Zona de Impacto - ISSN 1982-9108 ANO 17 Vol. 2 - 2015 - Junho/Dezembro
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RESUMO. Este artigo pretende explicitar como
sobreviviam os indígenas da região marajoara, suas culturas, bravuras,
crenças
e suas difíceis e sangrentas batalhas, contra colonizadores que ora
aqui
chegavam por diversos rios, sua catequização através dos jesuítas, e a
consolidação de traços culturais que ainda hoje podemos ouvir de
comunidades e
pessoas moradoras desta ilha. Ademais, trazemos relatos e fatos
folcloricamente
históricos contados por nossos familiares, acerca de povos que
possivelmente
tenham morado por essa região do Marajó em tempos remotos. A
metodologia
adotada para este artigo são pesquisas a partir de materiais que
abordam a
temática da colonização do Marajó, bem como pesquisas de campo. Nosso
embasamento teórico parte destas obras, as quais serão citadas no
decorrer
desta pesquisa, sobretudo a partir da obra de PACHECO, 2010. Palavras-chaves:
Marajó; Colonização; Indígenas. 1
INTRODUÇÃO
A Ilha de Marajó fica localizada ao
Norte do Pará, distante aproximadamente a 90 km da capital do estado, o
Marajó
é o maior arquipélago flúvio-marítimo do mundo, possui 16 municípios:
Afuá,
Anajás, Bagre, Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá,
Melgaço,
Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São
Sebastião
da Boa Vista e Soure. Essas cidades relacionam-se historicamente ao
período de
colonização dos portugueses no Marajó. O foco desse trabalho será
apontar
aspectos históricos que muitos ainda desconhecem sobre a colonização de
Breves
e regiões vizinhas (interiores), donde partem os principais indícios da
presença marcante da vida e cultura indígena. Dado
isso, nossa pesquisa consistirá em recontarmos a história da cultura
indígena
no arquipélago marajoara, buscando ressaltar os episódios que foram
determinantes para a construção da identidade do Ocidente Marajoara,
desde a
chegada dos portugueses no século XVI, até as lutas entre índios e
portugueses
durante mais de duas décadas.
Para fins de levantamentos de dados
atuais sobre a cultura indígena no Marajó, nos basearemos por meio de
pesquisas
da árvore genealógica de nossas famílias, mas principalmente a partir
de
relatos com moradores da cidade de Breves e comunidades vizinhas do
interior,
bem como, usarmos da observação do modo de vida da sociedade brevense,
atualmente, a fim de relacionar isso com o modo de vida nas aldeias da
época,
as quais foram dominadas pelos portugueses. 2
HISTÓRIA DOS INDÍGENAS NO OCIDENTE MARAJOARA
A
história do Marajó Ocidental só pode ser recontada a
partir dos fatos que marcaram a cultura e crenças indígenas, uma vez
que, temos
conhecimento que aqui habitavam diversas etnias e culturas diferentes
de
índios. Por isso, é importante que saibamos quando e de que forma essa
cultura
e/ou crença foi afetada, a ponto de ser determinante para a forma como
vivemos
hoje neste mesmo território onde viveram. Descrever
o Marajó não é uma tarefa fácil, mas o que precisamos saber que
trata-se de um
labirinto de ilhas, antigamente dominada por seus habitantes nativos,
tais como:
Aruãs, Sacacas, Marauanás, Caiás, Araris, Anajás, Muanás, Pacajás,
entre
outros, todas essas etnias habitavam muito antes da chegada dos
portugueses,
entre os anos 400 e 1.300 d.C., tal como se pode comprovar pela
cerâmica bonita
e refinada que faziam afirma Pacheco (2010). Como não usavam o texto
escrito,
expressavam-se através de ilustrações em potes, vasos, adornos, etc,
tal como
perpetuavam sua cultura a partir das narrativas, das poesias, dos
cantos, das
pajelanças e dos etnosaberes, as
diferenças culturais
entre os diversos grupos indígenas eram imensas. De
acordo com a classificação linguística, os povos indígenas do Brasil se
dividiam nos grupos tupi (tupi-guarani), jê,
caraíba e arua-que,
além dos pequenos grupos que ali viviam. É
importante ressaltar que, o contato de etnias indígenas distintas
