Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 – janeiro/junho, 2015.
Carlos Miguel Teixeira Ott
José Ítalo Oliveira dos Santos
Josenaldo Santos Porto
Xênia de Castro Barbosa

Resumo: O texto visa a uma breve análise do perfil econômico de 300 famílias residentes nos bairros Baixa União, Triângulo e Balsa, em Porto Velho - bairros localizados às margens do rio Madeira e que foram atingidos pela enchente de 2014. Buscou-se, a partir de uma concepção materialista da História traçar o perfil econômico dessas famílias, por se entender que o fator econômico influi fortemente na capacidade de resiliência de pessoas vítimas de eventos socioambientais extremos, embora não seja o único capaz de contribuir para a retomada dos projetos de vida e a reconstrução dos ambientes de convívio familiar e social.

Palavras-chave: Enchente. Perfil econômico. Território urbano.

Abstract: The paper aims at a brief analysis of the economic profile of 300 families living in Baixa União, Triângulo and Balsa Districts, in Porto Velho - districts located on the banks of the Madeira River that were affected by the flood of 2014. We tried, through a materialistic conception of history, to trace the economic profile of these families, because it is understood that the economic factor strongly influences the resilience of victims of extreme social and environmental events, although it is not the only factor capable of contributing to the resumption of life projects and reconstruction of family and social scene.

 Keywords: Flood. Economic profile. Urban territory.

 

Introdução

 
            Esse ensaio é um recorte do estudo “Gestão Ambiental do Território Urbano: uma análise dos riscos e vulnerabilidades socioambientais dos bairros Baixa União, Triângulo e Balsa, em Porto Velho/RO”, desenvolvida no Programa Institucional de Pesquisa do IFRO – PIP/IFRO. O projeto faz parte de um projeto “guarda-chuva” denominado “Banzeiro: uma análise sistêmica da enchente do Rio Madeira de 2014 e seus efeitos socioeconômicos e ambientais em Porto Velho/RO”.

            O texto visa a uma breve análise do perfil econômico de 300 famílias residentes nos bairros Baixa União, Triângulo e Balsa, em Porto Velho - bairros localizados às margens do rio Madeira e que foram fortemente impactados pelo transbordamento desse rio, em 2014. Buscou-se, a partir de uma concepção materialista da História e do método do materialismo histórico e dialético traçar o perfil econômico dessas famílias, por se entender que o fator econômico influi fortemente na capacidade de resiliência de pessoas vítimas de eventos socioambientais extremos, embora não seja o único capaz de contribuir para a retomada de projetos, a reconstrução de moradias, naqueles ou em outros espaços, e a reconstrução de equipamentos urbanos danificados pela enchente.

            A escolha por uma concepção materialista da História e pelo método do materialismo histórico e dialético como ferramenta de análise se deu com base no entendimento de que, ao procedermos à produção social de nossa existência, nos colocamos em relações determinadas, necessárias, e independentes de nossa vontade, relações que

“correspondem a um dado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social” (MARX, 1989, p. 28).

             Do mesmo modo, a produção material do espaço se dá a partir das condições materiais disponíveis, essas compreendendo os recursos técnicos, a cultura e as relações de produção que definem a propriedade e os usos do solo.

            Com base no exposto, torna-se patente que: (1) Os bairros investigados nessa pesquisa, caracterizados como de colonização antiga (centenária), foram formados a partir de ocupação espontânea (não planejada), com exceção das adjacências do pátio da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, (2) Não houve ações efetivas por parte do poder público em regular a ocupação desses espaços, sujeitos a alagamento e desabamento de terra, (3) Esses bairros foram formados historicamente por famílias de trabalhadores, em geral funcionários da Ferrovia Madeira-Mamoré ou outros trabalhadores, cujos ofícios contribuíam, direta ou indiretamente, para a manutenção do empreendimento ferroviário, (4) A maioria desses trabalhadores era de condição social humilde e edificou suas residências próximas ao rio e ao pátio da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, porque aquele ambiente lhes proporcionava, simultaneamente, interação social, possibilidade de comércio, acesso a serviço médico-hospitalar (prestados pelo hospital da Candelária), além da exploração das benesses do Rio Madeira, que fornecia a principal fonte de proteína utilizada na época – o peixe, além da água para o consumo humano e irrigação de pequenas hortas. Destaca-se que o rio também se apresentava como o mais importante meio de transporte e conexão entre o mundo ribeirinho amazônico e o nascente mundo urbano de Porto Velho.

