Zona de Impacto - ISSN 1982-9108  ANO 17  Vol. 2 - 2015 - Junho/Dezembro



História e influência indígena na Sociedade Marajoara: a Colonização de Breves

Izaque de Oliveira Batista

 
 
             

RESUMO. Este artigo pretende explicitar como sobreviviam os indígenas da região marajoara, suas culturas, bravuras, crenças e suas difíceis e sangrentas batalhas, contra colonizadores que ora aqui chegavam por diversos rios, sua catequização através dos jesuítas, e a consolidação de traços culturais que ainda hoje podemos ouvir de comunidades e pessoas moradoras desta ilha. Ademais, trazemos relatos e fatos folcloricamente históricos contados por nossos familiares, acerca de povos que possivelmente tenham morado por essa região do Marajó em tempos remotos. A metodologia adotada para este artigo são pesquisas a partir de materiais que abordam a temática da colonização do Marajó, bem como pesquisas de campo. Nosso embasamento teórico parte destas obras, as quais serão citadas no decorrer desta pesquisa, sobretudo a partir da obra de PACHECO, 2010.

Palavras-chaves: Marajó; Colonização; Indígenas.

 

1 INTRODUÇÃO

 

         A Ilha de Marajó fica localizada ao Norte do Pará, distante aproximadamente a 90 km da capital do estado, o Marajó é o maior arquipélago flúvio-marítimo do mundo, possui 16 municípios: Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista e Soure. Essas cidades relacionam-se historicamente ao período de colonização dos portugueses no Marajó. O foco desse trabalho será apontar aspectos históricos que muitos ainda desconhecem sobre a colonização de Breves e regiões vizinhas (interiores), donde partem os principais indícios da presença marcante da vida e cultura indígena.

Dado isso, nossa pesquisa consistirá em recontarmos a história da cultura indígena no arquipélago marajoara, buscando ressaltar os episódios que foram determinantes para a construção da identidade do Ocidente Marajoara, desde a chegada dos portugueses no século XVI, até as lutas entre índios e portugueses durante mais de duas décadas.

         Para fins de levantamentos de dados atuais sobre a cultura indígena no Marajó, nos basearemos por meio de pesquisas da árvore genealógica de nossas famílias, mas principalmente a partir de relatos com moradores da cidade de Breves e comunidades vizinhas do interior, bem como, usarmos da observação do modo de vida da sociedade brevense, atualmente, a fim de relacionar isso com o modo de vida nas aldeias da época, as quais foram dominadas pelos portugueses.

 

2 HISTÓRIA DOS INDÍGENAS NO OCIDENTE MARAJOARA

 

         A história do Marajó Ocidental só pode ser recontada a partir dos fatos que marcaram a cultura e crenças indígenas, uma vez que, temos conhecimento que aqui habitavam diversas etnias e culturas diferentes de índios. Por isso, é importante que saibamos quando e de que forma essa cultura e/ou crença foi afetada, a ponto de ser determinante para a forma como vivemos hoje neste mesmo território onde viveram.

Descrever o Marajó não é uma tarefa fácil, mas o que precisamos saber que trata-se de um labirinto de ilhas, antigamente dominada por seus habitantes nativos, tais como: Aruãs, Sacacas, Marauanás, Caiás, Araris, Anajás, Muanás, Pacajás, entre outros, todas essas etnias habitavam muito antes da chegada dos portugueses, entre os anos 400 e 1.300 d.C., tal como se pode comprovar pela cerâmica bonita e refinada que faziam afirma Pacheco (2010). Como não usavam o texto escrito, expressavam-se através de ilustrações em potes, vasos, adornos, etc, tal como perpetuavam sua cultura a partir das narrativas, das poesias, dos cantos, das pajelanças e dos etnosaberes, as diferenças culturais entre os diversos grupos indígenas eram imensas.

De acordo com a classificação linguística, os povos indígenas do Brasil se dividiam nos grupos tupi (tupi-guarani), , caraíba e arua-que, além dos pequenos grupos que ali viviam. É importante ressaltar que, o contato de etnias indígenas distintas desencadeou uma nova configuração às aldeias, a hibridização. Com isso, ficou evidente que as dificuldades encontradas por historiadores em relatar esses fatos perpassaram séculos de estudos para vir à tona.

