Zona de Impacto - ISSN 1982-9108  ANO 17 Vol. 2 - 2015 - Julho/Dezembro



Encontros e Provocações: A Teatralidade na Obra do Artista Plástico Siron Franco

 

Luiz Davi Vieira Gonçalves

 

 

Resumo: O artigo aborda questões sobre a teatralidade contemporânea e suas interfaces com a obra do artista plástico Siron Franco. O objetivo é examinar os conceitos de teatralidade em relação a Artes Plásticas, contribuindo para construção cênica. Tal exame sugere como oportuna, a construção de uma ação performática.

Palavras-chave: Teatralidade; Teatro; Artes Plásticas.

Abstract:. The article addresses issues of contemporary theatricality and its interfaces with the work of the artist Siron Franco. The aim is to examine the theatricality of concepts for Plastic Arts, contributing to scenic construction. This survey suggests how timely, building a performative action.

Keywords: Siron Franco – Theatricality – Theater – Arts.

 

 

1.      Introdução

A performance, a teatralidade e suas interfaces são um dos pontos mais investigados no campo teatral na contemporaneidade e em outras áreas da arte como as Artes Plásticas, a Dança, o Teatro etc. É pertinente dizer que a teatralidade pode estar no conjunto de possibilidades cênicas que o teatro nos oferece, como, todo o aparato cênico e as modalidades de arte que se insere dentro da representação teatral. Entretanto, sempre quando o encenador decora um ambiente, isso conduz quem está assistindo para uma teatralidade? O que é teatralidade?  E em outras áreas da arte, é possível existir tal efeito? Talvez, são reflexões que a comunidade artística sempre irá trabalhar no sentindo de descobertas, através de criações e re-significações de espaços, obras e etc. Todavia, o presente artigo pretende investigar a teatralidade contemporânea tendo como base o mundo pictórico do artista Plástico Siron Franco. Investigando os efeitos existentes em suas instalações, participações em peças teatrais e principalmente nas provocações de suas pinturas. Por fim, pretendo não definir o termo teatralidade como conceito puro, fechado, mas sim, refletir sobre o que há de teatral na obra Sironiana e por seguinte, entender este termo tão usado e refletido no campo da arte contemporânea. 

 

2. Sobre a definição de Teatralidade

 

Com o objetivo de esclarecer o tema proposto, usaremos o artigo, Theatricality: On the Specificity of Theatrical Language da ensaísta Josette Féral, publicado pela primeira vez em 1988. Sendo que, neste artigo Ferál recusa-se a definir a teatralidade como algo exclusivamente do teatro, ou só de uma outra área da arte, pelo contrário, salienta que este conceito é produzido através dos olhares que constituem a criação dos espaços e sujeitos. Ou seja, ela vai além do campo do teatro. Sendo assim, torna se um importante foco para nossa reflexão sobre a obra Sironiana, pois podemos perceber que a teatralidade não é algo só do teatro.

Ao investigar o conceito de teatralidade, Féral relata três situações que nos leva a uma reflexão didática acerca do termo, ela os constitui como: Theatricality as a Property of the Quotidian[2], sendo importante para nosso entendimento. A primeira ela coloca o espaço como um veículo da teatralidade, os signos que chegam até o espectador, oferecendo uma reflexão acerca dos signos ali distribuídos. Tal reflexão nos traz uma percepção para as instalações desenvolvidas fora do teatro, enquanto os espaços físicos. Entretanto, a segunda reflexão sobre o tema estudado nos conduz a reflexão sobre a ocupação de espaços não convencionais. Ou seja, muitas vezes nos perguntamos se isso ou aquilo é teatro. Ou seja, se homem que fica em um terminal de ônibus está fazendo teatro, ou se o ator que apresenta em meio à multidão está representando algo teatral. Em uma reflexão primária diríamos, sim e não para as duas situações. Todavia, quando refletimos acerca do exemplo desenvolvido pela Josette Féral, percebemos que têm um momento no meio desta “apresentação” para o ator, diretor ou alguém que faça parte da equipe técnica esclarecer os reais motivos para tal desempenho e assim produzir o olhar teatral do observador.