            Com o decorrer dos anos, a população desses bairros se diversificou, abrangendo tanto famílias descendentes desses primeiros povoadores, que se encontram há três ou mais gerações assentadas naqueles espaços, assim como migrantes recentes, das diversas classes sociais. É possível encontrar nesses bairros tanto residências precárias em becos onde não é possível o trânsito nem mesmo de caminhão coletor de lixo, até mansões, edificadas à margem do rio por escolha estética de uma parcela da elite econômica portovelhense.

            As características estruturais desses bairros levaram-lhes à classificação de “aglomerados subnormais”, que coexistem com residências de alto padrão evidenciando as disparidades econômicas entre as classes. A enchente do Rio Madeira de 2014, que acreditamos ocasionada por uma convergência de fatores de ordem climática e social, afetou indistintamente a ricos e pobres, evidenciando as falhas políticas e técnicas quanto ao uso, distribuição e ocupação do solo urbano em Porto Velho.

            O fenômeno trouxe à tona o problema do ordenamento territorial, da propriedade do solo, da falta de tratamento do lixo, da inexistência de sistemas de drenagem e de prevenção de enchentes, dentre outros, mobilizando entes privados e públicos no auxílio às vítimas dessa que foi a maior catástrofe enfrentada pela população de Porto Velho desde a criação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Impacto socioambiental dessa envergadura, apesar de “democrático” em sua extensão, resulta em respostas diferenciadas por parte dos sujeitos por ele afetados. Se os riscos parecem equivalentes a todos os grupos sociais, pelo menos em um primeiro olhar, a vulnerabilidade socioambiental e econômica desses grupos é variável, assim como sua capacidade de resiliência.

            Para dimensionar os riscos e vulnerabilidades foram entrevistados 300 moradores dos bairros em análise, sendo cem da Baixa União, cem do Triângulo e cem do bairro Balsa. A coleta de dados levantou informações variadas sobre risco e vulnerabilidade socioambiental, mas nesse texto daremos enfoque tão somente a seu perfil econômico.

            Do total de pessoas entrevistadas, 36 pessoas, ou seja, 12,00% da amostra afirmou receber mensalmente menos de um salário mínimo, 41,33% afirmou receber apenas um salário mínimo, 27,66% dos entrevistados afirmou possuir renda de um a dois salários mínimos, 0,66% disse perceber mensalmente o equivalente de cinco a oito salários mínimos e 1,00% da amostra afirmou possuir renda superior a oito salários mínimos.

            O conjunto foi representado por 147 pessoas do século masculino e 153 do sexo feminino, correspondendo, respectivamente a 49% e 51% da população entrevistada. No grupo do gênero feminino encontram-se tanto as pessoas com maior renda (acima de oito salários mínimos), quanto aquelas de maior fragilidade econômica (menos de um salário mínimo). Foi possível perceber também que, dentre as pessoas de menor renda econômica encontram-se mulheres jovens, entre 16 e 24 anos. A pesquisa não investigou a quantidade de filhos dessas mulheres, mas foi possível perceber que três delas estavam em estado gestacional avançado, das quais duas não estavam recebendo acompanhamento pré-natal, até o momento em que as contactamos e encaminhamos para a assistência social do município.

            A procedência Geográfica dos entrevistados revelou-se predominantemente urbana, com apenas 86 pessoas de procedência rural. Importante destacar que esse ambiente rural do qual essas pessoas se deslocaram até chegar a Porto Velho são, predominantemente, os ambientes ribeirinhos do Baixo Madeira e de antigos seringais da região de Humaitá.