desencadeou
uma nova configuração às aldeias, a hibridização. Com isso, ficou
evidente que as
dificuldades encontradas por historiadores em relatar esses fatos
perpassaram
séculos de estudos para vir à tona. Ao
revisitar textos e cronistas de historiadores, percebe-se que o modo
como
documentaram encontros, tragédias e negociações, entre conquistadores e
populações a serem conquistadas, acabaram por consagrar uma memória
religiosa,
que entre as inúmeras derrotas e extermínio ocorrido nos Marajós,
apresenta-se
em vertente exclusivamente vencedora. (PACHECO, 2003:16) A crise do Feudalismo causou
na Europa um
colapso, então os países se lançaram ao mar com o objetivo de desvendar
novas
rotas de navegação e expandir seu território. Com isso, a partir do ano
de
1616, (mesmo ano da fundação de Belém), com a chegada dos portugueses
ao
território Marajoara, toda cultura dessa região e de todas as etnias
estavam
ameaçadas, deu-se início, então, aos processos de colonização e
catequização
dos índios.“(...) Em 1623, os portugueses conquistaram na fronteira com
a
grande ilha de Joanes, os fortins flamengos ainda existentes em Santo
Antônio
de Gurupá e N.”.Srª do Desterro (...) e o forte de São José de Macapá
(...)”
(BARROSO, Apud, PACHECO, 2003:18). Não satisfeitos com conquistas, os
colonizadores pretendiam dominar e tomar posse de todo o arquipélago
marajoara,
para isso, precisariam de uma um meio que lhes possibilitasse a
destruição de
alguns povos que ainda resistiam com muito afinco as forças
colonizadoras. Algumas
tribos ainda
povoavam o Oriente e o Ocidente Marajoara, do lado Oriental os Aruãs e
do lado
Ocidental os Nhengaíbas, segundo alguns cronistas, como o Padre Antônio
Daniel,
esses povos eram dotados de inúmeras habilidades, bem como, saber
elaborar
táticas de combate, caça, pesca, canoas, além de conhecerem
minunciosamente a
constituição geográfica da região. Logo, o próximo passo dos
colonizadores,
seria dominá-los a qualquer custo. No ano de 1654, uma segunda
expedição
liderada por João Bittencourt Muniz, composta por mais de 500 pessoas,
dentre
eles índios Tupinambás, foi lançada rumo aos afluentes marajoaras,
porém, ao
chegarem, foram surpreendidos pelos bravos guerreiros que os
encurralaram e
fizeram jus as habilidades com arcos, flechas e taquaras dando um novo
contraste ao verde das matas que ficaram manchadas de rubro e terror. “Os bravos Tupinambás
entraram naquela luta
com o apoio de portugueses e suas armas. Ao final da batalha (...),
apesar de
morrerem 250 Tupinambás, somente 30 portugueses e inúmeros habitante da
ilha, a
expedição não saiu vitoriosa”. (op. cit.:19) O
Estado apoiou uma nova
expedição, liderada pelo Governador André Vidal de Nogueira no ano de
1655 com
o intuito de eliminar os valentes guerreiros “(...) Essa empreitada
pretendia o
extermínio e o cativeiro das nações marajoaras, mas quem havia de
pacificá-los
eram os santos Missionários e não os portugueses, com os seus mosquetes
e
arcabuzes impiedosos, que levaram o ódio, a perseguição, a fome, a
miséria e a
destruição no seio desses pobres seres, que apesar de serem bárbaros,
eram
também humanos” (PEREIRA, apud, PACHECO, 2013). Um
episódio bastante
relevante nos estudos da conquista do Ocidente Marajoara ocorreu no ano
de
1643, a historiografia é marcada pelo Naufrágio do navio que conduzia o
padre
Antônio Figueira e seus Missionários “em direção ao Maranhão e
Grão-Pará”. Consoante
isso, Moreira
Neto narra que: Luiz
Figueira conseguiu recrutar, nos vários colégios Companhia em Portugal,
quatorze missionários, todos portugueses, a quem se deveriam somar mais
dois,
do Maranhão. O navio alcançou a ilha do sol, nas proximidades de Belém,
onde
encalhou e mais tarde foi destruído pela maré. Parte dos passageiros,
entre os
quais Luiz Figueira e outros padres, tomaram uma jangada e, com ela,
foram dar
à ilha de Marajó, onde os índios Aruans, em guerra com os portugueses
os
