Zona de Impacto - ISSN 1982-9108  ANO 17 Vol. 2 - 2015 - Julho/Dezembro



Artivismo – borrando fronteiras entre vida e arte

 

Vanessa Benites Bordin

 

Resumo: Neste artigo será abordado um dos conceitos chave que permeiam minha pesquisa a respeito da arte de caráter subversivo ou regulador do sistema: o artivismo. Este conceito contém como ideia fundamental romper com as relações entre arte e vida, criando a possibilidade de um espaço de discussão, onde o performer produz sua arte a partir de suas convicções, sem que seu pensamento político esteja dissociado de sua prática artística. Desta forma, para refletir a respeito de que maneira as ações artivistas podem acontecer em nossa sociedade, trago uma reflexão acerca da prática artística e política do artivista norte-americano Reverend Billy, que utiliza o humor e a bufonaria para denunciar as injustiças contra o homem na sociedade capitalista de consumo.

Palavras – chave: Arte, Ativismo, Performance

Abstract: I will address one of the key concepts studied in my Master thesis: the artivism. Whose relationship between art and life blur in a discussion space where the performer produces his art from his convictions, without his political thinking is divorced from his artistic practice. Therefore, to reflect on how the artivists actions can happen in our society, bring a reflection on the artistic practice and policy of the US artivist Reverend Billy, who uses humor and buffoonery to denounce injustices against man in capitalist consumer society.

Keywords: Art, Activism, Performance

 

 

Durante uma aula em um curso de Arte e Resistência no México [1][1], eis que surge um Reverendo, que ao final de suas pregações exclama: Earthalujah! [2][2] Todos os presentes acabam envolvidos por suas palavras de redenção e repetem em coro depois do Reverendo: Earthalujah! Amém!

Vestido como um Televangelista típico americano [3][3] com traços de pop-star [4][4], as pregações de Reverend Billy não têm nada de religioso no sentido tradicional do termo, mas falam da valorização à vida, respeito à natureza, convidando a todos a consumir menos e procurar alternativas mais saudáveis e autossustentáveis às grandes empresas corporativas. 

O discurso de Reverend Billy, apesar de muito sério no conteúdo, pois toda a crítica e denúncia vem de temas sérios saídos da realidade, invoca o humor pela forma como aborda, porque utiliza o aparelho igreja, recorrendo à figura parodiada do Televangelista, para denunciar atitudes da sociedade capitalista de consumo que Bill acredita ser equivocadas.

Bill Talen, o cidadão norte americano, o pai, o marido, o professor, coloca-se como o artivista na figura de Reverend Billy, que ao revelar que “Mickey Mouse é o Anticristo!” [5][5] (Billy, 2012: 426) também revela-se, já que expõe suas convicções de uma maneira crítica e inusitada. Reverend Billy denuncia, com humor, o poder por trás de uma marca difundida em diversos países, neste caso, endereçada principalmente ao público infantil há décadas de gerações.

O artivista também crítica e provoca curiosidade com sua própria imagem. Homem alto, magro, olhos azuis, belo sorriso, cabelos loiríssimos milimetricamente estruturados por uma generosa camada de spray que dão forma a um enorme topete. Seu corpo é coberto por uma camisa preta com colarinho branco, ornado de um paletó e calças brancas (o conjunto clássico dos Televangelistas norte americanos) e nos pés, que percorrem as ruas em busca de fiéis, botas de astro-cowboy também brancas. Um reverendo de respeito, que desperta a atenção de quem quer que seja por onde passa.

Seu tipo físico remete a imagem que temos do ideal de homem norte americano, difundido principalmente no cinema. Porém, sua figura causa certo estranhamento, ao mesmo tempo em que parece ser um reverendo evangélico, ou melhor, um Televangelista, possuí traços de um astro pop, segundo Jane Hindley (2011: 4): “(...) este “showman”, este homem espetáculo é remanescente de Billy Graham, Jimmy Swaggart, Johnny Cash ou mesmo Elvis.” [6][6]

