Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 – janeiro/junho, 2015.


A função da educação no campus Porto Velho Calama e o ideal de homem que se está formando
 
 
Iranira Geminiano de Melo
Liliane Barreira Sanchez

 

Resumo: Este artigo tem por objetivo elucidar a função da educação no Instituto Federal de Rondônia, Campus Porto Velho Calama, na visão dos educadores e dos alunos, explicitando o ideal de homem que esse Instituto acredita estar formando. Para proceder à coleta de dados utilizamos a metodologia do grupo focal. Assim, fizemos o convite aos professores e alunos via e-mail com o propósito de discutir a educação no IFRO, realizando um grupo focal com quatro docentes e outro com 20 discentes. Durante a realização dos grupos utilizamos dois gravadores de voz, um moderador e um anotador. As falas foram transcritas e interpretados com base nos princípios da hermenêutica e da teoria crítica. No olhar dos estudantes predominou o entendimento de que a Instituição tem a função de formar para o mercado de trabalho. A visão dos professores se focou nas diretrizes, apontando, a preocupação em formar o técnico e o cientista como função institucional. As opiniões foram divergentes em relação ao homem que está sendo formado, ficando evidentes preocupações em não estar formando nem o técnico, nem a pessoa com os conhecimentos necessários à continuação dos estudos.

Palavras-Chave: Educação, ideal de homem, formação.

 

Abstract: This paper aims is to analyze the role of education in IFRO, Campus Porto Velho Calama, in the view of teachers and students, demonstrating the ideal man that this Institute believes to be forming. For collection of data we use the methodology of the focus group. So did the invitation to teachers and students via email in order to discuss education in IFRO, a focus group with four teachers and another with 20 students being held. During the accomplishment groups we used two voice recorders, a moderator and a recorder. The discussions were transcribed and interpreted based on the principles of hermeneutics and critical theory. In the view students predominated the understanding that the institution has the function form for the labor market. The vision of the teachers focused on the guidelines, pointing to concern form the technical and institutional role as the scientist. Opinions differed on the man being formed and were evident concerns are not forming neither the technical nor the person with the knowledge to continue their studies.

Keywords: Education, ideal man, formation.

 

Introdução

 

            Este artigo é resultado de parte da dissertação desenvolvida pela primeira autora, sob orientação da segunda. O objetivo é elucidar a função da educação no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO), Campus Porto Velho Calama, na visão dos educadores e, dos alunos, demonstrando o ideal de homem que esse Instituto acredita estar formando e estabelecendo uma relação com o que a Instituição se propõe.

            As inquietações com relação à função da educação no Campus Porto Velho Calama sugiram dos constantes debates presenciados em reunião de professores e conselhos de classe envolvendo a dicotomia formação humana versus formação técnica. É frequente a preocupação dos professores da formação básica com a educação para o exercício da cidadania, o acesso ao ensino superior e a emancipação do aluno. Enquanto aqueles da área técnica argumentam a necessidade de essas disciplinas serem desenvolvidas em consonância com as matérias técnicas para que a formação profissionalizante seja mais efetiva.

            As propostas pedagógicas dos cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio destacam o ensino como uma atividade de compartilhamento de conteúdo, e a aprendizagem como um processo de construção de conhecimentos. Nesse processo, os estudantes “e os professores serão sujeitos em constante dialética, ativos nos discursos e efetivos para interferir nos processos educativos e no meio social” a partir de conteúdos que “associam o mundo do trabalho, a escola e a sociedade” de modo contextualizado e “trabalhados com recursos tecnológicos e estratégias inovadoras, mediados por relações afetivas, interacionais e transformadoras” (IFRO, 2010, p. 12).

            Com base nesses princípios, surgem alguns questionamentos: transformar o ensino médio em muleta para uma formação profissional efetiva não atende a amplitude da missão institucional e compromete o desenvolvimento integral do aluno e a possibilidade de acesso ao ensino superior, aumentando as possibilidades de se ter como resultado um mero técnico, sem condições de realizar reflexões críticas e de transformar a realidade social em que está inserido? Se a falta de recursos tecnológicos compromete as estratégias inovadoras, não se estaria incorrendo no risco de comprometermos o compartilhamento de conteúdo, a aprendizagem e a construção do conhecimento e com isso a formação cidadã e técnica do aluno? Esses são dois dos principais questionamentos que motivaram a realização desse estudo, que envolve também aspectos relativos à educação que estamos fazendo e à educação que queremos.

            Em termos conceituais a palavra educação tem uma diversidade de definições na literatura. Aqui, consideramos necessário apontar que, no modelo atual, ela surge com a Revolução Burguesa, que, dentre seus objetivos, elencava a educação como um direito universal, assumindo, particularmente, a inculcação cultural. Ela “abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 2010, p. 7).

            Assim, a educação apresenta também uma variedade de atores e elementos atuando no processo, que não deve ser visto apenas como a mera transmissão de conhecimentos ou de cultura de uma geração para outra, bem como um instrumento que assegura a reprodução cultural, política, econômica e social de determinada sociedade. Vista apenas destas formas, podem-se aumentar as possibilidades de evitar que a educação seja um instrumento de fortalecimento do poder da classe dominante. Embora, como destaca Sanchez (2012, p. 123) “pensar a educação como transmissão do patrimônio cultural e de formação de valores implica pensar os projetos pedagógicos dos diferentes contextos sociais e históricos, que são, também, projetos políticos”, portanto, “são instituídos pela sociedade, com objetivos e finalidades específicas”.

            Em relação aos objetivos e finalidades da educação, Sarti (1979, p. 38) afirma que “a escola (assim como o processo educativo em geral) exerce uma função dupla”: formar mão de obra qualificada e transmitir os valores da classe dominante, sendo que ambos os “aspectos dessa dupla função se unificam na necessidade de expansão (econômica) e manutenção (ideológica) do sistema”.

            Sobre a formação de mão de obra qualificada, Althusser (1996, p. 105) entende essa qualificação como indispensável para a reprodução do status quo vigente: “para existir, toda formação social, ao mesmo tempo em que produz, para poder produzir, tem que reproduzir as condições de sua produção” - reproduzir as forças produtivas e as relações de produção existentes. Dessa forma, o referido autor destaca que a condição suprema da produção é a reprodução das condições de produção.

