Zona de Impacto - ISSN 1982-9108  ANO 17  V 2 - 2015 - Junho/Dezembro



Eles Viviam no Meio Deles: Desvendando a Identidade Marajoara 

Mirian Loureiro do Amaral

 

RESUMO. O presente trabalho,faz uma análise sobre a identidade indígena dos moradores que nasceram na Ilha do Marajó (das florestas). Tendo como objetivo, mostrar a identidade étnica dos marajoaras e sustentá-la como forma de resistência na luta contra o apagamento da mesma. Para isso, tomamos parte de estudos históricos da região do arquipélago marajoara na obra de Pacheco (2010), e realizamos estudos nas obras de Rangel; Galante e Cardoso (2013), Maciel (2014), Filho (2014) e Pizarro (2012) que nos ajudaram a entender como ocorre o apagamento da identidade étnica e cultural. Foram analisados, o mapa de Nimuendaju Etno-Histórico do Brasil (1944), o mapa da região do arquipélago do Marajó e o mapa do município de Breves-PÁ, para uma análise de comparação do território. Para finalizar, utilizamos nesta pesquisa três árvores genealógicas de famílias marajoaras-brevenses seguidas de relatos dos antigos, que mostraram evidências da existência de nativos na ilha, como também sustentaram a herança cultural herdada pelos indígenas que habitavam nesta região. Concluímos portanto, que esse universo de comunidades que foram tidas como dizimadas no passado ainda permanecem vivos os costumes, os artesanatos, os mitos e as crenças de nossos ancestrais na região do Marajó. Tudo isso nos faz sentir na obrigação de marajoaras que somos, lutar contra o ocultamento da identidade étnica e cultural.

Palavras-chave: Indígena. Portugueses. Marajoara. Identidade.

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INTRODUÇÃO

 

A colonização do espaço do Marajoara ocorreu nos meados do século XVII, quando portugueses chegaram nesta terra para explorar a riqueza e garantir território para coroa portuguesa. Houveram inúmeros combates de Portugal contra os índios que habitavam no Marajó, apesar das grandes armas de combate de guerra que os portugueses possuíam eles não obtiveram êxito contra os guerreiros que sempre se mantinham em resistência contra os invasores.

Segundo Daniel (2014, apud PACHECO, 2010, p. 25), a colonização se deu por meio do padre Antônio Vieira que com o propósito de catequizar os indígenas pacificou estes nativos ganhando a confiança dos mesmos. Com os bravos guerreiros pacificados, Portugal teve o livre acesso nas rotas marítimas e nas terras para colonizar o espaço marajoara, o que levou a muitos dos indígenas que habitavam nesta região a serem expulsos e os que ficaram tiveram que se adequar as exigências de Portugal.

Apesar da colonização portuguesa querer implantar sua cultura, seus costumes e sua religião na região amazônica, a força da cultura indígena sobreviveu através dos anos. Hoje, em nossos dias, temos a oportunidade de desfrutar dessa herança cultural que herdamos dos indígenas marajoara.

Neste trabalho veremos através dos relatos de marajoaras que vivem no município de Breves localizado as margens do rio Parauaú, qual a importância da herança cultural, dos costumes e crenças que os indígenas deixaram desta terra.

Fazendo algumas considerações a respeito das pistas que levam a identidade indígena do povo que nasceu nesta região, será analisado dois mapas da região marajoara, o primeiro mapa etno-histórico comparando com o segundo mapa do Marajó e o mapa do município de Breves, para assim, verificar se existe uma ascendência indígena dos moradores nascidos nesta região. Porém, precisa-se além deste dado, buscar também árvores genealógicas de três famílias para certificar a origem destes moradores e assim chegar ao nosso objetivo final que é saber a identidade indígena dos marajoaras.

