Elementos Indígenas em Narrativas do Quilombo Maria Ribeira (Gurupá-Pa)
Marivaldo Alves dos
Santos
Resumo.
O objetivo deste artigo é identificar em três narrativas do Quilombo Maria
Ribeira (Gurupá-Pará) elementos de origem indígena. Foram gravadas narrativas
com três idosos da comunidade: a história de origem da comunidade; a história
da mulher que desejou guariba; e a história do jacaré. Utilizamos como
referencial teórico Munduruku (2005), Filho (2014), Pacheco (2010). Verificamos
que há elementos das culturas indígenas nas narrativas do Quilombo Maria
Ribeira, como a presença do pajé e da mãe do mato.
Palavras-chave:
Quilombo Maria Ribeira (Gurupá-PA); Narrativas; Identidade indígena.
1.
INTRODUÇÃO
Pretendemos com este
artigo demonstrar a identificação em três narrativas do povo quilombola da
comunidade Maria Ribeira elementos de origens indígenas. A comunidade tem sua
história de organizações, lutas e conquistas. Antes já existia a povoação com
algumas famílias, depois houve a fundação da comunidade, no dia 20 de Março de
1972. Após esta formação, foram divididas funções como de dirigente, comentarista,
leitor para dirigir as celebrações, cultos dominicais, círculos bíblicos. Temos
grandes desafios, mas tudo é superado coletivamente, trabalhando em roças e
roçados coletivos a nível de setor.
O objetivo desta pesquisa
é fazer com que as pessoas da comunidade possam conhecer suas origens e
histórias indígenas, podendo preservar suas identidades culturais no sentido de
utiliza-los no seu cotidiano, sabendo a importância de que existem suas
culturas indígenas para assim tornar-se conhecida por todas as pessoas.
A seguir apresentamos a
metodologia da pesquisa. Adiante, descrevemos a narrativa sobre a origem da
localidade Maria Ribeira, sobre a mulher que desejou guariba e, por fim, sobre
a história do jacaré. A conclusão traz a nossa análise da temática, com base no
referencial teórico apresentado.
2.
METODOLOGIA
Foram adotados como
procedimento de investigação para a construção deste artigo a pesquisa
bibliográfica em Munduruku (2005), Pacheco (2010) e Filho (2014). Além da
pesquisa bibliográfica, realizamos pesquisa de campo, fazendo entrevistas como
três idosos da comunidade Maria Ribeira (Gurupá-PA). Como procedimento de
coleta, gravamos duas das três narrativas e anotamos uma delas. As narrativas
gravadas (utilizando um celular) foram: A mulher que desejou guariba e a
história do jacaré. A narrativa anotada foi sobre a origem da comunidade Maria
Ribeira. As gravações foram realizadas em novembro de 2014, na comunidade Maria
Ribeira.
3.
NARRATIVA
SOBRE A ORIGEM DA LOCALIDADE MARIA RIBEIRA
Na época da escravidão no
Brasil, especificamente em Gurupá, os negros fugiam para as matas, se juntando
com os indígenas em um local que com o passar do tempo se denominou de
Quilombo, esses locais eram distantes dos engenhos, e também de difícil acesso.
Os negros buscavam os mais distantes esconderijos para dificultar o acesso às
suas famílias, para que não sofressem maus tratos pelos donos de escravos,
fugindo assim da escravidão, por isso, os mesmos moravam em lugares diferentes
e distantes um dos outros. Esses lugares são denominados até os dias de hoje
como Miritituba, Caridade, Capoeirão, Nazaré, Inácio, Velho Isídio, Felícia,
Mariana entre outros locais que hoje compõem o Quilombo Maria Ribeira.
Essas famílias viviam
isoladas nas matas sem comunicação com outras famílias desses locais, porque tinham
medo dos caçadores de escravos, esses caçadores também eram negros escravos que
cumpriam ordens dos senhores para fazerem as apreensões de seus irmãos negros e
viviam a procura dos fugitivos. Esses caçadores eram denominados de capitães do
mato.
