Zona de Impacto - ISSN 1982-9108  ANO 17 Vol. 2 - 2015 - Julho/Dezembro



Como as instituições de microcrédito promovem a autonomia das mulheres em Moçambique.
Estudo de caso da Tchuma, cooperativa de crédito e poupança (Parte III)

Catarina Casimiro Trindade


 

RESUMO. Como se organizam mulheres que possuem pequenos negócios nos mercados da cidade de Maputo e que recorrem a instituições de microcrédito? Os seus negócios e família beneficiam do empréstimo que as mulheres recebem das institumicroições financeiras? Poderão estas promover a autonomia financeira das mulheres? Partindo da constatação de que são as mulheres as que mais procuram instituições micro financeiras e as que têm maior taxa de sucesso, a pesquisa partiu do estudo de caso de uma instituição de microcrédito existente na cidade de Maputo, Tchuma, Cooperativa de Crédito e Poupança, e das suas clientes comerciantes, para procurar dar resposta às questões levantadas. Orientadora: Profa. Dra. Virgínia Ferreira. Instituição de ensino: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Curso: licenciatura em Sociologia. Nos volumes (ANO 16 Vol. 2 - 2014 - Julho/Dezembro) e (ANO 17, Volume 1 – Janeiro/Junho,) foram publicados os primeiro capítulos. Nesse momento, publicamos a terceira e última parte que corresponde aos capítulos IV, V e VI, respectivamente: O acesso ao Microcrédito, Gestão do microcrédito, O Impacto do microcrédito.

Palavras-chave: microcrédito; autonomia; mulheres; economia informal.

 

 

Capítulo IV – O acesso ao Micro-Crédito

 

As mulheres têm sido, frequentemente, o alvo específico das instituições micro-financeiras. Dado a sua falta de acesso a todos os tipos de recursos, incluindo o capital, esta atenção dada ao crédito tem sido muito importante.

 

Início do negócio

O grau de escolaridade na maior parte das entrevistadas é muito baixo, não passando da 4ª ou 6ª classe. Assim, não tendo uma educação suficiente, torna-se difícil, para estas mulheres, arranjar um emprego. Sendo as alternativas bastante reduzidas, a maior parte delas vira-se para o comércio informal. Este é um dos caminhos mais percorridos por ser relativamente fácil abrir um negócio, não sendo preciso despender um grande valor em dinheiro.

Somente quatro das entrevistadas revelaram ter tido um emprego antes de enveredarem pelo comércio informal, sendo que uma delas ainda mantém o seu emprego. Esta entrevistada já tinha um negócio antes de trabalhar no Posto Administrativo do Influente, mas por o salário não ser suficiente, decidiu complementá-lo com a venda de capulanas e biscoitos.

 

“Porque o meu vencimento é pouco. O dinheiro que a gente recebe no Estado é muito pouco, não dá para nada, você recebe hoje e amanhã já não tem dinheiro. E a maioria dos dias só pode fazer negócio para poder sustentar os filhos. (...) eu sou vendedora desde há muito tempo que trabalhava…mas as coisas agora estão caras, já não compram aquilo, então preferi arranjar emprego.” (Entrevista nº7)

 

Uma das senhoras entrevistadas teve uma experiência bastante diferente das outras. Esteve na Alemanha durante 5 anos a trabalhar numa fábrica de tecidos mas, quando regressou ao país, não conseguiu arranjar um emprego na sua área.

 
“Fui trabalhar no exterior. Durante 5 anos. (...) Na Alemanha. (...) Eu estava numa empresa de tecidos. (...) Eu quando voltei de lá, não havia mais…não havia empresa, na colocação do trabalho que nós fomos fazer lá. Então eu vi que vale a pena eu fazer…eu começar com este trabalho de venda.” (Entrevista O)

 

O principal motivo que levou estas senhoras a iniciar um negócio, para além da baixa escolaridade que lhes impossibilitou um emprego melhor, foi a necessidade de complementar as despesas da casa, contribuir com mais dinheiro.

As mulheres sempre contribuíram para as despesas da casa, ou trabalhando na machamba ou fazendo alguns trabalhos, os chamados “desenrascansos”.

 

“Eu fazia assim mesmo coisas de desenrascanso…arranjava verduras da machamba, ia vender, comprava 1kg de açúcar, 1kg de sal… (...) Não dá, porque a seca também contribui…então vi de manter na banca.” (Entrevista T)

Motivos de acesso ao crédito

A falta de dinheiro para comprar mais produtos ou investir no negócio foi o principal motivo apontado pelas entrevistadas para terem acedido ao crédito. Também o facto de não se vender mais hoje, como se vendia antes, foi um dos motivos. A maior parte das entrevistadas queixou-se de não estar a vender a quantidade necessária para gerar lucros, o que não acontecia antes. Os motivos apontados por elas foram a crise generalizada que se vive actualmente, em que as pessoas não têm dinheiro suficiente para comprar certos produtos, e a concorrência. Onde antes as pessoas eram as únicas no local a vender certo tipo de produtos, hoje existem bastantes mais barracas que oferecem a mesma coisa.

 

“Eu vim aqui à Tchuma por falta de dinheiro, porque dinheiro era pouco. Por isso que eu aproximei aqui.” (Entrevista nº3)

“O dinheiro não chegava, por isso que me dirigi até aqui. Porque o dinheiro não aguentava lá tanto (...)” (Entrevista nº6)

“Quando eu comecei, não senti assim dificuldades porque nós vendíamos bem a roupa, tinha saída. Mas já no andar dos tempos, já começou a rebaixar, essa roupa não ter bem saída. Pronto, comecei a recair. Agora prontos, eu pensei que vale a pena pedir empréstimo.” (Entrevista O)

“Prontos, dantes como o negócio…não era assim muito concorrido, a pessoa abria só uma coisa, eras a única, podia ter mais na loja ou no negócio. Mas prontos, agora já somos muitos e prontos…tens que ter muitas coisas dentro do estabelecimento…” (Entrevista L)

 

Porém, em alguns casos as entrevistadas tinham um emprego antes de começarem um negócio e, por vários motivos, como a falência de empresas ou questões pessoais, tiveram que os deixar. Não encontrando outro trabalho, optaram por abrir um pequeno negócio por conta própria.

