Zona de Impacto - ISSN 1982-9108  ANO 17  V 2 - 2015 - Junho/Dezembro



Elementos Indígenas em Narrativas do Quilombo Maria Ribeira (Gurupá-Pa)

 

Marivaldo Alves dos Santos

 

Resumo. O objetivo deste artigo é identificar em três narrativas do Quilombo Maria Ribeira (Gurupá-Pará) elementos de origem indígena. Foram gravadas narrativas com três idosos da comunidade: a história de origem da comunidade; a história da mulher que desejou guariba; e a história do jacaré. Utilizamos como referencial teórico Munduruku (2005), Filho (2014), Pacheco (2010). Verificamos que há elementos das culturas indígenas nas narrativas do Quilombo Maria Ribeira, como a presença do pajé e da mãe do mato.

Palavras-chave: Quilombo Maria Ribeira (Gurupá-PA); Narrativas; Identidade indígena.

 

1.      INTRODUÇÃO

Pretendemos com este artigo demonstrar a identificação em três narrativas do povo quilombola da comunidade Maria Ribeira elementos de origens indígenas. A comunidade tem sua história de organizações, lutas e conquistas. Antes já existia a povoação com algumas famílias, depois houve a fundação da comunidade, no dia 20 de Março de 1972. Após esta formação, foram divididas funções como de dirigente, comentarista, leitor para dirigir as celebrações, cultos dominicais, círculos bíblicos. Temos grandes desafios, mas tudo é superado coletivamente, trabalhando em roças e roçados coletivos a nível de setor.

O objetivo desta pesquisa é fazer com que as pessoas da comunidade possam conhecer suas origens e histórias indígenas, podendo preservar suas identidades culturais no sentido de utiliza-los no seu cotidiano, sabendo a importância de que existem suas culturas indígenas para assim tornar-se conhecida por todas as pessoas.

A seguir apresentamos a metodologia da pesquisa. Adiante, descrevemos a narrativa sobre a origem da localidade Maria Ribeira, sobre a mulher que desejou guariba e, por fim, sobre a história do jacaré. A conclusão traz a nossa análise da temática, com base no referencial teórico apresentado.

 

2.      METODOLOGIA

Foram adotados como procedimento de investigação para a construção deste artigo a pesquisa bibliográfica em Munduruku (2005), Pacheco (2010) e Filho (2014). Além da pesquisa bibliográfica, realizamos pesquisa de campo, fazendo entrevistas como três idosos da comunidade Maria Ribeira (Gurupá-PA). Como procedimento de coleta, gravamos duas das três narrativas e anotamos uma delas. As narrativas gravadas (utilizando um celular) foram: A mulher que desejou guariba e a história do jacaré. A narrativa anotada foi sobre a origem da comunidade Maria Ribeira. As gravações foram realizadas em novembro de 2014, na comunidade Maria Ribeira.

 

3.      NARRATIVA SOBRE A ORIGEM DA LOCALIDADE MARIA RIBEIRA

 

Na época da escravidão no Brasil, especificamente em Gurupá, os negros fugiam para as matas, se juntando com os indígenas em um local que com o passar do tempo se denominou de Quilombo, esses locais eram distantes dos engenhos, e também de difícil acesso. Os negros buscavam os mais distantes esconderijos para dificultar o acesso às suas famílias, para que não sofressem maus tratos pelos donos de escravos, fugindo assim da escravidão, por isso, os mesmos moravam em lugares diferentes e distantes um dos outros. Esses lugares são denominados até os dias de hoje como Miritituba, Caridade, Capoeirão, Nazaré, Inácio, Velho Isídio, Felícia, Mariana entre outros locais que hoje compõem o Quilombo Maria Ribeira.

Essas famílias viviam isoladas nas matas sem comunicação com outras famílias desses locais, porque tinham medo dos caçadores de escravos, esses caçadores também eram negros escravos que cumpriam ordens dos senhores para fazerem as apreensões de seus irmãos negros e viviam a procura dos fugitivos. Esses caçadores eram denominados de capitães do mato.