mataram a todos (MOREIRA NETO, apud PACHECO, 2003:21) Os
cronistas que
realizaram escritos em meados dos séculos XVII e XVIII, sempre
procuravam
engrandecer o trabalho que os Missionários faziam nas comunidades
indígenas
para torna-los pacíficos diante da invasão portuguesa, marcado por
muita
intolerância e derramamento de sangue, confrontos entre portugueses e
indígenas. “(...) Para começar seu processo de conquista em 1616, os
portugueses, escolhendo um ponto estratégico do Vale Amazônico,
fundaram Belém
e sua primeira fortificação, Forte do Presépio, visando melhor vigiar a
região
imersa em tempos de numerosos litígios. Sobre a chamada fundação de
Belém”
(CARDOSO, 2002:33). Para
os fins de
catequização, existia a chamada Companhia de Jesus, uma ordem religiosa
fundada
em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, cujos
membros são
conhecidos como jesuítas. Além de ícone da Companhia de Jesus na
Amazônia,
padre Antônio Vieira, foi também responsável pelo desenvolvimento da
prosa no
período do barroco, conhecido por seus sermões polêmicos em que
critica, entre
outras coisas, o despotismo praticado pelos colonos portugueses. A
influência
negativa que o Protestantismo exerceria na colônia, os pregadores que
não
cumpriam com seu ofício de catequizar e evangelizar (seus adversários
católicos) os levavam as atrocidades Inquisitórias. As
expedições portuguesas
malsucedidas foram tantas, que “entre os dias 22 a 27 de Agosto de
1659” o
padre Antônio Vieira enviou uma carta à Coroa Portuguesa contendo a
informação
do acordo de paz com os “chefes das sete nações Nhengaíbas no rio
Mapuá”, que
atualmente faz parte do município de Breves. (op. cit.: 22) Em
relação à Companhia de
Jesus na Amazônia, o padre João Daniel, membro da Companhia, expôs em
suas
crônicas que, as armas portuguesas não obtiveram resultados eficientes
nessa
conquista, quanto a força religiosa usada para tais feitos. O padre
ainda
defende uma memória dominadora, colocando o Evangelho como o elemento
único e
capaz de estabelecer o acordo com os Marajós. O ensino jesuítico que era
inicialmente de
característica missionária, pouco a pouco se transformou numa “Ordem
docente”,
tudo isso (...) para consolidar um projeto eurocêntrico, para fins de
expansão
territorial, acúmulo de riquezas e expansão do exército de almas (op.
cit.:15).
A conquista da Ilha de Marajó foi essencial para os objetivos da Coroa
Portuguesa que pretendia consolidar a navegação entre Manaus e Belém. Naquele
tempo, já sabiam
que o arquipélago do Marajó era uma vastidão de terras que em
comprimento e
largura excedia o Reino de Portugal. Esse arquipélago é formado por
centenas de
ilhas entrecortadas por inúmeros rios, furos e igarapés, formando,
assim, um
imenso labirinto. O acordo feito em 1659, possibilitou o acesso livre
de canoas
nos rios e igarapés. Como estratégias, para fins de catequização, os
Jesuítas
da Companhia “criaram um primeiro aldeamento no próprio Mapuá”, em
seguida “foi
transferido para a missão da ilha de Guarycurú” que hoje conhecemos
como
Melgaço, próximo dali, fundaram a aldeia de Arucará que séculos depois
se
transformou na vila de Portel. (op. Cit.:24). Para
melhor entendermos
as diretrizes e localizarmos onde cada etnia se situava, temos a
seguir, o mapa
Etnohistórico de Curt Nimuendaju (1944), com recorte da região
Marajoara: Figura
1. Mapa
etno-histórico do Brasil e Regiões adjacentes Nimuendaju 1944
Vale
ressaltar que a língua recorrente e usada pelos colonizadores era o
Nheengatu,
também conhecido como língua geral amazônica, língua brasílica, tupi,
língua
geral, é uma língua derivada do tronco tupi. Quando os colonizadores
portugueses chegaram ao Brasil em 1616 aproximadamente, encontraram
diversas
línguas ou dialetos aparentados da família Tupi-Guarani, usados ao
longo da
costa do Brasil. Desconsideradas
as diferenças dialetais, na prática, havia uma língua da qual os
colonizadores