 

“Trabalhei nas escolas. No outro regime, fui educadora, trabalhei com crianças. Fui trabalhar nas escolas. Depois trabalhei nos armazéns, fui trabalhar em todos os sectores, até fui caixa. E a empresa faliu, já não existe.” (Entrevista nº4)

“Não, já estive a trabalhar. Primeiramente, estava numa empresa de…onde eu era processadora de dados. Depois passei para uma de importação/exportação, ali estava como processadora de dados e secretária, ao mesmo tempo. Depois disso estive numa de bebidas, aqui na Machava. Então ali…acabei deixando ali. Pedi demissão, não é? (...) Epá, aquelas chantagens, sempre dos colegas. Estás a ver, eu não me dava assim muito, sempre havia desavenças entre eu e o meu chefe…em especial com o meu chefe. Então eu fui pedir demissão.” (Entrevista K)

 

Conhecimento da instituição

 

De uma maneira geral, a maior parte das pessoas toma conhecimento das instituições de micro-crédito através de pessoas conhecidas, amigos ou familiares, que ou são clientes da Tchuma, ou conhecem também clientes da instituição.

Pude comprovar este facto durante o trabalho de campo. De todas as entrevistas que fiz, mais de metade das mulheres afirmaram ter tido conhecimento da Tchuma através de pessoas conhecidas clientes da mesma.

 

“Tenho uma minha amiga, que ela é cliente da Tchuma. Ela é que falou comigo, me explicou como é que faz os documentos, tratar dos documentos…” (Entrevista nº1)

“Foi um meu cunhado, um professor. Ele foi na Tchuma da Matola pedir um empréstimo, ele é um trabalhador. E lhe deram da maneira que ele é um trabalhador. Então na conversa, ele disse “ah mano, é melhor a cunhada dirigir-se para a Tchuma. Então eu veio aqui pedir, saber como é que posso entrar aqui na Tchuma, então me deram todos os endereços.” (Entrevista nº6)

 

Só uma das entrevistadas afirmou ter sido o próprio chefe da agência a vir ter consigo para saber se ela estava interessada em ser cliente da Tchuma.

 

“A Tchuma eu conheci aqui…veio o próprio presidente da Tchuma, veio ter comigo a convidar, numa boa…então ele me convidou.” (Entrevista nº9)

 

O que não acontece muito é a pessoa dirigir-se, por conta própria, à instituição para tirar informações e saber como funciona. No entanto, duas das mulheres que entrevistei tiveram conhecimento da Tchuma desta maneira.

 

“Eu…quando começou esta agência, eu estava na Matola. Eu via as pessoas irem lá, mas eu não cheguei de me meter naquilo ali, porque às vezes as pessoas não vendiam, não conseguiam devolver o dinheiro, vinham levar os bens…então eu tive medo. Então apanhei uma pessoa, como você trabalha é melhor você levar só o dinheiro do vencimento, quando sair pagar. Então prontos, eu vim pedir aqui.” (Entrevista nº7)

“Eu só vi o banco, quando chegaram aqui na T3. (...) Tive a coragem de entrar, pedir informação, quando ainda era novo.” (Entrevista N)

 

Existe, assim, uma grande preocupação em saber se estas instituições são ou não de confiança, uma vez que lidam com o dinheiro das pessoas. Talvez seja essa a razão por que a maior parte das pessoas entre na instituição através de clientes da mesma. São pessoas que podem garantir, por experiência própria, a credibilidade da instituição e o bom trabalho que esta faz.

Os clientes em geral não fazem uma avaliação prévia quando procuram crédito, eles não vão a todas as instituições para comparar as condições de cada uma. Vão, sim, ou para a mais próxima ou para uma recomendada por um amigo ou familiar, não havendo assim realmente uma comparação dos serviços existentes entre as várias instituições.

A Tchuma foi, maioritariamente, a primeira instituição a que as mulheres entrevistadas acederam. 

“Eu nunca fui a nenhum outro banco.” (Entrevista K)

“O primeiro banco eu a entrar foi a Tchuma.” (Entrevista M)

 

No entanto, existe um número relevante de mulheres que, ao mesmo tempo que a Tchuma, têm também crédito noutras instituições ou foram primeiro a outras agências mas, pelos juros serem elevados ou as exigências serem muitas, optaram pela Tchuma.

 

“Sim, a Socremo foi o primeiro. O primeiro banco a trabalhar foi a Socremo, então depois dali, quando tive aquele imprevisto…logo mesmo tentei eliminar aquela dívida, eu ficar sem dívida. Então fiquei uns meses assim…então entrei na Tchuma. Porque juntar os dois…” (Entrevista nº2)

“Sim. Quando cheguei aqui na zona me mostraram (...) É uma associação, na Matola. É uma associação de cinco senhoras…mas só que era muito puxado, era de quinze em quinze dias… (...) Eu não aguentei e desisti. Então essas amigas me ensinaram Tchuma.” (Entrevista nº4)

“Claro, fui ao Novo Banco, mas vi que os juros eram muito altos. Assim deixei. (...) Não, pedi mesmo, mas depois de trabalhar vi que dava e prontos…também era longe. Prontos, logo que abriram aqui concluí de pagar lá e fiquei alguns mesinhos …e depois fui para a Tchuma.” (Entrevista L)

 

Dificuldades encontradas no início do empréstimo

 

As entrevistadas não apontaram nenhuma dificuldade específica encontrada durante o processo do primeiro empréstimo. Algumas referiram não a dificuldade, mas sim o trabalho e o tempo dispendido para tratar de toda a documentação exigida.

 

“Foi fácil para mim, o que foi um pouco difícil foi tratar o documento, mas quando eu tratei os documentos e vim entregar foi tudo fácil. (...)...vai ao chefe de quarteirão, do chefe de quarteirão vai ao chefe de bairro, do chefe de bairro vai…” (Entrevista nº1)

 

Um outro aspecto que algumas (poucas) entrevistadas enunciaram foi a questão dos bens dados como garantias. Duas das entrevistadas afirmaram não ter tido bens para dar como garantia na altura do primeiro empréstimo. Tiveram que ser ajudadas por pessoas próximas a si.

