ISSN 1982-9108 -  Zona de Impacto. ANO 16 Vol. 2 - 2014 - Julho/Dezembro

O Pensamento Autoritário de Plínio Salgado como exemplo da “Intelligentsia” brasileira da década de 1930

 





Paula Stolerman
Cientista Social e Mestranda em Geografia - UNIR


 



RESUMO: Pretendemos com este artigo, melhor compreender as manifestações do pensamento autoritário brasileiro na década de 30, nos reportando a seu líder, Plínio Salgado, evidenciando as características do campo do pensamento social brasileiro, em formação, assim como evidenciar as características da “intelligentsia” nacional daquele momento, que buscava entender os fenômenos sociais brasileiros através do resgate histórico da formação da nação e simultaneamente contribuir para a consolidação e constituição de uma “identidade nacional”.

Palavras-Chave: pensamento autoritário, integralismo, Intelligentsia, campo social.


1. Introdução

            Em busca de compreender a contribuição do pensamento/ideologia autoritários nacional, como o de Plínio Salgado, nos anos 30, à formação do campo sociológico brasileiro, entendemos ser necessário primariamente reportarmo-nos a teorias de Karl Mannheim e Pierre Bourdieu.
            Para Mannheim, a divisão do trabalho nas sociedades exige especializações dos grupos sociais. Estas especializações geram a consciência de classe em cada um destes grupos, auto-reflexões a respeito de sua condição. No momento em que escreve, Mannheim afirma que a sociedade vive o momento de reflexão sociológica, após os estágios em que se “auto explicou” de maneira religiosa, iluminista e histórica. O autor afirma que “o proletariado foi o primeiro grupo a propor-se uma auto avaliação sociológica consistente e a adquirir uma consciência de classe sistemática” (MANNHEIM, 2004).
            O termo “intelligentsia” é cunhado por Mannheim para descrever uma espécie de “supraclasse”, a dos intelectuais, que dentro de uma sociedade organizada na forma de classes, não estaria vinculada nem aos grupos dominantes e tampouco aos dominados dominadas.
            Os intelectuais estariam libertos dos radicalismos de classe, podendo circular livremente entre estas camadas e dedicar-se à geração de consciências. O autor expõe da seguinte forma:

O surgimento da intelligentsia marca a última fase do crescimento da consciência social. A intelligentsia foi o último grupo a adotar o ponto de vista sociológico, pois sua posição na divisão social do trabalho não lhe propicia acesso direto a nenhum segmento vital e ativo da sociedade. O gabinete recluso e a dependência livresca só permitem uma visão derivada do processo social (MANNHEIM, 2004, p. 27).