Seguindo com o pensamento da ensaísta para examinar o tema, temos outro exemplo que nos traz mais um olhar sobre os elementos teatrais; a teatralidade acontece sobre duas perspectivas, uma a recolocação do interprete no espaço e a outra através do olhar do espectador enquadrando-o em outro espaço. É um processo de olhar ou ser olhado Féral (2002). Percebe-se o quanto a função de quem está diante da obra, ou seja, o espectador se faz necessário. Este espaço também pode ser além dos muros de um teatro enquanto edifício, a teatralidade não necessita de regras acerca de sua espacialidade. Entretanto, nos conduz a uma reflexão, será necessária a presença de um ator para ocorrer uma teatralização? Para ter uma teatralidade?

Ainda seguindo o pensamento da ensaista Josette Féral (2002) “The actor is simultaneously the producer of theatricality and the channel through which it passes”. Percebe-se que o ator, codifica os sinais dentro das estruturas simbólicas do palco, da instalação de qualquer lugar onde se refere a uma representação artística, ele pode conduzir o espectador ao significado, oferecendo um caminho reflexivo e ativo diante do imaginário da obra. Todavia, está sempre ameaçado por uma falta de adequação com signos que compõe a cena, nem sempre o que é premeditado a fazer, ocorre como se pensava. O ator pode dialogar com tudo que está ao seu redor: espaço, tempo, história, cenário, música, iluminação e figurinos. Traz a teatralidade ao palco. (Féral, 2002). É importante resaltar que o ator, pode fazer isso tudo, até por que é um condutor para os signos de uma representação, mas, nem sempre isso acontece. Sua ação é estabelecida através de regras derivadas através de um conjunto de elementos, que podem corresponder a pensamentos de outros proficionais.

Se torna, importante ressaltar diante desta reflexão, que o ator é elemento importante para um encontro com a teatralidade, mas, sua ausência não impossibilita a existência de signos teatrais, pois o processo ligado as condições da produção teatral, também são elementos que podem teatralizar uma encenação.

Por fim, é de suma importância nesta reflexão, salientar que o conceito de teatralidade segundo Josette Féral não é uma soma de propriedades ou características enumeráveis​​, mas podem ser discernidas por meio de manifestações específicas, e deduzidas aos fenômenos chamados de "teatral" (2002. p. 105). No entanto, percebemos que este conceito não é limitado somente ao teatro, mas como a ensaísta coloca, ele pode ser encontrado, na dança, na ópera, variados desenpenhos artisticos e inclusive no dia a dia. O termo é uma ligação entre o espectador, com alguém ou algo que é olhado. Without this gaze, indispensable for the emergence of theatricality and for its recognition as such, the other would share the spectator's space and remain part of his daily reality”. (Féral, 2002, p. 105)[3]

Talvez, seja o olhar externo que transforma, compõe ou cria uma situação teatral, seja ela onde for, como for. É mister dizer que o espectador seja o ponto principal para uma teatralidade, se tornando receptor de elementos que constitui um imaginário fictício para o real, ou até o real para o fictício, como percebemos em algumas instalações do Siron Franco, como “Intolerância”.

 

3. Teatralidade Sironiana

 

Para uma reflexão teatral aos elementos existentes na extensa obra do Siron, vamos dividi lá em três partes. Primeiro, os traços pictóricos, depois as instalações e por último sua criação estética para o espetáculo Martim Cererê. 

 

3.1 Os Traços Pictóricos 

 

Como foi dito anteriormente, falar sobre teatralidade nos conduz a refletir sobre o ato da representação a partir do olhar externo, de quem está ali para observar. Ou seja, é um elemento externo que constitui o fato que ali está oferecido.  A pesquisadora Silvia Fernandes (2010) ao analisar o mesmo artigo aqui estudado atribui teatralidade como um termo polissêmico; determinado pelos olhares. Assim, percebemos uma pluralidade de sistemas, no qual, o termo enfatiza elementos como: a ação, o espaço e o olhar externo.