 

“Eu tive, encontrei dificuldade, não exactamente na própria instituição, mas naquilo que pediram, como a garantia dos bens. Eu quando me separei, praticamente não levei nenhum bem. Estava a começar a minha vida do zero. Então daí que ela (irmã) até ofereceu-se em dar os bens dela como garantia. Daí que consegui ter o crédito.” (Entrevista K)

 

“Só que eu não tinha bens na minha casa, eles exigiram algumas coisas e eu não tinha. Fui pedir ao primo do meu marido, ele avaliou para mim.” (Entrevista N)

 

Avaliação do negócio

 

Os gestores fazem uma avaliação do negócio na altura do pedido para o primeiro empréstimo. Avaliam se este negócio pertence ou não à pessoa que pediu o crédito, tentam saber há quanto tempo ele existe e se é ou não viável, tudo para chegar mais ou menos ao valor a ser emprestado.

Inquiridas acerca da avaliação feita aos seus respectivos negócios, as entrevistadas não deram uma resposta concreta que permitisse saber ao certo o que foi dito sobre os seus negócios. Grande parte respondeu que lhes foi dito que deveriam cumprir os prazos e trabalhar bem, para não correrem o risco de perderem os negócios.

 
“O meu gestor me aconselhou que tenho que gerir bem, para que eu não tenha atrasos, não ter dívida…porque se for assim, eu vou prejudicar o trabalho deles.” (Entrevista nº4)

“Disseram que quando não pagar, eles vão levar os bens.” (Entrevista nº7)

Os gestores também avaliam os bens que serão dados como garantia, para calcular o seu valor.

 
“(...) Foram em casa ver como é que estão os bens lá em casa. (...) Disseram que, no negócio, quando a gente leva o dinheiro, temos que manter mais, trabalhar bem, conservar o dinheiro.” (Entrevista nº9)

 

Relativamente aos empréstimos, quando a cliente é casada, oficialmente ou não, tem de ser ela e o marido a assinarem o contrato. Quando a cliente é solteira o empréstimo é assinado por si só. No caso de haver um avalista, o empréstimo é assinado por ele e pela cliente.

 

Capítulo V – Gestão do micro-crédito

 

Avaliar a gestão que cada mulher faz do seu negócio é essencial para que se perceba como é que ela investe o dinheiro do empréstimo e que estratégias utiliza para fazer crescer o negócio.

É também importante saber se e que tipo de apoio recebem da instituição, em particular do seu gestor, para melhorar o negócio.

Saber como estas mulheres gerem o seu tempo entre a casa e o trabalho e se recebem algum tipo de ajuda para a execução de todas essas tarefas é outra questão importante.

 

Origem do dinheiro utilizado no negócio

Na sua maioria, as senhoras entrevistadas utilizam somente o dinheiro da Tchuma no seu negócio. Algumas mulheres casadas afirmaram que, quando o dinheiro não chega, utilizavam o salário do marido, mas só em raras excepções.

Em todas as mulheres casadas entrevistadas, notei uma clara separação entre a utilização que se dá ao dinheiro do marido e ao dinheiro do empréstimo. O primeiro é usado somente pelo marido, que dá uma parte à mulher para as despesas da casa. Já o segundo é utilizado para o negócio e para a compra de alguns bens para a casa. Também parece não existir uma interferência do marido no negócio da mulher. É ela quem toma conta de tudo, ele limita-se a dar algum dinheiro quando é preciso. O mesmo acontece com as tarefas domésticas.

 

“Quando eu vou fazer negócio, ver que aquele dinheiro que eu cobrei lá não chega para pagar eu peço a ele, ele aumenta para mim e venho pagar. Mas às vezes é só com aquele dinheiro que eu faço negócio, tenho pago com esse. Eu tenho que trabalhar na base de saber que no dia X eu vou à Tchuma pagar o dinheiro.” (Entrevista nº1)

 

Despesas da casa

Aqui existe uma clara separação entre mulheres casadas e solteiras. Quanto às primeiras, estas dividem as despesas da casa entre o salário do marido e o dinheiro do negócio.

 

“Utilizo também, estou a utilizar. Há vezes que o meu marido ainda está no serviço, ver que epá, aqui tenho falta de gás, aqui não temos peixe no congelador, aqui tem que a gente comprar energia, porque a energia agora nós estamos a comprar. E eu faço o quê? Pago as despesas da casa também.” (Entrevista nº3)

 

Já as mulheres solteiras, separadas ou viúvas pagam as despesas da casa com o dinheiro do empréstimo e do que ganham no negócio.

 

“Sim, sou eu quem paga isso.” (Entrevista nº9)

 

Relativamente à gestão do dinheiro que ganham no negócio, todas as entrevistadas afirmaram serem elas próprias a tomar conta do dinheiro. Somente as senhoras casadas dividem a gestão do dinheiro com os respectivos maridos.

 

Ajudas em casa e no negócio

Em relação ao negócio, a maior parte das mulheres trabalha sozinha. São elas que trabalham na banca o dia todo, vendendo os produtos e atendendo os clientes. Quando têm que se ausentar ou durante os fins-de-semana, aí sim recebem a ajuda das filhas ou filhos.

 

“Ali na minha banca só estou eu sozinha.” (Entrevista T)

 

“Há vezes que vêm (as filhas) aqui nos fins-de-semana me ajudar. (...) Mas sempre eu estou aqui.” (Entrevista O)

 

Duas senhoras afirmaram ter tido pessoas a trabalhar para si, mas por causa de pequenos furtos, agora preferem trabalhar sozinhas por não confiarem em mais ninguém.

 

“(...) já não tenho um empregado, antes quando tinha um empregado…só que depois tive um imprevisto de roubo…sofri um roubo e agora ainda estou a tentar caminhar, estás a ver?” (Entrevista nº2)

 

“Tenho tido, mas prontos…estás a ver, essas dificuldades que eu falei…eu preferi…como tinha uma moça que também era meio assim…não tinha aquela responsabilidade, eu para poder cobrir o que eu tinha na Tchuma, tinha que ficar pessoalmente a ver as coisas mesmo diretamente”. (Entrevista M)

 

No entanto, algumas das senhoras entrevistadas afirmaram ter pessoas a trabalhar para si, a ajudar no negócio.

