Zona de Impacto - ISSN 1982-9108 ANO 17 Vol. 2 - 2015 - Julho/Dezembro
|
Artivismo
– borrando fronteiras
entre vida e arte
Vanessa
Benites Bordin
Resumo:
Neste artigo será
abordado um dos conceitos chave que permeiam minha pesquisa a respeito
da arte
de caráter subversivo ou regulador do sistema: o artivismo. Este
conceito
contém como ideia fundamental romper com as relações entre arte e vida,
criando
a possibilidade de um espaço de discussão, onde o performer produz sua
arte a
partir de suas convicções, sem que seu pensamento político esteja
dissociado de
sua prática artística. Desta forma, para refletir a respeito de que
maneira as
ações artivistas podem acontecer em nossa sociedade, trago uma reflexão
acerca
da prática artística e política do artivista norte-americano Reverend
Billy,
que utiliza o humor e a bufonaria para denunciar as injustiças contra o
homem
na sociedade capitalista de consumo. Palavras – chave: Arte, Ativismo, Performance Abstract: I will
address one of the key concepts studied in my Master thesis: the
artivism.
Whose relationship between art and life blur in a discussion space
where the
performer produces his art from his convictions, without his political
thinking
is divorced from his artistic practice. Therefore, to reflect on how
the
artivists actions can happen in our society, bring a reflection on the
artistic
practice and policy of the US artivist Reverend Billy, who uses humor
and
buffoonery to denounce injustices against man in capitalist consumer
society. Keywords:
Art, Activism,
Performance Durante
uma aula em um
curso de Arte e Resistência no México [1][1],
eis que surge um Reverendo, que ao final de suas pregações exclama: Earthalujah!
[2][2]
Todos os presentes acabam
envolvidos por suas palavras de redenção e repetem em coro depois do
Reverendo:
Earthalujah! Amém! Vestido
como um Televangelista típico americano [3][3]
com traços de pop-star [4][4],
as pregações de Reverend Billy não
têm nada de religioso
no sentido tradicional do termo, mas falam da valorização à vida,
respeito à
natureza, convidando a todos a consumir menos e procurar alternativas
mais
saudáveis e autossustentáveis às grandes empresas corporativas. O
discurso de Reverend Billy, apesar
de
muito sério no conteúdo, pois toda a crítica e denúncia vem de temas
sérios
saídos da realidade, invoca o humor pela forma como aborda, porque
utiliza o
aparelho igreja, recorrendo à figura parodiada do Televangelista, para
denunciar atitudes da sociedade capitalista de consumo que Bill
acredita ser
equivocadas. Bill
Talen, o cidadão norte
americano, o pai, o marido, o professor, coloca-se como o artivista na
figura
de Reverend Billy, que ao revelar
que
“Mickey Mouse é o Anticristo!” [5][5]
(Billy, 2012: 426) também revela-se, já que expõe suas convicções de
uma
maneira crítica e inusitada. Reverend Billy
denuncia, com humor, o poder por trás de uma marca difundida em
diversos
países, neste caso, endereçada principalmente ao público infantil há
décadas de
gerações. O
artivista também crítica e
provoca curiosidade com sua própria imagem. Homem alto, magro, olhos
azuis,
belo sorriso, cabelos loiríssimos milimetricamente estruturados por uma
generosa camada de spray que dão
forma a um enorme topete. Seu corpo é coberto por uma camisa preta com
colarinho
branco, ornado de um paletó e calças brancas (o conjunto clássico dos
Televangelistas norte americanos) e nos pés, que percorrem as ruas em
busca de
fiéis, botas de astro-cowboy também brancas. Um reverendo de respeito,
que
desperta a atenção de quem quer que seja por onde passa. Seu
tipo físico remete a imagem
que temos do ideal de homem norte americano, difundido principalmente
no
cinema. Porém, sua figura causa certo estranhamento, ao mesmo tempo em
que
parece ser um reverendo evangélico, ou melhor, um Televangelista,
possuí traços
de um astro pop, segundo Jane Hindley (2011: 4): “(...) este “showman”, este homem espetáculo é
remanescente de Billy Graham, Jimmy Swaggart, Johnny Cash ou mesmo
Elvis.” [6][6] A
primeira vista não se sabe se
ele é um personagem ou não, sua figura gera desconfiança, engana-nos
por um
instante, causando desconforto no espectador. Essa característica chama
atenção
à medida que vamos conhecendo o universo dos artivistas, é que eles não
são
atores que representam um personagem, mas são o que representam, pois
vida e
arte é indivisível.