 

Ao revisitar textos e cronistas de historiadores, percebe-se que o modo como documentaram encontros, tragédias e negociações, entre conquistadores e populações a serem conquistadas, acabaram por consagrar uma memória religiosa, que entre as inúmeras derrotas e extermínio ocorrido nos Marajós, apresenta-se em vertente exclusivamente vencedora. (PACHECO, 2003:16)

 

 A crise do Feudalismo causou na Europa um colapso, então os países se lançaram ao mar com o objetivo de desvendar novas rotas de navegação e expandir seu território. Com isso, a partir do ano de 1616, (mesmo ano da fundação de Belém), com a chegada dos portugueses ao território Marajoara, toda cultura dessa região e de todas as etnias estavam ameaçadas, deu-se início, então, aos processos de colonização e catequização dos índios.“(...) Em 1623, os portugueses conquistaram na fronteira com a grande ilha de Joanes, os fortins flamengos ainda existentes em Santo Antônio de Gurupá e N.”.Srª do Desterro (...) e o forte de São José de Macapá (...)” (BARROSO, Apud, PACHECO, 2003:18). Não satisfeitos com conquistas, os colonizadores pretendiam dominar e tomar posse de todo o arquipélago marajoara, para isso, precisariam de uma um meio que lhes possibilitasse a destruição de alguns povos que ainda resistiam com muito afinco as forças colonizadoras.

Algumas tribos ainda povoavam o Oriente e o Ocidente Marajoara, do lado Oriental os Aruãs e do lado Ocidental os Nhengaíbas, segundo alguns cronistas, como o Padre Antônio Daniel, esses povos eram dotados de inúmeras habilidades, bem como, saber elaborar táticas de combate, caça, pesca, canoas, além de conhecerem minunciosamente a constituição geográfica da região. Logo, o próximo passo dos colonizadores, seria dominá-los a qualquer custo. No ano de 1654, uma segunda expedição liderada por João Bittencourt Muniz, composta por mais de 500 pessoas, dentre eles índios Tupinambás, foi lançada rumo aos afluentes marajoaras, porém, ao chegarem, foram surpreendidos pelos bravos guerreiros que os encurralaram e fizeram jus as habilidades com arcos, flechas e taquaras dando um novo contraste ao verde das matas que ficaram manchadas de rubro e terror.  “Os bravos Tupinambás entraram naquela luta com o apoio de portugueses e suas armas. Ao final da batalha (...), apesar de morrerem 250 Tupinambás, somente 30 portugueses e inúmeros habitante da ilha, a expedição não saiu vitoriosa”. (op. cit.:19)

O Estado apoiou uma nova expedição, liderada pelo Governador André Vidal de Nogueira no ano de 1655 com o intuito de eliminar os valentes guerreiros “(...) Essa empreitada pretendia o extermínio e o cativeiro das nações marajoaras, mas quem havia de pacificá-los eram os santos Missionários e não os portugueses, com os seus mosquetes e arcabuzes impiedosos, que levaram o ódio, a perseguição, a fome, a miséria e a destruição no seio desses pobres seres, que apesar de serem bárbaros, eram também humanos” (PEREIRA, apud, PACHECO, 2013).

Um episódio bastante relevante nos estudos da conquista do Ocidente Marajoara ocorreu no ano de 1643, a historiografia é marcada pelo Naufrágio do navio que conduzia o padre Antônio Figueira e seus Missionários “em direção ao Maranhão e Grão-Pará”.

Consoante isso, Moreira Neto narra que:

 

Luiz Figueira conseguiu recrutar, nos vários colégios Companhia em Portugal, quatorze missionários, todos portugueses, a quem se deveriam somar mais dois, do Maranhão. O navio alcançou a ilha do sol, nas proximidades de Belém, onde encalhou e mais tarde foi destruído pela maré. Parte dos passageiros, entre os quais Luiz Figueira e outros padres, tomaram uma jangada e, com ela, foram dar à ilha de Marajó, onde os índios Aruans, em guerra com os portugueses os mataram a todos (MOREIRA NETO, apud PACHECO, 2003:21)

 

Os cronistas que realizaram escritos em meados dos séculos XVII e XVIII, sempre procuravam engrandecer o trabalho que os Missionários faziam nas comunidades indígenas para torna-los pacíficos diante da invasão portuguesa, marcado por muita intolerância e derramamento de sangue, confrontos entre portugueses e indígenas. “(...) Para começar seu processo de conquista em 1616, os portugueses, escolhendo um ponto estratégico do Vale Amazônico, fundaram Belém e sua primeira fortificação, Forte do Presépio, visando melhor vigiar a região imersa em tempos de numerosos litígios. Sobre a chamada fundação de Belém” (CARDOSO, 2002:33).