Este olhar externo, sobre a obra, nos traz uma reflexão logo no primeiro desenho feito pelo Siron Franco aos onze anos de idade, à qual, retrata a Última Ceia de Jesus Cristo. Ele pinta os apóstolos com uma postura vertical diante da mesa, sendo que originalmente estão sentados. Segundo Siron Franco em entrevista para este trabalho, ele é conduzido pelo desejo. Nesta pintura ainda sem nenhum conceito estético formalmente desenvolvido, ele traz uma perspectiva real pra o desenho, naquele contorno os apóstolos estava há sua altura, ou seja, assim ele podia se comunicar melhor com o quadro. Entretanto, poderíamos ficar folhas e folhas pensando o sentindo que o Siron trouxe para a imagem, mas, fato que não podemos negar é que crescendo, aumentando, dilatando o tamanho do desenho, oferece uma maior comunicação para o mundo, no qual ele se encontrava, e dentro da pluralidade do conceito de teatralidade, podemos constatar um efeito teatral na obra Sironiana, conforme relata o pesquisador argentino Oscar Conargo (2008)[4]  Quando mais esse olhar se torna presente na representação do ator, na representação plástica ou literária, mas teatral a consideraremos”.

Segundo Josette Féral[5] (1988) “É mais comum que a teatralidade nasça das operações reunidas de criação e recepção”. Sendo assim, é importante refletir os caminhos para criação nos quais o Siron desenvolveu durante sua carreira, para isso, se faz de suma importância trazermos aqui uma reflexão sobre os traços no início da produção e os últimos trabalhos, não com o objetivo de comparação de melhor ou pior (com certeza este não é o caminho), mas sim, percebemos o quanto os aspectos teatrais foram aparecendo ao decorrer de suas produções.

Ao passo que foi se consolidando enquanto artista, sua obra, passou a receber vários elementos nos quais foram compondo seus traços. Exemplo disso seriam os quadros, nos quais, destacam a relação do ser humano com o animal, talvez em uma proporção de metamorfosear-se, animal em humano, humano em animal, não sabemos onde começa ou termina. Podendo assim, destacar a ligação com a performance, quando se usa animais, talvez em busca de uma semelhança com os ritos dionisíacos, ou com o objetivo de identificação com o espectador ou até mesmo com o objetivo de buscar algum tipo liberdade, como cita RoseLee Goldberg (2006, p. 154): “Esses atos ritualizados eram um meio de liberar essa energia reprimida, bem como um ato de purificação e redenção por meio do sofrimento”. Percebemos uma reflexão sobre quem é realmente o animal, e que aparece em outras exposições do Siron Franco, como, intitulada: “Semelhantes”.

Neste caso, já encontramos certo desenvolvimento nos elementos teatrais; as cores, os espaços retratados e os símbolos e signos referidos. Percebemos que existe um diálogo entre dois seres, que não sabemos se são humanos ou animais, algo como um lençol dividindo esta dúvida e em volta um olhar, como se estivesse avaliando a cena. Todavia, esta reflexão é particular poderíamos ter várias outras, mas, não podemos deixar de apontar mais um passo diante da comunicação ao espectador, cores, signos e elementos imaginários, provocam o observador para uma reflexão.

É importante ressaltar que o colorido, demarca o surgimento de uma característica importante na obra Sironiana, depois de experiências profissionais e seu amadurecimento pictórico, o colorido[6] começa a ser força motriz nos quadros do artista, sendo mais um elemento para refletirmos acerca da teatralidade.

A cada reflexão sobra à obra do Siron, percebe-se que se trata de um artista que coloca seus sentimentos mais introspectivos dentro de sua produção, a busca pelos fatos que o marcaram em determinado momento e sem sombra de dúvida a carreira do Siron foi marcada pelos registros e indignações acerca das catástrofes urbanas, sendo o acidente radiativo com Césio-137 na cidade de Goiânia em 1987. O envolvimento do artista foi de intensa produção, tendo o objetivo de ajudar as vítimas com a renda da venda dos quadros e mostrar para o cenário nacional que nem tudo estava contaminado na cidade de Goiânia.

Para conseguir alcançar o objetivo proposto, Siron usa novos elementos como terra e tinta automotiva na criação dos quadros, com o objetivo de demonstrar à sociedade o sofrimento enfrentado pelas vítimas contaminadas.