No curso de Arte e
Resistência no México, os participantes eram em sua maioria artivistas
e
estudantes engajados politicamente vindos de diferentes lugares das
Américas, o
incômodo causado pela figura de Reverend
Billy foi nítido, principalmente por parte dos latinos que ainda não
conheciam
seu trabalho. Isso porque, suas feições típicas de norte americano,
diria até
que poderia ser um ator de comercial de pasta de dente com um ar
satírico, deixa
dúvidas. Confunde e nos faz indagar: o que esse “tipo” (no sentido
pejorativo
do termo) pretende no meio de artivistas?! Os fatos revelam que não foi
a
primeira vez que isto aconteceu. Jane Hindley (2011) fala sobre o
estranhamento
que causou nela própria, o fato de Reverend
Billy agir com um “fervor religioso” tão intenso, mesmo sendo paródia.
Savitri
D. [7][7],
confirma que isso é comum durante as manifestações sociais das quais Reverend Billy participa, principalmente
em países estrangeiros, onde seu trabalho ainda não é conhecido.
Algumas
pessoas acreditam que realmente ele possa ser um Televangelista
“reacionário”
ou de “direita”, referindo-se à alguém com ideias conservadoras. Porém,
à medida que vamos
apreciando seu discurso percebemos sua verdadeira intenção: a denúncia.
Os
artivistas são figuras políticas com pensamento político,
isso vai além de técnicas de atuação, que adotam uma forma de vida
condizente
com aquilo que pregam utilizando a arte como propulsora para provocar
transformações sociais a partir de suas convicções. Diana
Taylor, professora
da Universidade de Nova York e responsável pelo curso no México, em uma
conversa gravada que tivemos em Nova York em setembro de 2012, como
parte de
minha pesquisa de mestrado, fala de onde vem o termo artivismo: O
termo artivismo, a primeira vez que escutei foi com Ricardo Dominguez
[8][8],
que vem de hacktivismo, com interrupções ativistas feitas
principalmente pela
internet. E a diferença entre o hacktivista e o hacker é que o
hacktivista não
danifica seu computador. E no caso do artivismo, a arte serve muitas
vezes como
proteção para o ativista. [9][9] A
arte ativista, como no
caso de Reverend Billy, utiliza
como
“proteção” o humor da paródia, que possuí em suas raízes o grotesco e o
popular, destacado sempre por um caráter ambivalente que traz o trágico
pelo
cômico. O riso que desperta a consciência e, sobretudo diverte. Dois
momentos na história
cultural ocidental marcam a origem do artivismo presente nos dias de
hoje.
Primeiro, os movimentos sociais a partir da década de 60, como a luta
pelos
direitos civis, as manifestações contra a guerra no Vietnã, as
mobilizações
estudantis de 68 e a contracultura. O segundo momento da origem do
artivismo é
mais recente, ligado à produção de novas tecnologias, a partir dos anos
90, que
ampliam o potencial de artistas políticos com os meios de comunicação
de massa,
a internet e conquistas tecnológicas, propiciando as mais diferentes e
inusitadas práticas, marcadas principalmente por utilizarem elementos
de paródia
com humor em suas realizações. A
década de 60 - podemos
dizer - é o berço do artivismo, no entanto, Diana Taylor afirma que o
artivismo
é uma prática que já ocorre muito antes, mesmo que o termo seja mais
recente, e
cita como exemplo de artivismo o trabalho de Bertolt Brecht [10][10].