As alimentações desses povos negros e indígenas fugidos eram preparadas a noite, para não serem localizados através das fumaças, pois, de dia, os capitães poderiam visualizar as mesmas e assim chegariam a captura dos negros e indígenas.

Assim, esses povos viveram por muitos anos distantes uns dos outros, passando por várias dificuldades, tais como comunicação, moradia, saúde entre outras situações difíceis da época que preocupavam essas famílias. Até que um dia aconteceu um fato histórico o qual mudou a ideia de viverem isolados na floresta. Tal fato é descrito a seguir:

Um dos moradores do Miritituba era o senhor Tiago, ele era caçador e tinha costume de caçar nos dias de domingo. Certa vez, ele se arrumou para ir caçar em uma ponta de terra que ficava muito longe do local de onde morava com sua mulher e seus filhos, pois, sua esposa não queria que ele fosse pra esse local, mas ele insistiu tanto e foi sozinho, chegando em um certo ponto, ele avistou uma árvore grande caída, chegando para perto ele avistou um grande buraco de onde vinha barulho estranho, ele foi  e avistou duas onças tapeúara, olhando direto para ele, ficou apavorado e com muito medo, porque, embora esse tipo de onça não suba em árvores. Elas andam de par para fazer revezamento. Quando uma presa sobe em árvore, elas só saem do local quando a presa desce e assim elas a devoram. Ele não podia, então, subir na árvore para fugir. Então pensando que iria ser devorado pelas duas feras e sem saber o que fazer, desesperado, Tiago lembrava intensamente de sua família e, em especial, de sua mulher que não queria que ele fosse caçar, então lembrou de todos os Santos e fez uma promessa para Nossa Senhora da Conceição, que se ele saísse vivo daquela situação nunca mais caçaria nos dias de domingo. Então, surgiu a ideia dele sair correndo e dando duas voltas nos troncos das árvores para tentar enganar as feras que de certeza iriam atrás dele.

Correu, correu, até chegar àcabeceira do igarapé Gurupá-Miri, chegando lá, ele pediu água e comida na casa de uma senhora chamada Maria da Glória que também era escrava, depois de descansar por alguns minutos contou o que tinha acontecido com ele.

Devido ter saído correndo apavorado, suas roupas estavam todas rasgadas, então deram roupa para ele, em seguida ele retornou ao Miritituba, local onde estava sua família que já estava apavorada com sua demora para o mato. No início da noite chegou ao local onde sua família estava, contou o que aconteceu e convidou toda a família para ir o mais rápido possível para o casarão que ficava no local chamado de Nazaré, esse casarão era feito de barro, e pertencia à família da senhora Lipordina.

No momento da saída, uma senhora por nome Lucrécia, apavorada com a notícia, desatou a rede somente de um lado e a colocou no paneiro (objeto redondo, tecido de talas de Urumã). Estava com tanta pressa que saiu correndo, esqueceu que o outro lado da rede ainda estava amarrada, e a mesma puxava ela para trás, a senhora gritou apavorada por socorro, achando que já era a onça. Ao ouvir os gritos os homens voltaram para verificar o que estava acontecendo com a Lucréciae perceberam que não era a onça, era somente a rede que ainda estava amarrada, então um deles avisou que não era a onça, era a rede que estava amarrada. Resolvido o problema seguiram viagem até chegarem ao Nazaré por volta das 22:00h.Em seguida, ouviram os estouros das onças da onde tinham vindo.

Ao amanhecer os homens se armaram com espingardas, rifles, facões e cassetes e foram até o Miritituba, onde ficava a casa do senhor Tiago, chegando lá não encontraram nada, foi aí que decidiram não morar mais em locais distantes e sim fazer suas casas uma próxima da outra, e assim, foi surgindo o vilarejo Guajará-açú (atual Maria Ribeira).

(Essa história foi contada pela senhora Maria Seara Serra, de 93 anos moradora do quilombo Maria Ribeira 15/11/2014).

