Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 – janeiro/junho, 2015.



        

Resumo: Este artigo aborda a História enquanto discurso que se apaga enquanto criação discursiva, produzindo o passado enquanto realidade e como se não fosse um constructo de linguagem. Negando assim a própria historicidade, sua essência, torna-se o pensamento do imóvel, do imutável, da identidade, das despolitizações. É essa matriz metafísica que é explicitada aqui. Para isso se expõe sucintamente as operações que “produzem a História” e as consequências desse fazer.

Palavras-Chave: Teoria, Método, Escrita da História.

 

Abstract: This article discusses the history as a discourse that goes off while creating discursive, producing the past as reality and as if it was a construct of language. Thus denying the historicity itself, its essence, becomes the thought of the property, the unchanging, the identity of depoliticization. It is this matrix that metaphysics is explained here. For it succinctly exposes operations that "produce history" and the consequences of doing.

Key-Words: Theory, Method, Writing of History.

 

 

Introdução

 

            Na luta por uma “compreensão mais aguda da existência” os séculos iniciais da modernidade acreditaram que haviam separado a imaginação da razão, a “mitologia” da ciência, separar a crença e os métodos que estabelecem a certeza, a objetividade, o “realmente acontecido” daquilo que se acredita que aconteceu. Espinosa (1983), no centro da criação da história, inocenta a imaginação: “as imaginações da mente, consideradas em si mesmas, não contêm nenhum erro; ou seja, a mente não erra por imaginar” (Ética II, prop.17, esc.). O engano, não estando na imaginação, desliza para um saber que imaginamos sem atinar que não se trata de saber ou conhecimento, não se trata da razão, mas sim de um imaginar que não sabe nem pode saber que é apenas imaginação. A certeza da exclusão da imaginação, das crenças e das mitologias dos campos da razão e da ciência só fez se consolidar até se tornar, na “História de Segundo Grau”, a grande “História Estatal”, e na “opinião pública” um ponto pacífico, e a História jamais esteve fora desta questão ou desta autoilusão. Ao contrário, estando desde Vico (1993; Berlin, 1992; Burke, 1997b) mergulhada na certeza da razão contra a imaginação, no estabelecimento da realidade. A certeza do fundamento histórico, leito do “realmente acontecido”, a certeza da existência do tempo, do tempo ser histórico, certeza do passado e confiança no campo de saber historiográfico enquanto instância própria para pensar e refazer o “tempo morto”, os “feitos e vestígios”: a certeza da “história em si” de Hegel (1990), a estranha confiança metafísica no céu dos verdadeiros fatos, arquétipos a que toda interpretação deve se remeter, sempre foram, de uma maneira ou de outra, instâncias da certeza historiográfica.

            Nem o século XIX nem o século XX, realmente os consolidadores da História e do tempo enquanto dimensão histórica conseguiram escapar desse paradigma, dessa episteme periculosa (no fundo essencialmente anti-histórica) porque torna a História um saber transcendental, com uma espécie de má-fé e má consciência de que é apenas mais uma metafísica, discurso que não sabe que é ficcional, que jamais reconhece seu produto (o passado, o que povoa e adensa o imediato) como uma criação, discurso que mesmo depois de muita luta ainda não se moveu de suas confianças (Foucault, 1968; White, 1994, 1995). Essa é uma posição que torna a História mais um discurso do Estado, da mídia, do senso comum e material básico para os imaginários de sustentação de determinadas visões do real. Num malabarismo estranho, negando a própria historicidade, sua essência, torna-se o pensamento do imóvel, do imutável, da identidade, das despolitizações, quando deveria ser precisamente o contrário. É, em parte, essa matriz metafísica que pretendemos desenvolver aqui. Para isso exporemos sucintamente as operações que “produzem a História” e as consequências desse fazer.