Evidentemente, o nascer da arte ativista na década de 60 deve muito a
Brecht,
que influenciou e serviu de modelo para diversos artivistas, entre eles
Augusto
Boal, um assumido seguidor da poética brechtiana de teatro. Invocamos
Boal, pois é
interessante perceber que aqui trazemos o exemplo de um artivista
norte-americano, Reverend Billy,
mas
que têm a referência do trabalho de um brasileiro que é Augusto Boal. Reverend Billy [11][11]
cita as técnicas de Teatro do Oprimido, desenvolvidas por Boal, como
uma de
suas principais inspirações. Isso evidencia como os fundamentos de
práticas com
ideais semelhantes estão interligados, por isso, podemos trazer
referências
diversas, que no fundo tem em comum um desejo maior, por uma sociedade
mais
justa, mais humana, vendo no prazer despertado pela arte uma
possibilidade para
essa conquista. A
prática de Teatro do
Oprimido de Augusto Boal serve de modelo para artivistas, justamente
por buscar
a transformação social utilizando o teatro como um meio condutor. “O
Teatro do
oprimido, em todas as suas formas, busca sempre a transformação da
sociedade no
sentido da libertação dos oprimidos. É a ação em si mesmo, e é
preparação para
ações futuras.” (Boal, 1975: 19). Parece que seu trabalho é tão ou mais
valorizado no exterior do que em nosso país. As práticas teatrais
desenvolvidas
por Boal buscam debater sobre problemas sociais convidando o público a
participar das ações realizadas, podendo usar o humor, ou não, dentro
de suas
realizações. Frequentemente
o humor
aparece, porque mesmo que os assuntos tratados sejam sérios, a partir
do
momento que são colocados em um ambiente improvisacional eles acabam
suscitando
o espírito de brincadeira nos participantes, que tem de resgatar algo
de sua
criança interior para se relacionar em cena, é um dos princípios
básicos para o
ator, que retoma uma tradição muito antiga de teatro popular. E o que
mais
impressiona os artivistas na prática desenvolvida por Boal é a maneira
como ele
consegue fazer com que o público se torne um atuante, não somente
espectador. O
público tem a oportunidade de vivenciar a situação e pode expressar sua
opinião
usando o que tem de artístico dentro de si, libertando-se de seus
próprios
pré-conceitos [12][12]
e amarras físicas e psíquicas [13][13].
Diana Taylor fala sobre a
grande questão que
envolve o poder do artivismo na efetivação de mudanças sociais
concretas. Ela
diz que o artivista, mais do que pretender mudar a política pública de
maneira
imediata, se propõe a transformar a forma em que as pessoas veem
determinada
situação, comunicando algo ao público, abrindo os olhos das pessoas
para que
estejam a par de determinados equívocos. [14][14]
Não em um sentido moralizante, pois, não diz respeito a obras de
caráter de
propaganda que tratam de abordar uma questão específica para transmitir
uma
mensagem. O diferencial do artivismo é que sua crítica abre um espaço
de
discussão, onde são expostas diversas opiniões. Ernst Fischer em seu livro
sobre a necessidade
da arte traz reflexões acerca da função social da arte, resgatando
autores como
Marx e Brecht. Ele afirma que o papel ambíguo da arte não se insere
somente num
campo de discussão racional, mas principalmente lúdico. “A arte é
necessária
para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte
também
é necessária em virtude da magia que lhe é inerente.” (Fischer, 1963:
18).
Apesar de todos os questionamentos políticos que a arte ativista possa
suscitar, ela faz parte de um universo mágico, que proporciona prazer
aos
envolvidos na ação. O
universo lúdico, gerado
pela interação entre performer e espectador, possibilita um espaço de
discussão
diferenciado sobre os problemas que pretende debater, não se prendendo
a um
campo filosófico e intelectual, mas também refletindo por meio da
diversão,
despertando sensações que somente o debate verbal não possibilitaria,
configurando uma experiência política por meio de um ato artístico. O
artivismo deve
questionar de modo interventivo as relações de poder que o envolve,
sendo suas
ações artísticas uma forma de resistência cultural, porque se insere
numa
preocupação de questionamento crítico também dos seus limites enquanto
arte.
Teresa Vieira em seu estudo sobre arte artivista destaca: Está
servirá para criticar (autocriticando-se) e é bifurcada em duas
trajetórias:
uma arte que interpreta o mundo (promovendo e forçando certas
interpretações) e
uma arte que se separa desta realidade (porque obscura e inútil, que
nega
facilitar a performatividade econômica e comunicacional dominante).
(Vieira,
2017: 8) Assim,
o artivismo
apresenta uma ambiguidade característica do jogo de denúncia, que é a
possibilidade de trabalhar com a realidade, negando-a, logo, trazendo o
questionamento para esta mesma realidade. “A tensão e a contradição
dialética
são inerentes à arte; a arte não só precisa nascer de uma profunda
experiência
da realidade como precisa ser elaborada; precisa tomar forma através da
objetividade.” (Fischer, 1963: 12). Pois, a realidade é retratada
dentro de um
jogo cênico que ao negá-la pela representação, denuncia esta mesma
realidade
julgada equivocada. No
caso de Reverend Billy, o artivista
também crítica e provoca curiosidade com sua própria imagem.