            O nível de escolaridade dos entrevistados é considerado baixo: 62,33% (187 pessoas) possui apenas o Ensino Fundamental, sendo que desse percentual constam tanto os que possuem o Ensino Fundamental completo quanto o incompleto. O Tempo médio de permanência na escola vivenciado por aquelas pessoas foi de quatro anos. Apenas 34,66% dos entrevistados – o que equivale a 104 pessoas – tiveram acesso ao Ensino Médio e desse total 16 não estavam frequentando escola no momento da entrevista, devido a mudança para abrigos distantes das escolas onde estudavam e/ou porque a escola onde estudavam também sofreu alagação. Apenas nove, das 300 pessoas entrevistadas possui curso superior completo, estando essas situadas nas faixas que apresentaram os rendimentos econômicos mais elevados. Cabe destacar, contudo, que uma das pessoas que apresentou rendimento superior a oito salários mínimos possui o Ensino Médio incompleto, e justificou seu poder aquisitivo pelo fato de ter herdado propriedades de seu falecido esposo, que lhe deixou oito imóveis de aluguel. Curiosamente, essa pessoa estava servindo-se de um abrigo mantido pela Igreja Católica, como forma de ser vista pelo Estado e receber a indenização que considera justa. A entrevistada alegou também a importância de estar unida às demais pessoas que sofrem pelo mesmo problema, evidenciando que a luta pela reparação aos danos sofridos deve ser uma luta coletiva.

            O perfil dos atingidos pela enchente do Rio Madeira de 2014 é variável e engloba tantas pessoas de baixa renda, cujo valor preciso não foi possível estimar[1], mas sabe-se inferior ao valor do salário mínimo vigente no Brasil, quanto pessoas de classe média e média alta. A maioria, contudo, contudo, é de pessoas pobres, que pela difícil condição socioeconômica em que se encontram sentem de maneira atroz a violência causada pela enchente do Rio Madeira. Para essas pessoas, que perderam tudo, que perderam o pouco capital que possuíam, recomeçar se torna mais difícil, levando-as à dependência do assistencialismo estatal e da filantropia das organizações sociais.

            É preciso problematizar ainda o dado de que 41,33% da amostra afirmou possuir renda de um salário mínimo, o que pode ter se dado pela necessidade de informar uma renda aquém da que realmente se possui para não se ficar desassistido dos programas sociais, que atendem apenas aos mais carentes. Os fatores emocionais envolvidos no processo e as necessidades materiais imediatas desses trabalhadores, especialmente a de reconstruir suas habitações e assegurar o conforto da família, compensando os prejuízos sofridos deve ser considerado como possível fator de subquantificação da renda familiar.

            Quanto às informações sobre escolaridade e procedência geográfica, acredita-se estarem corretas, na medida em que se faz necessária sua comprovação documental para cadastros nos programas sociais, assim a expressão da identidade e referenciais geográficos se mostrou, nesse caso, menos problemática do que a revelação da renda familiar, embora se possa afirmar que a maioria das pessoas entrevistadas estavam abrigadas em escolas e igrejas por não possuírem outro imóvel ou não possuírem condições de pagar aluguel, naquelas circunstâncias.

            Considerou-se o perfil econômico das famílias entrevistadas um agravante da situação de vulnerabilidade que enfrentam, por não lhes possibilitar o acesso aos recursos necessários para a reconstrução da moradia. Mesmo com os subsídios governamentais, não se constatou alterações significativas nesse perfil. Foram pagos às famílias cadastradas e aprovadas pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (Seae) o auxílio aluguel, por seis meses, no valor de R$: 500,00 mensais e o Auxílio Vida Nova, no valor de R$ 1.000, pago em parcela única, para utilização conforme necessidade do beneficiário. Também foram efetuados cadastros para o projeto “Morada Nova”, do Governo do Estado de Rondônia, em parceria com o Programa do Governo Federal Minha Casa Minha Vida, mas ainda não houve beneficiados e nem é preciso dizer que os valores pagos às vítimas da cheia (Auxílio aluguel social e auxílio Vida Nova) são simbólicos e insuficientes em vista dos prejuízos sofridos e do alto valor do preço dos alugueis em Porto Velho.

 

Referências

 

PLEKHÂNOV, Guiorgui. A concepção materialista da História. São Paulo: Ed. Escriba, 1983.

MARX, Karl. Prefácio de Contribuição para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Mandacaru,1989.

 

 

Nota

[1] Não insistimos no detalhamento dessa informação por entendermos se tratar de assunto que pode causar constrangimento às pessoas que vivem aquela situação. Trabalhamos apenas com as informações que, voluntariamente, as pessoas quiseram dar a esse respeito.

Recebido em 20/11/2014.
Aceito em 10/12/2014.