 

“Às vezes arranjo pessoas que ajudam, mas só que não são muito bem sinceros. No trabalho, às vezes tiram alguma coisa, por isso não me rende. Às vezes quando vejo que não aguento, arranjo alguém de biscate…” (Entrevista nº4)

 

“Quem vende os biscoitos são crianças.” (Entrevista nº7)

 

“Sim, tenho (ajuda). Não posso aguentar toda a hora. (...) Às vezes ficam os trabalhadores…há uma velha que está aí.” (Entrevista nº9)

 

“Ali tenho esses miúdos que contratamos para nos ajudar, no sentido de arrumar, carregar, não sei o quê…” (Entrevista K)

 

“Tenho ajuda daquela menina. (...) Sim e mais…há um moço que é meu primo…ele é que vende os refrescos agora como abriu esse negócio de refrescos… (...) Então o cabeleireiro é com a menina.” (Entrevista L)

 

Quanto ao espaço doméstico, a existência de filhos ou filhas jovens é essencial na ajuda das lides domésticas. A maior parte das entrevistadas declarou serem as filhas a tomar conta da casa quando elas estão no trabalho.

 

“São as minhas filhas (que tomam conta da casa).” (Entrevista nº7)

 

“Hum…tenho uma sobrinha, sim…mas a minha filha, como a minha sobrinha entra na escola de tarde, a minha filha entra de noite, então elas se trocam. Enquanto uma está a fazer limpeza, outra está a cozinhar.” (Entrevista L)

 

“São as filhas, porque outras entram de manhã, outras entram de tarde.” (Entrevista O)

 

É, no entanto, importante salientar que, mesmo sendo as filhas ou filhos a tomar conta da casa quando as mães estão a trabalhar, todos os que estão em idade vão à escola. Todas as entrevistadas com filhos em idade escolar declararam que estes frequentam a escola.

Duas entrevistadas afirmaram que, quando os filhos eram pequenos e elas tinham que ir trabalhar, pagavam a uma pessoa para cuidar deles. Uma delas afirmou que deixou de ter empregados porque foi vítima de alguns furtos.

 

“Quando eu vou trabalhar…dantes, quando as minhas filhas tinham uns 5, 4 anos eu arranjava pessoas para ficar com elas e pagava. (...)” (Entrevista nº1)

 

“Eu tinha empregada, mas essa empregada era zimbabueana, ficou a me roubar as coisas, depois eu mandei embora. Agora estou sem empregada. (...)” (Entrevista nº3)

 

Utilização do primeiro empréstimo

Parece haver um consenso no que respeita a este assunto. Todas as entrevistadas utilizaram o primeiro empréstimo para a compra de mais produtos, excepto uma que afirmou ter comprado bens para a casa.

 

“Eu fui com ele para casa e perguntei ao meu marido ‘já recebi o dinheiro.’ Então levei e juntei com aquele que eu tinha, fui comprar coisas para o negócio.” (Entrevista nº1)

 

“Eu levei todo o dinheiro e fui comprar duas cabeças de carne.” (Entrevista nº6)

 

“Eu só levei para ir fazer compras de roupa.” (Entrevista O)

 

“Comprei um congelador…então dali comprei um televisor…e dali meti água em casa.” (Entrevista nº5)

 

Este facto vem reafirmar o que as entrevistadas disseram ter sido a razão principal para acederem ao micro-crédito: a falta de dinheiro para comprar mais produtos.

 

Origem dos produtos

Apesar de a maior parte das mulheres comprarem os seus produtos dentro da província de Maputo, principalmente nos grandes mercados e armazéns da cidade de Maputo, existe um número considerável de mulheres que se deslocam, pelo menos uma vez por mês, à África do Sul.

 

“Lá na zona de Magude, num talho. Às vezes no Chokwé.” (Entrevista nº6)

 

“Sim, compro aqui no Mercado Central.” (Entrevista L)

 

“Os produtos que vendo aqui compro na loja...vou comprar capulanas, compro fardos... (...) Na baixa, vou na baixa.” (Entrevista N)

 

“Lá na África do Sul. Antes comprava na Swazi, agora deixei de comprar lá e vou comprar na África do Sul.” (Entrevista nº1)

 

Existe ainda um número pequeno de mulheres que tanto vão à África do Sul como compram os produtos nos diversos mercados existentes.

 

“Às vezes no Xipamanine, desloco…às vezes vou buscar nos meus filhos…Na África do Sul também compro algumas coisas e venho vender…” (Entrevista nº4)

“Compro na África do Sul. Agora é que mudo de rota, quando começa a tangerina. Vou neste lado de Inhambane onde tem muita tangerina. Mas poucas vezes também.” (Entrevista nº8)

 

Algumas das mulheres costumam fazer registos do que compram, vendem e dos lucros que têm, mas nem sempre de maneira muito organizada. Algumas afirmaram até que não costumam registar nada, registam só mentalmente.

 

“Não, não é a minha cabeça. Tenho uma coisa de registar, tenho um caderno. Mesmo assim, para eu saber os gastos.” (Entrevista nº3)

“Ah, aponto uma peça, duas peças…prontos, começo a distribuir. Então, se compro uma peça, tem quatro capulanas…tenho que apontar isso.” (Entrevista nº7)

 

“Só tenho na minha cabeça mas sei quanto gasto por mês. Pelo menos tiro uns 2 milhões para fazer rancho.” (Entrevista O)

 

“É só na minha cabeça (...)” (Entrevista nº2)

 

 

Utilidade do dinheiro

Para além de pagarem os empréstimos, as mulheres utilizam o dinheiro do seu negócio nas despesas da casa e no bem-estar da família.

O dinheiro ganho serve para aumentar a casa, comprar mais bens, colocar água e energia na casa, para cuidar das crianças e comprar o uniforme e material escolar e, quando sobra algum, pôr de parte e guardar.