 

Criação Historiográfica

 

            A criação historiográfica é espécie de instalação interpretativa de “materiais linguísticos” com “efeitos de realidade”, precisos “efeitos ideológicos” escondendo suportes jurídicos, policiais, institucionais que, por princípio, dizem as “estruturas sociais” e seus movimentos. Documentos em geral são sempre sistemas de linguagens: figuras, máscaras, peças, montagens, arquivos, astúcias, poderes e forças cristalizadas; interpretações, perspectivas, lócus, disfarces, máscaras, instituição: cicatrizes, chancelas, sinais, inscrições, regras impostas que formam redes, impõem significados, estabelecem acessos e proibições, naturalizam imagens: o historiador cria redes provindas de redes já organizadas: poder sobre poderes, saberes instaurando perspectivas que devem agir como-se fossem realidades: força contra forças, senhas e contrassenhas: documentos não são indícios de acontecimentos, vestígios do que aconteceu, mas campo já instalado por regras disciplinares, instalação de acontecimentos, de crenças e sistemas teóricos que devem agir enquanto sintomas vivos do passado, esse mega artifício que é a consequência, não o fundamento, da perspectiva historiográfica.

            A escrita, a escrita da História, muda retroativamente os conjuntos, os dados, as falas, os testemunhos, as perspectivas, os interesses; faz incidir – outras forças, outras esperanças, outras relações, outras miragens, outras configurações – os futuros do fato e as perspectivas, os inescapáveis do historiador, seu tempo, seu conhecimento, suas crenças, mudam retroativamente criando sempre outro fato, outra história, outro tempo, ficando de mesmo apenas a impressão-do-mesmo, redirecionando o passado, a identidade, os fluxos temporais, as políticas em ação, os imaginários, as ideologias.

            A História, pelo menos desde Hegel, é um dos principais eixos de apoio discursivo da ocidentalidade, sua maneira privilegiada de pensar o existente. É a geradora e mantenedora disciplinar dessa discursividade enquanto temporalidade e lógica de articulações: é o cão de guarda do tempo, isso que é do “Estado”. A deformação se dá exatamente naquilo que é formatador, nos fluxos criadores e mantenedores do real enquanto domínio “teórico” dos devires. A missão (função) da História não é desprezível nem sua marca invisível: seus poderes são muito maiores do que se imagina. Assim como a Literatura, ela age numa dimensão gerativa, essencial, atingindo os materiais constitutivos das atividades gerais, as lógicas das relações.

            A forma, os sentidos, as inter-relações de qualquer “campo fruto de pesquisa” historiográfico é imposição interpretativa e só se efetiva em confronto: entre conceitos, métodos, teorias, procedimentos, tipos de “olhar e faro”: imposição contra outros “campos” sejam teóricos, institucionais, metodológicos, políticos ou religiosos, conjugação de forças e posições não “estado de existência” independente do interprete-historiador. A história (construção historiográfica) não existe sem a História (campo de saber), o “fato” não existe antes de sua construção teórico-metodológica, de sua instauração por uma lógica, por uma perspectiva, por imposição disciplinar.

            A pesquisa, ao procurar estabelecer o “campo”, impõe e projeta sua narratividade, sua temporalidade, sua valoração e essa valoração é o “fato”. Os signos não se encontram nem estão entrelaçados in natura, muito menos uma “essência” ou uma “verdade” que estão esperando para serem descobertos. A “verdade” é sempre resultante provisória de uma “correlação de forças” (ficção esquecida que é ficção, interpretação, perspectiva, efeitos de realidade, discurso), de guerras, de contrastes, de uma metamorfose incessante enquanto conquista e imposição de sentido: luta pessoal, grupal, coletiva, luta de interpretações, por um lócus de verdade, um naco de potência interpretativa que resultará em poderes de vários tipos. Insaciabilidade de um lócus, sua lógica, suas próprias forças e razões a uma “matéria” que, tanto para ele quanto para seu “leitor”, parecerá ou deverá parecer e aparecer como independente dum trabalho teórico (tratamos do “real como ele é”, como “ele foi”), duma construção, o que não prejudica sua força política, sua materialidade, mas a pressupõe. É exatamente o “efeito de realidade” das construções teóricas que traduzem e possibilita sua utilidade, sua disposição política e plástica capaz de atingir o imediato como lócus de atuação, de mudança, de i-mobilização, de reação (a História enquanto campo disciplinar despolitizador). Se houvesse uma “natureza”, uma “sociedade”, um “homem” seria praticamente impossível qualquer tipo de “pesquisa genealógica”.