As alimentações desses
povos negros e indígenas fugidos eram preparadas a noite, para não serem
localizados através das fumaças, pois, de dia, os capitães poderiam visualizar
as mesmas e assim chegariam a captura dos negros e indígenas.
Assim, esses povos
viveram por muitos anos distantes uns dos outros, passando por várias
dificuldades, tais como comunicação, moradia, saúde entre outras situações
difíceis da época que preocupavam essas famílias. Até que um dia aconteceu um
fato histórico o qual mudou a ideia de viverem isolados na floresta. Tal fato é
descrito a seguir:
Um
dos moradores do Miritituba era o senhor Tiago, ele era caçador e tinha costume
de caçar nos dias de domingo. Certa vez, ele se arrumou para ir caçar em uma
ponta de terra que ficava muito longe do local de onde morava com sua mulher e
seus filhos, pois, sua esposa não queria que ele fosse pra esse local, mas ele
insistiu tanto e foi sozinho, chegando em um certo ponto, ele avistou uma
árvore grande caída, chegando para perto ele avistou um grande buraco de onde
vinha barulho estranho, ele foi e
avistou duas onças tapeúara, olhando direto para ele, ficou apavorado e com
muito medo, porque, embora esse tipo de onça não suba em árvores. Elas andam de
par para fazer revezamento. Quando uma presa sobe em árvore, elas só saem do
local quando a presa desce e assim elas a devoram. Ele não podia, então, subir
na árvore para fugir. Então pensando que iria ser devorado pelas duas feras e
sem saber o que fazer, desesperado, Tiago lembrava intensamente de sua família
e, em especial, de sua mulher que não queria que ele fosse caçar, então lembrou
de todos os Santos e fez uma promessa para Nossa Senhora da Conceição, que se
ele saísse vivo daquela situação nunca mais caçaria nos dias de domingo. Então,
surgiu a ideia dele sair correndo e dando duas voltas nos troncos das árvores
para tentar enganar as feras que de certeza iriam atrás dele.
Correu,
correu, até chegar àcabeceira do igarapé Gurupá-Miri, chegando lá, ele pediu
água e comida na casa de uma senhora chamada Maria da Glória que também era
escrava, depois de descansar por alguns minutos contou o que tinha acontecido
com ele.
Devido
ter saído correndo apavorado, suas roupas estavam todas rasgadas, então deram
roupa para ele, em seguida ele retornou ao Miritituba, local onde estava sua
família que já estava apavorada com sua demora para o mato. No início da noite
chegou ao local onde sua família estava, contou o que aconteceu e convidou toda
a família para ir o mais rápido possível para o casarão que ficava no local
chamado de Nazaré, esse casarão era feito de barro, e pertencia à família da
senhora Lipordina.
No
momento da saída, uma senhora por nome Lucrécia, apavorada com a notícia,
desatou a rede somente de um lado e a colocou no paneiro (objeto redondo,
tecido de talas de Urumã). Estava com tanta pressa que saiu correndo, esqueceu
que o outro lado da rede ainda estava amarrada, e a mesma puxava ela para trás,
a senhora gritou apavorada por socorro, achando que já era a onça. Ao ouvir os
gritos os homens voltaram para verificar o que estava acontecendo com a
Lucréciae perceberam que não era a onça, era somente a rede que ainda estava
amarrada, então um deles avisou que não era a onça, era a rede que estava
amarrada. Resolvido o problema seguiram viagem até chegarem ao Nazaré por volta
das 22:00h.Em seguida, ouviram os estouros das onças da onde tinham vindo.
Ao
amanhecer os homens se armaram com espingardas, rifles, facões e cassetes e
foram até o Miritituba, onde ficava a casa do senhor Tiago, chegando lá não
encontraram nada, foi aí que decidiram não morar mais em locais distantes e sim
fazer suas casas uma próxima da outra, e assim, foi surgindo o vilarejo
Guajará-açú (atual Maria Ribeira).
(Essa história foi contada pela senhora
Maria Seara Serra, de 93 anos moradora do quilombo Maria Ribeira 15/11/2014).