 

1.      HISTÓRIA DOS INDÍGENAS NO OCIDENTAL MARAJOARA

 

Segundo Pacheco (2010), no correr do século XVII, iniciou-se uma longa jornada pelos rios da Amazônia, homens abastecidos de suprimentos em suas embarcações saíram em busca de novos rumos e conquistas. Uma expedição liderada por Portugal apreçava-se para tomar parte do território amazônico já que outros países (França, Inglaterra, Irlanda, Holanda) ameaçavam posse de terra navegando por estas rotas de água. Portugal iniciou seu processo de conquista, tendo como objetivo a expansão territorial, acúmulo de riquezas e ampliação e exércitos de almas, para tanto, travou-se uma grande batalha contra os indígenas que aqui viviam. Houve inúmeras derrotas dos portugueses para os índios marajoaras, até que a partir de 1616 deu-se o processo de conquista dos Marajós.

É de grande valia adentrarmos mais um pouco nesta história, para investigar como ocorreram estes fatos que fazem parte de nossa história, muito embora temos poucos documentos que narrem tais feitos dos indígenas em resistência aos portugueses. Para tanto, visitaremos as crônicas de missionários que estiveram neste território afim de catequizar os indígenas marajoaras. Desdobraremos este passado muito misterioso, que servirá de ponto de partida para quem está em busca de sua própria identidade, que como tal está envolvida em um cenário de guerra.

 

Ao revisitar textos de cronistas e historiadores, percebe-se que o modo como documentavam encontros, tragédias, e negociações, entre conquistadores e populações a serem conquistadas, acabaram por consagrar uma memória religiosa, que entre as inúmeras derrotas e extermínios ocorrido nos Marajós, apresenta-se em vertente exclusivamente vencedora (PACHECO, 2010, p. 16).

 

 

Segundo Pacheco (2010), o padre Antônio Vieira da Companhia de Jesus na Amazônia foi heroificado e santificado pelo seu grande feito em conseguir pacificar os indígenas que até então estavam em resistência contra os portugueses. Como resultado deste feito, o padre Vieira fez com que ocorresse de fato a colonização tornando este arquipélago propriedade da coroa portuguesa. Uma memória religiosa forjada como definidora que levou um “acordo de paz” entre índios e portugueses para dar liberdade ao processo colonizador no lado ocidental do arquipélago, o Marajó das Florestas.

Antes da colonização houve muitos contatos entre estrangeiros, portugueses e indígenas. Os guardiões da floresta sempre se mantinham alertas com quais quer rumores que percebiam, assim, não eram capturados com facilidade. Portanto, era preciso Portugal montar uma estratégia para a conquista e para proteger as rotas do Maranhão e Grão Pará (MAUÉS, 1995, p. 39 apud PACHECO, 2010, p. 16) relata que na faixa do litoral habitavam os índios Tupinambás em grande número.

 

Experientes em contatos e guerras tribais anteriormente vividas, entre si e com outras nações Aruãns, Sacacas, Marauanás, Caiás, Araris, Anajás, Muanás, Mapuás, Pacajás, entre outras e os batizados Nheengaíbas, enfrentaram as armas portuguesas por quase 20 anos. Este processo já demostra quão difícil foi a conquista da Amazônia e como os nativos habitantes, “da ilha que estava atravessada na boca do rio Amazonas, de maior comprimento e largueza que todo o reino de Portugal”, posicionaram-se diante da voraz ganância lusitana (PACHECO, 2010, p. 18-19).

 

Ao visualizarmos o mapa abaixo, o qual mostra a região do Marajó, constatamos a existências dos povos indígenas que habitavam nesta região conforme citado por Pacheco (2010). O povo indígena batizado por Mapuás localizava-se no mapa na mesma região onde hoje encontra-se o município da cidade de Breves, nossa pesquisa parte deste ponto, no qual o município ergueu-se sob esta comunidade indígena.

 

Figura 1: Recorte do mapa Etno-Histórico do Brasil Nimuendaju (1944), destaque o arquipélago do Marajó.

