Zona de Impacto - ISSN 1982-9108 ANO 17 V 2 - 2015 - Junho/Dezembro
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Relato
da colaboradora Marciane Machado Alves:
Ouvi relatos de
minha avó que sem dúvida veio a contribuir para uma nova visão, e abriu-me um
leque de porquês, e a sensação que me causou foi de puro êxtase. Costumes,
crença e tradições que vem sendo mantidas durante tanto tempo. Tudo isso me
levou a tal questionamento, quem sou realmente? Aguçou-me a curiosidade de
saber quem foram meus antepassados.
Falando com minha
avó Olinda, quis saber de antemão quem foram suas gerações passadas, de onde
vieram. Logo soube que eram advindos do Rio Jacaré Grande, região rural do
município de Breves. Eram pessoas religiosas e de natureza humilde. Viviam da
lavoura, e segundo vovó tinham proximidades com índios, chegou a usar o termo “eles viviam no meio deles”. Relatou
ainda que eram pessoas de um gênio muito forte, extremamente bravos. Minha avó
tem vagas recordações, lembra que aqui viviam em cabanas e não podiam se
aproximar muito deles, e reconhece que seus costumes até hoje são praticados. E
mesmo morando há cinco décadas na cidade não abre mão de dormir na rede, ela
tem sua própria plantação de legumes no quintal e prepara seu urucum. Trouxera
estes hábitos de sua mãe, que foram aprendidos com os índios que morreram com
ela.
Ao longo do tempo
mantiveram-se algumas tradições, e não se perderam alguns costumes, o que me
leva a percepção de que temos um vínculo com os povos indígenas que habitavam
na Ilha do Marajó. A veracidade de tais fatos podemos comprovar mediante nossos
modos de viver, nossa cultura marajoara é cheia de valores que os índios
deixaram.
2.2. ÁRVORE
GENEALÓGICA DE AMANDA PANTOJA
Relato
da colaboradora Amanda Pantoja:
Segundo histórias do meu avô materno, Antônio Pereira,
que residiu nas proximidades do Rio Mapuá, houve sim a presença de nativos
naquela região. Meu avô não sabe dizer ao certo se descende de indígenas, pois
seus pais nunca comentaram a respeito deste assunto, mas na localidade onde ele
morou quando criança ouviu muitas histórias de indígenas bravos e guerreiros
que viviam naquela comunidade. Histórias estas que perpetuam na memória daquele
povo.
Meu avô contou que
seu pai, Emiliano Pereira, uma vez entrou na mata para caçar e que, após várias
horas dentro da floresta, teve a sensação de estar sendo vigiado. Ele não sabia
o que era, mas acreditou ser o espírito de um índio guerreiro. As pessoas daquela
proximidade do Rio Mapuá acreditavam muito na presença de espírito dos nativos.
Então, seu pai não hesitou em pensar outra coisa.
Muitas outras
histórias foram relatadas pelo meu avô. Entre elas, uma que aconteceu com ele
próprio. Na comunidade onde ele vivia, havia muitas famílias, algumas até
descendiam dos índios que ali viveram. Essas pessoas contavam que seus
ancestrais mais próximos ainda sofreram muito com a questão da colonização do
europeu naquela terra. O conflito se dava pelo fato de que certas culturas e
costumes de convivência seriam perdidos, e eles não queriam que suas vidas
fossem modificadas, assim como a de seus ancestrais.
2.3. ÁRVORE
GENEALÓGICA DE MIRIAN AMARAL
Relato
de Mirian Loureiro do Amaral:
Minha família,
assim como eu, nasceu no município de Breves. Meus pais viveram para a cidade
alguns anos atrás, mas sempre moraram na região rural da cidade, no Rio
Jaburuzinho, porém minha bisavó veio do Rio Macacos, que também faz parte do
município.
Sempre ouvi muitas
histórias que minha avó Maria de Lourdes contava a respeito de como era difícil
a vida no interior. Ela relata que desde muito nova já trabalhava na lavoura,
caçava e pescava. Contou também que trabalhou nos seringais, e sua vida inteira
tirou o sustento da floresta e do rio. De seus costumes minha avó nunca deixou
de dormir na rede.