            E para reproduzir as condições de produção é necessária a reprodução das forças produtivas, que para Althusser (1996, p. 107) “é assegurada em se fornecendo à força de trabalho os meios materiais para sua reprodução: através de salários”. Mas, o autor observa que para a força de trabalho se reproduzir, não basta assegurar as condições materiais de sua reprodução, pois a mão de obra disponível deve ser competente – apta a ser posta no mercado de trabalho para trabalhar no complexo processo de produção.

            Silva (2006, p. 1-2) enfatiza que, na sociedade capitalista, cada vez mais “os valores materiais sobressaem-se aos valores humanos, a individualização, a competição e a concorrência, essenciais ao desenvolvimento do capitalismo, levam o homem a atitudes subumanas que retratam a barbárie instaurada por esse sistema”. Nesse contexto, a educação assume duplo papel: o de denunciadora “da educação burguesa como instrumento da ideologia dominante” e o de “repúdio categórico às propostas reformistas a serem implementadas pelo Estado burguês”, reconhecendo os “atributos da educação em termos de meio de conscientização” e revelando seu potencial transformador (SARTI, 1979, p. 9).

            Nesse sentido, é importante destacar que a educação escolar (institucional) sempre será uma ferramenta de conformação ideológica, independentemente do sistema político-econômico vigente. Isso é salientado tanto por Sarti (1979), ao analisar Lênin, que, após conquistar o poder na Rússia, teria destacado a necessidade dos membros do partido conquistarem os professores e promoverem uma reeducação nos espaços culturais e de ensino; como por Souza (1987), para quem a educação é uma ferramenta para construir e consolidar outros tipos de estrutura social, seja por meio de uma reforma ou de uma revolução. Nesse caso, ela se transforma em um mecanismo utilizado para se “criar as condições subjetivas que possam personificar relações econômicas e ideológicas nos grupos sociais que constituem a estrutura social” (p. 29).

            Assim, os resultados da educação que se está promovendo no Campus dependerão das ações sistematizadas pelos professores, as quais estão sintonizadas aos projetos pedagógicos dos cursos. Projetos esses que foram instituídos de forma pouco democrática, ou melhor, importados de outras realidades, cujos contextos sociais e históricos são bastante diferentes. Por isso, estão, na segunda metade do ano de 2014, sendo reformulados. Ainda assim, é perceptível que pouco se alterará de fato, pois, ainda estarão orientados pelo projeto político, ou melhor, serão instituídos por uma sociedade capitalista e neoliberal em relação a sua forma, objetivos e finalidades específicas.

 

Material e Métodos

 

            Esta é uma pesquisa qualitativa, realizada a partir de estudo bibliográfico, coleta e interpretação de dados, obtidos a partir da realização de grupos focais e aplicação de questionários. Desse levantamento resultaram reflexões de cunho sociofilosófico a respeito da educação que se desenvolve no Campus Porto Velho Calama, do IFRO.

            Para desenvolver este trabalho, optamos por nos limitar a um determinado grupo de professores e outro de alunos e pelo uso de um referencial bibliográfico que constituiu o aporte teórico que dialoga com os dados coletados e ajuda a compreender, numa perspectiva sociofilosófica, a visão de professores e estudantes em relação à função da educação no IFRO, Campus Porto Velho Calama e ao ideal de homem que esse Instituto está formando.

            Para proceder à coleta de dados foi feito o convite aos professores e alunos via e-mail para participarem de um grupo focal com o propósito de discutir a educação no IFRO. Compareceram ao grupo docente quatro professores, e ao grupo discente vinte alunos, com os quais foi aplicada a metodologia do grupo focal. Durante a realização dos grupos, utilizamos dois gravadores de voz, um moderador (que direcionou as discussões de acordo com as respostas e com um roteiro previamente elaborado) e um anotador de informações relacionadas às expressões corporais que passam despercebidas aos gravadores de voz. Ao término de cada grupo, os colaboradores responderam a um questionário, resumindo suas opiniões sobre os aspectos discutidos. Os dados foram transcritos e analisados textualmente e organizados em ilustrações confeccionadas com o emprego do Software NVivo 10, que facilitaram a visualização dos resultados.

            Para interpretarmos as falas surgidas no grupo focal e as respostas dadas aos questionários recorremos aos princípios da hermenêutica e da teoria crítica, que fundamentam as nossas reflexões sociofilosóficas. Para assegurar o anonimato, os professores receberam uma letra: Professor A, Professor B, Professor C e Professor D; Estudante A, Estudante B, e assim por diante.

 

Resultados e Discussão

 

            A nuvem de palavras a seguir representa os vocábulos pronunciados pelos professores ao falarem sobre o que entendiam por educação. Observamos que os termos professor, educação, escola e processo são as palavras mais frequentes. A educação, para existir no modelo que temos, requer professores em uma instituição de ensino (escola) e um processo, que é o meio, o caminho que tem de ser trilhado para se chegar à formação do homem.

 

Figura 1: A educação no IFRO e o ideal de homem, Porto Velho, 2013.

 

Fonte: Melo e Sanchez, 2013.

 

            O termo educação foi descrito pelo professor A como “um processo informativo que tem como finalidade, que tem ou que deveria ter, como uma das suas finalidades uma formação o mais abrangente possível e o mais humanístico possível, isso o conceito. Agora, o significado pra mim, educação é uma prática transformadora”.

            Para o Professor B, ao se considerar a educação formal, a escola tem o papel de “produzir mudanças, provocar mudanças no sujeito, no estudante, na pessoa que procura a escola”. Quanto à transformação, ele afirmou que “ela é discutível, por que transformar o quê? Quando? Por quê? Que a educação precisa, tem esse papel, tem esse significado de transformadora. E é aí que entra a questão mais complexa a respeito, possivelmente, do papel da escola e a escola às vezes se perde nisso”.

            A transformação, para o Professor A, é “uma ação voltada para formar esse sujeito. Esse estudante na maneira como ele vê o mundo e na maneira como ele se posiciona no mundo. Ou pelo menos fornecer para esse estudante os instrumentos básicos pra ele poder se comportar perante os desafios”.