            Os discursos se formam sempre dentro e fora de determinados controles que é preciso apreender e surpreender em seu exercício, normalmente camuflado. Controles que estão em todo “sistema”: das instituições, dos documentos, do historiador, das teorias, dos métodos, da escrita, da própria tribo em sua essência: fantasmas não domados dos sistemas de crenças que formatam, formam, reproduzem e direcionam o sujeito como membro da ocidentalidade.

            Não impor “características genéricas” aceitáveis somente enquanto generalizações vindas de “fora”, formalmente articuladas a outras generalizações num círculo de autocomprovações. Uma coisa é a “matéria do campo” construída pela pesquisa, que nunca é uma “origem”, uma “matéria exata”, mas um não-lugar, um não-eu, mas o disparate insignificante, o absurdo, o equívoco, o paradoxo, que, depois da pesquisa, não conquistará nem chegará a uma verdade, ao definitivo, a uma “identidade primeira”, a um “solo fundamental”, mas a mais um estado de “caos” para outros num círculo de poder transitório; outra é aquele “campo imaginário” (a origem, a causa, o princípio, a paternidade, o fundamento, o que aconteceu, o acontecimento, o fato) que se confundirá com o resultado da pesquisa historiográfica, não por um “erro teórico-metodológico”, mas por uma consequência inescapável das estruturas conceituais, metodológicas e filosóficas da própria História: que não se sustenta sobre nenhuma “realidade autônoma” (sobre poderes), nenhum “absoluto”, mas sim sobre perspectivas e interpretações, “escritas”, onde as forças se ex-põem em guerra, re-velando jogos de dominação (sempre com regras que é preciso compreender) onde o historiador será aquele que atinge com violência a violência do disparate que é o “campo” antes da pesquisa (rede inerte de interpretações que será posta em movimento pelo historiador, rede que passará a existir apenas depois de ser configura enquanto rede significativa). O historiador é, antes de tudo, aquele que subverte interpretações e posições anteriores criando sua própria posição, que chamará de “fato”, de “verdade histórica”, de “realidade histórica”, daí porque seu produto é parte do espólio do Estado, daqueles materiais e lógicas de suporte de um mundo estranhamente imóvel, racional, sem sombras, naturalizado e universalizado para o bem daquilo que rapta o sentido da sua forma de existência.

            Não há um “encadeamento de fatos” e a eclosão de um “fato” por “acúmulo evolutivo”, “amadurecimento histórico-social”, “ação dos sujeitos”, “clivagem econômica”, mas devires, fluxos de forças em constante formatação por presença sempre triangulada, presença social: cabe ao historiador pôr em andamento o que estava imóvel, morto, cristalizado enquanto “sistema documental”, signos entre signos, signos já organizados, já dispostos a fazerem parte de uma grade disciplinar, não enquanto “realidade” (antes ou depois): nada aconteceu antes, tudo acontece agora no texto historiográfico e naquilo que ele atingir no mundo. Os “sistemas documentais” não representam nada, não reproduzem nada antes da cozinha e da oficina do historiador onde são criadas certas perspectivas do próprio “presente”, o “tempo” sendo sempre singular, único, estranho e exclusivo, jamais servindo como “elemento numa série”: o historiador atinge “o devir” com as forças e poderes do seu lócus. Tempo é um nome para as redes vivenciais, corporais, trianguladas entre corpos “sociais” e não uma matéria que corre, algo fora dos movimentos grupais e singulares, exterioridade as atividades constitutivas.

            Ao “construir o campo” é preciso saber esquadrinhar “marcas diferenciais”; repertoriar desvios, lacunas, irregularidades, perturbações, ritmos e acidentes; distinguindo e marcando heterogeneidades, regularidades, dimensões, classificações, interferências: mas antes de tudo é preciso saber que esquadrinhar, repertoriar, apontar, marcar, distinguir diz respeito a ações criativas, interpretativas, valorações que ampliam, reduzem, suprimem, falsificam, revertem, corrigem, inventam, dramatizam, montam, aparecendo como geradoras de realidades discursivas, não ações que encontraram algo que organizaram uma existência prévia, um sistema pré-existente: sem a cimentação do “campo” numa realidade plena, acontecida, não podemos falar de “realidade”, o que existiria autonomamente, independente das ações interpretativas, da presença do historiador munido do seu campo disciplinar, das regras que produzem realidade. A sensação e certeza do “já acontecido” são não apenas um truísmo da teoria, mas uma ingenuidade geral, uma hipóstase daquilo que nós mesmos produzimos. Esse truísmo, essa ingenuidade, essa hipóstase é precisamente aquilo que é transmitido, ensinado e pensado com o nome de “realidade histórica”, “passado”, enfraquecendo essencialmente o trabalho historiador: acreditar no passado prejudica e abastarda a História.