 

Pacheco (2010) esclarece também que na grande ilha de Joanes em diferentes demarcações geográficas esses povos lutaram em defesa de suas terras, de seu modo de ser e viver. Em crônicas de religiosos do século XVIII, viajantes e historiadores do século XIX encontram-se relatos de relatos do imaginário e memórias sobre as forças indígenas, a resistência, habilidades de lidar com arco e flechas, canoas, remos táticas de esconderijo entre matas e rios. Relata o padre cronista,

 

Muito deu o que fazer esta nação aos portugueses, com quem teve muitos debates, contendas e guerras. (...) Expediam-se tropas contra eles, mas os Nheengaíbas (...) zombavam das tropas, escondendo-se por labirinto de ilhas, e de quando em quando dando furiosas investidas, já em ligeireza com que de repente acometiam, com a mesma se retiravam, e por entre as ilhas se escondiam as balas, e já de terras encobertas com as árvores, donde despendiam chuveiros de flechas e taquaras sobre os passageiros e navegantes, que além do risco da vida, se viam impedidos de navegar o Amazonas, para onde não tinham outro caminho, senão pelo perigoso furo do Tajapuru (...) (DANIEL, 2004, p. 368-369 apud PACHECO, 2010, p. 19).

 

Afim de descobrirem riquezas e terras, os portugueses precisariam vencer os Aruãns no lado oriental e os Nheengaíbas no lado ocidental que ocupavam a ilha por completo. Travou-se então, em 1654, uma guerra implacável e injusta contra os índios marajoaras, esclarece Barroso (1953, p. 83 apud PACHECO, 2010, p. 21). Guerra esta, em que os portugueses não se saíram vitoriosos.

No ano seguinte, 1655, outra expedição era esquematizada para um novo ataque, porém, agora, com o apoio do Estado tendo como objetivo o extermínio e o cativeiro dos nativos. A conquista não sucedeu através destas batalhas. Tal assimilação dos povos indígenas veio pela força religiosa trazida pela Companhia de Jesus, em que, por meio do padre Antônio Vieira haveria de pacificar os bravos guerreiros marajoaras com o objetivo de adequá-los à “civilização de uma religião. Ao estudarmos estes fatos, nos perguntamos se estes indígenas não tinham uma religião ou uma civilização. Por esta razão é importante esclarecer que os povos indígenas vivem em comunidades com aspectos culturais próprios, inclusive crenças, muito diferentes dos costumes dos portugueses. Veremos adiante, que de fato estes nativos possuíam seus credos, prova disso são os mitos e as crenças que até hoje há.

No ano de 1659, entre os dias 22 e 27 de agosto, o padre Vieira conseguiu um “acordo de paz” com os chefes das sete nações Nheengaíbas no rio Mapuá, que depois de séculos veio a ser conhecido como espaço rural do município de Breves, como pode ser observado no mapa mostrado anteriormente (PACHECO, 2010, p. 24).

 

Se o padre Antônio Vieira foi o único a conseguir estabelecer o acordo de paz em 1659, depois das sequentes derrotas portuguesas para as nações Nheengaíbas, tornando possível o acesso e o tráfego de canoas e embarcações aos rios marajoaras, acabou abrindo as portas da região à escravização e extermínio dos aborígenes. “Esse contato ‘pacífico’ teve efeitos perversos para as populações que foram desaculturadas, destribalizadas, e dispersas pelo território amazônico e pela costa norte da América do Sul” (op.cit.) (PACHECO, 2010, p. 29-30).

 

Em outras palavras, nunca houve um acordo de paz, uma vez que a intenção dos portugueses era a escravização, exploração e dizimação dos índios da região amazônica. A Companhia de Jesus, comprometida em pregar o evangelho e demonstrar o amor ao próximo, nunca deveria ter se aliado a coroa portuguesa sabendo a tal intenção que estes tinham sobre os nativos, fazendo assim, com que se concretizasse a colonização do território marajoara.