            O Professor C destacou que a educação “é o processo formativo. Mas em relação à educação escolar, a gente sabe que a escola, ela se enquadra dentro dos mecanismos de controle”. Acrescenta que no caso dos Institutos Federais “o nosso processo formativo, ele se enquadra na questão técnica, o que limitaria “muito essa amplidão que é o processo geral. O ideal seria que o aluno chegasse à compreensão e à vivência do conceito de cidadania”. [...] “Mas, ao mesmo tempo, a gente sabe que essa mesma educação vai controlar algumas coisas na vida dele. E nesse sentido, educação não visa formar para o mercado, não visa... Então, ela tem um significado, também, de abrir os horizontes para a pessoa que passa por esse processo”. E nesse caso, a pessoa teria condições de tomar “decisões autônomas e não a partir de coisas que sejam exteriores a ela”. Nesse caso, a educação como processo formativo estaria criando “novas posturas, novas possibilidades para a pessoa diante do que se apresenta no dia-a-dia, socialmente, ou em outras categorias que venham a se apresentar para a pessoa. Que embora a gente seja envolvido em formar, mas a gente também é formado nisso aí, nesse processo”.

            Observamos que na fala do Professor C, há um ideal de educação que não está sendo atingido e que no processo educativo do ensino técnico integrado ao médio parece ainda mais distante essa criação de novas posturas e possibilidades. Pensando em educação como processo formativo, o professor nega que ela vise formar para o mercado de trabalho, mas sim desenvolver a autonomia nas tomadas de decisões. Outro aspecto importante na fala anteriormente citada é que para o professor, quando se pensa em educação escolar como processo formativo, não considera-se essa formação apenas para o estudante, mas, assim como Freire e Shor (1986), ele vê o professor também sendo formado por esse processo.

            O Professor D falou da educação escolar como uma relação complexa, que pode agir na reprodução do sistema, mas também como agente da transformação. Para ele “esses questionamentos que levam a uma educação que é para criar um cidadão pleno, mas ela também reproduz a sociedade em que ela tá inserida: A sociedade do capital”. Estando a escola presa ao sistema surgem as “teorias que debatem: de um lado a hegemonia do capital e do outro lado a contra hegemonia do capital”. Como parte de sua argumentação, esse educador cita a fala de seu colega no grupo: “como o Professor B falou: Como a gente vive nesse fio da navalha, como a escola também pode reproduzir o capital, mas ela tem outro papel, como ela pode também ser o agente da transformação, o agente da mudança”.

            Na fala anterior do Professor C e agora também na fala do Professor D, parece haver uma preocupação com o caráter reprodutivo da educação e com a sua possibilidade de ser um agente de transformação. E nesse debate surge o ideal de homem que se pretende formar, pois se estamos desenvolvendo uma educação reprodutora, ela deve ser a garantia da reprodução da força produtiva.

            Na perspectiva dos professores, o ideal de homem que o Instituto pretende formar é: “Um homem trabalhador, eficiente, mas pouco crítico” (professor A); “A pretensão do IFRO é formar um cidadão” (professor B). No entanto, parece aos professores ser complicado o alcance deste ideal de homem, uma vez que os cursos integrados ao ensino médio possuem uma matriz curricular constituída por muitas disciplinas (técnicas, básicas e diversificadas), sendo poucas aulas por semana de cada uma, principalmente de matérias que possibilitem discussões sobre a cidadania, sobre como exercê-la, como sociologia e filosofia. “Busca-se oferecer uma educação que contribua para a autonomia da pessoa, de tal forma que ela exerça a cidadania” (professor C). “O Instituto Federal de Rondônia espera o homem (o cidadão pleno) consciente do mundo em que vive, reflexivo da sociedade capitalista, porém capaz de desenvolver habilidades e competências para o mercado de trabalho” (professor D). Mesmo não destacando a formação para o trabalho como uma preocupação, os professores reconheceram essa tarefa como função institucional.

            Os estudantes apontaram como função da Instituição formar o homem: “Crítico e ético”; “Técnicos em algum curso”; “Consciente de que o mercado de trabalho precisa dos melhores profissionais”; “Pessoas qualificadas para o mercado de trabalho, convívio com a sociedade”; “Pessoas de ética, moral e caráter, que saberão atuar de forma certa no local onde trabalhará”; “Profissional totalmente qualificado”; “Um homem crítico e questionador”; “Pessoas bem capacitadas e que sigam as regras da sociedade”; “Aquele que esteja preparado para mudanças e que saiba lidar com as situações”; “Com capacidade e pronto para o mercado de trabalho”; “Bons profissionais, sendo eles referência no mercado onde eles darão mais nome à Instituição”; “Pessoas que ajudam não só o meio acadêmico, mas também a comunidade. Tendo em vista seu caráter formado”; “Com caráter, ética e boa índole”; “Um homem com caráter, ético e com respeito à sociedade”; “Um profissional bem qualificado e apto para exercer sua formação”; “Uma pessoa profissionalmente, com uma visão realista do futuro e preparada para um ensino mais capacitado”; “Cidadão é o principal motivo, além de formar pessoas críticas em relação ao seu meio”; “Que aja com ética e moral”; “Cidadão com uma profissão”; “Profissional bem qualificado, com resultados que possam ser indicados, ter objetivos amplos, com tendência de crescimento em geral e com remuneração alta, para ter uma qualidade de vida boa”.

            As falas dos estudantes sugerem que retornemos aos questionamentos do Professor B: “Transformar o quê? Quando? Por quê?”. São perguntas que, talvez até o final das discussões, o grupo não tenha respondido. É importante ainda mencionar que o pensamento pedagógico é determinado por um pensamento filosófico que o precede e também por uma concepção de “homem” e de “sociedade”. Nesse sentido, o termo usado pelo Professor D de que “a escola fica no fio da navalha” pode indicar que ela pode ser o espaço, algumas vezes propício para novas ideias. Mas, em muitos momentos, a escola pode funcionar, conforme Althusser (1996) afirma, como um aparelho ideológico de Estado.