podiam se servir como língua franca para se comunicar com os indígenas
ao longo
de um vasto território. Essa língua falada pelos índios, o tupi antigo,
foi
absorvida pela sociedade colonial, sendo usada não apenas por índios e
jesuítas, mas também como língua corrente de muitos colonos de sangue
português. Passando a ser chamada de "língua geral", foi levada junto
com os portugueses na conquista do território brasileiro, sendo imposta
até aos
povos indígenas que falavam outras línguas. Pacheco (2010) discorre que em territórios
Marajoaras, os portugueses se depararam com uma língua desconhecida,
diferente
do Nheengatu, de tal maneira que não conseguiam compreender a
linguagem, o que
consolidava um ponto negativo aos colonizadores. Por isso, o Padre
Antônio
Vieira caracterizou as etnias por suas línguas, e aquele idioma que não
era
compreendido, chamou-se Nheengaíbas, que na tradução quer dizer ‘língua
má’’ ou
‘’língua ruim’’, em caráter de homogeneização para as línguas que não
eram
compreendias. Dividiu-se, então, o Marajó em duas línguas.
“Os
Marajós não assistiram passivamente àquela chegada dos portugueses,
pessoas tão
diferentes e intimidadoras. Experientes em contatos e guerras tribais
anteriormente vividas, os Aruãns, Sacacas, Marauanás, Caiás, Araris,
Anajás,
Muanás, Mapuás, Pacajás, entre outras e os batizados de Nheengaíbas,
enfrentaram as armas portuguesas por quase 20 anos” (op.
cit.:18),
tal como, o cronista Padre João
Daniel redigiu: Muito
deu que fazer esta nação aos portugueses, com quem teve muitos debates,
contendas, e guerras. (...) Expediam-se tropas contra eles, mas os
Nheengaíbas
(...) zombavam das tropas, escondendo-se por um labirinto de ilhas, e
de quando
e quando dando furiosas investidas, já em ligeiras canoinhas, que com a
mesma
ligeireza com que de repente acometiam, com a mesma se retiravam, e por
entre
as ilhas se escondiam as balas, e já de terra encobertas com as
árvores, donde
despediam chuveiros de flechas e taquaras sobre os passageiros e
navegantes,
que além do risco da vida, se viam impedidos a navegar o Amazonas, para
onde
não tinham outro caminho, senão pelo perigoso furo do Tajapurú (...).(DANIEL,
Apud PACHECO, 2003, p. 18).
É
importante dizer que,
antes de todos esses conflitos vividos pelos indígenas ao longo do
século XVI,
a população Marajoara possuía uma rede de trocas de matérias-primas e
bens
valiosos, o que logo chamou a atenção de companhias de comércio
holandesas,
inglesas e francesas, que chegavam à nova terra buscando tais
especiarias.
Havia um enorme interesse em dominar aquela região, por sua localização
de
fácil acesso às riquezas. Em contrapartida, os portugueses que se
julgavam
donos do território, começaram a se incomodar com a presença desses
comerciantes na Ilha. Em cooperação com os índios, principalmente os
Tupinambás, os portugueses montaram uma ofensiva para expulsá-los. E em
1616,
com a fundação de Belém, consolidou-se o domínio português na região.
(REZENDE,
2006)
No entanto, as boas relações com os indígenas
começaram a
serem desfeitas por conta das expedições portuguesas que escravizaram
índios
para trabalhos em lavouras e cidades. Os portugueses tiveram que lidar
com a
resistência dos bravos índios Nheengaíbas, os índios Mapuás, por
exemplo, não
aceitavam a ideia de perder todas as suas terras e sua liberdade para
os colonizadores
portugueses, e repassaram, em 1635, uma ordem às demais tribos que
fechassem as
fronteiras dos rios do Marajó, tornando-o, assim, uma grande fortaleza.
Nessa
guerra que durou mais de duas décadas, os índios Mapuás ficaram
bastante
conhecidos, pela forma como eram mais ágeis na água e no mato, eles
tinham
canoas ligeiras e andavam sempre, bem armados sua destreza e seu
conhecimento
aprofundado por vários anos da geografia da região, os colocava em
vantagem, o
que permitia que eles atacassem, por exemplo, as caravelas e matassem
muitos
portugueses que se arriscavam a atravessar o interior do arquipélago.