 

2.      INDÍGENAS NO MARAJÓ HOJE?

Esta pergunta é intrigante, pois, trata-se de um passado que retomaremos para confirmarmos a identidade dos marajoaras de hoje, essa ascendência indígena dos povos tidos como dizimados no passado. Para responder essa pergunta não precisamos ir muito longe, visto que alguns dados podemos constatar na história da conquista do ocidente marajoara.

Primeiramente, vamos analisar a região que corresponde a nossa pesquisa. Abaixo encontra-se dois mapas, o primeiro é o do município de Breves, o qual fica às margens do Rio Parauaú e o segundo encontra-se o mapa do arquipélago do Marajó.

Figura 2: Mapa atual do município de Breves no Marajó.

 

Figura 3: Localização da cidade de Breves no Mapa da Ilha do Marajó

 

O município de Breves foi fundado em 19 de novembro de 1738, recebeu o nome de Breves em homenagem aos irmãos portugueses Manuel Breves Fernandes e Ângelo Fernandes Breves. Hoje a cidade é conhecida como a capital das ilhas. Porém, antes desta cidade existir, habitava neste território uma comunidade indígena que segundo Pacheco (2010) e ao observarmos o mapa Nimuendaju (1944) fica bem claro a existência do povo Mapuá, os grandes guerreiros Nheengaíbas que povoavam esta região. Este é um importante dado de nossa pesquisa, pois, já que a cidade foi erguida encima de uma comunidade indígena, este lugar carrega a ascendência do povo indígena que aqui habitou.

A partir de agora, analisaremos três árvores genealógicas de famílias (colaboradoras) marajoaras do município de Breves-PÁ, que serão acompanhadas de relatos de experiências e histórias ouvidas pelos antigos. Essas memórias nos permitirão entrar no universo do imaginário, que faz parte da cultura indígena, e que é muito forte ainda em nossos dias atuais.

 

2.1. ÁRVORE GENEALÓGICA DE MARCIANE MACHADO ALVES

Caixa de texto: OLINDA DE MOURA TENÓRIO
Caixa de texto: RAIMUNDO ALVES TENÓRIO Caixa de texto: IZABEL CHAVES MACHADO
Caixa de texto: DÁRIO LOBATO MACHADO
Caixa de texto: MANOEL BENEDITO M ALVES Caixa de texto: MARCELI MACHADO ALVES Caixa de texto: MARCIANE MACHADO ALVES
Caixa de texto: MAELI MACHADO ALVES
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Relato da colaboradora Marciane Machado Alves:

Ouvi relatos de minha avó que sem dúvida veio a contribuir para uma nova visão, e abriu-me um leque de porquês, e a sensação que me causou foi de puro êxtase. Costumes, crença e tradições que vem sendo mantidas durante tanto tempo. Tudo isso me levou a tal questionamento, quem sou realmente? Aguçou-me a curiosidade de saber quem foram meus antepassados.

Falando com minha avó Olinda, quis saber de antemão quem foram suas gerações passadas, de onde vieram. Logo soube que eram advindos do Rio Jacaré Grande, região rural do município de Breves. Eram pessoas religiosas e de natureza humilde. Viviam da lavoura, e segundo vovó tinham proximidades com índios, chegou a usar o termo “eles viviam no meio deles”. Relatou ainda que eram pessoas de um gênio muito forte, extremamente bravos. Minha avó tem vagas recordações, lembra que aqui viviam em cabanas e não podiam se aproximar muito deles, e reconhece que seus costumes até hoje são praticados. E mesmo morando há cinco décadas na cidade não abre mão de dormir na rede, ela tem sua própria plantação de legumes no quintal e prepara seu urucum. Trouxera estes hábitos de sua mãe, que foram aprendidos com os índios que morreram com ela.