            “No fio da navalha” pode estar ainda o reconhecimento de que “não é a educação que modela a sociedade, mas, ao contrário, a sociedade é que modela a educação, segundo os interesses dos que detêm o poder”. E, se assim for, as lutas para a possibilidade de transformação se acentuam profundamente. Seriam ações pautadas na esperança e não na ingenuidade, pois seria ingênuo demais pensar que na estrutura política apresentada se possa “atuar contra ela” (FREIRE & SHOR, 1986, p. 49).

            Em relação à opinião dos professores sobre o papel social, educacional, pedagógico e político do IFRO, apresentamos a seguinte nuvem de palavras dos professores e estudantes. É possível observar que os termos professor, político, pedagógico e necessidades estão aparentes, o que sugere que as responsabilidades institucionais envolvem o professor para que possam ser cumpridas e implementadas.

Figura 2: O papel do IFRO, Porto Velho, 2013.

Fonte: Melo e Sanchez, 2013.

 

 

            O Professor B acredita que a instituição tem uma dupla ambição: “formar o aluno para o ensino médio, prepará-los para o prosseguimento dos estudos e, também prepará-los para o exercício de uma profissão”. Nesse caso, a formação técnica integrada ao ensino básico “quer formar para esses dois caminhos. Só que na realidade a gente tem alunos que está aqui, se acha aqui, no curso técnico em química, mas que pretende, por exemplo, atuar na área do jornalismo”. Na concepção do professor, o IFRO tem o propósito de, além do ensino médio, oferecer o curso técnico; retirando-se esse último, seria uma escola “como outra qualquer. Tem algum diferencial, mas esse diferencial é mais material do que pedagógico”.

            Observa-se que a primeira ideia sobre contexto educacional e pedagógico é a de formar alguém, mas esse formar alguém deve envolver todo o processo formativo, em seus múltiplos aspectos, especialmente o político e o social. Assim, cabe questionar: como está se dando esse processo formativo na Instituição? Nesse processo de formação, os aspectos educacional e pedagógico estão intimamente relacionados ao aspecto social e ao político, isto é, a formação acontece com e na interação desses papéis ou funções?

            Nesse sentido, o Professor D acredita que o papel político e o social dos Institutos Federais ainda está em construção e se questiona “como fazer com que a cultura geral se integre ao curso técnico?”, apontando ser esse o papel pedagógico do IFRO. É notável que mesmo tentando abordar o papel político do IFRO, o Professor D acabou por apontar o papel pedagógico e, ao concluir sua fala, o Professor B desabafou: “E o técnico se integra à formação geral, quer dizer, aí que me parece o nó”.

            Então, o Professor D prosseguiu afirmando que no papel político está a questão de “como desenvolver tecnologia, inovações para essa região? Porque Rondônia é o novo Mato Grosso. Mas ele (estado de Rondônia) não pode derrubar mais nada. Tem que investir naquilo que foi derrubado para produzir” e ir corrigindo a falta de investimento em tecnologia. Então, o país “tenta fazer dos institutos federais aquilo que funcionou na França e no Japão. Mas só que há setenta anos, atrás”.

            Quanto ao papel social, ele diz que essa sociedade tem necessidades econômicas e sociais e situa Rondônia como uma “região de fronteira onde faltam engenheiros, arquitetos, pessoal ligado mais ao Cone Sul. Da agricultura, falta engenheiro agrônomo, veterinário, uma mão de obra que não tem nessa região. E aí, o Instituto deve oferecer essa mão de obra, para esses grupos econômicos?” O Professor D lembrou que todo o Estado sofre com isso, acrescentando que na parte econômica há necessidade de muito investimento, citando como exemplo a parte veterinária, já que Rondônia tem um dos maiores rebanhos do Brasil e as formações na área de “engenharias” está voltada para o engenheiro mecânico e o arquiteto e urbanista – provavelmente se referindo à futura oferta de curso na Instituição. Por fim, o professor questiona: “Qual é o que a gente vai ter? Qual é a necessidade dessa região?”

            Pode-se perceber que não há clareza, em termos políticos, sobre qual seria a política de expansão do IFRO em relação às perspectivas de crescimento do estado de Rondônia. Formar para atender a uma demanda estanque ou para expandir para regiões mais estratégicas do Estado? O professor B aborda esse assunto apontando para a necessidade de um estudo das microrregiões antes de implantar os campi, pois há alguns em municípios muito próximos e sem tanta diversidade econômica que os justifiquem.

            Não podemos desconsiderar que o IFRO é uma rede de escola com ensino médio, técnico e tecnológico, mas que também oferece curso superior. Então, a expansão do ensino universitário no Estado de Rondônia deveria ser um papel político do IFRO também. Sobre esse papel político, social, pedagógico e a intersecção entre eles, o Professor A enfatiza que esses papéis precisariam ser tratados conjuntamente, no entanto, “a impressão que dá é que quando se pensa em uma coisa não se pensa em outra. E aí alguma coisa não funciona”. Ele ainda destacou não há “uma atenção mais detalhada para as demandas, para as necessidades das microrregiões, dependente de cursos importados de Santa Catarina, de São Paulo, que não necessariamente há necessidade das pessoas que vivem no lugar”.

            Continuando a argumentação, o Professor A afirmou que se “apenas atender às demandas, a gente acaba não desenvolvendo esse papel político que pode ser muito maior que é o de produção de ciência e tecnologia, de ocupação de outros espaços na sociedade, de formação de cursos de nível mais elevados”. Por outro lado, ele afirma entender que “não pode simplesmente viver para atender às demandas do mercado. Isso seria deixar-se usar muito como aparelho ideológico e não pensar em outras possibilidades”.