 

“Para a alimentação e o sustento da casa. Gestão da casa.” (Entrevista nº2)

“Dá para pagar o empréstimo aqui e dá para desenvolver o negócio.” (Entrevista nº4)

“Só consigo pagar e comer, porque tenho que pagar água, pagar energia, pagar o crédito.” (Entrevista nº5)

“Esse dinheiro aí dá para sustentar os meus filhos, ver se a casa não está bom…já tive rendimentos com o dinheiro daqui. Pus água, pus energia, aumentei a casa…durante estes anos todos.” (Entrevista nº7)

 

Relativamente ao tempo dado a cada mulher para efectuar o pagamento do empréstimo, parece não haver problemas. Todas elas garantiram que o tempo é mais que suficiente para pagarem as letras e que são elas que decidem quanto tempo precisam para pagar tudo, o que torna as coisas mais fáceis.

 

“Dá, é um tempo bom.” (Entrevista nº1)

“É suficiente porque quem está a decidir sou eu. Quem decide sou eu. Se eu vir que seis meses para mim dá…e esse valor também que me deram para eu pagar pela primeira vez…” (Entrevista nº3)

 

“Ya, para mim acho que é suficiente porque eu vi como é que havia de pagar e assim fiz.” (Entrevista nº8)

 

O xitique

A maior parte das mulheres entrevistadas faz xitique ou com a família ou com colegas do mercado. Afirmam que o dinheiro que conseguem serve como reforço para as despesas da casa ou para algum bem que desejem comprar. Também utilizam este dinheiro para pagar o empréstimo quando não têm tantos lucros.

 

“Faço sim. (...) Com as minhas vizinhas. (...) Aquele dinheiro ali do xitique, às vezes costumo comprar loiças, panelas, coisas da casa.” (Entrevista nº1)

 

“Com as minhas amigas. (...) Ajudar também as despesas da casa. Está a ver, como a minha obra ainda estava assim, tem que ajudar…mesmo agora que eu recebi xitique, ajudei o problema da obra.” (Entrevista nº3)

 

No entanto, devido a más experiências com as pessoas do grupo de xitique, algumas senhoras deixaram de recorrer a este meio.

 

“Ah não, não faço. (...) Porque me estavam a aldrabar. Eu fazia, mas prontos, já deixei.” (Entrevista nº5)

 

“Xitique não costumo, muito por medo. Tenho um pouco medo, porque há pessoas que não estão sérias, estás a ver? Chega aquele dia, você talvez está a juntar aquele dinheiro de xitique para vir pagar a letra, depois o dinheiro não sai…eu tenho um pouco medo de fazer xitique.” (Entrevista K)

 

 

Acompanhamento por parte da instituição

 

Cada gestor detém uma carteira de clientes que deve gerir. A gestão dos clientes passa por fazer visitas regulares aos clientes e ao seu negócio e lembrar as datas dos pagamentos. Quando existe algum atraso, é dever dos gestores falarem com os clientes para tentar ajudá-los.

De acordo com a maior parte das clientes entrevistadas, costuma haver visitas regulares por parte dos gestores. Estes perguntam como está a correr o negócio, se existe algum tipo de dificuldade e lembram as datas dos pagamentos.

A maior parte das entrevistadas afirma que o único conselho que recebeu ou recebe dos gestores diz respeito ao cumprimento dos prazos. Aconselham-nas a pagar tudo em dia, a não atrasar nenhum dia e a utilizar bem o dinheiro, ou seja, a usá-lo no negócio e não noutra coisa qualquer.

Algumas das mulheres declararam ter recebido também conselhos para abrirem contas poupança, a fim de facilitar o pagamento das letras.

 

“Opa, eles só desejam que a pessoa tenha sorte no negócio, por que prontos, isso de dizerem que tens que fazer isto ou aquilo com o dinheiro, eles sempre podem não dizer, a pessoa é que sabe o que deve fazer com o dinheiro.” (Entrevista M)

 

 “O meu gestor diz assim “D. Ana, quando pega o dinheiro, não é para você brincar com o dinheiro, tem que fazer negócio, não dá para você ter muitos atrasos, tem que andar bem.” (Entrevista nº3)

 

“Disse que era para eu seguir as leis daquilo que se diz para eu pagar bem, depois nunca tive problemas.” (Entrevista nº5)

 

“Eles costumam aconselhar para não atrasar. Essa coisa de negócio, ter que mudar…eles nunca disseram. A pessoa quando leva o dinheiro, sabe o que vai fazer com o dinheiro.” (Entrevista nº7)

 

“Ele costuma me visitar, ver as dificuldades, se tem dificuldades. E o negócio, se está a andar bem ou não.” (Entrevista nº9)

 

“Bom, eles dão bons conselhos…falam da maneira de atender os seus clientes, para trabalhar bem, para ter um bom lucro e tal…essas coisinhas todas.” (Entrevista L)

 

Inquiridas acerca da importância destes conselhos, do acompanhamento que o gestor faz dos seus negócios, todas as entrevistadas afirmaram estar satisfeitas com a maneira como os seus gestores trabalham. Acham os conselhos acerca do prazo das letras importantes, pois evitam que elas se prejudiquem.

 

“São, são importantes para mim porque eles te dão aqueles conselhos de que tens que pagar, para não ser prejudicado.” (Entrevista nº1)

 

“Sim, são bons. Para não prejudicar a minha gestora.”(Entrevista nº3)

 

“Ih, ganhei coragem, ganhei coragem. Mesmo agora…preciso muito daqui. A minha gestora tem me visitado várias vezes. Quando ela sai daqui, entra dali, só que hoje não lhe vi.” (Entrevista N)

 

Parace haver aqui uma maior preocupação com o pagamento das letras e não tanto com o negócio das clientes, com o seu funcionamento. Claro que, quanto melhor for o funcionamento dos negócios, melhor e mais cedo são pagas as letras, mas, ao que me foi dado perceber pelas entrevistas, a preocupação centra-se nos prazos das letras.