Podemos ponderar sobre três aspectos teatrais. Primeiro, o uso de elementos como terra, tinta automotiva e cores de forma com que pudesse contar a realidade e o sofrimento que as vítimas estavam vivendo, tornando o fato verossímil aos espectadores diante do quadro. Segundo, o imaginário, ou seja, o que isso poderia provocar no espectador, e por fim, a ruptura estética, ou seja, a busca pelo novo, pelo desconhecido, a criação com o desejo de dizer algo.

Os traços que chamamos de teatral, traz à obra, uma  linguagem genuina que se sustenta pela sua força. Sobretudo, é importante ressaltar que na ação artistica, seja ela qual for, está sujeita aos olhares e adjetivos institulados pelo observador, e isso, a confere diversas definições.

 

Da mesma forma, a obra de arte termina por ser muito mais do que aparenta ser, pois, como objeto imanente, evoca ainda, e simultaneamente, sentidos que não estão propriamente nela mesma, mas nos juízos de valor que o homem costuma fazer sobre ela. (CAMARGO, p. 84, 2008)

 

Nesta citação, advém uma reflexão importante sobre o objetivo aqui proposto. O olhar teatral sobre uma obra de arte vai além dos adereços, objetos, músicas, figurinos e cenários combinados para uma ação nos espetáculos teatrais. Significa pensá-las como expressões tangentes quando entra o jogo do olhar, do participar  e do inserir-se na obra, e pricipalmente a capacidade do homem de representar, significar, interpretar, ou seja, criar caminhos para que este jogo entre obervador e obra aconteça em sua multiplas linguagens. Assim, refletiremos a seguir sobre um dos caminhos que o Siron encontrou para estar mais proximo de seu desejo de fazer, de comunicar e de mostrar: as instalações.

                                              

3.2 Instalações

 

Nos tempos atuais encontramos diversas definições para o conceito de teatralidade, uma das mais frequentes é que este conceito está associado ao que é agregado ao texto quando se é encenado. Por outro lado, podemos perceber este conceito voltado para construção de imagens a partir de provocações culturais. Um conjunto de símbolos vindo de diversas pesquisas, como, os animais da fauna e flora do cerrado, as cores e a disposição no espaço, podendo assim, criar uma instalação. É inegável dizer que, em uma instalação artística, seja ela qual for, só pela sua distribuição já nos oferece aspectos teatrais, sobretudo, podemos refletir sobre o que salienta a Féral apud Fernandes (2010 p. 123) “argumenta que a teatralidade é conseqüência de um processo dinâmico de teatralização produzido pelo olhar que postula a criação de outros espaços e outros sujeitos”. Portanto, ao refletirmos sobre a imagem da instalação, percebemos traços característicos de teatralidade, ou seja, ao preencher o espaço com figuras que provocassem um olhar atento para a obra, com o objetivo de trazer a realidade, com cores e formas e principalmente a forma de ocupação do espaço, qualquer instalação pode produzir signos teatrais.

Para investigar o caminho teatral das instalações do Siron Franco, não podemos de deixar de citar as instalações intituladas de “Cela Forte” (1989) “Cela de Proteção” (1989), “Nações Indígenas” (1992) e por último “Ver o peso” (2012). A primeira traz uma relação entre a exposição de um fato social (Chacina do 42 DP) e o espaço, Este trabalho relatava uma chacina de dezoito presidiários, em 5 de fevereiro de 1989. Para tal, foram apinhados cerca de cinquenta detentos uma em cela fechada e sem ventilação. A obra, colocada no metrô Jabaquara, constituía-se de uma cela de ferro com 2 m de altura, 3,5m de comprimento e 1,4m de largura, abrigando 18 cabeças humanas de fibra de vidro. Sendo colocada, em uma estação de metrô, a instalação ocupa um espaço não convencional para uma representação artística, oferecendo uma perspectiva diferente, para o espectador, todavia, a obra interfere no espaço e o espaço interfere na obra. Cada objeto cria seu espaço infinito (Genet, 2001, p. 22).