            Conhecer condições e circunstâncias, forças de onde e quando as atividades surgem, se organizam, se tornam força, singularidade, como se relacionam, se deslocam, como produziram outras atividades, como se tornaram fatos (o q se acredita “acontecido”), como se tornaram significantes. Tudo isso sem perder o sentido de teoria, de se haver com materiais conceituais, narrativos, não a “própria realidade”, o legitimamente acontecido, num deslocamento do “subjetivo” ao “objetivo mesmo”. O historiador precisa retomar, talvez porque nunca tenha tomado, consciência da sua atividade criadora, não reprodutora e repetidora. E mesmo sabendo dessa ideia resta sempre uma margem de reivindicação de relator do acontecido, servindo perfeitamente para um ensino da História e da história que é cruelmente naturalista e universalizadora sem saber, operações estas que tornam imóvel “os campos da História”.

            A singularidade das emergências, pontos de surgimento que se produzem em determinados estados de forças como um afrontamento entre forças: o lócus privilegiado do historiador: o “campo imaginário” - é o que nos interessa. Esse “campo” não pode ser explicado por “antecedentes” ou pretensos fins, o que seria criar materialidades anteriores e posteriores como “causas” e “efeitos”, o que faz se deixar de ver o historiador como aquele que formata e instaura o “campo” como estado das forças, sendo, ele mesmo, uma das forças principais, aquela que impõe sua perspectiva num campo de saber que é pura imposição de “substância” e “perspectiva”. E temos assim o historiador como uma força que cria funções enquanto dispositivos ideológicos, dispositivos lógicos que retornam ao campo geral das forças enquanto uma força agora repolitizada com símbolo negativo: os fluxos, o caos, os indeterminados agora são feixes precisos e forças despolitizadas

            Os acidentes, os desvios, as heterogeneidades, as multiplicidades, os diversos poderes em atuação, as forças em questão, quem se apoderou e quem se apodera do “sistema de regras”, os “tipos” em luta, as divergências, os conflitos, as mediações, os momentos instáveis e estáveis, a entrada em cena de cada um dos conflitos: compreender que o “campo” é criado não resolvendo nem eliminando os conflitos, mas entendendo que o “campo” é esse disperso de forças que se impõe ou se dispõe através do historiador enquanto agente disciplinador, enquanto produto disciplinar. Em cada novo “estado de forças” o “autor”, os “autores” são acrescentados à ação, se tornam a ação, como-se autoria fosse uma força autônoma.

            O “quem pronunciou?”, o “quem é o responsável” (pela construção, manutenção, difusão, naturalização dos discursos do “campo”)? deve ser entendido como a compreensão de forças em atuação, não como sujeitos, eus, personagens, figuras. O que define os elementos do “campo” estabelece “a verdade e a realidade do campo”, o que aquilo “é”, para que aquilo serve, que forças utilizam tal “campo”: nada é inocente. O historiador não deve se eximir de diagnosticar se as forças postas por ele em ação, e ele mesmo, contribuem para a expansão ou para a degenerescência das perspectivas em ação, se sua própria atividade e construção é periculosa ou não, qual a direção dos valores: que visão de mundo é esta? A quem serve essa mega despolitização de valores?

            Interpretar, no fundo e fora da perspectiva metafísica da origem (tudo está dentro das loucuras da tribo, faz parte dos seus rituais, suas crenças: vivo enquanto imaginário temporal), é o papel do historiador: conquistar e se apossar dos “sistemas de regras” (em essência insignificantes) impondo um sentido, um outro sentido, outro jogo com novas regras, criar o “campo” com seus tradicionais “efeitos de realidade”, principalmente porque a História não consegue “fazer outro jogo”: ela é um dos suportes fundamentais da ocidentalidade (nossa tribo, nossa “máquina tribal”) sem a atividade plena dos eixos da cristandade: sua re-significação é sempre uma “invenção” (o que não tem origem, mas redes de força e poder em configurações) que teima em aparecer como “descoberta”: o que existiria antes da pesquisa, da interpretação: nossa busca é por uma reflexão “contra a coerção de um discurso teórico, unitário, formal e científico”.