Uma das histórias
mais interessantes que ouvi da minha avó, foi quando relatou que sua mãe (minha
bisavó) quando ainda moça engravidou de um lagarto, quando menstruada saiu a
andar no mato e passando por cima deste bicho embuchou. “Passou dois meses para
minha mãe ter aquele bicho, depois jogaram fora aquele lagarto”, conta ela.
Minha avó também
relatou que tinha um pajé na comunidade em que vivia no Rio Jaburuzinho, este
sempre era chamado para várias situações como: tirar quebranto de crianças,
tirar encantamentos, benzer, dentre outros serviços que ele realizava. Ao ouvir
este relato, percebi o quanto a figura do pajé era importante para os
ribeirinhos, assim como para os indígenas que tinham essa tradição muito forte
em suas comunidades.
Filho (2014, p.
91) nos esclarece que, “a tradição dos pajés é uma marca da força da tradição
indígena. Mesmo com a incorporação de elementos de culturas europeias e
africanas, a matriz do pensamento dos indígenas continua sendo fortemente
herdada de seus ancestrais indígenas”. Segundo Filho (2014), a autoridade e a
influência que o pajé possui foi o que conservou esta crença, é uma autoridade
que não chama muita atenção e quase não é vista, mas sabe-se que os pajés
existem, porém eles vivem discretamente.
Os costumes, os
mitos e as crenças que minha avó relatou, são dados que apontam para a
identidade étnica e cultural indígena. Assim como, o lugar onde ela viveu, e
onde o povo brevense vive, que localizava-se a região dos povos Mapuás. Por
este motivo, eu levo a crê que somos descendentes deste povo, e que corre
sangue indígena em minha veia e de todos os brevenses que possuem sua raiz
genealógica originada neste município.
Em resumo, ao
observarmos as três árvores genealógicas e seus relatos, concluímos que os
dados encontrados foram a região de habitação, que são identificadas como os
rios: Jacaré Grande, Mapuá e Macacos. Terra em que habitavam os povos
Nheengaíbas, a comunidade indígena Mapuás, segundo os relatos das informantes,
nestes rios há presença de herança indígena em seus costumes diários.
Outro dado que
coletamos foram as crenças e mitos que seus avós possuem, a respeito da
tradição da pajelança, e a humanização dos animais que também faz parte da
crença indígena, como foi relatado no caso da gestação de um animal por uma
mulher. Pois, os índios acreditam que o animal acredita ser um ‘humano’. Por
isso, a relação de índio e natureza é muito forte, e vimos que esta tradição
que até hoje se crê, foi herdada pelos indígenas que aqui habitavam.
A identidade
étnica e cultural do povo brevense, precisa ser ainda muito estudada. Hoje não
temos muitos materiais escritos a respeito da identidade indígena marajoara, o
que encontramos são somente histórias dos guerreiros, a cerâmica, a cultura,
relatos de crença etc. Porém, pouco se fala sobre a questão da identidade
étnica, e muitos marajoaras não assumem sua identidade indígena por falta de
conhecimento.
Portanto, faz-se
necessário expandir esse conhecimento e levar estas pessoas a questionar-se
sobre sua origem, e não somente conhece-la, mas principalmente aceitar e
assumir sua identidade indígena, lutando assim contra o ocultamento da
identidade étnica e cultural.
3.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando tais
dados da história dos índios no Marajó, percebe-se que ainda há muito a se
fazer pelos povos que ainda existem. Hoje no Brasil é constatado a existência
de 305 povos indígenas que são falantes de 274 línguas segundo o censo
demográfico de 2010, sendo que destes apenas 3% se declararam indígenas
(RANGEL; GALNTE E CARDOSO, 2013, p. 113).
Hoje percebemos
que muitas pessoas não gostam de falar sobre este assunto, parecem se incomodar
em nos relatar sobre informações a respeito dos povos nativos. Alguns não
reconhecem que seus antecedentes foram índios e negam sua identidade indígena.