            Parece que o IFRO e, mais especificamente, o Campus Porto Velho Calama, tem se concentrado em atender demandas, sendo necessário ampliar os diálogos com as comunidades para a construção de sua política de oferta de cursos. O que se questiona acerca desse assunto, considerando as políticas, o contexto e a construção do projeto pedagógico educacional é: como ocorre a participação dos professores na elaboração, na construção das propostas dos cursos em que eles atuam? Observa-se que o Professor A menciona a importação de cursos de realidades muito distantes da que se vivencia no estado de Rondônia. O professor A destaca ainda a falta de discussões sobre o projeto político pedagógico:

 

Quando cheguei, ainda nem tinha curso e a gente jamais participou de nenhuma discussão de projeto político pedagógico. O Campus não tem seu projeto, seus projetos de curso foram feitos a gente não sabe por quem. Inclusive a ementa que eu ministro há dois anos, não foi feita por mim e eu não posso alterá-la. Tem esses defeitos seriíssimos. A gente já cansou de conversar sobre isso nos conselhos de classe, nas reuniões pedagógicas. Mas enfim, me parece que há uma resistência muito grande em permitir que nós professores, que estamos em sala de aula, e sabemos as necessidades dos alunos, e o que tem que ter no segundo ano do ensino médio, do curso de Informática. E, eles resistem muito em permitir que a gente possa receber esses documentos no Word ou pelo menos copiá-los. Não sei por que isso acontece, mas a gente não participou de nenhuma discussão sobre isso. Inclusive o Campus até hoje não tem projeto político pedagógico.

 

            Contribuindo com essa discussão a respeito de projeto político pedagógico de curso, o Professor B afirmou que “não ia dizer que não sabia da existência”, devido o tempo que tem de Instituição, destacou que os conteúdos que trabalha estão previstos na ementa da disciplina que ele leciona. Continuando sua fala, ele mencionou: “E eu também cheguei a comentar sobre a ementa, disse... olha o que não posso fazer, estou fazendo adaptações. É, não poderia, mas estou fazendo, adaptações”. Nesse momento, o Professor A interrompeu e destacou: “Na verdade, a gente tá fazendo um currículo oculto”. E o Professor B confirma, salientando que esse currículo oculto é registrado: “É, mas não, mas a gente tá registrando”. O Professor A concluiu: “Há uma ementa formal, mas a gente dá um currículo oculto”. E sua conclusão foi aprovada pelo Professor B, que concordou: “Exatamente!”.

            As falas evidenciaram que há um programa que não atende às necessidades pedagógicas, que não foi discutido pelos professores e eles percebem suas lacunas e buscam fazer adequações. O Professor B amplia essa compreensão afirmando que a “impressão que a gente tem é que quem decidiu por essa ementa, essa, do jeito que está no currículo, é que não se preocupou com a questão de pré-requisito, de sequência, porque as disciplinas têm pré-requisito”. Para o professor isso é importante porque “se não você pode dar tudo a qualquer hora, dar nada e pronto. Não, tem que ter uma organização pedagógica que é preciso seguir, é preciso apresentar, é preciso adaptar o tempo todo”. Ele ainda acrescenta que não participou da elaboração do projeto político pedagógico dos cursos em que leciona.

            Cabe aqui destacar que no dia 30 de agosto de 2013, o Campus fez três anos. No entanto, mesmo com todas as demandas e lutas, com a nomeação de outro reitor (ainda sem eleição, prevista para 2014), apenas em setembro de 2013, a Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) iniciou uma discussão sobre reformulação de ementas (em ambiente virtual) somente com docentes do núcleo comum. Ainda que se considere que o uso do ambiente virtual é cada vez mais frequente, há que se observar que a construção do currículo demanda discussões, diálogos, debates e (des)entendimentos que são comprometidos quando não há a possibilidade de encontros presenciais.

            Ainda sobre o currículo, o Professor C se manifestou, afirmando que na “verdade, parece que houve uma pesquisa de implantação. Antes da implantação, se percebeu alguma necessidade, implantou, mas não se chegou ao ponto de se fazer a construção do projeto político”. Para ele, isso impede as contribuições das pessoas da região, que realmente conhecem a realidade. Outro aspecto evidenciado é que o trabalho interdisciplinar não tem sido desenvolvido, talvez por não haver essa construção coletiva.

            Nesse momento, o Professor B disse “que para quem chega, também, o certo seria mostrar: - esse é o nosso projeto político pedagógico, a senhora ou o senhor se teve isso...” O Professor A esclareceu: “não tem projeto político pedagógico”. E o Professor B continuou: “E aí [...], qualquer coisa, qualquer questionamento, porque pelo menos deveria ser assim”. Concluindo, o Professor C destacou a importância desse documento para os docentes recém-chegados à instituição: “Para a gente que está chegando isso seria bom”.

            Então, contribuindo com o debate, o Professor A fez uma contextualização a respeito do assunto, afirmando que o Campus

 

Só tem os projetos pedagógicos dos cursos, não há projeto político pedagógico. Projeto do Curso de Informática Médio, Projeto do Curso de Informática Subsequente. Esses problemas que quem chegou agora constatou-os, e por sinal também são problemas conhecidos já desde o ano passado, ou ano retrasado. Sei que isso é triste, mas ainda não houve ninguém que diga vamos elaborar isso? Vamos reelaborar isso? Agora a gente sabe, eu digo isso porque o ano passado a gente teve um problema com a disciplina [menciona a disciplina que leciona], que o conteúdo previsto para a disciplina a gente terminou no começo do terceiro bimestre. Era tão pouco conteúdo previsto que mesmo com a greve, tipo assim, no dia 11 de setembro, nós já teríamos terminado tudo que estava previsto para todas as turmas do curso, e a gente tinha dois bimestres pela frente, mais 30 dias depois de greve. Na verdade, o que a gente fez foi outra ementa oculta, não oficial para poder ter conteúdo para as oitenta horas de aula, requeridas pelo MEC. É uma coisa absurda. Esse ano vai acontecer a mesma coisa, o conteúdo da ementa é menos do que o que eu tenho de horas aula para ministrar. E assim, eu não sei até quando isso vai estar acontecendo.

 

            A partir dessas falas, consideramos que, de qualquer modo, a Instituição não funciona sem um elemento norteador e que, se veio uma diretriz a partir de uma orientação do MEC ou de um modelo ou referência de outro Instituto Federal, de outro estado, ela não precisaria de três anos para se iniciar um processo de redirecionamento. Processo esse necessário e urgente, como pode ser observado nas quatro falas anteriores e na fala seguinte, na qual o Professor D afirmou que “As questões de implantação são muito difíceis, porque fica sempre aquela coisa de impor. E aí, nessa imposição a gente já está há três anos. E já era para ter sido, pelo menos isso, deveria ser feito de uma forma democrática, com a participação de todo mundo”.