A primeira vista não se sabe se ele é um personagem ou não, sua figura gera desconfiança, engana-nos por um instante, causando desconforto no espectador. Essa característica chama atenção à medida que vamos conhecendo o universo dos artivistas, é que eles não são atores que representam um personagem, mas são o que representam, pois vida e arte é indivisível.    No curso de Arte e Resistência no México, os participantes eram em sua maioria artivistas e estudantes engajados politicamente vindos de diferentes lugares das Américas, o incômodo causado pela figura de Reverend Billy foi nítido, principalmente por parte dos latinos que ainda não conheciam seu trabalho. Isso porque, suas feições típicas de norte americano, diria até que poderia ser um ator de comercial de pasta de dente com um ar satírico, deixa dúvidas. Confunde e nos faz indagar: o que esse “tipo” (no sentido pejorativo do termo) pretende no meio de artivistas?! Os fatos revelam que não foi a primeira vez que isto aconteceu. Jane Hindley (2011) fala sobre o estranhamento que causou nela própria, o fato de Reverend Billy agir com um “fervor religioso” tão intenso, mesmo sendo paródia. Savitri D. [7][7], confirma que isso é comum durante as manifestações sociais das quais Reverend Billy participa, principalmente em países estrangeiros, onde seu trabalho ainda não é conhecido. Algumas pessoas acreditam que realmente ele possa ser um Televangelista “reacionário” ou de “direita”, referindo-se à alguém com ideias conservadoras.

Porém, à medida que vamos apreciando seu discurso percebemos sua verdadeira intenção: a denúncia. Os artivistas são figuras políticas com pensamento político, isso vai além de técnicas de atuação, que adotam uma forma de vida condizente com aquilo que pregam utilizando a arte como propulsora para provocar transformações sociais a partir de suas convicções.

Diana Taylor, professora da Universidade de Nova York e responsável pelo curso no México, em uma conversa gravada que tivemos em Nova York em setembro de 2012, como parte de minha pesquisa de mestrado, fala de onde vem o termo artivismo:

O termo artivismo, a primeira vez que escutei foi com Ricardo Dominguez [8][8], que vem de hacktivismo, com interrupções ativistas feitas principalmente pela internet. E a diferença entre o hacktivista e o hacker é que o hacktivista não danifica seu computador. E no caso do artivismo, a arte serve muitas vezes como proteção para o ativista. [9][9]

 

A arte ativista, como no caso de Reverend Billy, utiliza como “proteção” o humor da paródia, que possuí em suas raízes o grotesco e o popular, destacado sempre por um caráter ambivalente que traz o trágico pelo cômico. O riso que desperta a consciência e, sobretudo diverte.

Dois momentos na história cultural ocidental marcam a origem do artivismo presente nos dias de hoje. Primeiro, os movimentos sociais a partir da década de 60, como a luta pelos direitos civis, as manifestações contra a guerra no Vietnã, as mobilizações estudantis de 68 e a contracultura. O segundo momento da origem do artivismo é mais recente, ligado à produção de novas tecnologias, a partir dos anos 90, que ampliam o potencial de artistas políticos com os meios de comunicação de massa, a internet e conquistas tecnológicas, propiciando as mais diferentes e inusitadas práticas, marcadas principalmente por utilizarem elementos de paródia com humor em suas realizações. 

A década de 60 - podemos dizer - é o berço do artivismo, no entanto, Diana Taylor afirma que o artivismo é uma prática que já ocorre muito antes, mesmo que o termo seja mais recente, e cita como exemplo de artivismo o trabalho de Bertolt Brecht [10][10]. Evidentemente, o nascer da arte ativista na década de 60 deve muito a Brecht, que influenciou e serviu de modelo para diversos artivistas, entre eles Augusto Boal, um assumido seguidor da poética brechtiana de teatro.

Invocamos Boal, pois é interessante perceber que aqui trazemos o exemplo de um artivista norte-americano, Reverend Billy, mas que têm a referência do trabalho de um brasileiro que é Augusto Boal. Reverend Billy [11][11] cita as técnicas de Teatro do Oprimido, desenvolvidas por Boal, como uma de suas principais inspirações. Isso evidencia como os fundamentos de práticas com ideais semelhantes estão interligados, por isso, podemos trazer referências diversas, que no fundo tem em comum um desejo maior, por uma sociedade mais justa, mais humana, vendo no prazer despertado pela arte uma possibilidade para essa conquista.