Aproveitando-se de
suas características pessoais, ele rebaixa a figura do reverendo,
profanando-o ao
confundi-lo com o astro do rock, posto que o homem religioso (mesmo que
saibamos que isso possa ser uma falácia) prega a humildade, a vida
longe de
vícios e de exageros, em contraponto a ideia da estrela do rock, que em
muitos
casos está envolvida em um universo de luxo, exageros de consumo e
vícios dos
mais variados (o que constata-se por algumas histórias de grandes
astros
exibidas pela mídia). A
figura de Billy se funde por
dois opostos, que, com efeito, tem um ponto em comum, porque do mesmo
modo que
o homem religioso é um “enviado de Deus”, ele se apropria dos meios de
comunicação para a realização de shows, elevando-o ao nível de um astro
no meio
evangélico. E os ídolos representam astros tão inatingíveis que são
vistos como
deuses por seus fãs, o que os eleva, podemos dizer, ao plano do sagrado. Assim,
essa sobreposição, ou essa
fusão na construção da imagem de Reverend
Billy, contém uma crítica social à ideia que se tem do
religioso e do
astro, aparentemente divergentes. Com essas
características tão peculiares
vai em busca da multidão nas ruas. Em suas ações, Reverend
Billy, vai até as lojas exorcizar os caixas de dinheiro,
os cartões de créditos dos clientes, propondo que eles quebrem,
queimem,
arrumem uma maneira de livrarem-se de seus cartões. Coloca-se na frente
dos
estabelecimentos fazendo preces e benzimentos, sempre acompanhado pelo
coro de
sua igreja. O coro trata-se de artivistas que o acompanham e
representam o
coral de sua igreja anticonsumo intitulada: “The
Church of Stop Shopping”. Seus principais alvos são as lojas
de
brinquedos da Disney e a de café Starbucks, que nos EUA dominam o
mercado de
ambos os produtos. Essa
é uma das características do artivismo, sair do individual para
abranger o
coletivo, realizando ações em espaços públicos de passagem de
diferentes
pessoas, deslocando a arte e a política para o público, ou também o
virtual no
caso das ações realizadas através da internet. A internet tem sido um
importante instrumento na atualidade para a difusão do artivismo, como
foi o caso
da “Primavera Árabe” que movimentou milhares de pessoas na luta pela
democracia
no Oriente Médio e Norte da África entre 2010 e 2012. Do mesmo modo que
o
movimento “Occupy Wall Street” de
2011, levando uma massa de jovens norte-americanos engajados para as
ruas de
Nova York na luta contra a influência empresarial, principalmente no
governo e
na sociedade civil. A
internet é um dos trunfos dos artivistas, já que abre um leque de
possibilidades de interação, podendo dar-se inclusive em tempo real. Reverend Billy utiliza a internet para
divulgação e propagação de suas ações, recorrendo à web sites oficiais,
páginas
e perfis no facebook, twiter e youtube, onde podemos acompanhar seus
trabalhos
mais antigos ou ter a oportunidade de apreciá-los ao vivo. Desta
maneira,
estariam fazendo a crítica ao sistema dentro do próprio sistema. “O
artivista
deverá não alimentar o sistema de produção cultural, mas investigar os
processos e instrumentos que o controlam para os contornar e
desconstruir.”