            Sendo assim, parece que a organização dos cursos não está atendendo nem a “gregos nem a troianos”, ou melhor, nem aos docentes nem aos estudantes. Observamos vários apontamentos dos professores sobre esse assunto, mas também na fala do Estudante D, que destacou que deseja fazer um curso superior em “outra instituição, porque aqui tá faltando muito curso superior, por exemplo, a gente tá fazendo o ensino médio integrado ao técnico, mas não tem uma graduação, pelo menos em informática não tem, eletrotécnica, edificações, química, não tem uma continuação do curso”.

            Se os cursos não estão atendendo à demanda de mercado, também não estão sendo organizados pensando em continuação da escolaridade do estudante em suas áreas de formação técnica. Existem, como o Estudante D apontou, os cursos técnicos em Informática, Química, Eletrotécnica e Edificações, mas o curso superior ofertado é em Física, o que parece não estar de acordo com as expectativas dos estudantes, já que apenas um participante citou querer fazer física e os demais pretendem: Química, Direito, Matemática, Engenharia química, Engenharia de navegação, Engenharia de petróleo, Arquitetura, Engenharia mecatrônica.

            Por outro lado, parece que as tentativas de fazer uma instituição democrática esbarram no discurso do processo de implantação. Essa situação parece cômoda a quem apresenta essa justificativa, mas mostra-se de outra forma para quem a escuta, conforme a fala do Professor A:

 

Me incomoda esse discurso do estamos em implantação, estamos em implantação, como se todas as deficiências fossem porque estamos em implantação. Os institutos foram criados em 2008, sabe? Até quando ficaremos em implantação? Dez anos para as coisas serem analisadas? Eu vejo que há falta de um esforço político em ouvir as pessoas, ouvir, principalmente nós professores, que estamos em sala de aula e construir novas diretrizes. E aí, fica-se com o discurso de que: Ah, mas é implantação. Nada pode ser feito.

             A fala do Professor B contribuiu com essa análise da realidade dos Institutos, que talvez se possa chamar de antidemocrática ou, se é democrática, é uma democracia da minoria, já que nem os professores nem os estudantes estão sendo considerados: “eu penso que o primeiro ano era um ano chave, um ano importante para saber, sentar e ver tudo que se precisava adaptar. Já que tinha pessoal suficiente, ou pelo menos, quase suficiente”. Para o Professor isso é complicado, pois “um ano é suficiente para você errar, para você acertar, e para você depois pensar e refazer, e obter resultados”.

            Sobre a necessidade de um processo de reformulação dos currículos, o Professor B disse ser importante: “Iniciar e rápido, hoje você tem elementos o suficiente para uma reconstrução, mas é...”. Então, o Professor D interrompeu, afirmando que: “Um amplo quadro, professores da equipe pedagógica a gente tem 50%, então eu acho que já deveria ter sido... [pausa]” e o Professor A destacou: “Não há falta de servidor e nem falta de manifestação de nossa parte”.

            Essas falas podem indicar que, apesar dos professores terem aceitado os projetos pedagógicos de cursos copiados (ou imitados) de outras instituições, sentem a necessidade e percebem as condições para readequá-los à realidade que estão vivenciando. Podem sugerir ainda que, mesmo havendo manifestação dos professores e quantitativo favorável de servidores, não se diz o porquê de ter havido resistência a essa reformulação.

            Provavelmente nesses apontamentos feitos pelos professores possa se identificar o que Souza (2009, p. 294) chama de “má-fé institucional”, referindo-se “a uma ação institucional que se articula tanto no nível do Estado, através dos planejamentos e das decisões quanto à alocação de recursos, quanto no nível do micropoder”.

            Visamos agora ampliar essa discussão, buscando compreender qual o ideal de homem (no sentido de cidadão, pessoa) que o Campus investigado pretende formar (ou está formando), na visão que os professores e estudantes têm a respeito dessa, nas palavras de Freinet (2004), “obra de vida”.

Em relação ao ideal de homem ou ideal de pessoa que a Instituição pretende formar segue uma nuvem de palavras, na qual se destaca “professor” como o termo mais pronunciado. Na sequência, apresentam-se os posicionamentos dos participantes a respeito desse assunto.


 

Figura 31: O ideal de homem que a Instituição pretende formar, Porto Velho, 2013.

Fonte: Melo e Sanchez, 2013.

 

            O ideal de homem envolve tanto as diretrizes políticas e pedagógicas, como as tendências pedagógicas, seguidas da relação teoria e prática e da relação professor-aluno, dentre outros fatores. O Professor B iniciou essa abordagem entendendo como diretrizes os planos de curso. O homem quer se quer formar, disse ele, “é o homem preparado para o trabalho. Para o qual ele está matriculado, para a função que o curso vai lhe possibilitar e, também, o Instituto quer alguém que seja pesquisador, que seja técnico e que pense”. Segundo o professor, isso está “bem claro em todos os planos de curso, a gente percebe isso. Agora para ele [o IFRO] formar isso, daí a isso acontecer é preciso que a prática aconteça. Isso teoricamente está muito bem claro”.

            Observamos um afastamento entre a perspectiva teórica (as ideias materializadas nas diretrizes) e a realidade que está posta, que se apresenta no cotidiano dos professores. Em colaboração com a fala do Professor B, o Professor D acrescentou que a ideia de formar para o trabalho e para a ciência (alguém que seja pesquisador) está presente: “Até mesmo na lei que cria os Institutos está, no princípio. Depois, vêm os outros princípios da demanda de mercado”.

            Entretanto, o Professor A tem outros apontamentos em relação a esse ideal de homem e sobre a forma como o Campus está trabalhando, que parecem estar desencontrados. Ele tem a impressão de “que não há nenhum ideal de homem a ser formado”, e, acrescenta ter participado, no dia anterior ao do grupo focal, de uma reunião com uma turma de terceiro ano do curso técnico em edificações e eles teriam falado: “Professor, aqui a gente se forma como técnico de edificações e a gente não tem prática de edificações, a gente não sabe professor, fazer um projeto nem construir uma parede”. E o professor constata: “Quer dizer, não se está formando o técnico, não se está formando trabalhador e também não se está formando um futuro estudante universitário, porque com os componentes curriculares reduzidos, para atender às disciplinas técnicas que não funcionam”.