Essa localidade se divide em duas pontas de terras separadas por um igapó, formando o primeiro e segundo povoado da comunidade quilombo Maria Ribeira. A comunidade surgiu basicamente de quatro famílias: Castro, Pombo, Ramos e Serra das quais se derivou muitas outras famílias que hoje fazem partes do quilombo, com exatamente 50 famílias vivendo diretamente neste local.  

Por que o nome Maria Ribeira?                                                                                           

Essa localidade, antes denominada de Guajará-açú, tinha como dona a Bernadina, uma senhora muito respeitada pelos moradores desse local. A mesma tinha somente uma filha que se chamava Maria Ribeira, quando a senhora Bernadina faleceu sua filha logicamente herdou toda sua terra e continuou os trabalhas deixados por sua mãe.

Tempos se passaram, e certo dia Maria Ribeira ficou muito doente e também veio a falecer, então as pessoas tentaram levar o corpo para fazer o sepultamento na cidade de Gurupá-Pá, mas não conseguiram sair do igarapé por motivo da água está seca, pois estavam na época do verão. Então tentaram voltar para enterrar o corpo no próprio local e também não conseguiram, pois, já estavam muito cansados. Por isso, surgiu a ideia de enterrar o corpo da senhora Maria Ribeira embaixo de uma árvore de cacaueiro que ficava à margem esquerda do igarapé Guajará-Açú. Tempos se passaram e os moradores fizeram uma homenagem a essa senhora denominando o nome da localidade como seu nome, MARIA RIBEIRA.

            É interessante observar que os ribeirenses ancestrais viviam em grupos separados. Devido ao acontecimento da perseguição das onças à um dos moradores e, ainda, à sua sobrevivência, foi decidido pelos moradores da região que a comunidade ficaria unida a partir de então. Podemos observar na narrativa indígena do povo Munduruku, abaixo, que os mesmos também viviam, em tempos ancestrais, dispersos. A união dos Munduruku foi resultado da ação do grande criador, denominado Karú-Sakaibê.

No antigo tempo da criação do mundo com toda sua beleza, os Muduruku viviam dispersos, sem unidade e guerreando entre si. Era uma situação muito ruim que tornava a vida mais difícil e indócil. Foi aí que ressurgiu Karú-Sakaibê, o grande criador, que já havia criado tantas coisas boas para este povo.

Contam os velhos que foi ele quem criara as montanhas e as rochas, soprando em penas fincadas ao chão. Era também criação dele os rios, as árvores, os animais, as aves do céu e os peixes que habitam em todos os rios e igarapés.

Karú-Sabaibê tendo percebido que o povo que ele criara não estava unido, decidiu voltar para unificá-lo e lembrá-lo como havia sido trazido do fundo da terra quando ele decidiu enfeitar a terra com gente que pudesse cuidar da obra que criara. (MUNDURUKU, 2005, p. 9)

 

            Dentro da cosmovisão indígena, ou melhor das crenças indígenas, as onças ocupam um lugar especial: ao mesmo tempo temidas e respeitadas. O povo Wajuru, localizado no estado de Rondônia, por exemplo, menciona uma ‘onça de asas’ (amekopembiro‘onça que tem asas’), a qual faz parte de narrativas mitológicas sobre a origem do mundo (Dados de campo). Espírito-onças fazem parte das crenças de diferentes etnias. Descendentes indígenas de recente auto declaração tem memórias de narrativas orais sobre onças. Márcia Nunes Maciel, em pesquisa sobre a sua descendência como membro da etnia Mura (Amazonas), relata: “das histórias contadas por minha avó, a que me chamava mais atenção era a do meu bisavô, pai dela, que brigou com uma onça e saiu vencedor” (MURA, 2014, p. 10).

Nas narrativas acima, menciona-se uma onça relacionada à origem do mundo/aldeia e disputa de espaço, dentro de uma perspectiva indígena.

4.      NARRATIVA SOBRE A MULHER QUE DESEJOU GUARIBA E SOBRE O JACARÉ

Para Florêncio Almeida Vaz Filho (2014), as crenças nos espíritos encantados e na prática dos pajés ou curadores é muito importante para os povos afro e indígenas.

