Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 – janeiro/junho, 2015.


Como as instituições de microcrédito promovem a autonomia das mulheres em Moçambique. Estudo de caso da Tchuma, cooperativa de crédito e poupança (Parte II)


Catarina Casimiro Trindade

 


 

Resumo: Como se organizam mulheres que possuem pequenos negócios nos mercados da cidade de Maputo e que recorrem a instituições de microcrédito? Os seus negócios e família beneficiam do empréstimo que as mulheres recebem das institumicroições financeiras? Poderão estas promover a autonomia financeira das mulheres? Partindo da constatação de que são as mulheres as que mais procuram instituições micro financeiras e as que têm maior taxa de sucesso, a pesquisa partiu do estudo de caso de uma instituição de microcrédito existente na cidade de Maputo, Tchuma, Cooperativa de Crédito e Poupança, e das suas clientes comerciantes, para procurar dar resposta às questões levantadas. Orientadora: Profa. Dra. Virgínia Ferreira. Instituição de ensino: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Curso: licenciatura em Sociologia. No volume anterior (ANO 16 Vol. 2 - 2014 - Julho/Dezembro) foi publicado o primeiro capítulo. Nesse momento, publicamos a segunda parte que corresponde aos segundo e terceiro capítulo da pesquisa.

Palavras-chave: microcrédito; autonomia; mulheres; economia informal.

 

 

Operacionalização do estudo

 

Hipóteses de trabalho

 

            As hipóteses apresentadas foram construídas com a finalidade de dar resposta à pergunta de partida. São elas:

1.                           O apoio que as instituições micro-financeiras prestam às mulheres permite-lhes desenvolver as suas capacidades para um determinado negócio, transformando-os em actividades produtivas, com a finalidade de conseguirem pagar as suas dívidas, podendo, assim, aumentar a sua renda.

 

            Assim, as mulheres tornam-se capazes de cuidar de si e das suas famílias, através do seu próprio trabalho.

 

2.                                          As instituições de micro-crédito, embora garantam o acesso ao crédito a muitas mulheres, levam a que estas se tornem cada vez mais dependentes do crédito, impedindo-as de se tornarem plenamente autónomas do ponto de vista financeiro.

 

 

            Devido à instabilidade do sector financeiro, as mulheres precisarão sempre de recorrer ao micro-crédito para suprir as dificuldades financeiras que enfrentam por não conseguirem vender o suficiente para gerar renda. Desta maneira, o acesso ao crédito torna-se um círculo vicioso, pois as mulheres precisam de dinheiro para comprar produtos, mas se não os vendem nas quantidades necessárias para gerar renda têm que recorrer novamente ao crédito, o que as impossibilita de se tornarem autónomas.

 

Construção/Operacionalização de conceitos

 

            Ao olhar para a pergunta de partida, um conceito salta logo à vista. Esse conceito é o de autonomia. Pois se a minha questão central é tentar perceber se as instituições de micro-crédito promovem ou não a autonomia das mulheres, fica claro que este conceito é central ao desenvolvimento do estudo.

            O conceito de autonomia possui múltiplas dimensões, sendo cada uma indispensável para que cada mulher alcance o controle sobre a sua vida. A autonomia física diz respeito à autodefinição da reprodução e da sexualidade; a autonomia política está relacionada com o direito de opinião, de organização e de participação; a autonomia sociocultural refere-se a aspectos de identidade e auto-estima.

            Mas existe uma dimensão do conceito de autonomia que, no meu entender, é o mais importante e o que merece maior atenção. Estou a falar da dimensão financeira, que está intimamente ligada ao acesso e controle dos meios de produção e dos recursos, ou seja, das condições económicas que assegurem o bem-estar para a mulher e para a sua família. Este é o principal objectivo deste trabalho: tentar perceber se, através das instituições de micro-crédito - que proporcionam às mulheres o acesso ao crédito necessário à melhoria do seu negócio - as mulheres se tornam (ou não) financeiramente autónomas, ou seja, se são ou não capazes de gerir, elas próprias, o seu negócio e aumentá-lo, conseguindo assim lucro suficiente para quitarem as suas dívidas e viverem decentemente. E como saber se uma mulher é ou não financeiramente autónoma? Existem vários indicadores que nos podem mostrar, tais como a possibilidade de pagar, no prazo certo, o empréstimo; poder comprar comida para alimentar os filhos e o resto da família, fazer o rancho mensal e ter dinheiro para a saúde; a possibilidade de mandar os filhos à escola; ter como pagar os transportes públicos; pagar as despesas da casa e fazer melhoramentos na habitação; fazer melhorias no local do negócio ou poder comprar mais produtos para vender e ter dinheiro para consumo próprio. É certo que estes indicadores, que mostram uma melhoria no nível de vida das mulheres, só são possíveis se houver lucro suficiente no negócio.