A segunda instalação, intitulada de Cela de Proteção, também de 1989, traz um ator, interpretando um presidiário ao meio de uma estação de metrô da cidade de São Paulo, como citado anteriormente, prevalecendo assim, a união das duas essências artísticas. Este trabalho consistia em uma jaula de 1,5 x 1,5m, rodeada por outras quatro jaulas com vinte cães de guarda feitos de gesso. O ator Odilon Camargo representava um empresário, que tinha como desejo a bolsa de valores e questionava os espectadores sobre quem estava preso, ele, ou o povo que o via? Na instalação havia alguns espelhos que projetava a imagem de quem estava de fora para dentro da cela.

A terceira instalação traz uma perspectiva artística diante das causas indígenas. O Monumento Nações Indígenas construído em 1992. O monumento constituía-se por 500 colunas de 2,10m de altura, feitas com placas de cimento, espalhadas pelas colunas, estão três mil cópias de objetos indígenas e 3.500 inscrições rupestres.

Além da função tradicional de homenagem própria dos monumentos, à obra oferece outras características que a compõem como uma instalação, por exemplo: sua espacialidade que oferece um labirinto para o espectador, e ao mesmo tempo, em que ele caminha, encontra artefatos indígenas afixados nas colunas que forma o monumento.  Portanto, coloca o observador na reflexão sobre a situação indígena brasileira. Sendo que, ao olhar uma foto aérea da instalação, percebemos o formato da bandeira nacional.

Por último, mas, não menos importante, o trabalho que nos oferece uma percepção acerca da teatralidade em sua obra nos tempos atuais, é a instalação que recebe o nome de “Ver o peso” (2012). Trabalho este que iniciou sua circulação pela cidade do Rio de Janeiro no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, no qual, têm um grande fluxo de pessoas por dia.

Este desejo de fazer, de demonstrar, de compartilhar a sua indignação interior, é inserido pelo artista na instalação nos oferecendo reflexões acerca do conteúdo, e para isso, nesta obra, traz outro elemento que o fê-lo presente durante suas criações: o corpo humano.

Todavia antes de encaminhar para as próximas reflexões, faz se, necessário, destacar os vários, signos teatrais nas instalações aqui relatadas, como: objetos, disposição em locais não convencionais e a união entre teatro e artes plásticas, desenvolvendo aspectos teatrais com múltiplos objetivos. Sendo a comunicação plena com o observador que ali estava passando, o ponto importante para salientar, porque talvez estes observadores, nunca teriam a oportunidade de ir até uma galeria de arte. Por seguinte, o ponto forte acerca da teatralidade nas instalações do Siron, advém dos espaços criados para tal, ou seja, sua ocupação estética e organizacional para se comunicar ao público, acaba tornando o espaço tradicional em espaço cênico. Sobretudo, o preenchimento artístico Sironiano para o espaço, no caso das instalações, seria, um caminho, para que este espaço normal, se torne espaço cênico, ou seja:

 

Um espaço cênico pode, potencialmente, ser todo e qualquer espaço apto a se transformar naquilo a que a encenação se propõe, não dependendo, por essa razão, da exigência de qualquer lugar arquitetonicamente pensado para este fim, a despeito da adequação e necessidade de tais lugares para o desenvolvimento de muitas formas de ação dramática. Daí decorre o fato de um espaço cênico ser capaz de comportar e representar outro espaço (CAMARGO, 2008, p. 58)

 

Ainda seguindo o pensamento do pesquisador Carlos Avelino Camargo, este espaço cênico, não pode ser considerado algo autônomo, ou seja, precisa de uma contextualização.

 

Todavia este espaço cênico não pode ser considerado algo autônomo, porque a eficiência de sua contextualização depende de uma articulação entre aquele que dentro dele se insere, o ator, e aquele que assiste à ação dramática, o público. Deste modo, a transformação de um espaço em um outro possível pode ser pensada como o resultado de uma permissividade ilusória conduzida pelo ator e compactuada pelo público. (CAMARGO, 2008, p. 58)

 

Nesta questão desenvolvida pelo Camargo (2008), espaço cênico é contextualizado por aquele que está dentro, o ator, e aquele que está assistindo a ação dramática, o público. Todavia, partindo do pressuposto defendido pela ensaísta Jossete Ferál (2002), onde, a teatralidade, não é um fenômeno estritamente limitado ao teatro, poderíamos aprofundar o pensamento da citação anterior, substituindo o ator, por um objeto no espaço: uma escultura, um quadro, um cenário ou até um animal, sendo que até o público, poderia ter sua presença física contestada, por exemplo: uma performance transmitida via internet para o mundo inteiro, mas acontecendo em um espaço fechado, sem ninguém presente além dos envolvidos na ação. “Eu acho que arte é provocação, arte é pensamento, no mundo de hoje a arte tem esse poder, você pode em um espaço mesclar tudo. (Siron Franco, 2011)