Para os fins de catequização, existia a chamada Companhia de Jesus, uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, cujos membros são conhecidos como jesuítas. Além de ícone da Companhia de Jesus na Amazônia, padre Antônio Vieira, foi também responsável pelo desenvolvimento da prosa no período do barroco, conhecido por seus sermões polêmicos em que critica, entre outras coisas, o despotismo praticado pelos colonos portugueses. A influência negativa que o Protestantismo exerceria na colônia, os pregadores que não cumpriam com seu ofício de catequizar e evangelizar (seus adversários católicos) os levavam as atrocidades Inquisitórias.

As expedições portuguesas malsucedidas foram tantas, que “entre os dias 22 a 27 de Agosto de 1659” o padre Antônio Vieira enviou uma carta à Coroa Portuguesa contendo a informação do acordo de paz com os “chefes das sete nações Nhengaíbas no rio Mapuá”, que atualmente faz parte do município de Breves. (op. cit.: 22)

Em relação à Companhia de Jesus na Amazônia, o padre João Daniel, membro da Companhia, expôs em suas crônicas que, as armas portuguesas não obtiveram resultados eficientes nessa conquista, quanto a força religiosa usada para tais feitos. O padre ainda defende uma memória dominadora, colocando o Evangelho como o elemento único e capaz de estabelecer o acordo com os Marajós.

 O ensino jesuítico que era inicialmente de característica missionária, pouco a pouco se transformou numa “Ordem docente”, tudo isso (...) para consolidar um projeto eurocêntrico, para fins de expansão territorial, acúmulo de riquezas e expansão do exército de almas (op. cit.:15). A conquista da Ilha de Marajó foi essencial para os objetivos da Coroa Portuguesa que pretendia consolidar a navegação entre Manaus e Belém.

Naquele tempo, já sabiam que o arquipélago do Marajó era uma vastidão de terras que em comprimento e largura excedia o Reino de Portugal. Esse arquipélago é formado por centenas de ilhas entrecortadas por inúmeros rios, furos e igarapés, formando, assim, um imenso labirinto. O acordo feito em 1659, possibilitou o acesso livre de canoas nos rios e igarapés. Como estratégias, para fins de catequização, os Jesuítas da Companhia “criaram um primeiro aldeamento no próprio Mapuá”, em seguida “foi transferido para a missão da ilha de Guarycurú” que hoje conhecemos como Melgaço, próximo dali, fundaram a aldeia de Arucará que séculos depois se transformou na vila de Portel. (op. Cit.:24).

Para melhor entendermos as diretrizes e localizarmos onde cada etnia se situava, temos a seguir, o mapa Etnohistórico de Curt Nimuendaju (1944), com recorte da região Marajoara:

 

Figura 1. Mapa etno-histórico do Brasil e Regiões adjacentes Nimuendaju 1944

        

Vale ressaltar que a língua recorrente e usada pelos colonizadores era o Nheengatu, também conhecido como língua geral amazônica, língua brasílica, tupi, língua geral, é uma língua derivada do tronco tupi. Quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil em 1616 aproximadamente, encontraram diversas línguas ou dialetos aparentados da família Tupi-Guarani, usados ao longo da costa do Brasil.

Desconsideradas as diferenças dialetais, na prática, havia uma língua da qual os colonizadores podiam se servir como língua franca para se comunicar com os indígenas ao longo de um vasto território. Essa língua falada pelos índios, o tupi antigo, foi absorvida pela sociedade colonial, sendo usada não apenas por índios e jesuítas, mas também como língua corrente de muitos colonos de sangue português. Passando a ser chamada de "língua geral", foi levada junto com os portugueses na conquista do território brasileiro, sendo imposta até aos povos indígenas que falavam outras línguas.

Pacheco (2010) discorre que em territórios Marajoaras, os portugueses se depararam com uma língua desconhecida, diferente do Nheengatu, de tal maneira que não conseguiam compreender a linguagem, o que consolidava um ponto negativo aos colonizadores. Por isso, o Padre Antônio Vieira caracterizou as etnias por suas línguas, e aquele idioma que não era compreendido, chamou-se Nheengaíbas, que na tradução quer dizer ‘língua má’’ ou ‘’língua ruim’’, em caráter de homogeneização para as línguas que não eram compreendias. Dividiu-se, então, o Marajó em duas línguas.