A prática de Teatro do Oprimido de Augusto Boal serve de modelo para artivistas, justamente por buscar a transformação social utilizando o teatro como um meio condutor. “O Teatro do oprimido, em todas as suas formas, busca sempre a transformação da sociedade no sentido da libertação dos oprimidos. É a ação em si mesmo, e é preparação para ações futuras.” (Boal, 1975: 19). Parece que seu trabalho é tão ou mais valorizado no exterior do que em nosso país. As práticas teatrais desenvolvidas por Boal buscam debater sobre problemas sociais convidando o público a participar das ações realizadas, podendo usar o humor, ou não, dentro de suas realizações.

Frequentemente o humor aparece, porque mesmo que os assuntos tratados sejam sérios, a partir do momento que são colocados em um ambiente improvisacional eles acabam suscitando o espírito de brincadeira nos participantes, que tem de resgatar algo de sua criança interior para se relacionar em cena, é um dos princípios básicos para o ator, que retoma uma tradição muito antiga de teatro popular. E o que mais impressiona os artivistas na prática desenvolvida por Boal é a maneira como ele consegue fazer com que o público se torne um atuante, não somente espectador. O público tem a oportunidade de vivenciar a situação e pode expressar sua opinião usando o que tem de artístico dentro de si, libertando-se de seus próprios pré-conceitos [12][12] e amarras físicas e psíquicas [13][13].

  Diana Taylor fala sobre a grande questão que envolve o poder do artivismo na efetivação de mudanças sociais concretas. Ela diz que o artivista, mais do que pretender mudar a política pública de maneira imediata, se propõe a transformar a forma em que as pessoas veem determinada situação, comunicando algo ao público, abrindo os olhos das pessoas para que estejam a par de determinados equívocos. [14][14] Não em um sentido moralizante, pois, não diz respeito a obras de caráter de propaganda que tratam de abordar uma questão específica para transmitir uma mensagem. O diferencial do artivismo é que sua crítica abre um espaço de discussão, onde são expostas diversas opiniões.

 Ernst Fischer em seu livro sobre a necessidade da arte traz reflexões acerca da função social da arte, resgatando autores como Marx e Brecht. Ele afirma que o papel ambíguo da arte não se insere somente num campo de discussão racional, mas principalmente lúdico. “A arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte também é necessária em virtude da magia que lhe é inerente.” (Fischer, 1963: 18). Apesar de todos os questionamentos políticos que a arte ativista possa suscitar, ela faz parte de um universo mágico, que proporciona prazer aos envolvidos na ação.

O universo lúdico, gerado pela interação entre performer e espectador, possibilita um espaço de discussão diferenciado sobre os problemas que pretende debater, não se prendendo a um campo filosófico e intelectual, mas também refletindo por meio da diversão, despertando sensações que somente o debate verbal não possibilitaria, configurando uma experiência política por meio de um ato artístico.

O artivismo deve questionar de modo interventivo as relações de poder que o envolve, sendo suas ações artísticas uma forma de resistência cultural, porque se insere numa preocupação de questionamento crítico também dos seus limites enquanto arte. Teresa Vieira em seu estudo sobre arte artivista destaca:

Está servirá para criticar (autocriticando-se) e é bifurcada em duas trajetórias: uma arte que interpreta o mundo (promovendo e forçando certas interpretações) e uma arte que se separa desta realidade (porque obscura e inútil, que nega facilitar a performatividade econômica e comunicacional dominante). (Vieira, 2017: 8)

 

Assim, o artivismo apresenta uma ambiguidade característica do jogo de denúncia, que é a possibilidade de trabalhar com a realidade, negando-a, logo, trazendo o questionamento para esta mesma realidade. “A tensão e a contradição dialética são inerentes à arte; a arte não só precisa nascer de uma profunda experiência da realidade como precisa ser elaborada; precisa tomar forma através da objetividade.” (Fischer, 1963: 12). Pois, a realidade é retratada dentro de um jogo cênico que ao negá-la pela representação, denuncia esta mesma realidade julgada equivocada.