            Concluindo esse raciocínio o professor acrescentou que há um comprometimento de ambas as formações porque as matérias do núcleo comum são reduzidas: “Quer dizer, não está formando ninguém, não tá formando nada, está gastando dinheiro público. A julgar pela crise atual, que eu espero que seja momentânea e que passe logo” (Professor A). Sobre a formação para o trabalho, o Professor B disse que a formação dos cursos subsequentes pode ser melhor, mas é sua preocupação também não estar formando nem o técnico, nem a pessoa com a formação geral.

            Os estudantes também reconheceram que não estão tendo a formação técnica adequada. O Estudante B, ao se manifestar sobre se a educação recebida pelo IFRO contribuiu ou não para que ele possa transformar a sociedade, afirmou que: “Como formação técnica eu não tenho capacidade mental nenhuma, aí tipo, na formação cidadã é que eu consigo entender como eu posso contribuir”. O estudante esclarece que no tocante à formação técnica “70% das pessoas que saírem daqui não vão estar capacitadas suficiente para dar uma qualidade de serviço e nem assistência para empresas. Podemos até ter bons professores, mas muitos alunos gostam, estão aqui pela qualidade do ensino”. e conclui sua fala acreditando que será “pior técnico em informática que tem, mas o ensino aqui é tão bom que eu acho muito melhor ficar aqui quatro anos do que ficar três anos numa escola estadual”.

            O Professor C destacou a seriedade que é pensar esse ideal de homem que a escola está formando ou se propõe a formar e que, diante da realidade vivenciada, pode-se estar formando pessoas que não conseguirão emprego, nem continuar seus estudos.

 

Na verdade o ideal de homem... Esse ideal de pessoa... É preciso ter mais claro isso, eu acho que na verdade essa coisa é séria mesmo. Não é brincadeira, não é uma coisa para se levar assim sem cojulgamento, sem planejar melhor as coisas. Porque é muito séria essa questão de projeto de pessoas. Nós podemos, futuramente, ser lembrados como uma geração de educadores que deu como resultado pessoas que não conseguem nem trabalhar nem estudar. [Professor A: A gente tá vivendo isso!] Na verdade, é ao contrário, é o ideal de pessoa, no grego se diz Paideia. O nosso projeto, a nossa Paideia é uma pessoa muito diferente dessa que tem sido gestada nos últimos 20 anos, 30 anos aí. São pessoas que sabem reclamar do que não funciona, que sabem reclamar, que sabem planejar aquilo que ele acha que deve ser feito e que sabe executar. Quer dizer, esse projeto, o que está por trás desse modelo de educação, ele é mais amplo que eu não sei se esses primeiros vão... [risos].

 

            O Professor C afirmou ser muito sério pensar um projeto de pessoa. Sobre esse assunto, Sanchez (2012) destacou que o projeto de formação humana lida sempre com aspectos da individualização (modos únicos de ser) e da socialização (características comuns), contribuindo para as representações que o sujeito faz da sociedade, dele mesmo e do mundo que o cerca. Nesse processo, o estudante é um ser “moldável” segundo os ditames da sociedade, mas ele também é criador de si mesmo e, nesse processo de criação, ele tem o poder de poder ser (autonomia).

            Esses risos ao fim dos apontamentos do Professor C podem sugerir que se tem um grande desafio e uma situação não muito favorável. Mas quanto ao ideal de homem a ser formado pelo IFRO, parece estar claro nas diretrizes que norteiam o ensino no Campus, como destacou o Professor B.

            O professor anteriormente citado aproveitou a questão sobre o ideal de homem para falar sobre a burocracia para se desenvolver projetos e a necessidade de desenvolver ações que tenham um retorno para os estudantes, que as pesquisas sejam divulgadas, conhecidas. Observamos que há uma angústia em relação a esse ideal de homem. De alguma forma, estão acontecendo muitas discussões sobre isso entre os professores, mas nada muito sistematizado, como relatou o Professor A e complementou o Professor C:

 

Não é programado, mas aqui no quadro de professores nós damos grandes discussões sempre. É, nas reuniões há discussões sobre isso. Essa angústia que o professor colocou sobre: vai preparar o aluno com a educação básica? Vai preparar para o mercado de trabalho? Vai fazer o quê? Há essa preocupação. Agora como eu disse, há uma preocupação, mas nada muito planejado [Professor D: Sistematizado], sistematizado. Mas como é que eu posso falar... nos documentos eu não vejo isso não. A gente vive uma crise vocacional [todos riem].

 

            Nessa crise educacional mencionada pelo professor C, o Professor B conseguiu ver algumas saídas: “A gente tem uma chance de não transformar num operário padrão, mas se a gente for formar o operário, um operário que seja crítico, reflexivo do mundo que ele vive, pelo menos nos documentos, nas leis que criaram está claro”. Ao falar do projeto político, o professor pensou o desafio de desenvolvê-lo na prática e acrescentou: “Agora a prática para formar esse novo... esse novo homem... aí o bicho pega”.

            Talvez o desafio do professor manifestado na expressão “aí o bicho pega” seja devido às contradições da própria política institucional, conforme destacado por Sanchez parece haver uma contradição no próprio

 

[...] projeto de educação profissionalizante voltado para a adequação dos sujeitos às demandas econômicas atuais e integrado à formação de trabalhadores que sejam cidadãos livres, críticos, conscientes e transformadores, em conformidade com as propostas pedagógicas dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (SANCHEZ, 2012, p. 123).

 

            A contradição apontada pela autora está entre o conceito de adequação, que pelo plano de conteúdo não se ajusta aos termos livres, críticos, conscientes e transformadores. Nesse sentido, parece ser impossível, ou pelo menos não ser fácil, ao mesmo tempo, promover a adequação de sujeitos a determinadas demandas e torná-los críticos, reflexivos e, muito menos, transformadores de sua realidade.