Ao longo do tempo mantiveram-se algumas tradições, e não se perderam alguns costumes, o que me leva a percepção de que temos um vínculo com os povos indígenas que habitavam na Ilha do Marajó. A veracidade de tais fatos podemos comprovar mediante nossos modos de viver, nossa cultura marajoara é cheia de valores que os índios deixaram.


 

2.2. ÁRVORE GENEALÓGICA DE AMANDA PANTOJA

Caixa de texto: MARIA JOSÉ PANTOJA Caixa de texto: RAIMUNDO BENJAMIM PANTOJA Caixa de texto: RAIMUNDA CÂMARA DA COSTA Caixa de texto: ANTÔNIO PEREIRA DA COSTA
Caixa de texto:  MAURO JÚNIOR Caixa de texto:  NANCY VITÓRIA PANTOJA Caixa de texto:  ANA LAURA PANTOJA
Caixa de texto:  AMANDA PANTOJA
 

  

Relato da colaboradora Amanda Pantoja:

Caixa de texto:  NANCY VITÓRIA PANTOJASegundo histórias do meu avô materno, Antônio Pereira, que residiu nas proximidades do Rio Mapuá, houve sim a presença de nativos naquela região. Meu avô não sabe dizer ao certo se descende de indígenas, pois seus pais nunca comentaram a respeito deste assunto, mas na localidade onde ele morou quando criança ouviu muitas histórias de indígenas bravos e guerreiros que viviam naquela comunidade. Histórias estas que perpetuam na memória daquele povo.

Meu avô contou que seu pai, Emiliano Pereira, uma vez entrou na mata para caçar e que, após várias horas dentro da floresta, teve a sensação de estar sendo vigiado. Ele não sabia o que era, mas acreditou ser o espírito de um índio guerreiro. As pessoas daquela proximidade do Rio Mapuá acreditavam muito na presença de espírito dos nativos. Então, seu pai não hesitou em pensar outra coisa.

Muitas outras histórias foram relatadas pelo meu avô. Entre elas, uma que aconteceu com ele próprio. Na comunidade onde ele vivia, havia muitas famílias, algumas até descendiam dos índios que ali viveram. Essas pessoas contavam que seus ancestrais mais próximos ainda sofreram muito com a questão da colonização do europeu naquela terra. O conflito se dava pelo fato de que certas culturas e costumes de convivência seriam perdidos, e eles não queriam que suas vidas fossem modificadas, assim como a de seus ancestrais.

 

2.3. ÁRVORE GENEALÓGICA DE MIRIAN AMARAL

Caixa de texto:  UBALDO PANTOJA AMARAL
Caixa de texto:  ZULMA ALVES FARIAS
Caixa de texto:  MARIA DE LOURDES OLIVEIRA Caixa de texto:  RAIMUNDO LOUREIRO
Caixa de texto:  VANDERLAN LOUREIRO DO AMARAL
Caixa de texto:  MIRIAN LOUREIRO DO AMARAL Caixa de texto:  SAMUEL LOUREIRO DO AMARAL
Caixa de texto:  IVAN LOUREIRO DO AMARAL
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Relato de Mirian Loureiro do Amaral:

Minha família, assim como eu, nasceu no município de Breves. Meus pais viveram para a cidade alguns anos atrás, mas sempre moraram na região rural da cidade, no Rio Jaburuzinho, porém minha bisavó veio do Rio Macacos, que também faz parte do município.

Sempre ouvi muitas histórias que minha avó Maria de Lourdes contava a respeito de como era difícil a vida no interior. Ela relata que desde muito nova já trabalhava na lavoura, caçava e pescava. Contou também que trabalhou nos seringais, e sua vida inteira tirou o sustento da floresta e do rio. De seus costumes minha avó nunca deixou de dormir na rede.