No caso de Reverend Billy, o artivista também crítica e provoca curiosidade com sua própria imagem. Aproveitando-se de suas características pessoais, ele rebaixa a figura do reverendo, profanando-o ao confundi-lo com o astro do rock, posto que o homem religioso (mesmo que saibamos que isso possa ser uma falácia) prega a humildade, a vida longe de vícios e de exageros, em contraponto a ideia da estrela do rock, que em muitos casos está envolvida em um universo de luxo, exageros de consumo e vícios dos mais variados (o que constata-se por algumas histórias de grandes astros exibidas pela mídia).

A figura de Billy se funde por dois opostos, que, com efeito, tem um ponto em comum, porque do mesmo modo que o homem religioso é um “enviado de Deus”, ele se apropria dos meios de comunicação para a realização de shows, elevando-o ao nível de um astro no meio evangélico. E os ídolos representam astros tão inatingíveis que são vistos como deuses por seus fãs, o que os eleva, podemos dizer, ao plano do sagrado.

Assim, essa sobreposição, ou essa fusão na construção da imagem de Reverend Billy, contém uma crítica social à ideia que se tem do religioso e do astro, aparentemente divergentes.  Com essas características tão peculiares vai em busca da multidão nas ruas. Em suas ações, Reverend Billy, vai até as lojas exorcizar os caixas de dinheiro, os cartões de créditos dos clientes, propondo que eles quebrem, queimem, arrumem uma maneira de livrarem-se de seus cartões. Coloca-se na frente dos estabelecimentos fazendo preces e benzimentos, sempre acompanhado pelo coro de sua igreja. O coro trata-se de artivistas que o acompanham e representam o coral de sua igreja anticonsumo intitulada: “The Church of Stop Shopping”. Seus principais alvos são as lojas de brinquedos da Disney e a de café Starbucks, que nos EUA dominam o mercado de ambos os produtos.

Essa é uma das características do artivismo, sair do individual para abranger o coletivo, realizando ações em espaços públicos de passagem de diferentes pessoas, deslocando a arte e a política para o público, ou também o virtual no caso das ações realizadas através da internet. A internet tem sido um importante instrumento na atualidade para a difusão do artivismo, como foi o caso da “Primavera Árabe” que movimentou milhares de pessoas na luta pela democracia no Oriente Médio e Norte da África entre 2010 e 2012. Do mesmo modo que o movimento “Occupy Wall Street” de 2011, levando uma massa de jovens norte-americanos engajados para as ruas de Nova York na luta contra a influência empresarial, principalmente no governo e na sociedade civil. 

A internet é um dos trunfos dos artivistas, já que abre um leque de possibilidades de interação, podendo dar-se inclusive em tempo real. Reverend Billy utiliza a internet para divulgação e propagação de suas ações, recorrendo à web sites oficiais, páginas e perfis no facebook, twiter e youtube, onde podemos acompanhar seus trabalhos mais antigos ou ter a oportunidade de apreciá-los ao vivo. Desta maneira, estariam fazendo a crítica ao sistema dentro do próprio sistema. “O artivista deverá não alimentar o sistema de produção cultural, mas investigar os processos e instrumentos que o controlam para os contornar e desconstruir.” (Vieira, 2007: 20)

Contudo, devemos lembrar que essas práticas também são incorporadas pelo sistema que se quer criticar, da mesma maneira que algumas manifestações populares são absorvidas pelo sistema vigente e transformadas em manifestações de cultura de massa. Muitas vezes o excesso de paródia com humor é incorporado pela cultura de massa tornando-se uma característica de alienação, isso fica claro na maioria dos programas humorísticos da televisão que utilizam todos os recursos de mídia para divulgar seus projetos, não com o intuito de denunciar, mas sim, ressaltar práticas preconceituosas ao ridicularizar o indivíduo e não uma situação social que o marginaliza, já que recorrem a estereótipos para fazer a paródia com humor.