Segundo Vaz Filho (2014, p. 84), isso inclui uma importância muito grande aos espíritos que vivem nos rios e nas florestas, que são invisíveis normalmente, mas se apresentam de várias formas às pessoas. Conforme Vaz Filho (2014, p. 85), existem as mães dos animais, que são os espíritos protetores de cada espécie; e; para proteger os animais dos caçadores, a mãe pode se tornar perigosa.

Para nós, do quilombo Maria Ribeira, os caçadores não podem abusar dos animais, matando-os além das suas necessidades, pois se forem malinados pela mãe, podem adoecer ou até morrer pelos espíritos malinos. Assim como afirma Vaz Filho (2014, p. 85), sobre as histórias contadas de caçadores que conversam e fazem troca com o Curupira e outras mães (geralmente tabaco e cachaça), tem como objetivo uma boa caçada. Para Vaz Filho, estes são exemplos de uma convivência pacífica possível entre humanos e a natureza, cuja base será sempre ter o respeito pela mãe natureza.

As narrativas abaixo ilustram a presença da mãe do mato/mãe do igapó no quilombo Maria Ribeira.

Segundo dona Neuza Serra Alves moradora há 37 anos da comunidade Quilombola Maria Ribeira, casada há 39 anos, mãe de 13 filhos. Dona Neuza conta a história da mulher que desejou comer guariba, caça do mato. A história foi contada no dia 08 de novembro de 2014.

No sitio da senhora conhecida por Pereca, aconteceu a história com a família do João, Maria e seus dois filhos. Em um dia lindo pela manhã foram para o trabalho da roça torrar farinha, lá pelas 16h, enquanto trabalhavam a mulher de João sentiu muita fome e logo falou:

- haa se tivesse uma carne de caça do mato agora pra comer e matar essa grande fome.

Ai, de repente, cantou um bando de guariba muito perto da casa do forno onde estavam trabalhando. Logo ouviu um tiro de espingarda “peeiiiii”

- olha, marido, mataram a guariba, nem pra eles trazerem um pedaço pra mim.

João lhe disse:

- credo, mulher, não presta desejar caça do mato, minha vó sempre dizia que não presta fazer isso.

Poucos minutos apareceu dois homens que vieram do caminho da roça, carregando nas costas uma peira (tipo de paneiro tecido de palha de bacabeira) cheia de carne de caça. Um deles falou para a mulher:

- Está aqui a carne que você desejou.

Quando ela olhou para a peira que estava na costa do homem, só via cabeça de guariba olhando pra ela e piscava, piscava, piscava e logo desconfiou que não era coisa boa, ficou logo com medo e disse:

- E agora, marido, o que vamos fazer? olhou para os dois menino e falou no ouvido deles, vão até o porto buscar água meus filhos, mas não é pra vocês voltarem ficam lá dentro do casco e gritam para nós, mamãe, mamãe, papai, papai socorro, socorro me ajudam, me ajudam.

Logo os dois saíram correndo no rumo do porto fugindo dos homens que estavam com a peira cheia de carne de caça do mato, foram chegando pulando no casco tremendo de medo e cuidaram de remar para sair logo do igarapé e atravessar o rio e chegar na casa deles. No momento em que saíram do igarapé eles olharam para a beira do rio. Eles viam uma grande quantidade de guariba pulando nas árvores pra tudo quanto era lado, ficaram com muito medo e ai conseguiu escapar todos com vida dos homens desconhecidos. Depois de todo aquele momento que passaram em perigo o marido da mulher falou com sua voz toda tremosa:

- Está vendo o que ia acontecer com nossa família, eu te falei que não presta desejar as coisas do mato é perigoso, a vovó falava sempre isso a pessoa pode ser malinada pelos bichos, às vezes até pode morrer. Ainda bem que as crianças nos ajudaram a fugir. Se não, sabe Deus o que seria de nós. Foi muito difícil pra eles mas conseguiram fugir daqueles homens e chegar até na casa deles sem ser malinado pela mãe do moto.