 

3.3 Martim Cererê

 

Os signos teatrais criados pelo Siron Franco em sua participação nas montagens do Martim Cererê, foram cheios de intensas possibilidades estéticas. Diversos elementos compuseram sua criação, tanto na primeira versão como na segunda.

Estas possibilidades estéticas do espetáculo trouxeram uma reunião de signos, elementos que compunham uma teatralidade, são eles: objetos, figurino, cenário, iluminação e, por último, mas não menos importante, a corporeidade construída para criar o imaginário da obra do Cassiano Ricardo. Para isso, foi criado pela equipe chefiada por Siron Franco, elementos como, paus de chuva, tapa sexos, painéis e pinturas corporais. Faz se necessário, voltarmos ao primeiro exemplo discorrido pela ensaísta Josette Féral (2002), onde, ela define a teatralidade diante da disposição dos signos no palco antes de uma apresentação. Ou seja, a espacialidade desenvolvida pelo Siron trouxe para o público uma aproximação à obra apresentada, criou-se um jogo entre o observador e o observado, caminho já experimentado por ele em suas instalações e monumentos públicos.

Outro ponto interessante para examinar foi o “ritual[7]” desenvolvido entre os atores para pintar uns aos outros durante a temporada. Como foi colocado pelos atores Newtom Murce e Adriana Brito, o processo da nudez não foi fácil até por que estavam pela primeira vez no palco com o corpo completamente expostos para a plateia. Por outro lado, ambos também salientaram que o processo desenvolvido nas pinturas, foi de suma importância para um confiança sobre o que estavam criando, e o momento da pintura era como uma concentração e confiança.

A importância do olhar diante da obra, neste caso, a partir do ato em que o ator, se coloca em processo de concentração diante dos traços ali criados pelo Siron com o objetivo artístico, ele está fazendo uma re-locação do interprete no espaço que ele ocupa, não é mais só um local de ensaio ou preparação. Se torna, a atmosfera da obra do Cassiano Ricardo e ao mesmo tempo traz um ponto muito forte, a corporeidade construída pelo artista plástico ao pintar os corpos dos atores.

Na segunda versão da montagem do Martin Cererê, também nos deparamos com o quadro de signos construídos através dos traços do Siron, mas, desta vez, com um elenco e uma equipe técnica amadurecida, conduziram um trabalho pautado em experimentações entre o artista plástico e os atores.

Segundo a Féral (2002) o corpo do ator semiotiza tudo ao seu redor: espaço, tempo, história, diálogo, cenário, música, iluminação e figurinos. Traz teatralidade ao palco. Dos elementos que podem compor uma teatralidade o corpo é sem dúvida um dos mais expressivos. E nesta percepção, podemos afirmar que o corpo criado para o espetáculo Martim Cererê, foi sem dúvida, um dos pontos mais fortes para sua teatralidade.

Após alguns experimentos, Siron Franco decidiu pintar os atores com tinta acrilica em azul para as mulheres no sentido vestical e vermelho para os homens no sentido horizontal. Segundo o Rousseau (1980, p. 37) a cor azul é uma cor fria, a cor do céu ou do ar ao contrário do vermelho que é uma cor quente, representa o sangue e o fogo. Ainda seguindo o pensamento do Rosseau, o vermelho é o símbolo e expressão do “Eu”, que também é símbolo e expressão da sexualidade masculina, implica a ideia de prodigalidade, ou seja, de perda de substância que pode ir até a morte.

A teatralidade foi sendo construída pelo processo de criação das personagens. Cada ator, tendo orientações tanto do Siron Franco, como do diretor do Espetáculo Marcos Fayad nos ensaios, foram passo a passo, compondo seu personagem, e a pintura também foi caminhando como forma provocadora de signos corporais. Se entendermos a teatralidade como um processo que, acima de tudo é ligado às condições de produção teatral. Percebe-se que a teatralidade sendo construída nos corpos através dos traços Sironianos, também é responsável pelo signo geral do espetáculo, ou seja, o imaginário da obra de Cassiano Ricardo. Teatralidade esta, que pode ser conceituada como: a teatralidade Sironiana.