(Vieira, 2007: 20) Contudo,
devemos lembrar que essas práticas também são incorporadas pelo sistema
que se
quer criticar, da mesma maneira que algumas manifestações populares são
absorvidas pelo sistema vigente e transformadas em manifestações de
cultura de
massa. Muitas vezes o excesso de paródia com humor é incorporado pela
cultura
de massa tornando-se uma característica de alienação, isso fica claro
na
maioria dos programas humorísticos da televisão que utilizam todos os
recursos
de mídia para divulgar seus projetos, não com o intuito de denunciar,
mas sim,
ressaltar práticas preconceituosas ao ridicularizar o indivíduo e não
uma
situação social que o marginaliza, já que recorrem a estereótipos para
fazer a
paródia com humor. O
artivismo se mostra como um discurso alternativo de resistência contra
os
discursos dominantes, difundidos principalmente pela grande mídia, que
se
colocam como verdades absolutas. O artivista busca intervir em questões
de
relevância na vida social com o intuito de denúncia, buscando atos
artísticos para
sua realização, e assim pretende derrubar as convicções mais profundas
daqueles
que acredita serem os responsáveis pelo atraso de nossa sociedade
atual. Esse
pensamento de “mudar o mundo” começa a partir da sua própria mudança
enquanto
ser humano, optar pela arte para realizá-las é o diferencial do
artivista. Muitas
pessoas, quando apresento a figura de Reverend
Billy, me questionam sobre o Inri Cristo (Álvaro Inri
Cristo Thais), uma
espécie de líder religioso e escritor brasileiro que realiza pregações
dizendo-se a reencarnação de Jesus Cristo. No entanto, não acredito que
Inri
Cristo tenha semelhanças com Reverend Billy
no que diz respeito ao seu caráter artivista como abordo em meu estudo,
pois,
me parece que o que Inri Cristo pretende não é a utilização do humor da
paródia
para denunciar algo que julga equivocado em nossa sociedade, mas sim
passar uma
mensagem religiosa acreditando-se mesmo um profeta enviado de Deus, já
que se
auto intitula a reencarnação de Jesus Cristo com um discurso de
conteúdo religioso.
Digo isto baseado em todas as suas declarações e entrevistas que
acompanho, e
também analisando suas postagens em seu site www.inricristo.org.br
onde não percebo um cunho político e ativista em seu discurso, mas sim
um
desejo em mostrar-se como um guru. Inri
Cristo com suas performances, ao lado de suas “inrizetes” (discípulas
que o
acompanham e são uma espécie de coro e dançarinas) realizam paródias de
músicas
famosas, mas com o intuito de passar uma mensagem religiosa. É uma
paródia que
não consegue efetivar uma crítica, mesmo que contenha humor, já que
esse humor
se dá pelo fato de sua ação parecer ridícula para quem não o vê como a
reencarnação de Jesus Cristo. Porque existe diferença entra a paródia
que busca
a crítica, que é a paródia do bufão, e a paródia pela paródia, que
muitas vezes
não contém humor. Pode-se parodiar uma música ou determinada ação mas
não
necessariamente utilizar o humor e muito menos o humor de denúncia. Reverend
Billy subverte a ideia de igreja, ao criar uma igreja anticonsumo que
chama de
“The Church of Stop Shopping” que
não
traz a ideia de um Deus, não tem um discurso religioso, ou melhor,
critica a
ideia do Deus da nossa sociedade capitalista, o consumo desenfreado.
Inri Cristo
pode parecer ridículo para alguns, mas isso não significa que realize
uma
paródia com humor de denúncia, somente mostra que a tentativa de se
revelar a
reencarnação de Jesus Cristo é frustrada, ao contrário do que acontece
com as
ações de Reverend Billy, que
possuem
um cunho político, mesmo com um caráter humorístico. Assim,
acredito que é sempre importante refletir a respeito do humor de
denúncia
colocado em nossa sociedade, pois, muitas vezes é preciso ter cuidado
ao
identificar o que realmente se propõe a subverter e o que serve
simplesmente
para regular o poder dominante, como é o caso de alguns humoristas que
se
assemelham a ideia de artivistas, já que são o que representam, vivem
seus
“personagens” em tempo integral, como Rafinha Bastos e Danilo Gentili,
mas que
usam a paródia com humor para reforçar estereótipos e preconceitos. Os
dois
humoristas frequentemente se envolvem em casos onde são acusados de
agredir
homossexuais e mulheres com suas ‘piadas’ bem (mal) humoradas. No
caso de Rafinha Bastos, além da célebre ofensa a Wanessa Camargo quando
estava
grávida, dizendo que comeria (sentido pejorativo também relacionado a
sexo) ela
e o seu bebê, fato que lhe acarretou um processo. Ainda, sempre que
pode repete
a frase de que toda mulher feia merece ser estuprada (entrevista no
site da
Revista Rolling Stone. http://wwww.rollingstone.uol.com.br/edicao/56/a-graca-de-um-herege.