 

Além da história da mulher que desejou guariba também foi contada a história do jacaré pelo senhor Antônio Ramos morador da comunidade quilombola da Maria Ribeira. Tem 53 anos, é casado há 39 anos, é pai de 13 filhos. Conta-se a história de um jacaré muito grande. A história foi contada no dia 04 de novembro de 2014.

Havia na época um homem conhecido por Gustavo, que morava sozinho, morador antigo da comunidade. Moravam poucas pessoas, um faixa de umas cinco famílias, as casas eram uma aqui outra acolá, para chegar até as casas eles usavam os caminhos. Hoje está tudo diferente daquela época. Ai um dia o homem acordou muito cedo fez o café e o beiju de tapioca e tomou, depois resolveu visitar seu vizinho, no momento em que ia pelo caminho despreocupado, quando ele olha pra sua frente se depara com aquele enorme jacaré de atravessado no meio do caminho. Pegou um grande susto e disse “meu Deus que bicho muito grande” e ficou com medo. Correu para chamar as pessoas pra ver o bicho, mas as pessoas perguntavam:“o que bicho é esse rapaz?; “um bicho muito grande vamos lá ver o bicho, está bem ali”. Chegaram ao local viram que era um grande jacaré. “E agora pessoal o que vamos fazer com esse enorme bicho?” e ele queria morder as pessoas que estavam lá perto, pegaram uma corda de rede e laçaram o bicho, pucharam para o toco de uma árvore e amarraram bem amarrado, pegaram um machado e o homem cascou (cortou) no pescoço do jacaré que dava pinote de cego, mas conseguiram matar o bicho. Era tão grande que media aproximadamente uns quatro metros de comprimentos, logo desbandaram ele em pedaços que deu muita carne, se dividiram entre as pessoas do local. Passaram-se uns dias, ouviu-se um grande barulho de árvore caindo sem trevoada no maior silêncio. As pessoas ouviram aquele grande barulho e logo saíram correndo pra ver o que estava acontecendo. Era uma parte do igapó que estava caindo todas as árvores. Eles ficaram pensando logo: “será se era o lugar onde o jacaré morava?” outra pessoa fala: “será se ele era a mãe desse igapó”. Ai, não é de brincar com isso. Em poucos dias as crianças começaram a brincar no local correndo por cima das árvores que estavam caídas. Seus pais sempre ralhavam com eles, “sai daí menino ninguém sabe o que arrumação aconteceu ai”. Os meninos são muito maluvido, continuaram brincando no local. Em poucos dias um dos meninos veio adoecer de muita febre e dor na cabeça, chamavam o benzedor para rezar no menino e não dava jeito. Ele só piorava da doença. Só tinha um curador muito bom na comunidade, mas ele não estava nesses dias. Foram a procura do curador conhecido por Manoel Bentes e encontraram-no. Contaram tudo o que estava acontecendo que, por favor, viesse fazer um trabalho no menino que estava sem esperança de vida muito mal mesmo. Quando o pajé foi na casa do garoto e botou a mão na cabeça dele, falou logo esse menino não vai aguentar uma oração forte se eu rezar ele pode morrer rápido, o menino não tem mais jeito ele vai morrer, não posso fazer nada. A mãe do igapó onde as árvores caíram foi quem malinou do menino e bem malinado que foi pra matar mesmo, as pessoas da comunidade ficaram muito com medo do que estava acontecendo. O pajé fez uma bancada (momento da oração, avisa-se o dia e as famílias vão assistir, sempre à noite [19h], chamar os curumins, corrente de espíritos do mato, da água, da natureza) na casa onde o menino morava, no momento de suas orações explicou tudo o que tinha acontecido naquele lugar. O jacaré que eles tinham matado era morador do igapó por isso a mãe de lá ficou muito braba e jogou todas as árvores e malinou do menino que acabou morrendo. Aí o pajé pediu pra ninguém ir lá e nem passar por perto que era muito perigoso, disse que vai fazer um trabalho no local para fechar e amarrar a mãe do lugar. Ele fez uma bancada chamando toda sua corrente de camarados e conseguiu fechar o local. Foi muito triste ver aquela criança morrer daquele jeito malinado da mãe do mato, existe ainda hoje muito desses fatos e acontecimento, o local em que aconteceu esse fato existe na comunidade.