Segundo Maciel (2014, p. 10) “essa não é uma negação isolada, ela é resultado
de uma política de apagamento de identidade indígena implementada pelo Estado
no decorrer dos séculos XVII ao XIX”.
O
projeto do Estado foi utilizar a mão de obra indígena, seus saberes, suas
rivalidades tradicionais na pacificação de outras etnias indígenas, o seu
conhecimento geográfico na ocupação territorial, e, por fim, o seu extermínio
quando não se submetiam a pacificação até chegar ao seu produto final de
generalização indígena e sua introdução na sociedade nacional (MACIEL, 2014, p.
10).
Embora algumas
pessoas afirmem ter uma ascendência indígena elas não se autodeclaram como índios.
Isto é um dos resultados do ocultamento de seus vínculos cercada de uma memória
discriminada, uma consciência envergonhada, que possivelmente fosse pelo medo
da escravidão e do racismo. Com o projeto político na metade do século XX de
miscigenação e branqueamento dos brasileiros, levou a violência para muitas
comunidades indígenas que foram obrigadas a esquecerem as suas origens, sua
história, sua língua, negando sua identidade (RANGEL; GALANTE E CARDOSO, 2013).
No momento atual,
o discurso do Estado em transformar o país em um grupo hegemônico para que sua
economia cresça, vem prejudicando essas comunidades minoritárias, uma vez que
há violação de seus direitos e muita pressão para a desocupação de seus
territórios (RANGEL; GALANTE E CARDOSO, 2013). Um exemplo bem claro são as
grandes usinas que são projetadas nessas aldeias, causando além de um impacto
ambiental um impacto cultural para os poucos povos indígenas que ainda vivem em
aldeias.
Hoje não são mais
os portugueses que tomam a nossa terra para extrair riquezas, mas sim, o
próprio Estado. Este, que tem por obrigação institucionalizada em lei de
proteger a todos, porém, o que não vemos acontecer. Portanto, não somente a
FUNAI, mas todos que assumem sua identidade indígena, sua ascendência, devem lutar,
fazer resistência, tomar parte em movimentos sociais e sempre se manter ao lado
dos sem voz, um povo que muito já lutou por suas terras e que hoje continua
enfrentando os mesmos conflitos do passado.
Filha do Marajó
Sou
cabocla desta terra tão querida/De onde meu povo tira o pão de cada dia
Jaz
neste solo memória de vencedores/De meus antepassados e de seus amores
Deste
ventre brotei/Para sempre te honrarei
Levando
no peito por toda geração/Desta terra tão querida que ganhou meu coração
Sou
da Amazônia/Aqui não vivo só/Sou sonhadora/Sou filha do Marajó
(Mirian
Amaral)
REFERÊNCIAS
FILHO, Florêncio Almeida Vaz. A
crença nos encantados entre os indígenas do baixo Rio Tapajós.LEETRA, São Carlos, v. 1, n. 4, p.
84-91, 2014.
MACEIL, Márcia Nunes (Mura). As
histórias que ouvi de minha avó e o que aprendi com elas. LEETRA Indígena, São Carlos, v. 1, n. 4, p. 10-16, 2014.
NIMUENDAJU, Curt. Mapa etno-histórico do Brasil e regiões
adjacentes. Museu nacional Rio de Janeiro: fundação instituto brasileiro de
geografia e estatística, 1944, escala 1:5. 000.000.
PACHECO, A. S. A conquista do
Ocidente Marajoara: Índios, portugueses e religiosos em reinvenções históricas.
In: SCHAAN. D. P.; MARTINS, C. P. (Orgs) Muito
além dos campos: arqueologia e história na Amazônia Marajoara. Belém:
GKNORONHA, 2010.
PIZARRO, Ana. Amazônia: as vozes do rio: imaginário e modernização, Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2012.
RANGEL, Lúcia; GALANTE, Luciana;
CARDOSO, Cynthia. A presença indígena nas cidades. In: VENTURI, G.; BOKANY, V.
(Org). Indígenas no Brasil: demandas dos
povos e percepções da opinião pública. São Paulo: Editora FPA, 2013.
Recebido em março de 2015. Aceito em abril de 2015.