidade da sociedade numa “luta de morte” onde se enfrentam
Capital e Trabalho. Além disso, um agravante, para o pensamento
integralista em relação à ideologia comunista era a concepção marxista
para a religião e família, onde estas duas instituições estavam a
serviço da reprodução e manutenção das forças produtivas.
No
caso da explicação histórica para o “atraso” nacional, característica
de nossa intelligentsia neste momento, Salgado atribui à nossa origem
colonial, e posteriormente uma república ineficaz, de cabresto,
dependente da Inglaterra, a formação de uma nação desorganizada,
ansiando por um líder que a trouxesse novamente para sua essência
ordeira.
Uma
questão a ser pontuada são as figuras do Estado para o pensamento
integralista e a importância de seu líder. A “sociologia Integral”
considerava o povo brasileiro inapto ao estabelecimento da democracia
liberal já que estava organicamente conectado a uma figura patriarcal,
que o guiasse. Salgado bem reitera em seu texto: “... o nosso povo é
sedento de ordem e disciplina, subordinando-se espontaneamente à
autoridade” (SALGADO, 1969. p. 58).
Leonardo Neves comenta em seu artigo “O lugar da democracia no
pensamento autoritário de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco
Campos”, o paradoxo presente nas idéias integralistas envolvendo a
perene disputa entre o individualismo (contido na ideologia liberal) e
o coletivismo (“espírito” que deve ser alcançado pelo Estado
Integralista para promover o desenvolvimento da nação).
Este
paradoxo reside justamente em ser o representante desse Estado máximo,
capaz de responder às necessidades de todos os cidadãos da nação
brasileira de forma homogênea, um único indivíduo. Plínio Salgado
defende, em sua produção intelectual, a sua aptidão para tamanha
responsabilidade.
O
pensamento autoritário brasileiro, desta forma, molda-se em torno da
defesa de um Estado centralizado, orgânico, em oposição ao inorgânico.
Este último tendo como base o individualismo inerente ao homem de
Rousseau, que necessita do contrato social para existir em sociedade.
Sintetizando o pensamento integralista com palavras do próprio Plínio
Salgado:
[...] qual o destino do homem e da sociedade?... É
justo que tenha conforto material, que se alimente, que se vista, que
se reproduza; é razoável que se dedique à ciência, à arte, ao
pensamento; é natural que nutra aspirações transcendentais. Tudo isso,
harmonizado, de acordo com as tendências de cada um e debaixo de um
critério superior de espiritualidade e de interesse nacional, social e
humano, realiza o Homem Integral (SALGADO, 1969, p.47).
4. Considerações finais
Em nosso breve estudo a respeito do pensamento autoritário no Brasil,
identificamos características presentes nesta ideologia que evidenciam
o caráter da intelligentsia brasileira nas décadas de 1920 e 1930,
apesar das críticas erigidas por Salgado aos intelectuais liberais e
marxistas.
O
grande líder integralista, Plínio Salgado, atuava como jornalista,
publicava romances e produzia material de cunho sociológico buscando os
motivos que propiciam o “atraso” no “desenvolvimento” brasileiro para
responder à isso com suas teorias.
O
“hibridismo” do intelectual da época manifesta-se em suas obras, que
chamavam para si um cientificismo que ainda não era plenamente
estabelecido, visto que o campo das Ciências Sociais ainda não havia
acumulado capital simbólico para se estabelecer plenamente, coisa que
aconteceu depois, com a institucionalização dos cursos universitários.
Afirmamos então, mais uma vez, a importância de não rejeitarmos estudos
referentes ao pensamento autoritário brasileiro, visto que ele também é
um reflexo do fenômeno social daquele momento histórico e da produção
intelectual daquele momento. No entanto, é necessário não ignorarmos os
problemas de uma ideologia autoritária, que credita a apenas um
indivíduo toda a capacidade de formular a gestão do país todo e que,
portanto retira o crédito da nação de optar pelas direções que melhor
lhe convir, mesmo que isto não passe de utopia.
Bibliografia
BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia.
Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
MANNHEIM, Karl. Sociologia da Cultura. São Paulo:
Editora Perspectiva, 2004.
NEVES, Leonardo. O Lugar da Democracia no Pensamento
Autoritário de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos.
Rio de Janeiro: IUPERJ, s/d.
SALGADO, Plínio. Obras completas. São Paulo: Editora
das Américas, 1969.
SANTOS, Robson. A Estética Política - Literatura e Sociedade
em O Esperado, de Plínio Salgado. Maringá, Revista Urutágua,
2007.
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o Fascismo Brasileiro na
Década de 30. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1974.