Acesso
em 24/05/2015). Da
mesma forma, Danilo Gentili mostra uma postura misógina e
desrespeitosa, por
exemplo, com sua ‘piada’ de mal gosto sobre uma das maiores doadoras de
leite
no Brasil, Michele Maximino, comparando-a a uma vaca leiteira, usando o
riso
para ridicularizá-la, o que, inclusive, também acarretou um processo ao
humorista. Portanto,
apesar de em toda a história do riso, o humor ter sempre estado nessa
linha
tênue entre a subversão e a regulação de ideias pré-concebidas,
acredito que
pode sim ser uma arma de denúncia e crítica social, como vimos na ideia
de
artivismo, mas pode também ser uma ferramenta a favor daqueles que
querem
manter os velhos paradigmas calcados em preconceitos. REFERÊNCIAS BILLY, Reverend in: Beautiful
Trouble. A toolbox for revolution. Assembled by Andrew Boyd
and Dave Oswald
Mitchell. New
York and London: OR Books, 2012. BOAL,
Augusto. O teatro do oprimido e outras
poéticas políticas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1975. BÓSI,
Ecléa. Cultura de Massa e Cultura Popular:
Leituras de Operárias: 13º edição.
Petrópolis: Vozes, 2009. FISCHER,
Ernst. A necessidade da arte.
Lisboa: Editora Ulisseia, 1963. HINDLEY, Jane. Breaking
the
Consumerist Trance: The Reverend Billy and Church of Stop Shopping.
Capitalism
Nature Socialism. London: Routledge, 2011: 4, 118 – 126: 119. URL:
http://dx.doi.org/10.1080/10455752.2010.523138 VIEIRA,
Teresa de Jesus Batista. Artivismo.
Estratégias artísticas
contemporâneas de resistência cultural.
Dissertação (Mestrado em Arte Multimédia), Universidade do Porto.
Faculdade de
Belas Artes. Portugal, 2007. www.facebook.com/rafinhabastos
wwww.rollingstone.uol.com.br/edicao/56/a-graca-de-um-herege
NOTAS [1] [1] O curso
oferecido pelo
Instituto Hemisférico de Performance e Política foi realizado na cidade
de San
Cristóbal de Las Casas, estado de Chiapas, México, no período de 24 de
julho a
13 de agosto de 2011. Realizado durante minha pesquisa de mestrado em
artes
cênicas pela ECA-USP. [2] [2]
Poderíamos traduzir como
“Terraluia” uma brincadeira com as palavras: Earth = terra Alujah=
aleluia. [3] [3]
Televangelistas são religiosos
que fazem pregações na TV, muito comum nos EUA. [4] [4] Artistas
famosos, conhecidos
por grande parte da população, frequentemente divulgado nas mídias,
geralmente
pertencentes à música. [5]
[5] Livre tradução: “Mickey Mouse is the
Antichristo!” No
minidicionário Luft da editora ática, 2003: 68 – “anticristo s.m. 1.
(Rel.)
Segundo o Apocalipse, inimigo de Cristo que virá prenunciando o fim do
mundo. 2.
(p. ext.) Qualquer perseguidor dos cristões.” [6][6]
HINDLEY, Jane. Breaking the Consumerist Trance: The Reverend Billy and
Church
of Stop Shopping, Capitalism Nature Socialism. London: Routledge, 2011:
4, 118
– 126: 119. URL:
http://dx.doi.org/10.1080/10455752.2010.523138 Livre tradução a partir
do
original: “(...) his showmanship is
reminiscent of Billy Graham, Jimmy Swaggart, Johnny Cash, or even
Elvis.” [8] [8] Artivista
e professor da
Universidade de San Diego, EUA. [9] [9]
Transcrição e livre tradução
da entrevista realizada com Diana Taylor na Universidade de Nova York,
EUA, em
setembro de 2012 como parte de minha pesquisa de campo do mestrado. [10] [10]
Inclusive foi um dos autores
estudados no Curso de Arte e Resistência no México. [11] [11] Em
conversa gravada em
setembro de 2012 em sua casa no Brooklin em Nova York, EUA, como parte
da
pesquisa. [12] [12] No
sentido de preconceitos
também. [13] [13] Nos
referimos a psíquicas
como a imaginação. [14][14] Diana
Taylor na mesma
entrevista referida acima. Idem viii. Recebido em março de 2015. Aceito em maio de 2015. |
|
|
|
|