 

Conclusão

 

Por sua vez, a concepção cênica das últimas décadas pode se multiplicar em várias vozes e, com isso, dissolver sua autoria entre os vários profissionais da equipe. Poderíamos exemplificar essa forma de trabalho com uma tendência teatral contemporânea calcada na horizontalidade das relações criativas, o processo colaborativo. Neste, a partir da escolha de um tema, o grupo propõe um material de estudo, que deve ser acessível a todos os membros. Pesquisam-se leituras, imagens, sons, figurinos e adereços, num exercício de complementaridade.

A teatralidade aparece como um dos caminhos para nos conduzir ao entendimento da arte contemporânea, como citado no início deste ensaio, ou, pelo menos, a uma forte fundamentação reflexiva sobre o hibridismo teatral. Para tal efeito, Josette Féral coloca que as tentativas de conceituar teatralidade estão ligadas às recentes preocupações com a teoria do teatro (2002, p. 94). Contudo, os caminhos são pantanosos e, segundo Féral (2002, p. 95), “theatricality is both poorly defined and etymologically nuclear”[8].

Portanto, pelo estudo aqui realizado, percebemos que não existe uma poética estabelecida, ou um único ponto de partida para o nascimento da encenação teatral contemporânea. Ela poderá surgir das leituras de mesa de um texto dramático, assim como de vários outros estímulos criativos, tais como imagens, sons, jogos, improvisações ou ações propostas. Como reflexo dessas metamorfoses, a ideia de teatro também se transforma a cada encenação, a cada público, a cada leitura de mundo que um encenador pretende fazer. Não obstante às suas frequentes reinvenções, o teatro será assegurado pelo insubstituível diálogo entre atores e público, seja qual for o seu nome. Além disso, um dos caminhos para se refletir o fazer teatral é entender o contexto, os signos, o que envolve, o que constitui uma cena.

 

4. Referências Bibliográficas

 

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Recebido em março de 2015. Aceito em junho de 2015.

NOTAS

[1] Professor da Universidade do Estado do Amazonas-UEA, Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás-PUC, graduado em Licenciatura e Bacharelado Artes Cênicas pela Universidade Federal de Goiás. Líder do TABIHUNI: Núcleo de Pesquisa e Experimentações das Teatralidades Contemporâneas e suas Interfaces Pedagógicas – CNPQ/UEA. Performer, encenador e orientador de pesquisas voltadas para práticas e teorias teatrais e suas interfaces com a Antropologia, a Dança, a História e as Artes Plásticas. luizdavipesquisa@hotmail.com 

[2] Teatralidade como uma propriedade do cotidiano. (Tradução nossa)

[3] Sem esse olhar, indispensável para o surgimento de teatralidade e para o seu reconhecimento como tal, o outro seria compartilhar o espaço do espectador e continuar a fazer parte de sua realidade diária. (tradução nossa)

[4] Artigo Teatralidade e Ética, publicado em português na revista Próximo Ato: Questões da Teatralidade Contemporânea. Organização Fátima Saadi e Silvana Garcia

[5] Josette Féral é professora na Escola de Teatro da Universidade de Quebec desde 1981. Publicou vários livros artigos sobre teoria e prática teatral, entre eles: Teatro, Practica y Teorica: Más allá de las fronteras (2004). A sua investigação centra-se na performance e performatividade: novas formas de teatro, interdisciplinaridade e multiculturalismo.Também escreveu sobre Teatralidade no ensaio Theatricality: On the Specificity of Theatrical Language (1988)

[6] Aqui atribuímos à palavra colorido, no sentido do uso de várias cores em tons opostos, possibilitando a imagem uma aparência com mais colorações.

[7] Termo usado pelos atores da Companhia Martim Cererê para o processo de pintura corporal.

[8] Teatralidade é tanto pobremente definida quanto etimologicamente obscura. (Tradução nossa)