 

Capítulo VI – O Impacto do micro-crédito

 

É fundamental perceber como evoluiu o negócio destas mulheres, desde o acesso ao crédito até agora. Se houve alguma melhoria de vida ou não, tanto ao nível económico, a partir do seu negócio, quando ao sócio-familiar, a partir da família.

O que mudou na vida destas mulheres desde que elas tiveram acesso ao crédito? Como é que elas viviam antes? E agora?

 

Impacto a nível económico

Para melhor se avaliar o impacto que o micro-crédito teve na vida destas mulheres, é preciso primeiro saber como elas viviam antes de o ter, como se sustentavam a si e à sua família e como conseguiam o dinheiro para o negócio.

Notou-se que grande parte das entrevistadas não conseguiam o dinheiro suficiente para gerir o negócio, o que conseguiam mal dava para as despesas da casa. As que são casadas, completavam o dinheiro com o salário do marido e as solteiras, separadas ou viúvas recorriam ao xitique ou a algum familiar, quando possível. Mas todas elas tentavam levar o negócio com o pouco que tinham. Algumas das entrevistadas declararam também que a abertura de bancas perto da sua, vendendo o mesmo produto que elas, dificultou também as vendas.

Todas estas mulheres precisavam de uma espécie de reforço, de um investimento de capital que lhes permitisse comprar mais produtos, para assim poderem vender em maior quantidade. O dinheiro para as despesas da casa e para a escola das crianças foi sempre uma preocupação por parte destas mulheres.

 

“Tinha dificuldades. Com aquele pouco que tinha tentava…ir para lá, para outros sítios, mas como já tinha a Tchuma, vim para poder aumentar o meu negócio.” (Entrevista nº1)

 

“Eu desenrascava, fazia xitique…juntar aquele dinheirozito ali…” (Entrevista T)

 

“Não, conseguir pagar todas as despesas não…daí que comecei mesmo a fazer…este pequeno…a trabalhar com este banco, para ver se conseguia reforçar alguma coisa.” (Entrevista K)

 

“Era muito pequeno o negócio, não desenvolvia. As pessoas às vezes compravam, às vezes não compravam…então o negócio era muito fraco. Então quando fiz negócio…embora que ainda é pouco, não chega…mas consegui melhorar um pouquinho.” (Entrevista nº4)

 

“Prontos, dantes como o negócio…não era assim muito concorrido, a pessoa abria só uma coisa, eras a única, podia ter mais na loja ou no negócio. Mas prontos, agora já somos muitos e prontos…tens que ter muitas coisas dentro do estabelecimento…” (Entrevista L)

 

Para conseguirem pagar todas as despesas que tinham antes de acederem ao micro-crédito, tanto domésticas como do negócio, as entrevistadas tinham que se desenvencilhar da maneira que podiam. Algumas utilizavam o salário do marido juntamente com o do negócio, outras recorriam ao xitique. As poucas que tinham um emprego fixo, utilizavam o seu salário para cobrir todas as despesas. As que não eram casadas, tinham que gerir o pouco dinheiro que ganhavam com o negócio entre as despesas domésticas e o próprio negócio. A verdade é que todas elas viviam sempre “à rasca”, apertadas, com pouco dinheiro e sem poder desenvolver os seus negócios.

 

“Tentava de outra maneira…aquele pouco que o meu marido tinha e eu também vendia…tentava pagar energia e água, mas era difícil, era muito difícil.” (Entrevista nº1)

 

“Pagávamos, mas à rasca. Porque quando a pessoa não sendo ajudada, as coisas agora estão difíceis. Não é como antes, nos anos atrás, porque aquilo ali não parecia nada…mesmo com dois milhões a pessoa conseguia pagar tudo, mas agora nem energia, nem água, a pessoa não consegue pagar com isso aí.” (Entrevista nº6)

 

“Desenrascava da maneira… (...) Fazia xitique aqui com as minhas colegas.” (Entrevista T)

 

“Bom, era…um sacrifício. Não conseguia comprar os produtos e alimentar-me a mim mesma…quer dizer, estava a trabalhar mesmo apertada. Mas desde que comecei a levar o dinheiro ali, senti-me assim…” (Entrevista L)

 

Desde que começaram a receber os empréstimos para o negócio, todas as mulheres declararam ter melhorado um pouco a sua vida. Não é possível perceber até que ponto a sua vida melhorou verdadeiramente, pois a maior parte destas mulheres recebe crédito há relativamente pouco tempo, mas ficamos com uma ideia de como a sua vida está actualmente e se pode vir a prosperar ou não.

Em termos económicos, as mulheres declararam que, desde que acederam ao crédito, não têm mais falta de dinheiro para investir no negócio e para as despesas da casa. Mesmo que não vendam tão bem, podem sempre contar com o dinheiro do empréstimo. A aquisição de mais bens para a casa mostra também que houve uma melhoria, pois muitas das mulheres puderam melhorar ou aumentar as suas casas e comprar móveis e outros bens. Algumas puderam também colocar água e energia em casa.

Uma das grandes realizações destas mulheres é a de que, com o micro-crédito, não precisam mais de pedir ajuda aos familiares ou vizinhos, o que, do seu ponto de vista e para a maioria delas, era tido como uma vergonha.

 

“Melhorou…porque eu agora não preciso de ir pedir açúcar ao vizinho, não sei o quê…eu compro sozinha. Para comprar uma coisa tenho os meus meios. (...) Sim, sim. Isso é muito triste, isso. Uma pessoa ter que depender…felizmente já não faço isso. (...) Mesmo assim é uma humilhação. Começam a olhar “ela tem barraca, tem loja, mas ela vem pedir a nós”…sim, é uma humilhação, não gosto.” (Entrevista nº4)

 

“Está um bocadinho melhor, porque até aqui já comprei um fogão de nove milhões[1] (...). (Entrevista nº9)

 

“Por acaso eu digo que está a melhorar, porque já não tenho problemas de chegar na fronteira e ainda ter que telefonar a pedir reforço. Eu nunca pedi reforço desde que tenho este dinheiro aqui. Porque acho que, para aquilo que eu faço, chega. (...)” (Entrevista nº8)

 