Uma das histórias mais interessantes que ouvi da minha avó, foi quando relatou que sua mãe (minha bisavó) quando ainda moça engravidou de um lagarto, quando menstruada saiu a andar no mato e passando por cima deste bicho embuchou. “Passou dois meses para minha mãe ter aquele bicho, depois jogaram fora aquele lagarto”, conta ela.

Minha avó também relatou que tinha um pajé na comunidade em que vivia no Rio Jaburuzinho, este sempre era chamado para várias situações como: tirar quebranto de crianças, tirar encantamentos, benzer, dentre outros serviços que ele realizava. Ao ouvir este relato, percebi o quanto a figura do pajé era importante para os ribeirinhos, assim como para os indígenas que tinham essa tradição muito forte em suas comunidades.

Filho (2014, p. 91) nos esclarece que, “a tradição dos pajés é uma marca da força da tradição indígena. Mesmo com a incorporação de elementos de culturas europeias e africanas, a matriz do pensamento dos indígenas continua sendo fortemente herdada de seus ancestrais indígenas”. Segundo Filho (2014), a autoridade e a influência que o pajé possui foi o que conservou esta crença, é uma autoridade que não chama muita atenção e quase não é vista, mas sabe-se que os pajés existem, porém eles vivem discretamente.

Os costumes, os mitos e as crenças que minha avó relatou, são dados que apontam para a identidade étnica e cultural indígena. Assim como, o lugar onde ela viveu, e onde o povo brevense vive, que localizava-se a região dos povos Mapuás. Por este motivo, eu levo a crê que somos descendentes deste povo, e que corre sangue indígena em minha veia e de todos os brevenses que possuem sua raiz genealógica originada neste município.

Em resumo, ao observarmos as três árvores genealógicas e seus relatos, concluímos que os dados encontrados foram a região de habitação, que são identificadas como os rios: Jacaré Grande, Mapuá e Macacos. Terra em que habitavam os povos Nheengaíbas, a comunidade indígena Mapuás, segundo os relatos das informantes, nestes rios há presença de herança indígena em seus costumes diários.

Outro dado que coletamos foram as crenças e mitos que seus avós possuem, a respeito da tradição da pajelança, e a humanização dos animais que também faz parte da crença indígena, como foi relatado no caso da gestação de um animal por uma mulher. Pois, os índios acreditam que o animal acredita ser um ‘humano’. Por isso, a relação de índio e natureza é muito forte, e vimos que esta tradição que até hoje se crê, foi herdada pelos indígenas que aqui habitavam.

A identidade étnica e cultural do povo brevense, precisa ser ainda muito estudada. Hoje não temos muitos materiais escritos a respeito da identidade indígena marajoara, o que encontramos são somente histórias dos guerreiros, a cerâmica, a cultura, relatos de crença etc. Porém, pouco se fala sobre a questão da identidade étnica, e muitos marajoaras não assumem sua identidade indígena por falta de conhecimento.

Portanto, faz-se necessário expandir esse conhecimento e levar estas pessoas a questionar-se sobre sua origem, e não somente conhece-la, mas principalmente aceitar e assumir sua identidade indígena, lutando assim contra o ocultamento da identidade étnica e cultural.

 

3.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Analisando tais dados da história dos índios no Marajó, percebe-se que ainda há muito a se fazer pelos povos que ainda existem. Hoje no Brasil é constatado a existência de 305 povos indígenas que são falantes de 274 línguas segundo o censo demográfico de 2010, sendo que destes apenas 3% se declararam indígenas (RANGEL; GALNTE E CARDOSO, 2013, p. 113).

Hoje percebemos que muitas pessoas não gostam de falar sobre este assunto, parecem se incomodar em nos relatar sobre informações a respeito dos povos nativos. Alguns não reconhecem que seus antecedentes foram índios e negam sua identidade indígena. Segundo Maciel (2014, p. 10) “essa não é uma negação isolada, ela é resultado de uma política de apagamento de identidade indígena implementada pelo Estado no decorrer dos séculos XVII ao XIX”.