Essa localidade se divide
em duas pontas de terras separadas por um igapó, formando o primeiro e segundo
povoado da comunidade quilombo Maria Ribeira. A comunidade surgiu basicamente
de quatro famílias: Castro, Pombo, Ramos e Serra das quais se derivou muitas
outras famílias que hoje fazem partes do quilombo, com exatamente 50 famílias
vivendo diretamente neste local.
Por
que o nome Maria Ribeira?
Essa localidade, antes
denominada de Guajará-açú, tinha como
dona a Bernadina, uma senhora muito respeitada pelos moradores desse local. A
mesma tinha somente uma filha que se chamava Maria Ribeira, quando a senhora
Bernadina faleceu sua filha logicamente herdou toda sua terra e continuou os
trabalhas deixados por sua mãe.
Tempos se passaram, e
certo dia Maria Ribeira ficou muito doente e também veio a falecer, então as
pessoas tentaram levar o corpo para fazer o sepultamento na cidade de
Gurupá-Pá, mas não conseguiram sair do igarapé por motivo da água está seca,
pois estavam na época do verão. Então tentaram voltar para enterrar o corpo no
próprio local e também não conseguiram, pois, já estavam muito cansados. Por
isso, surgiu a ideia de enterrar o corpo da senhora Maria Ribeira embaixo de
uma árvore de cacaueiro que ficava à margem esquerda do igarapé Guajará-Açú.
Tempos se passaram e os moradores fizeram uma homenagem a essa senhora
denominando o nome da localidade como seu nome, MARIA RIBEIRA.
É
interessante observar que os ribeirenses ancestrais viviam em grupos separados.
Devido ao acontecimento da perseguição das onças à um dos moradores e, ainda, à
sua sobrevivência, foi decidido pelos moradores da região que a comunidade
ficaria unida a partir de então. Podemos observar na narrativa indígena do povo
Munduruku, abaixo, que os mesmos também viviam, em tempos ancestrais,
dispersos. A união dos Munduruku foi resultado da ação do grande criador,
denominado Karú-Sakaibê.
No
antigo tempo da criação do mundo com toda sua beleza, os Muduruku viviam
dispersos, sem unidade e guerreando entre si. Era uma situação muito ruim que
tornava a vida mais difícil e indócil. Foi aí que ressurgiu Karú-Sakaibê, o
grande criador, que já havia criado tantas coisas boas para este povo.
Contam
os velhos que foi ele quem criara as montanhas e as rochas, soprando em penas
fincadas ao chão. Era também criação dele os rios, as árvores, os animais, as
aves do céu e os peixes que habitam em todos os rios e igarapés.
Karú-Sabaibê
tendo percebido que o povo que ele criara não estava unido, decidiu voltar para
unificá-lo e lembrá-lo como havia sido trazido do fundo da terra quando ele
decidiu enfeitar a terra com gente que pudesse cuidar da obra que criara.
(MUNDURUKU, 2005, p. 9)
Dentro
da cosmovisão indígena, ou melhor das crenças indígenas, as onças ocupam um
lugar especial: ao mesmo tempo temidas e respeitadas. O povo Wajuru, localizado
no estado de Rondônia, por exemplo, menciona uma ‘onça de asas’ (amekopembiro‘onça que tem asas’), a qual
faz parte de narrativas mitológicas sobre a origem do mundo (Dados de campo).
Espírito-onças fazem parte das crenças de diferentes etnias. Descendentes
indígenas de recente auto declaração tem memórias de narrativas orais sobre
onças. Márcia Nunes Maciel, em pesquisa sobre a sua descendência como membro da
etnia Mura (Amazonas), relata: “das histórias contadas por minha avó, a que me
chamava mais atenção era a do meu bisavô, pai dela, que brigou com uma onça e
saiu vencedor” (MURA, 2014, p. 10).
Nas narrativas acima, menciona-se uma onça
relacionada à origem do mundo/aldeia e disputa de espaço, dentro de uma
perspectiva indígena.
4.
NARRATIVA
SOBRE A MULHER QUE DESEJOU GUARIBA E SOBRE O JACARÉ
Para Florêncio Almeida
Vaz Filho (2014), as crenças nos espíritos encantados e na prática dos pajés ou
curadores é muito importante para os povos afro e indígenas.