 

5.      CONCLUSÃO

Para Pacheco (2015, p. 17),

os encontros entre nações estrangeiras, portuguesas e populações indígenas locais foram muitas. Do lado marajoara, diferentes etnias e cosmovisões de mundo apresentaram-se. Interesses diversos fizeram estrangeiros movimentarem-se, com ajuda de saberes locais, por aquelas desconhecidas terras de “homem anfíbios”. Mas as nações indígenas, guardiãs daquele imenso Vale, já com experiências de outros contatos, situadas em margens de rios e igarapés sentiram os novos rumores, aguardaram a afirmação dos presságios e colocaram-se de sentinelas para não serem facilmente capturadas.

Ainda que seja notória a inclinação de viajantes, etnólogos, literatos e escritores pela descrição do cotidiano dos campos e seus moradores negros, indicando-se ali o palco de maior predominância africana na região, não se pode mais fechar os olhos para a presença (do pensamento) indígena na região marajoara, ainda hoje.

Conforme Pacheco (2010, p. 42)

Se populações negras do período colonial, em parceria com nações indígenas como Nheengaíba, Mamainase, Chapauna, que trabalharam em engenhos, roças de mandiocas, construção da igreja de São Miguel em Melgaço, ou no forte de Gurupá e nordestinos de descendência negra embrenhados em seringais da floresta, conseguiram, com maior facilidade, misturar-se a portugueses, judeus, turcos, norte-americanos entre outros que para cá se dirigiram, a escrita da história precisa ultrapassar a cegueira de ver o Marajó das Florestas como tão somente constituído pela identidade indígena.

Apesar dos documentos históricos registrarem os povos indígenas marajoaras e termos claro que tais povos aqui estiveram, hoje em dia pouco ou nada se fala sobre o assunto. No entanto, as narrativas gravadas no decorrer da pesquisa mostram elementos culturais semelhantes entre o entendimento de mundo dos povos indígenas e a comunidade do quilombo Maria Ribeira. Na primeira narrativa, sobre a origem da comunidade, nota-se semelhança com a narrativa Munduruku o fato de as famílias morarem distantes umas das outras. Após a perseguição das temidas onças e o susto que levou a comunidade, os ribeirenses passaram a formar grupos de famílias, a morar mais próximos. Chama a atenção a presença das onças, animais respeitados e temidos por muitos grupos indígenas do Brasil.

    Com relação às narrativas da Mulher que desejou guariba e da História do jacaré, podemos notar a presença de mães do mato e mãe do igapó, tal como entendem os povos indígenas sobre os espíritos protetores da natureza. Devemos enfatizar a presença do pajé e da pajelança na narrativa do Jacaré, responsável por amarrar a mãe do igapó e amansar o local. 

 

REFERÊNCIAS

MACIEL, M. N. As histórias que ouvi da minha avó e o que aprendir com elas, Revista LEETRA, São Carlos, SP, n. 4, v. 1, 2014, p. 10-16.

MUNDURUKU, D. Contos indígenas brasileiros. São Paulo: Global editora, 2005.

PACHECO, A. S. A conquista do Ocidente Marajoara: índios, portugueses e religiosos em reinvenções históricas. In: SCHAAN, Denise Pahl; MARTINS, Cristiane Pires (orgs.). Muito além dos campos: arqueologia e história da Amazônia Marajoara. Belém: GKNORONHA, 2010.

VAZ FILHO,F. A. A crença nos encantados entre os indígenas do baixo Rio Tapajós, Revista LEETRA, São Carlos, SP, n. 4, v. 1, 2014, p. 84-91.

 

                Recebido em março de 2015. Aceito em abril de 2015