O projeto do Estado foi utilizar a mão de obra indígena, seus saberes, suas rivalidades tradicionais na pacificação de outras etnias indígenas, o seu conhecimento geográfico na ocupação territorial, e, por fim, o seu extermínio quando não se submetiam a pacificação até chegar ao seu produto final de generalização indígena e sua introdução na sociedade nacional (MACIEL, 2014, p. 10).

 

Embora algumas pessoas afirmem ter uma ascendência indígena elas não se autodeclaram como índios. Isto é um dos resultados do ocultamento de seus vínculos cercada de uma memória discriminada, uma consciência envergonhada, que possivelmente fosse pelo medo da escravidão e do racismo. Com o projeto político na metade do século XX de miscigenação e branqueamento dos brasileiros, levou a violência para muitas comunidades indígenas que foram obrigadas a esquecerem as suas origens, sua história, sua língua, negando sua identidade (RANGEL; GALANTE E CARDOSO, 2013).

No momento atual, o discurso do Estado em transformar o país em um grupo hegemônico para que sua economia cresça, vem prejudicando essas comunidades minoritárias, uma vez que há violação de seus direitos e muita pressão para a desocupação de seus territórios (RANGEL; GALANTE E CARDOSO, 2013). Um exemplo bem claro são as grandes usinas que são projetadas nessas aldeias, causando além de um impacto ambiental um impacto cultural para os poucos povos indígenas que ainda vivem em aldeias.

Hoje não são mais os portugueses que tomam a nossa terra para extrair riquezas, mas sim, o próprio Estado. Este, que tem por obrigação institucionalizada em lei de proteger a todos, porém, o que não vemos acontecer. Portanto, não somente a FUNAI, mas todos que assumem sua identidade indígena, sua ascendência, devem lutar, fazer resistência, tomar parte em movimentos sociais e sempre se manter ao lado dos sem voz, um povo que muito já lutou por suas terras e que hoje continua enfrentando os mesmos conflitos do passado.

Filha do Marajó

Sou cabocla desta terra tão querida/De onde meu povo tira o pão de cada dia

Jaz neste solo memória de vencedores/De meus antepassados e de seus amores

Deste ventre brotei/Para sempre te honrarei

Levando no peito por toda geração/Desta terra tão querida que ganhou meu coração

Sou da Amazônia/Aqui não vivo só/Sou sonhadora/Sou filha do Marajó

(Mirian Amaral)

 

 

 

REFERÊNCIAS

FILHO, Florêncio Almeida Vaz. A crença nos encantados entre os indígenas do baixo Rio Tapajós.LEETRA, São Carlos, v. 1, n. 4, p. 84-91, 2014.

MACEIL, Márcia Nunes (Mura). As histórias que ouvi de minha avó e o que aprendi com elas. LEETRA Indígena, São Carlos, v. 1, n. 4, p. 10-16, 2014.

NIMUENDAJU, Curt. Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes. Museu nacional Rio de Janeiro: fundação instituto brasileiro de geografia e estatística, 1944, escala 1:5. 000.000.

PACHECO, A. S. A conquista do Ocidente Marajoara: Índios, portugueses e religiosos em reinvenções históricas. In: SCHAAN. D. P.; MARTINS, C. P. (Orgs) Muito além dos campos: arqueologia e história na Amazônia Marajoara. Belém: GKNORONHA, 2010.

PIZARRO, Ana. Amazônia: as vozes do rio: imaginário e modernização, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.

RANGEL, Lúcia; GALANTE, Luciana; CARDOSO, Cynthia. A presença indígena nas cidades. In: VENTURI, G.; BOKANY, V. (Org). Indígenas no Brasil: demandas dos povos e percepções da opinião pública. São Paulo: Editora FPA, 2013.

                Recebido em março de 2015. Aceito em abril de 2015.