Segundo Vaz Filho (2014,
p. 84), isso inclui uma importância muito grande aos espíritos que vivem nos
rios e nas florestas, que são invisíveis normalmente, mas se apresentam de
várias formas às pessoas. Conforme Vaz Filho (2014, p. 85), existem as mães dos
animais, que são os espíritos protetores de cada espécie; e; para proteger os
animais dos caçadores, a mãe pode se tornar perigosa.
Para nós, do quilombo
Maria Ribeira, os caçadores não podem abusar dos animais, matando-os além das
suas necessidades, pois se forem malinados
pela mãe, podem adoecer ou até morrer pelos espíritos malinos. Assim como afirma Vaz Filho (2014, p. 85), sobre as
histórias contadas de caçadores que conversam e fazem troca com o Curupira e
outras mães (geralmente tabaco e cachaça), tem como objetivo uma boa caçada.
Para Vaz Filho, estes são exemplos de uma convivência pacífica possível entre
humanos e a natureza, cuja base será sempre ter o respeito pela mãe natureza.
As narrativas abaixo
ilustram a presença da mãe do mato/mãe do igapó no quilombo Maria Ribeira.
Segundo dona Neuza Serra
Alves moradora há 37 anos da comunidade Quilombola Maria Ribeira, casada há 39
anos, mãe de 13 filhos. Dona Neuza conta a história da mulher que desejou comer
guariba, caça do mato. A história foi contada no dia 08 de novembro de 2014.
No
sitio da senhora conhecida por Pereca,
aconteceu a história com a família do João, Maria e seus dois filhos. Em um dia
lindo pela manhã foram para o trabalho da roça torrar farinha, lá pelas 16h,
enquanto trabalhavam a mulher de João sentiu muita fome e logo falou:
-
haa se tivesse uma carne de caça do mato agora pra comer e matar essa grande
fome.
Ai,
de repente, cantou um bando de guariba muito perto da casa do forno onde
estavam trabalhando. Logo ouviu um tiro de espingarda “peeiiiii”
-
olha, marido, mataram a guariba, nem pra eles trazerem um pedaço pra mim.
João
lhe disse:
-
credo, mulher, não presta desejar caça do mato, minha vó sempre dizia que não
presta fazer isso.
Poucos
minutos apareceu dois homens que vieram do caminho da roça, carregando nas
costas uma peira (tipo de paneiro tecido de palha de bacabeira) cheia de carne
de caça. Um deles falou para a mulher:
-
Está aqui a carne que você desejou.
Quando
ela olhou para a peira que estava na costa do homem, só via cabeça de guariba
olhando pra ela e piscava, piscava, piscava e logo desconfiou que não era coisa
boa, ficou logo com medo e disse:
-
E agora, marido, o que vamos fazer? olhou para os dois menino e falou no ouvido
deles, vão até o porto buscar água meus filhos, mas não é pra vocês voltarem
ficam lá dentro do casco e gritam para nós, mamãe, mamãe, papai, papai socorro,
socorro me ajudam, me ajudam.
Logo
os dois saíram correndo no rumo do porto fugindo dos homens que estavam com a
peira cheia de carne de caça do mato, foram chegando pulando no casco tremendo
de medo e cuidaram de remar para sair logo do igarapé e atravessar o rio e
chegar na casa deles. No momento em que saíram do igarapé eles olharam para a
beira do rio. Eles viam uma grande quantidade de guariba pulando nas árvores
pra tudo quanto era lado, ficaram com muito medo e ai conseguiu escapar todos
com vida dos homens desconhecidos. Depois de todo aquele momento que passaram
em perigo o marido da mulher falou com sua voz toda tremosa:
-
Está vendo o que ia acontecer com nossa família, eu te falei que não presta
desejar as coisas do mato é perigoso, a vovó falava sempre isso a pessoa pode
ser malinada pelos bichos, às vezes até pode morrer. Ainda bem que as crianças
nos ajudaram a fugir. Se não, sabe Deus o que seria de nós. Foi muito difícil
pra eles mas conseguiram fugir daqueles homens e chegar até na casa deles sem
ser malinado pela mãe do moto.