            No caso de pensarmos a respeito de uma sociologia brasileira em formação, é válido utilizarmos o pensamento de Mannheim, pois os intelectuais nacionais, em nosso estudo, os especificamente atrelados ao pensamento autoritário da década de 30, não podem ser classificados como sendo exclusivamente movidos por interesses de classe. O conhecimento produzido pelos intelectuais nacionais não pode necessariamente ser avaliado pela origem de classe do intelectual.
            A construção da Sociologia brasileira não pode desprender-se da constituição de uma Intelligentsia nacional. O termo de Karl Mannheim é apropriado na medida em que buscamos uma maior elucidação dos processos que levaram ao estabelecimento do campo (BOURDIEU, 1983) da Sociologia no Brasil.
            Quanto à teoria dos campos, de Pierre Bourdieu, esta se torna útil ao nosso estudo na medida em que observamos que a formação do pensamento sociológico brasileiro está atrelada a própria constituição de seu campo. Para Bourdieu, não há possibilidade de utilizarmos o conceito de totalidade para a explicação da sociedade, o que existe são inúmeros campos sociais.
            Os campos sociais são constituídos à medida que a sociedade vai se tornando mais complexa, com a expansão da divisão do trabalho. Quanto maior a especialização de uma sociedade, maior a quantidade de campos sociais dentro dela. O funcionamento de um determinado campo depende de regras, “leis de funcionamento invariantes” (BOURDIEU, 1983) que são compartilhados pelos membros do campo em questão. Este conjunto de normas, ditando o comportamento dos que participarão do campo compõe o habitus do campo.
            O habitus é transmitido dentro do campo social de maneira inconsciente. Os indivíduos pertencentes a determinado campo não estão a todo tempo refletindo sobre o motivo que os leva a ter determinada crença ou a agir de uma forma específica. Estas atitudes e orientações já foram “incorporadas” no momento da educação dentro daquele campo social. O que constitui o habitus de um campo são as regras inconscientes incorporadas pelos indivíduos deste mesmo campo e que fazem sentido para estes que estão imersos nesta realidade.
            Um exemplo pertinente capaz de elucidar esta questão referente ao significado do habitus e ao campo de Bourdieu são as produções do pensamento social brasileiro no início do século XX. Primeiramente não há um campo da sociologia brasileira com seu entorno solidamente definido. O pensamento da intelligentsia nacional, as reflexões iniciais sobre nossa sociedade e como teria acontecido a formação da nossa sociedade manifestavam-se através de ensaios, romances e crônicas jornalísticas.
             A procura por respostas a questões referentes à formação da sociedade brasileira perpassava por intelectuais que respondiam tanto à produção de literatura como a de artigos jornalísticos (O caso de Plínio Salgado, líder do movimento Integralista, por exemplo). Outros intelectuais exerciam funções burocráticas como servidores do Estado em diversos setores (esta informação reitera a conexão das teorias de Mannheim e Bourdieu no caso da formação do pensamento social brasileiro).
            Desta forma, é pertinente atentar para a situação brasileira na década de 1930 à luz destas duas teorias. Neste momento, não se apresentava no país um campo da sociologia totalmente estabelecido e a intelligentsia nacional exercia as mais diversas funções e se originava tanto na burguesia como no proletariado.
            Com o decorrer da complexificação da sociedade brasileira, consequência do processo de industrialização do país, há uma espécie de “mutação” (TRINDADE, 1985, p. 15) do pensamento social brasileiro, desvinculando-o com o passar das décadas da produção literária (como na obra de Euclides da Cunha) para a sociologia científica (podemos exemplificar com a obra de Florestan Fernandes), marcada pela técnica estabelecida nas Universidades do Rio de Janeiro e São Paulo, onde a partir da década de 1930, inicia-se a experiência de institucionalização das Ciências Sociais, encerrando o campo do pensamento social brasileiro dentro dos moldes da sociologia científica.
            Com a clivagem entre a produção literária e a sociológica, são estabelecidos os campos e habitus diferenciados tanto de autores da literatura quanto de cientistas sociais. O habitus de um cientista social, por exemplo, deve conter práticas de pesquisa empírica que corroborem suas teorias de forma a serem reconhecidas dentro do campo das Ciências Sociais e sejam reconhecidas pelos membros deste campo. Como afirma Bourdieu: “Ser filósofo é dominar o que deve ser dominado na história da filosofia para saber agir como filósofo num campo filosófico” (BOURDIEU, 1983, p. 6).

2. O Pensamento autoritário brasileiro
 
            A Ação Integralista Brasileira foi o primeiro partido brasileiro a estabelecer-se nacionalmente, abarcando em torno de meio milhão de adeptos. Desta maneira, é evidente a importância de estudos que envolvam a formação e consolidação deste movimento ideológico nacional na década de 1930, “o primeiro movimento de massa no Brasil” (TRINDADE, 1985).
            Hélgio Trindade comenta a conjuntura brasileira no momento da expressão do pensamento Integralista da seguinte forma:

O ano-chave do período é 1922. Nele eclodem quatro acontecimentos simbólicos que contém, em embrião, a mutação da sociedade brasileira entre as duas guerras mundiais. A Semana da Arte Moderna, em fevereiro, desencadeia a revolução estética; uma nova etapa da organização política da classe operária se delineia, em março, com a fundação do Partido Comunista Brasileiro; a criação do Centro D. Vital, ligado à revista A Ordem, de orientação católica, prenuncia a renovação espiritual; e, finalmente, a primeira etapa da revolução política tenentista irrompe, em julho, com a rebelião na Fortaleza de Copacabana (TRINDADE, 1985, p. 15).