            Nas falas dos professores não foi possível perceber se eles observaram esse contrassenso, presente na proposta institucional. Ainda que tenham externado inquietações sobre a discrepância entre o que está nos documentos institucionais e o que pensam ser o ideal de educação nos institutos federais, que oferecem cursos técnicos integrados ao ensino médio, não registramos enunciações que pudessem sinalizar o referido desacordo.

            Sobre a formação de sujeitos críticos, talvez possa ser considerada uma saída o que disse o Professor B ao apontar que isso perpassa as diretrizes políticas e pedagógicas, transferindo-se para ações individuais pautadas no incômodo de estar a serviço da reprodução das desigualdades, principalmente das diferenças intelectuais, no sentido de saber ler a realidade que vivencia.

            Percebemos que os professores se desdobram buscando alternativas para os problemas que identificam, mas essas ações ficam mais concentradas no plano individual; não havendo ações conjuntas, diálogos para um fortalecimento entre eles, capaz de tornar suas intervenções mais significativas, causando maior impacto na formação dos estudantes.

            Nesse aspecto, considera-se importante destacar como os estudantes percebem a relação professor-aluno, pois muitos são os apontamentos sobre a diversidade no nível de aprendizagem. Além de ser visível que as formas didático-pedagógicas e ideológicas também se diferenciam entre os professores. Nesse sentido, o Estudante A destaca:

 

A relação professor-aluno, digamos que é comum. O papel do professor, na formação do técnico, é preparar para o mercado, a partir da disciplina, aplicando também de modo realista, na vida real, para poder, justamente, o aluno identificar realmente o que está acontecendo, o quê que ele aprendeu e o quê está acontecendo na realidade que ele está vendo. Há uma convivência boa, de forma respeitosa, respeitável.

 

            Percebemos nessa fala alguns aspectos amplos, não apenas voltados à avaliação da aprendizagem, mas à expectativa de uma práxis e de uma educação voltada para o trabalho. Concentrando-se mais nas relações interpessoais, o Estudante B disse haver espaço para o diálogo e para negociações sobre como essas relações têm sido tratadas:

 

Em relação à convivência, pelo menos na minha sala, comparando a rede estadual, aqui a gente tem mais liberdade também de falar com o professor. Quando a maneira que ele está dando aula não está agradando, não está ensinando, a gente se reúne e conversa com o professor, ele conversa com a gente e acaba mudando. A gente faz uma troca, ele pede que alguma coisa melhore entre a gente e nós, de uma maneira especial, mudamos também, e isso acaba melhorando nossas relações em relação à aprendizagem do grupo (Estudante B).

 

            Ainda sobre a relação professor-aluno, o Estudante C destaca haver motivação, diálogo e dinamismo que favorecem a aprendizagem, mas que as relações variam de acordo com o professor e o método que ele utiliza “porque cada um tem o seu método diferente. Mas comparando com os professores que eu tive antigamente, aqui no IFRO, eles usam métodos muitas vezes melhores, empolgam os alunos, assim, com as matérias de verdade”.

            A função da educação é cumprida de acordo com o desenvolvimento das práticas pedagógicas, que variam de um professor para outro, isso pode ser notado tanto na visão docente como discente. Sobre esse assunto, Libâneo (2008) esclarece que a prática escolar tem condicionantes sociopolíticos que formam concepções distintas de homem e de sociedade, por isso, tem-se também diferentes pressupostos sobre o papel da escola, aprendizagem, relações professor-aluno e técnicas pedagógicas.

            Sobre a dinâmica mencionada pelo estudante, o autor anteriormente citado destaca que o professor é um animador que deve “descer” ao nível dos estudantes, adaptando-se às suas características e ao desenvolvimento específico de cada grupo, caminhando junto, fornecendo uma informação mais sistematizada, intervindo somente quando necessário.

 

Conclusões

 

            Nesse estudo registramos que a educação no Campus Porto Velho Calama se apresentou com dupla função: formar o trabalhador técnico para as demandas do mercado e o trabalhador intelectual ou pesquisador mais direcionado às posições de comando. E nessa dupla função se manifestaram as diferenças do papel social, do político, do pedagógico e do educacional. Uma vez que esses dois tipos de homens (o técnico e o intelectual) são, inicialmente, formados juntos (formação básica integrada à formação técnica), mas, na sequência do processo formativo, alguns poderão voltar-se a uma formação intelectual e outros interromper esse processo e ir às empresas e indústrias vender sua força de trabalho.

            Percebemos que no olhar dos estudantes predominou o entendimento de que a Instituição tem a função de formar para o mercado de trabalho. Já a visão dos professores se focou mais nas diretrizes, apontando, simultaneamente, a preocupação em formar o técnico e o cientista como função institucional. Houve uma divergência em relação ao cidadão que está sendo formado. Alguns acreditavam que não se estava formando nem o técnico para o mercado, nem a pessoa com os conhecimentos da cultura geral necessários à continuação dos estudos.

 

 

Referências

 

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FREINET, Célestin. Pedagogia do bom senso. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 22. ed. São Paulo: Loyola, 2008.

SANCHEZ, Liliane. Refletindo sobre o projeto de formação dos IFETs: entre os limites do instituído e as possibilidades instituintes. In: OTRANTO, Celia Regina; FAZOLO, Eliane; Gouvêa, Fernando (org.). Muito além do jardim: educação e formação nos mundos rurais. Seropédica, RJ: EDUR, 2012.

SARTI, Ingrid. A crítica à ideologia da educação capitalista: seus enfoques, seus impasses. In: ZICCARD, Alicia; SARTI, Ingrid. Educação, ideologia e estrutura ocupacional. Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1979, Mimeo.

SILVA, Lenildes Ribeiro da. Educação e emancipação: as contradições inerentes ao mundo contemporâneo. Linhas. Vol. 7, Nº 2 (2006). Disponível em: <http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/viewFile/1333/1142>. Acesso em: 08/01/2013.

SOUZA, Jessé (org.). A ralé brasileira – quem é e como vive. Belo Horizonte: Humanitas, 2009.

SOUZA, João Francisco. A Pedagogia da Revolução. São Paulo: Cortez, 1987.

 


Recebido em 20/11/2014.
Aceito em 10/12/2014.