 

História e Realidade

 

            A história, criação da História, série escrita, imaginário, mentalidade, construção de valores, imposição de perspectivas, é relação de forças, relação de poder: não é nem poderia jamais ser contínua, fixa, linear ou algo em “constante transformação”, como se “existisse de fato”, fosse algo “externo”, uma espécie de em-si kantiano que fluísse ou o em-si da história de Hegel, que se modificasse pela “ação dos homens”. Por isso, a história não pode ser nem descontínua como se tivéssemos tratando de um “processo separado”, de um “objeto”. Seu não-linear, suas rupturas, que são a “luta entre forças” de interpretação [uma luta por posição, luta ideológica, política, jamais uma luta-aí-no-mundo: antagonismos discursivos que se tornam antagonismos do em-si, do mundo, da sociedade] que estão sempre se impondo e reimpondo enquanto realidade e interpretações verdadeiras e reais (o poder do que nos parece real, verdadeiro, racional). O “contexto histórico” (também texto, criação historiográfica) não é mais do que a resultante que domina o imaginário enquanto realidade (sempre um aqui-agora complexo). A história não possui uma natureza, uma essência, uma origem, uma unidade, um objeto, nem é uma realidade (mas uma grade imaginária, conceitos e imagens, perspectivas dispostas para suas funções políticas), não aquela imaginariamente independente das nossas ações, mas independente da escritura da História. Ao contrário, a história é heterogeneidade, multiplicidade, perspectivas em luta, imaginário de forças ensandecidas pensando que “aconteceu” (daí poderem impor sua perspectiva sempre parcial enquanto “a realidade”) e em inconstante transmutação, escritas que deliram que são o próprio real, discursos pilares da temporalidade: a história é, antes de tudo, “conceito” envergonhado.

            Mas se a História não fosse esse imaginário reificado, hipostasiado, essa criação conceitual que se torna “força social e política”, não teria sido produzida. É essa a “grande razão” dessa História: ser um dos “suportes ideológicos” das forças disciplinares, das formações e formatações de tudo aquilo que podemos chamar de “trabalhadores”, “população”, “humanidade”, as massas vivas de uma biopolítica. Essa História é a corporificação de um tipo de lógica que foi se tornando visível no século XVII e nos séculos seguintes conquistou não apenas requinte, mas poder político sem precedentes laicos, se apresentado como a História.

            A história enquanto invenção, escrita, imaginário (jamais “sistema de signos” diante do real como exige o senso comum), é construção de relações e condições de todo tipo, redes vivas de poder e contra poder. Sua emergência e sua proveniência não é um caso de realidade a não ser em segunda instância, quando entra nas “correntes sanguíneas” dos indivíduos, dos grupos, das instituições, das práticas sociais, das transmissões de saber enquanto relações de poder: o fundo da História é uma moral e todo historiador um moralista.

            A compreensão da “Ciência da História” e da sua criação, a história e o tempo histórico, por grande parte dos professores de História e da mídia, se dão como se a história tratasse de uma realidade realmente acontecida, tendo como fundamento crenças que não fazem parte da História, mas que foram sendo incorporadas ao fazer, ensinar e pensar historiador.

            Representação com específicos “efeitos de realidade”, oculta, precisamente por isso, que há um conhecer as coisas por palavras, imagens, conceitos, descrevendo, narrando, verbalizando, substantivando e predicando sempre nos círculos dos campos de saber, nas ordens dos métodos, dos estilos, das crenças. A ingênua pretensão de dizer o “existente como ele é”, expor o passado “realmente como foi”, a patética e messiânica pretensão da linguagem replicar o existente da mesma maneira como se põe a “palavra de deus”, que diz o que é, o que foi, o que será, termina minando as racionalidades de suporte do próprio campo de saber, e essa tola mediania é mortal para a História porque despolitiza, despotencializando a compreensão, tornando ela, precisa e ironicamente, anti-histórica.

 

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Recebido em 11/09/2014.

Aceito em 13/110/2014.