(SALERA,
2013:15)
Presume-se
um total
de 29 nações diferentes de índios habitando na ilha. No fim do século
XVIII, os
portugueses já haviam removido praticamente toda a população indígena
da área,
seja por conflitos, seja pela sua transferência para outras
localidades, haja
vista que muitos índios, por medo de ser alvo da violência do governo
da época,
evadiram-se em busca de novas terras, esconderijos, moradia, para
poderem,
desse modo, perpetuar sua cultura e modo de vida.
Com base em nessas informações, entendemos que
reescrever a
história do Marajó é reescrever a luta que os povos indígenas que aqui
habitavam travaram para sua sobrevivência. A presença de costumes,
crenças,
artesanato, danças, orações, entre outros, são indícios evidentes da
perpetuação da cultura indígena no Marajó, mesmo com todos os fatos
socioculturais que interviram na história. Veremos a seguir, de que
forma
podemos saber o tamanho da influência indígena na nossa sociedade atual. 3
INDÍGENAS NO MARAJÓ HOJE?
Nosso
método para
chegarmos a uma conclusão sobre a presença ou não dos indígenas no
Marajó, é a
pesquisa de campo, baseada em relatos e em árvore genealógica,
pesquisamos
sobre nossa ascendência familiar. É bem verdade que nem sempre é
simples para
algumas pessoas terem que assumir a descendência indígena, talvez, por
todo, o
tabu preconceituoso que veio se propagando com o tempo. Na época da
colonização
do Marajó, nem mesmo alguns índios, por medo, assumiam sua condição
racial,
encontramos dificuldades para conseguirmos as informações precisas,
principalmente pela carência de material que comprove nossa
ascendência, com
exceção, é claro, de todo o contexto histórico que já repassamos no
capítulo
anterior.
Primeiramente, fizemos uma série de relatos colhidos
e
gravados com nossos familiares, analisamos os relatos mais
interessantes e que
tenham maior aproximação com nossa intenção neste trabalho. Nosso
primeiro
entrevistado, Heveraldo Cavalcante da Cunha, 43 anos, residente da
cidade de
Breves Foi indagado sobre sua ascendência e conhecimento sobre a
presença de
índios em sua família. Ele diz: “Eu nasci
no interior de Breves, só vim pra cá (Breves) com 14 anos, nasci no
Corcovado.
De mais velhos assim... conheci só os meus avós, que morreram quando eu
ainda
era criança. Eu penso que a gente não é parente de índio, mas eu lembro
que o
vovô falava sobre índios, principalmente das plantas que eles tiravam
do mato
pra usar de remédio. E também tinham aqueles ‘’curandeiros’’ que usavam
muito
essas plantas pra curar quem tava doente.’’
Com base nesse primeiro relato, percebemos
primeiramente, o
lugar onde o entrevistado nasceu, um lugar situado no interior do
município de
Breves, podemos chegar por meio de embarcação ou por estradas. Vimos
que muitos
índios Mapuás tiveram que fugir de suas aldeias espalhando-se e seus
lugares de
fuga eram justamente as margens dos rios. Partindo desse princípio,
entendemos
que a fundação da comunidade de Corcovado foi também reflexo da evasão
indígena, sendo ainda mais evidente, quando seus familiares confirmam
sobre a
presença de índios, fazendo referência a eles quando usavam como método
de cura
as plantas medicinais. Além disso, a presença de curandeiros,
personagens
marcantes da cultura indígena, reforça empiricamente a presunção de que
aquela
comunidade e, consequentemente, seus habitantes, são descendentes de
populações
indígenas.
Maciel (2010, p.12), ao comentar uma narrativa de
sua avó
sobre um episódio bastante curioso apresenta um discurso bem
interessante,
“(...) Nessa narrativa há um tempo e um espaço que estão entre o mítico
e o
histórico entre o social e o cultural.