            A ideologia e o pensamento autoritários no Brasil podem ser observados enquanto exemplos da interseção entre diversos campos da sociedade brasileira. Os autores do Integralismo se dedicaram a uma produção que respondesse a questões pertinentes às preocupações da intelectualidade do país nesta época, tais como a necessidade de estabelecimento de uma arte tipicamente brasileira, como a criação de heróis nacionais, ou “a utilização de um enfoque sociológico, em moda na época” (TRINDADE, 1985, p. 27). Citando o chefe Integralista: “Salgado não concebe projeto político sem uma dimensão artística e vice-versa” (SANTOS, 2007, p. 2).
            É importante lembrarmos que uma das preocupações dos intelectuais brasileiros, da qual fazem parte também os intelectuais que se afinaram ao pensamento autoritário, era explicar as razões e de alguma forma trazerem respostas quanto aos motivos que faziam o Brasil permanecer como uma nação não industrializada, com um atraso em termos capitalistas em relação às nações centrais. Essa era uma das grandes questões da intelectualidade nacional.
            Outro tema que não deve ser deixado de lado quando decidimos abordar a questão do pensamento autoritário brasileiro é o impacto da Semana de Arte Moderna. Durante a semana de 1922, esteve um grupo de artistas mais conservadores, o Grupo Anta. Tanto na literatura quanto nas outras artes, não devemos esquecer que o tema fundamental era a “construção da nação”. A busca de uma arte que representasse genuinamente o Brasil era carregada de nacionalismo. Desta forma, é válido assinalar que um nacionalismo ao extremo torna-se autoritarismo.
            Mesmo que não dentro de um campo específico da sociologia enquanto ciência, o Integralismo se propunha a explicar o Brasil e responder à problemática política, econômica e social. O pensamento social brasileiro, naquele momento ainda era marcado por formas híbridas, pelas quais se manifestava de forma diferenciada da que veio posteriormente, a qual intensificou a “diferenciação” do campo das Ciências Sociais, com seus métodos, técnicas e teorias específicas. As práticas do pensamento social no Integralismo, como híbridas, eram próximas da Literatura. Não é coincidência Plínio Salgado, líder do movimento, escreveu diversos romances.
            Assim como outras manifestações da intelligentsia nacional, o Integralismo também objetivava explicar o passado brasileiro e de que maneira este passado repercute nas orientações do país. Para os integralistas uma grande lástima para nosso país foi a instalação da República. Para o pensamento autoritário, o país ainda não tinha condições de assumir as consequências de um regime republicano de forma “saudável”. O povo ainda não possuía as características necessárias para o regime republicano.
            O movimento Integralista está solidamente ligado à classe média católica, com suas recomendações acerca da defesa da família e “bons costumes”, basta lembrarmos a máxima integralista: Deus, Pátria e Família.


3. A “doutrina Integralista”

            Como já exposto na parte anterior deste artigo, inúmeros conflitos ideológicos, ebulições sociais e mudanças econômicas e culturais marcam a emergência do movimento integralista. Tratemos de agora assinalar os objetivos deste movimento que segundo as palavras de seu líder, Plínio Salgado:

[...] considera o universo, o homem, a sociedade e as nações, de um ponto de vista total, isto é, somando todas as suas expressões, todas as suas tendências, fundindo o sentido materialista do falo ao sentido interior da idéia, subordinando ambos ao ritmo supremo espiritualista e apreendendo o fenômeno social segundo as leis de seus movimentos (SALGADO, 1969, p. 25).