O artivismo se mostra como um discurso alternativo de resistência contra os discursos dominantes, difundidos principalmente pela grande mídia, que se colocam como verdades absolutas. O artivista busca intervir em questões de relevância na vida social com o intuito de denúncia, buscando atos artísticos para sua realização, e assim pretende derrubar as convicções mais profundas daqueles que acredita serem os responsáveis pelo atraso de nossa sociedade atual. Esse pensamento de “mudar o mundo” começa a partir da sua própria mudança enquanto ser humano, optar pela arte para realizá-las é o diferencial do artivista.

Muitas pessoas, quando apresento a figura de Reverend Billy, me questionam sobre o Inri Cristo (Álvaro Inri Cristo Thais), uma espécie de líder religioso e escritor brasileiro que realiza pregações dizendo-se a reencarnação de Jesus Cristo. No entanto, não acredito que Inri Cristo tenha semelhanças com Reverend Billy no que diz respeito ao seu caráter artivista como abordo em meu estudo, pois, me parece que o que Inri Cristo pretende não é a utilização do humor da paródia para denunciar algo que julga equivocado em nossa sociedade, mas sim passar uma mensagem religiosa acreditando-se mesmo um profeta enviado de Deus, já que se auto intitula a reencarnação de Jesus Cristo com um discurso de conteúdo religioso. Digo isto baseado em todas as suas declarações e entrevistas que acompanho, e também analisando suas postagens em seu site www.inricristo.org.br onde não percebo um cunho político e ativista em seu discurso, mas sim um desejo em mostrar-se como um guru.

Inri Cristo com suas performances, ao lado de suas “inrizetes” (discípulas que o acompanham e são uma espécie de coro e dançarinas) realizam paródias de músicas famosas, mas com o intuito de passar uma mensagem religiosa. É uma paródia que não consegue efetivar uma crítica, mesmo que contenha humor, já que esse humor se dá pelo fato de sua ação parecer ridícula para quem não o vê como a reencarnação de Jesus Cristo. Porque existe diferença entra a paródia que busca a crítica, que é a paródia do bufão, e a paródia pela paródia, que muitas vezes não contém humor. Pode-se parodiar uma música ou determinada ação mas não necessariamente utilizar o humor e muito menos o humor de denúncia.

Reverend Billy subverte a ideia de igreja, ao criar uma igreja anticonsumo que chama de “The Church of Stop Shopping” que não traz a ideia de um Deus, não tem um discurso religioso, ou melhor, critica a ideia do Deus da nossa sociedade capitalista, o consumo desenfreado. Inri Cristo pode parecer ridículo para alguns, mas isso não significa que realize uma paródia com humor de denúncia, somente mostra que a tentativa de se revelar a reencarnação de Jesus Cristo é frustrada, ao contrário do que acontece com as ações de Reverend Billy, que possuem um cunho político, mesmo com um caráter humorístico.

Assim, acredito que é sempre importante refletir a respeito do humor de denúncia colocado em nossa sociedade, pois, muitas vezes é preciso ter cuidado ao identificar o que realmente se propõe a subverter e o que serve simplesmente para regular o poder dominante, como é o caso de alguns humoristas que se assemelham a ideia de artivistas, já que são o que representam, vivem seus “personagens” em tempo integral, como Rafinha Bastos e Danilo Gentili, mas que usam a paródia com humor para reforçar estereótipos e preconceitos. Os dois humoristas frequentemente se envolvem em casos onde são acusados de agredir homossexuais e mulheres com suas ‘piadas’ bem (mal) humoradas.

No caso de Rafinha Bastos, além da célebre ofensa a Wanessa Camargo quando estava grávida, dizendo que comeria (sentido pejorativo também relacionado a sexo) ela e o seu bebê, fato que lhe acarretou um processo. Ainda, sempre que pode repete a frase de que toda mulher feia merece ser estuprada (entrevista no site da Revista Rolling Stone. http://wwww.rollingstone.uol.com.br/edicao/56/a-graca-de-um-herege. Acesso em 24/05/2015). Da mesma forma, Danilo Gentili mostra uma postura misógina e desrespeitosa, por exemplo, com sua ‘piada’ de mal gosto sobre uma das maiores doadoras de leite no Brasil, Michele Maximino, comparando-a a uma vaca leiteira, usando o riso para ridicularizá-la, o que, inclusive, também acarretou um processo ao humorista.