“É porque antigamente, aquilo que eu tenho não tinha. Sim, por isso que consigo ver que estou a melhorar.” (Entrevista nº5)

 

“Ah, vejo porque na minha casa, como eu não tinha nada…quer dizer, mesmo agora, consegui comprar um congelador e eu disse à minha gestora. E consegui mandar fazer mesa de oito cadeiras, eu não tinha (...). (Entrevista nº3)

 

“Posso dizer que melhorou porque já não tenho muitas dificuldades em termos de dinheiro, porque sei que quando eu vou pagar eu vou levantar mais, assim que já paguei tenho que levantar mais para completar o meu negócio.” (Entrevista nº1)

 

Apesar de afirmarem que a sua vida está melhor agora do que antes do crédito, algumas das entrevistadas declararam estar insatisfeitas com o valor do empréstimo actual. Gostariam de receber um valor maior para poderem investir mais no negócio e para adquirirem mais bens para utilizarem como garantias. Algumas das mulheres afirmaram ainda que gostariam de, paralelamente ao seu negócio, iniciar um outro que julgam ser mais rentável. O que as impede de receber um empréstimo maior é, ou a falta de bens suficientes para servir como garantia, ou o tipo de negócio que têm não lhes permitir pagar um empréstimo maior.

 

“Só que é pouco. (...) hoje que eu sou cliente antiga aqui, estou a andar bem, estou a viver bem, eles é que são os meus pais, dão-me dinheiro…podiam-se esforçar, eu pedir pelo menos dez[2]…nunca peguei dez… (...) Davam-me um tempo maior. Dar-me dez milhões, eu pegar nas minhas mãos. Comprar uma coisa grande. Por exemplo, se tenho congelador, comprar assim um congelador grande, vender mesmo água…então vir pagando, pagando…já tenho como…mesmo assim, dão-me cinco…então aquele cinco quase nunca dá para nada…sempre compro a mesma coisa. Como é que vou comprar outro aparelho? Quando é que vou crescer? Porque se me der dez, eu havia de penhorar aquele congelador novo. Estou sempre a penhorar coisas velhas, está a ver? Eu tenho geleira, tenho congelador, tenho cristaleira, tenho sofás…mas não posso comprar uma coisa grande que eu quero. Uma mobília, uma cama especial, bonita…então havia de ser negócio e uma recordação.” (Entrevista nº4)

 

“Mas queria subir mais, quando estou sentada penso subir mais. Queria ter uma capoeira, tenho o sonho de ter uma capoeira, mas não tenho possibilidades. (...) Para fazer criação, mas tenho esse sonho. (...) Epá, o meu negócio…o dinheiro que eu levanto aqui é muito pouco. Agora, se apanhasse mais uns poucos, uma pessoa me dar dez milhões, eu podia fazer isso.” (Entrevista nº7)

 

Apesar dos problemas citados acima, nenhuma das mulheres pretende deixar a Tchuma, porque afirmam que é uma grande ajuda nas suas vidas. Apesar de não conseguirem o valor que gostariam, não pretendem deixar de receber o crédito porque sem ele não teriam dinheiro suficiente para gerir o negócio.

 

“Eu acho que é sempre bom ter este da Tchuma. Porque há uma vez que eu posso não ter dinheiro…agora se deixasse de vir aqui na Tchuma, não sei onde é que devia pedir. Mas assim, se eu tiver uma conta na Tchuma sei que sempre quando eu estiver mal hei-de ir pedir na Tchuma.” (Entrevista nº1)

 

Impacto a nível sócio-familiar

Uma das principais preocupações de todas as entrevistadas é tentar dar uma vida boa à sua família, aos seus filhos em particular. Uma vida boa consiste em ter o que dar de comer aos filhos, dar-lhes uma boa educação mantendo-os na escola e uma boa saúde. O bem-estar e conforto da família estão em primeiro lugar.

O acesso ao micro-crédito permite que estas mulheres possam dar isto tudo às suas famílias sem correr o risco de não ter o que comer no dia seguinte. Porque por mais que o negócio não corra tão bem num mês, existe sempre o dinheiro do empréstimo para cobrir todas as despesas.

Melhorar o negócio também significa ser bem visto pelas pessoas que vivem ou trabalham perto de si. São vistos com outros olhos e respeitados.

 

“ (...) eu comprava um meu carro (risos) …então diziam “aquela fulana tem carro, está bem”…(...) Eu quero melhorar a minha vida, fazer qualquer coisa pelos meus netos, só eu trabalho para comer…” (Entrevista nº4)

 

“Melhorei porque às vezes estou a ver de que as coisas estão um pouco acima, porque às vezes consigo fazer aquilo ali, mas aquilo ali de movimentar-me e as crianças quando dizem de que “ah mamã, queremos isto aqui”, antes do salário do pai, às vezes sai.” (Entrevista nº6)

 

“Ah, já estou a melhorar porque consigo dar de comer aos meus filhos. Vão para a escola.” (Entrevista nº7)

 

“Eu tenho duas meninas, uma é filha da minha irmã, é órfã de pai e mãe, eu estou a viver com ela…ela está a estudar realmente, mas penso eu que, fazendo alguma coisita para elas, já dá para diminuir os caprichos delas.” (Entrevista nº8)

 

“Minha filha também…já está bem. (...) Sim, está na escola.” (Entrevista N) 

Conclusão

 

Foi objectivo deste trabalho ver até que ponto as instituições de micro-crédito, tendo a Tchuma como estudo de caso, contribuíam para a autonomia, em especial financeira, das mulheres que acedem ao crédito.

Em Moçambique, os programas de micro-crédito são relativamente recentes, ganhando expressão a partir de inícios da década de 90. O pouco tempo de existência destas instituições torna, assim, difícil avaliar de maneira aprofundada, o impacto que estas causam na vida das pessoas. Por outro lado, estas mulheres têm acesso ao crédito há relativamente pouco tempo, a maioria há não mais de 5 anos, o que torna ainda mais frágil a pesquisa.

Porque o mercado em que operam é extremamente instável e devido também à crise financeira em que as pessoas vivem actualmente - que diminui o seu poder de compra - é impossível analisar com precisão, num espaço de tempo tão curto, a gestão que as mulheres fazem do seu negócio.