Nossa segunda entrevistada foi Vanda Monteiro, 52
anos. A
partir da mesma pergunta que fizemos ao primeiro entrevistado,
obtivemos a
seguinte resposta, “Eu não me lembro se
tinha índio na nossa família, mas a gente morava no Ituquara, e lá o
meu pai
contava muita coisa que tinha a ver com índio também(...) Tinha o meu
irmão,
que recebia esses espíritos que vinham do mato (...) Toda vez que eles
iam
caçar, eles tinham que pedir permissão para os espíritos do mato,
tinham que
pedir proteção também pra que não acontecesse nada, se eles matassem um
bicho
assim do nada, quando fosse de noite os espíritos iam bater lá em casa
pra
falar com a gente, e eles incorporavam no meu irmão. Eles (espíritos)
brigavam
com quem caçasse sem permissão, e ninguém ia conseguir caçar nada por
causa
disso.’’
A
partir deste segundo
relato, podemos tirar as seguintes conclusões, os indícios mais fortes
estão
nas crenças e nos contos tipicamente indígenas, na cosmovisão muito
próxima das
sociedades indígenas do Brasil, tal como quando a entrevistada se
refere aos
espíritos do mato, na cultura indígena, esse espírito ou espíritos são
chamados
de Curupira, a entidade que vaga pela mata, trazendo proteção para a
floresta e
para os animais. O fato de receber espíritos e/ou entidades são também
características da cultura dos índios, que recebiam espíritos para
diversos
fins como, cura, rituais, danças, etc. Portanto, a comunidade de
Ituquara é
também atrelada às características da forma de vida dos indígenas,
seguindo,
nesse caso, sua crença, cultura e contos a partir dos indígenas.
4
CONCLUSÃO
Com
base em tudo o que
foi visto, é importante lembrar que os relatos desenvolvidos para
descrever
essa história, geralmente são descritos a partir de pontos de vista
bastante
controversos. As épicas batalhas que consagraram os guerreiros nativos,
ainda
hoje, são desconhecidas da maioria do povo Marajoara. Só é possível a
construção de uma memória positiva em relação à etnia que pertencemos,
se nos
tornarmos “pesquisadores” da nossa própria história. Isso significa que
descobriremos que os costumes como os de usar canoas para se deslocar
nos rios
e igarapés, fazer roças, plantar, colher, usar medicamentos naturais,
entre
outros, são costumes herdados de pessoas que deram suas vidas em uma
guerra
sangrenta que não poupava ninguém, povos que precisaram ser dizimados
para dar
espaço a uma descontrolada exploração Portuguesa. Atualmente,
a população
indígena é rotulada pela maior parte da população brasileira, como
povos sem
cultura e “não civilizados”, considerando que a política que rege o
país bebe
direto na fonte neoliberalista, a proposta do governo é eclodir o
crescimento
econômico aos países internacionais, não importando por cima de quem
passará.
Consoante isto, classes minoritárias como as etnias que ainda
sobrevivem sofrem
frequentemente violações de seus direitos constitucionais. O
preconceito contra as populações indígenas no Brasil
ocorre de forma difusa e perversa. Apesar de 80% da população
não-indígena
entrevistada concordar que existe discriminação contra os indígenas,
paradoxalmente, 96% dos entrevistados afirmam não ter preconceito em
relação
aos mesmos. Confirmando o primeiro dado, 83% dos indígenas confirmam
que há
preconceito contra eles e 45% já sofreram algum tipo de discriminação.
(RANGEL;
GALANTE; CARDOSO, 2013, p.118).
Tal
como citado acima, em nossas entrevistas
percebemos a presença do olhar preconceituoso no que se diz respeito
aos
índios, principalmente a ideia de que estes vivem à margem da sociedade
–
reflexo do que mídia retrata, por exemplo. No entanto, nenhum
entrevistado
assumiu-se por preconceituoso, ao passo que confirmaram não serem
índios, pelo
fato de não terem traços ou não se recordarem de parentes próximos ou
grau
próximo de parentesco indígena.
Por fim, é fundamental que se estabeleça uma forma
de pôr em
exercício regular a lei de nº 11645/08 que regulamenta o ensino da
cultura
afro-indígena na grade escolar. Assim, os jovens dessa geração (Século
XXI),
terão conhecimento da importância de se auto identificarem indígenas,
reduzindo
o alto índice de discriminação e aumentando a valorização da classe
indígena. REFERÊNCIAS
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