Portanto, apesar de em toda a história do riso, o humor ter sempre estado nessa linha tênue entre a subversão e a regulação de ideias pré-concebidas, acredito que pode sim ser uma arma de denúncia e crítica social, como vimos na ideia de artivismo, mas pode também ser uma ferramenta a favor daqueles que querem manter os velhos paradigmas calcados em preconceitos.

 

REFERÊNCIAS

 

BILLY, Reverend in: Beautiful Trouble. A toolbox for revolution. Assembled by Andrew Boyd and Dave Oswald Mitchell. New York and London: OR Books, 2012.

 

BOAL, Augusto. O teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.

BÓSI, Ecléa. Cultura de Massa e Cultura Popular: Leituras de Operárias: 13º edição. Petrópolis: Vozes, 2009.

FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Lisboa: Editora Ulisseia, 1963.

HINDLEY, Jane. Breaking the Consumerist Trance: The Reverend Billy and Church of Stop Shopping. Capitalism Nature Socialism. London: Routledge, 2011: 4, 118 – 126:  119. URL: http://dx.doi.org/10.1080/10455752.2010.523138

VIEIRA, Teresa de Jesus Batista. Artivismo. Estratégias artísticas contemporâneas de resistência cultural. Dissertação (Mestrado em Arte Multimédia), Universidade do Porto. Faculdade de Belas Artes. Portugal, 2007.

www.revbilly.com

www.facebook.com/revbilly

www.inricristo.org.br

www.facebook.com/rafinhabastos

wwww.rollingstone.uol.com.br/edicao/56/a-graca-de-um-herege


NOTAS

[1] [1] O curso oferecido pelo Instituto Hemisférico de Performance e Política foi realizado na cidade de San Cristóbal de Las Casas, estado de Chiapas, México, no período de 24 de julho a 13 de agosto de 2011. Realizado durante minha pesquisa de mestrado em artes cênicas pela ECA-USP.

[2] [2] Poderíamos traduzir como “Terraluia” uma brincadeira com as palavras: Earth = terra Alujah= aleluia.

[3] [3] Televangelistas são religiosos que fazem pregações na TV, muito comum nos EUA.

[4] [4] Artistas famosos, conhecidos por grande parte da população, frequentemente divulgado nas mídias, geralmente pertencentes à música.

[5] [5] Livre tradução: “Mickey Mouse is the Antichristo!” No minidicionário Luft da editora ática, 2003: 68 – “anticristo s.m. 1. (Rel.) Segundo o Apocalipse, inimigo de Cristo que virá prenunciando o fim do mundo. 2. (p. ext.) Qualquer perseguidor dos cristões.”

[6][6] HINDLEY, Jane. Breaking the Consumerist Trance: The Reverend Billy and Church of Stop Shopping, Capitalism Nature Socialism. London: Routledge, 2011: 4, 118 – 126:  119. URL: http://dx.doi.org/10.1080/10455752.2010.523138 Livre tradução a partir do original: “(...) his showmanship is reminiscent of Billy Graham, Jimmy Swaggart, Johnny Cash, or even Elvis.”

[7][7] Esposa de Bill Tallen, diretora e integrante do grupo de performers “The Church of Stop shopping” que seria a igreja de Reverend Billy: A igreja pare de comprar!

[8] [8] Artivista e professor da Universidade de San Diego, EUA.

[9] [9] Transcrição e livre tradução da entrevista realizada com Diana Taylor na Universidade de Nova York, EUA, em setembro de 2012 como parte de minha pesquisa de campo do mestrado.

[10] [10] Inclusive foi um dos autores estudados no Curso de Arte e Resistência no México.

[11] [11] Em conversa gravada em setembro de 2012 em sua casa no Brooklin em Nova York, EUA, como parte da pesquisa.

[12] [12] No sentido de preconceitos também.

[13] [13] Nos referimos a psíquicas como a imaginação.

[14][14] Diana Taylor na mesma entrevista referida acima. Idem viii.

                Recebido em março de 2015. Aceito em maio de 2015.