Mesmo assim, a pesquisa possibilitou constatações interessantes sobre o tema. Para a maior parte das mulheres entrevistadas, o valor do empréstimo inicial é inferior ao que esperavam. Contudo, na maior parte das vezes, os bens apresentados como garantia, são insuficientes para cobrir o valor pretendido. Outro factor para o valor reduzido do empréstimo inicial é a própria avaliação que é feita do negócio. Esta avaliação também afecta na decisão de não emprestar tanto no início. São negócios, na sua maioria, precários, que não têm infra-estruturas suficientes para renderem bem.

Não existe um desenvolvimento linear do negócio que corresponda ao crédito pedido. Por vezes, a complexidade da vida leva as pessoas a usarem o dinheiro na compra de bens, em vez de investirem no negócio. Este, noutra situação, nem sempre precisa de investimentos, pois o aumento de vendas ou lucros não depende da compra de mais produtos. Ou então existem inúmeras barracas a vender o mesmo tipo de produtos, num mesmo espaço, aumentando a concorrência.

 É neste ponto que o papel da instituição se torna importante. Dos resultados obtidos, damo-nos conta de que a principal preocupação dos gestores é fazer cumprir os prazos dos empréstimos e evitar que estes se atrasem. Em nenhuma das entrevistas me foi dito que estes aconselhavam em relação à gestão do negócio, sendo essa parte da responsabilidade da cliente.

 Mas não deveriam as instituições ser mais activas, intervirem, no que diz respeito à gestão que as clientes fazem do negócio? Não deveriam os gestores dar uma espécie de formação aos seus clientes sobre como gerir o negócio, tendo em conta as inúmeras alterações do mercado, a concorrência e a falta de clientes que comprem os bens? Não deveriam estes fazer estudos mais aprofundados sobre o negócio de cada cliente sobre o mercado onde estas operam, as bancas que têm à sua volta, etc, para assim poderem ajudá-las a melhorar o seu negócio?

Não creio que, como quase todas as clientes fazem, comprar mais produtos para vender seja a solução ideal. Se com os produtos que tinham antes, o negócio não andava bem, uma quantidade maior dos mesmos irá conseguir resolver o problema? Ou será que o problema está no tipo de produtos que vende? No local onde a cliente opera? Na maneira como expõe os produtos e atende os possíveis compradores?

Não sei ao certo se cabe aos gestores fazer este tipo de trabalho ou se o seu papel é somente o de avaliar o progresso do negócio, fazer visitas aos clientes para saber como estão a correr as coisas e lembrar-lhes dos prazos. Mas penso que uma maior preocupação com o que foi dito acima e uma formação a todas as clientes poderia melhorar, de alguma forma, a situação do seu negócio.

Chegando ao fim deste trabalho, apercebo-me de que não podemos falar de autonomia de maneira tão linear, assim como foi referido nos capítulos I e II. Se assim fosse, teria que responder, referindo-me à pergunta de partida, que não, os programas de micro-crédito não promovem a autonomia das mulheres porque estas, por livre vontade, não deixam de recorrer ao micro-crédito, não sendo, assim, autónomas, pelo menos do ponto de vista financeiro.

 Mas a questão é mais profunda. Não me posso limitar a dizer que elas não são autónomas porque continuam sempre a receber o crédito da instituição, como pensava no início. Há que ter em conta uma série de factores que impossibilita as mulheres de viver do seu rendimento sem uma ajuda adicional. Muitas vezes citada anteriormente, a instabilidade do sector informal impede as mulheres de contar só com a renda do seu negócio. Se, depois de receber o crédito e investi-lo no negócio, uma cliente deixar de recorrer ao crédito porque conseguiu melhorar bastante o seu negócio, quem garante que, mais tarde, não venha a sofrer uma quebra? Neste tipo de sector, uma pessoa pode estar a vender bem num mês e no outro não vender nada. O micro-crédito serve de reforço neste tipo de situações. O mesmo acontece com o xitique, tão praticado pela maior parte das mulheres entrevistadas e que continua a ser, pelo menos em Maputo, o principal sistema informal de micro-finanças, sendo que mais pessoas recorrem a ele do que às instituições.

É por todas as razões apontadas acima que a maior parte das entrevistadas declarou não ter pretensões de deixar de recorrer ao micro-crédito, mesmo o seu negócio estando a correr bem. Como disse uma das entrevistadas “eu acho que é sempre bom ter este da Tchuma. Porque há uma vez que eu posso não ter dinheiro…agora se deixasse de vir aqui na Tchuma, não sei onde é que devia pedir. Mas assim, se eu tiver uma conta na Tchuma sei que sempre quando eu estiver mal hei-de ir pedir na Tchuma”.

Não se pode, portanto, falar em autonomia plena sem ter em conta as circunstâncias em que vivem estas mulheres, muito menos em autonomia financeira. Se não fossem o sistema formal e informal de micro-finanças, estas mulheres não teriam a oportunidade de tentar melhorar a sua vida e a da sua família. Não teriam a quem recorrer quando precisassem de uma ajuda para o negócio.

É, portanto, verdade que o apoio que estas instituições dão às mulheres permite-lhes desenvolver capacidades para um determinado negócio e transformá-los em actividades produtivas que lhes possibilitem aumentar a sua renda.

Não podemos dizer, então, que as instituições de micro-crédito impeçam as mulheres de se tornar autónomas pelo facto de estas não deixarem de recorrer a ele, pelo contrário, permitem que elas desenvolvam o seu negócio, melhorem as suas casas e dêem uma vida melhor à sua família.

O grupo de estudo aqui apresentado é de facto pequeno e não diz o suficiente da verdadeira realidade que se vive hoje em Moçambique, mas pelo menos ajuda a perceber como estas mulheres conseguem sobreviver num ambiente tão instável, precário e como conseguem cuidar da sua família baseando-se em pequenos negócios que, a maior parte das vezes, não geram renda suficiente. 


NOTAS

[1] Cerca de R$700,00.

[2] Cerca de R$770,00.