         Os Marajós não assistiram passivamente àquela chegada dos portugueses, pessoas tão diferentes e intimidadoras. Experientes em contatos e guerras tribais anteriormente vividas, os Aruãns, Sacacas, Marauanás, Caiás, Araris, Anajás, Muanás, Mapuás, Pacajás, entre outras e os batizados de Nheengaíbas, enfrentaram as armas portuguesas por quase 20 anos” (op. cit.:18), tal como, o cronista Padre João Daniel redigiu:

 

Muito deu que fazer esta nação aos portugueses, com quem teve muitos debates, contendas, e guerras. (...) Expediam-se tropas contra eles, mas os Nheengaíbas (...) zombavam das tropas, escondendo-se por um labirinto de ilhas, e de quando e quando dando furiosas investidas, já em ligeiras canoinhas, que com a mesma ligeireza com que de repente acometiam, com a mesma se retiravam, e por entre as ilhas se escondiam as balas, e já de terra encobertas com as árvores, donde despediam chuveiros de flechas e taquaras sobre os passageiros e navegantes, que além do risco da vida, se viam impedidos a navegar o Amazonas, para onde não tinham outro caminho, senão pelo perigoso furo do Tajapurú (...).(DANIEL, Apud PACHECO, 2003, p. 18).

 

         É importante dizer que, antes de todos esses conflitos vividos pelos indígenas ao longo do século XVI, a população Marajoara possuía uma rede de trocas de matérias-primas e bens valiosos, o que logo chamou a atenção de companhias de comércio holandesas, inglesas e francesas, que chegavam à nova terra buscando tais especiarias. Havia um enorme interesse em dominar aquela região, por sua localização de fácil acesso às riquezas. Em contrapartida, os portugueses que se julgavam donos do território, começaram a se incomodar com a presença desses comerciantes na Ilha. Em cooperação com os índios, principalmente os Tupinambás, os portugueses montaram uma ofensiva para expulsá-los. E em 1616, com a fundação de Belém, consolidou-se o domínio português na região. (REZENDE, 2006)

         No entanto, as boas relações com os indígenas começaram a serem desfeitas por conta das expedições portuguesas que escravizaram índios para trabalhos em lavouras e cidades. Os portugueses tiveram que lidar com a resistência dos bravos índios Nheengaíbas, os índios Mapuás, por exemplo, não aceitavam a ideia de perder todas as suas terras e sua liberdade para os colonizadores portugueses, e repassaram, em 1635, uma ordem às demais tribos que fechassem as fronteiras dos rios do Marajó, tornando-o, assim, uma grande fortaleza. Nessa guerra que durou mais de duas décadas, os índios Mapuás ficaram bastante conhecidos, pela forma como eram mais ágeis na água e no mato, eles tinham canoas ligeiras e andavam sempre, bem armados sua destreza e seu conhecimento aprofundado por vários anos da geografia da região, os colocava em vantagem, o que permitia que eles atacassem, por exemplo, as caravelas e matassem muitos portugueses que se arriscavam a atravessar o interior do arquipélago. (SALERA, 2013:15)

          Presume-se um total de 29 nações diferentes de índios habitando na ilha. No fim do século XVIII, os portugueses já haviam removido praticamente toda a população indígena da área, seja por conflitos, seja pela sua transferência para outras localidades, haja vista que muitos índios, por medo de ser alvo da violência do governo da época, evadiram-se em busca de novas terras, esconderijos, moradia, para poderem, desse modo, perpetuar sua cultura e modo de vida.

         Com base em nessas informações, entendemos que reescrever a história do Marajó é reescrever a luta que os povos indígenas que aqui habitavam travaram para sua sobrevivência. A presença de costumes, crenças, artesanato, danças, orações, entre outros, são indícios evidentes da perpetuação da cultura indígena no Marajó, mesmo com todos os fatos socioculturais que interviram na história. Veremos a seguir, de que forma podemos saber o tamanho da influência indígena na nossa sociedade atual.