            Santos (2007), escrevendo sobre a produção literária de Plínio Salgado, expõe uma característica que marca a produção desse autor e permeia o pensamento Integralista: o desânimo e negativismo quanto a condição humana. Essa visão de humanidade degradada pode ser entendida então como uma alavanca para a “reconstrução” nacional dentro do molde Integral e a posterior Humanidade Integral. Na obra “O que é Integralismo” Salgado anuncia “as fórmulas definitivas de salvação nacional e humana” (SALGADO, 1969, p. 37).
            O pensamento Integral, como exemplo de parte da intelligentsia nacional do período, visava explicar o Brasil dentro de uma concepção própria e elaborar soluções para as questões nacionais. Pelo viés integralista a resolução era libertar o homem daquilo que o amarrava a uma concepção individualista e material do mundo. Fazê-lo exercer sua plenitude. Para Salgado, tanto as ideias, marxistas ou liberais, geravam um homem incompleto, distante de sua verdadeira missão enquanto ser na Terra.
            Ambas as correntes ideológicas, tanto a liberal quanto a marxista eram enxergadas como materialistas, uma sob o prisma do individualismo, a outra sob o prisma do coletivismo. O liberalismo, conforme o Integralismo é materialista, “porque permite que se processe a evolução das forças materiais da sociedade sem nenhuma orientação diretiva do Estado, tornando este um mero mantenedor da ordem pública” (SALGADO, 1969, p. 29). O marxismo, por sua vez, relegava o poder de todas as ações da humanidade ao plano de produção material, negando a natureza da vontade independente de cada ser humano.
            Como detrator do pensamento liberal, uma das características desta orientação política/ideológica a ser atacada na obra “O que é Integralismo”, é o voto. De acordo com o pensamento exposto por Salgado, o voto é uma “artimanha” dos capitalistas, da elite liberal, ludibriando o povo com a idéia democrática. O voto obriga a população a eleger como representante um indivíduo que não abarca as aspirações reais daquela população, pois não se encerram nele as características de um Estado forte, o Estado funciona apenas como aparato da administração burocrática para a livre atividade econômica.
            O marxismo, por sua vez não atende às necessidades nacionais e humanas de uma forma geral por encapsular o homem na esfera econômica reduzindo a complexidade da sociedade numa “luta de morte” onde se enfrentam Capital e Trabalho. Além disso, um agravante, para o pensamento integralista em relação à ideologia comunista era a concepção marxista para a religião e família, onde estas duas instituições estavam a serviço da reprodução e manutenção das forças produtivas.
            No caso da explicação histórica para o “atraso” nacional, característica de nossa intelligentsia neste momento, Salgado atribui à nossa origem colonial, e posteriormente uma república ineficaz, de cabresto, dependente da Inglaterra, a formação de uma nação desorganizada, ansiando por um líder que a trouxesse novamente para sua essência ordeira.
            Uma questão a ser pontuada são as figuras do Estado para o pensamento integralista e a importância de seu líder. A “sociologia Integral” considerava o povo brasileiro inapto ao estabelecimento da democracia liberal já que estava organicamente conectado a uma figura patriarcal, que o guiasse. Salgado bem reitera em seu texto: “... o nosso povo é sedento de ordem e disciplina, subordinando-se espontaneamente à autoridade” (SALGADO, 1969. p. 58).
            Leonardo Neves comenta em seu artigo “O lugar da democracia no pensamento autoritário de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos”, o paradoxo presente nas idéias integralistas envolvendo a perene disputa entre o individualismo (contido na ideologia liberal) e o coletivismo (“espírito” que deve ser alcançado pelo Estado Integralista para promover o desenvolvimento da nação).
            Este paradoxo reside justamente em ser o representante desse Estado máximo, capaz de responder às necessidades de todos os cidadãos da nação brasileira de forma homogênea, um único indivíduo. Plínio Salgado defende, em sua produção intelectual, a sua aptidão para tamanha responsabilidade.
            O pensamento autoritário brasileiro, desta forma, molda-se em torno da defesa de um Estado centralizado, orgânico, em oposição ao inorgânico. Este último tendo como base o individualismo inerente ao homem de Rousseau, que necessita do contrato social para existir em sociedade. Sintetizando o pensamento integralista com palavras do próprio Plínio Salgado:

[...] qual o destino do homem e da sociedade?... É justo que tenha conforto material, que se alimente, que se vista, que se reproduza; é razoável que se dedique à ciência, à arte, ao pensamento; é natural que nutra aspirações transcendentais. Tudo isso, harmonizado, de acordo com as tendências de cada um e debaixo de um critério superior de espiritualidade e de interesse nacional, social e humano, realiza o Homem Integral (SALGADO, 1969, p.47).
        
4. Considerações finais

            Em nosso breve estudo a respeito do pensamento autoritário no Brasil, identificamos características presentes nesta ideologia que evidenciam o caráter da intelligentsia brasileira nas décadas de 1920 e 1930, apesar das críticas erigidas por Salgado aos intelectuais liberais e marxistas.
            O grande líder integralista, Plínio Salgado, atuava como jornalista, publicava romances e produzia material de cunho sociológico buscando os motivos que propiciam o “atraso” no “desenvolvimento” brasileiro para responder à isso com suas teorias.
            O “hibridismo” do intelectual da época manifesta-se em suas obras, que chamavam para si um cientificismo que ainda não era plenamente estabelecido, visto que o campo das Ciências Sociais ainda não havia acumulado capital simbólico para se estabelecer plenamente, coisa que aconteceu depois, com a institucionalização dos cursos universitários.
            Afirmamos então, mais uma vez, a importância de não rejeitarmos estudos referentes ao pensamento autoritário brasileiro, visto que ele também é um reflexo do fenômeno social daquele momento histórico e da produção intelectual daquele momento. No entanto, é necessário não ignorarmos os problemas de uma ideologia autoritária, que credita a apenas um indivíduo toda a capacidade de formular a gestão do país todo e que, portanto retira o crédito da nação de optar pelas direções que melhor lhe convir, mesmo que isto não passe de utopia.



Bibliografia

BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
MANNHEIM, Karl. Sociologia da Cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004.
NEVES, Leonardo. O Lugar da Democracia no Pensamento Autoritário de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos. Rio de Janeiro: IUPERJ, s/d.
SALGADO, Plínio. Obras completas. São Paulo: Editora das Américas, 1969.
SANTOS, Robson. A Estética Política - Literatura e Sociedade em O Esperado, de Plínio Salgado. Maringá, Revista Urutágua, 2007.
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o Fascismo Brasileiro na Década de 30. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1974.