Além da história da
mulher que desejou guariba também foi contada a história do jacaré pelo senhor
Antônio Ramos morador da comunidade quilombola da Maria Ribeira. Tem 53 anos, é
casado há 39 anos, é pai de 13 filhos. Conta-se a história de um jacaré muito
grande. A história foi contada no dia 04 de novembro de 2014.
Havia
na época um homem conhecido por Gustavo,
que morava sozinho, morador antigo da comunidade. Moravam poucas pessoas, um
faixa de umas cinco famílias, as casas eram uma aqui outra acolá, para chegar até
as casas eles usavam os caminhos. Hoje está tudo diferente daquela época. Ai um
dia o homem acordou muito cedo fez o café e o beiju de tapioca e tomou, depois
resolveu visitar seu vizinho, no momento em que ia pelo caminho despreocupado,
quando ele olha pra sua frente se depara com aquele enorme jacaré de
atravessado no meio do caminho. Pegou um grande susto e disse “meu Deus que
bicho muito grande” e ficou com medo. Correu para chamar as pessoas pra ver o
bicho, mas as pessoas perguntavam:“o que bicho é esse rapaz?; “um bicho muito
grande vamos lá ver o bicho, está bem ali”. Chegaram ao local viram que era um
grande jacaré. “E agora pessoal o que vamos fazer com esse enorme bicho?” e ele
queria morder as pessoas que estavam lá perto, pegaram uma corda de rede e
laçaram o bicho, pucharam para o toco de uma árvore e amarraram bem amarrado,
pegaram um machado e o homem cascou (cortou) no pescoço do jacaré que dava
pinote de cego, mas conseguiram matar o bicho. Era tão grande que media
aproximadamente uns quatro metros de comprimentos, logo desbandaram ele em
pedaços que deu muita carne, se dividiram entre as pessoas do local.
Passaram-se uns dias, ouviu-se um grande barulho de árvore caindo sem trevoada
no maior silêncio. As pessoas ouviram aquele grande barulho e logo saíram
correndo pra ver o que estava acontecendo. Era uma parte do igapó que estava
caindo todas as árvores. Eles ficaram pensando logo: “será se era o lugar onde
o jacaré morava?” outra pessoa fala: “será se ele era a mãe desse igapó”. Ai,
não é de brincar com isso. Em poucos dias as crianças começaram a brincar no
local correndo por cima das árvores que estavam caídas. Seus pais sempre
ralhavam com eles, “sai daí menino ninguém sabe o que arrumação aconteceu ai”.
Os meninos são muito maluvido,
continuaram brincando no local. Em poucos dias um dos meninos veio adoecer de
muita febre e dor na cabeça, chamavam o benzedor para rezar no menino e não
dava jeito. Ele só piorava da doença. Só tinha um curador muito bom na
comunidade, mas ele não estava nesses dias. Foram a procura do curador
conhecido por Manoel Bentes e
encontraram-no. Contaram tudo o que estava acontecendo que, por favor, viesse
fazer um trabalho no menino que estava sem esperança de vida muito mal mesmo.
Quando o pajé foi na casa do garoto e botou a mão na cabeça dele, falou logo
esse menino não vai aguentar uma oração forte se eu rezar ele pode morrer
rápido, o menino não tem mais jeito ele vai morrer, não posso fazer nada. A mãe
do igapó onde as árvores caíram foi quem malinou do menino e bem malinado que
foi pra matar mesmo, as pessoas da comunidade ficaram muito com medo do que
estava acontecendo. O pajé fez uma bancada (momento da oração, avisa-se o dia e
as famílias vão assistir, sempre à noite [19h], chamar os curumins, corrente de
espíritos do mato, da água, da natureza) na casa onde o menino morava, no
momento de suas orações explicou tudo o que tinha acontecido naquele lugar. O
jacaré que eles tinham matado era morador do igapó por isso a mãe de lá ficou
muito braba e jogou todas as árvores e malinou do menino que acabou morrendo. Aí
o pajé pediu pra ninguém ir lá e nem passar por perto que era muito perigoso,
disse que vai fazer um trabalho no local para fechar e amarrar a mãe do lugar.