 

3 INDÍGENAS NO MARAJÓ HOJE?

 

         Nosso método para chegarmos a uma conclusão sobre a presença ou não dos indígenas no Marajó, é a pesquisa de campo, baseada em relatos e em árvore genealógica, pesquisamos sobre nossa ascendência familiar. É bem verdade que nem sempre é simples para algumas pessoas terem que assumir a descendência indígena, talvez, por todo, o tabu preconceituoso que veio se propagando com o tempo. Na época da colonização do Marajó, nem mesmo alguns índios, por medo, assumiam sua condição racial, encontramos dificuldades para conseguirmos as informações precisas, principalmente pela carência de material que comprove nossa ascendência, com exceção, é claro, de todo o contexto histórico que já repassamos no capítulo anterior.

         Primeiramente, fizemos uma série de relatos colhidos e gravados com nossos familiares, analisamos os relatos mais interessantes e que tenham maior aproximação com nossa intenção neste trabalho. Nosso primeiro entrevistado, Heveraldo Cavalcante da Cunha, 43 anos, residente da cidade de Breves Foi indagado sobre sua ascendência e conhecimento sobre a presença de índios em sua família. Ele diz: “Eu nasci no interior de Breves, só vim pra cá (Breves) com 14 anos, nasci no Corcovado. De mais velhos assim... conheci só os meus avós, que morreram quando eu ainda era criança. Eu penso que a gente não é parente de índio, mas eu lembro que o vovô falava sobre índios, principalmente das plantas que eles tiravam do mato pra usar de remédio. E também tinham aqueles ‘’curandeiros’’ que usavam muito essas plantas pra curar quem tava doente.’’

         Com base nesse primeiro relato, percebemos primeiramente, o lugar onde o entrevistado nasceu, um lugar situado no interior do município de Breves, podemos chegar por meio de embarcação ou por estradas. Vimos que muitos índios Mapuás tiveram que fugir de suas aldeias espalhando-se e seus lugares de fuga eram justamente as margens dos rios. Partindo desse princípio, entendemos que a fundação da comunidade de Corcovado foi também reflexo da evasão indígena, sendo ainda mais evidente, quando seus familiares confirmam sobre a presença de índios, fazendo referência a eles quando usavam como método de cura as plantas medicinais. Além disso, a presença de curandeiros, personagens marcantes da cultura indígena, reforça empiricamente a presunção de que aquela comunidade e, consequentemente, seus habitantes, são descendentes de populações indígenas.

         Maciel (2010, p.12), ao comentar uma narrativa de sua avó sobre um episódio bastante curioso apresenta um discurso bem interessante, “(...) Nessa narrativa há um tempo e um espaço que estão entre o mítico e o histórico entre o social e o cultural.

         Nossa segunda entrevistada foi Vanda Monteiro, 52 anos. A partir da mesma pergunta que fizemos ao primeiro entrevistado, obtivemos a seguinte resposta, “Eu não me lembro se tinha índio na nossa família, mas a gente morava no Ituquara, e lá o meu pai contava muita coisa que tinha a ver com índio também(...) Tinha o meu irmão, que recebia esses espíritos que vinham do mato (...) Toda vez que eles iam caçar, eles tinham que pedir permissão para os espíritos do mato, tinham que pedir proteção também pra que não acontecesse nada, se eles matassem um bicho assim do nada, quando fosse de noite os espíritos iam bater lá em casa pra falar com a gente, e eles incorporavam no meu irmão. Eles (espíritos) brigavam com quem caçasse sem permissão, e ninguém ia conseguir caçar nada por causa disso.’’

         A partir deste segundo relato, podemos tirar as seguintes conclusões, os indícios mais fortes estão nas crenças e nos contos tipicamente indígenas, na cosmovisão muito próxima das sociedades indígenas do Brasil, tal como quando a entrevistada se refere aos espíritos do mato, na cultura indígena, esse espírito ou espíritos são chamados de Curupira, a entidade que vaga pela mata, trazendo proteção para a floresta e para os animais. O fato de receber espíritos e/ou entidades são também características da cultura dos índios, que recebiam espíritos para diversos fins como, cura, rituais, danças, etc. Portanto, a comunidade de Ituquara é também atrelada às características da forma de vida dos indígenas, seguindo, nesse caso, sua crença, cultura e contos a partir dos indígenas.

        

4 CONCLUSÃO

 

         Com base em tudo o que foi visto, é importante lembrar que os relatos desenvolvidos para descrever essa história, geralmente são descritos a partir de pontos de vista bastante controversos. As épicas batalhas que consagraram os guerreiros nativos, ainda hoje, são desconhecidas da maioria do povo Marajoara. Só é possível a construção de uma memória positiva em relação à etnia que pertencemos, se nos tornarmos “pesquisadores” da nossa própria história. Isso significa que descobriremos que os costumes como os de usar canoas para se deslocar nos rios e igarapés, fazer roças, plantar, colher, usar medicamentos naturais, entre outros, são costumes herdados de pessoas que deram suas vidas em uma guerra sangrenta que não poupava ninguém, povos que precisaram ser dizimados para dar espaço a uma descontrolada exploração Portuguesa.

Atualmente, a população indígena é rotulada pela maior parte da população brasileira, como povos sem cultura e “não civilizados”, considerando que a política que rege o país bebe direto na fonte neoliberalista, a proposta do governo é eclodir o crescimento econômico aos países internacionais, não importando por cima de quem passará. Consoante isto, classes minoritárias como as etnias que ainda sobrevivem sofrem frequentemente violações de seus direitos constitucionais.

 

O preconceito contra as populações indígenas no Brasil ocorre de forma difusa e perversa. Apesar de 80% da população não-indígena entrevistada concordar que existe discriminação contra os indígenas, paradoxalmente, 96% dos entrevistados afirmam não ter preconceito em relação aos mesmos. Confirmando o primeiro dado, 83% dos indígenas confirmam que há preconceito contra eles e 45% já sofreram algum tipo de discriminação. (RANGEL; GALANTE; CARDOSO, 2013, p.118).

 

                Tal como citado acima, em nossas entrevistas percebemos a presença do olhar preconceituoso no que se diz respeito aos índios, principalmente a ideia de que estes vivem à margem da sociedade – reflexo do que mídia retrata, por exemplo. No entanto, nenhum entrevistado assumiu-se por preconceituoso, ao passo que confirmaram não serem índios, pelo fato de não terem traços ou não se recordarem de parentes próximos ou grau próximo de parentesco indígena.

         Por fim, é fundamental que se estabeleça uma forma de pôr em exercício regular a lei de nº 11645/08 que regulamenta o ensino da cultura afro-indígena na grade escolar. Assim, os jovens dessa geração (Século XXI), terão conhecimento da importância de se auto identificarem indígenas, reduzindo o alto índice de discriminação e aumentando a valorização da classe indígena.

  

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Paulo. As comunidades indígenas antes da chegada dos europeus. 2008. Disponível em: <https://historiablog.files.wordpress.com/2008/10/historia-indigena-para-vestibular-seriado-upe.pdf> Acesso em: 08 Jan. 2015

CARDOSO, Alírio Carvalho. Belém na conquista da Amazônia: antecedentes à fundação e os primeiros anos. In: Fontes, Edilza (org.) Contando a História do Pará. Daconquista á sociedade da borracha. Vol. I. Belém: E. Motion, 2002.

CARDOSO, Alírio Carvalho e Chambouleyron, Rafael. Fronteiras da Cristandade:relatos Jesuíticos no Maranhão e Grão-Pará (Século XVII). In: Priore, Mary Del e Gomes, Flávio. (org.) Os senhores dos rios: Amazônia, margens e história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, pp. 33-60.

MACIEL, Márcia Nunes. As histórias que ouvi de minha avó e o que aprendi com elas. LEETRA Indígena, São Carlos, v. 1, n. 4, p. 10-16, 2014.

NIMUENDAJU, Curt. Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes. Museu nacional do Rio de Janeiro: fundação instituto brasileiro de geografia e estatística, 1944, escala 1: 5.000.000.

PACHECO, A.S. A Conquista do Ocidente Marajora: Indios, Portugueses e Religiosos em reivindicações históricas. In: SCHAAN, D.P.; MARTINS, C, P. (Orgs) Muito Além dos Campos: arqueologia e história na Amazônia Marajoara. Belém: GKNORONHA, 2010.

RANGEL;GALANTE; CARDOSO. A presença indígena nas cidades. S. Paulo, Perseu Abramo, 2013.

REZENDE, Tadeu. A conquista e a ocupação da Amazônia no período colonial: a definição das fronteiras. 2006. São Paulo.

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Disponível em:<http://www.academia.edu/1004515/Espelhos_partidos_etnia_legisla%C3%A7%C3%A3o_e_desigualdade_na_col%C3%B4nia>Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na colônia. Acesso em: 09 Jan. 2015.

Disponível em: http://www.infoescola.com/educacao/companhia-de-jesus/. Companhia de Jesus no Brasil. Acesso em: 08 Jan. 2015.

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   Recebido em março de 2015. Aceito em abril de 2015.