Ele fez uma bancada chamando toda sua corrente de camarados e conseguiu fechar
o local. Foi muito triste ver aquela criança morrer daquele jeito malinado da
mãe do mato, existe ainda hoje muito desses fatos e acontecimento, o local em
que aconteceu esse fato existe na comunidade.
5.
CONCLUSÃO
Para Pacheco (2015, p.
17),
os
encontros entre nações estrangeiras, portuguesas e populações indígenas locais
foram muitas. Do lado marajoara, diferentes etnias e cosmovisões de mundo
apresentaram-se. Interesses diversos fizeram estrangeiros movimentarem-se, com
ajuda de saberes locais, por aquelas desconhecidas terras de “homem anfíbios”.
Mas as nações indígenas, guardiãs daquele imenso Vale, já com experiências de
outros contatos, situadas em margens de rios e igarapés sentiram os novos
rumores, aguardaram a afirmação dos presságios e colocaram-se de sentinelas
para não serem facilmente capturadas.
Ainda que seja notória a
inclinação de viajantes, etnólogos, literatos e escritores pela descrição do
cotidiano dos campos e seus moradores negros, indicando-se ali o palco de maior
predominância africana na região, não se pode mais fechar os olhos para a
presença (do pensamento) indígena na região marajoara, ainda hoje.
Conforme Pacheco (2010,
p. 42)
Se
populações negras do período colonial, em parceria com nações indígenas como
Nheengaíba, Mamainase, Chapauna, que trabalharam em engenhos, roças de
mandiocas, construção da igreja de São Miguel em Melgaço, ou no forte de Gurupá
e nordestinos de descendência negra embrenhados em seringais da floresta,
conseguiram, com maior facilidade, misturar-se a portugueses, judeus, turcos,
norte-americanos entre outros que para cá se dirigiram, a escrita da história
precisa ultrapassar a cegueira de ver o Marajó das Florestas como tão somente
constituído pela identidade indígena.
Apesar dos documentos
históricos registrarem os povos indígenas marajoaras e termos claro que tais
povos aqui estiveram, hoje em dia pouco ou nada se fala sobre o assunto. No
entanto, as narrativas gravadas no decorrer da pesquisa mostram elementos culturais
semelhantes entre o entendimento de mundo dos povos indígenas e a comunidade do
quilombo Maria Ribeira. Na primeira narrativa, sobre a origem da comunidade,
nota-se semelhança com a narrativa Munduruku o fato de as famílias morarem
distantes umas das outras. Após a perseguição das temidas onças e o susto que
levou a comunidade, os ribeirenses passaram a formar grupos de famílias, a
morar mais próximos. Chama a atenção a presença das onças, animais respeitados
e temidos por muitos grupos indígenas do Brasil.
Com relação às narrativas da Mulher que
desejou guariba e da História do jacaré, podemos notar a presença de mães do
mato e mãe do igapó, tal como entendem os povos indígenas sobre os espíritos
protetores da natureza. Devemos enfatizar a presença do pajé e da pajelança na
narrativa do Jacaré, responsável por amarrar a mãe do igapó e amansar o
local.
REFERÊNCIAS
MACIEL, M. N. As histórias que ouvi da
minha avó e o que aprendir com elas, Revista
LEETRA, São Carlos, SP, n. 4, v. 1, 2014, p. 10-16.
MUNDURUKU, D. Contos indígenas brasileiros. São Paulo: Global editora, 2005.
PACHECO, A. S. A conquista do Ocidente
Marajoara: índios, portugueses e religiosos em reinvenções históricas. In:
SCHAAN, Denise Pahl; MARTINS, Cristiane Pires (orgs.). Muito além dos campos: arqueologia e história da Amazônia
Marajoara. Belém: GKNORONHA, 2010.
VAZ FILHO,F. A. A crença nos encantados
entre os indígenas do baixo Rio Tapajós, Revista
LEETRA, São Carlos, SP, n. 4, v. 1, 2014, p. 84-91.
Recebido em março de 2015. Aceito em abril de 2015