            Outra questão importante no que respeita à autonomia financeira e que tem que ser bem compreendida durante a fase das entrevistas é a de as mulheres, durante e após o processo de empréstimo, conseguirem (ou não) tornar-se auto-suficientes relativamente ao negócio. Isto quer dizer, conseguirem ter autonomia para continuar o seu negócio sem a ajuda dos empréstimos constantes, mas sim dos seus lucros. Ou, se por outro lado, isto dificilmente acontece, fazendo com que as mulheres tenham que recorrer constantemente aos empréstimos para poderem tocar os negócios em frente, evitando que assim estes vão abaixo.

 

 

Estratégia de recolha de informação

 

 

            A informação inicial foi conseguida através da recolha e análise bibliográfica. A informação recolhida no decorrer do trabalho de campo foi conseguida através de entrevistas semi-estruturadas às mulheres clientes da Cooperativa de Crédito e Poupança Tchuma, análises de conteúdo das próprias entrevistas e observação não-participante, efectuada durante o período em que me encontrei a fazer as entrevistas numa das agências da Tchuma, onde passei várias manhãs, umas a entrevistar várias mulheres e outras a ter conversas informais com os gestores de clientes (quando estes lá se encontravam) e a tirar notas de tudo que se passava à minha volta, o que faziam os funcionários, o que conversavam entre si, quem entrava e saía da agência, o que as pessoas lá iam fazer, entre outras actividades. Explicarei, de seguida, como decorreu o trabalho de campo, passo a passo e com maiores detalhes.

 

 

O trabalho de campo

 

 

            A realização do trabalho de campo foi feita em duas fases, na cidade de Maputo. A primeira foi de 23 de Maio a 14 de Julho de 2006 e a segunda de 8 a 21 de Fevereiro de 2007.

 


 

 Fig.1 Mercado do T3, em frente à agência do Infulene, onde trabalha a maior parte das mulheres entrevistadas

 

 

Primeira fase do trabalho de campo

 

 

            Confesso que, quando cheguei a Maputo, não fazia a mínima ideia de como começar a recolher informação. O primeiro passo foi tentar encontrar uma agência onde pudesse fazer o estudo de caso, tarefa nada fácil. Não conhecia ninguém que me pudesse pôr em contacto com as instituições e sozinha também não fui a lado nenhum. Só depois de bastante tempo e de várias tentativas é que, através de um conhecido, entrei em contacto com a Tchuma.

            O primeiro encontro não correu muito bem, pois a senhora com quem deveria encontrar-me não me recebeu. Só depois de contactar a directora adjunta da Tchuma é que o meu trabalho realmente começou.

            Depois do encontro, onde expliquei em que consistia o meu trabalho e o que iria fazer na instituição, ficou combinado que iria trabalhar na agência do Infulene, por ser a mais calma, o que facilitaria o trabalho. Combinou-se também um encontro na agência, para ficar a conhecer tudo antes de começar as entrevistas.

            Após a visita à agência, onde fiquei a conhecer as instalações, fui apresentada aos trabalhadores e tive uma pequena entrevista com o chefe sobre o seu funcionamento, em que se decidiu que o melhor seria fazer as entrevistas na própria agência, numa das salas, à medida que fossem chegando as clientes. Ficou assim decidido por ser mais fácil, uma vez que combinar encontros com as mulheres é muito difícil por causa do seu trabalho.

 

Análise da primeira fase do trabalho de campo

 

 

            Depois de voltar a Portugal, iniciei a transcrição das entrevistas e a análise das mesmas. Foi durante esta parte do trabalho que me dei conta de que não tinha informação suficiente para continuar com o trabalho. Penso que a minha falta de experiência na altura dificultou a recolha da informação. Não soube conduzir bem as entrevistas nem tirar toda a informação que precisava. Também não fiz certo tipo de perguntas que, mais tarde, ao analisar as entrevistas, verifiquei que eram bastante importantes. A única solução era voltar a Maputo e tentar entrevistar de novo as mesmas mulheres.

            Falei então com a directora adjunta da Tchuma, que não se opôs de maneira nenhuma a que eu voltasse a fazer as entrevistas na agência do Infulene.

            Assim, depois de rever todo o projecto, ler e detectar os erros cometidos durante as primeiras entrevistas e corrigir o guião, acrescentando-lhe algumas questões, voltei para Maputo para dar continuidade ao meu trabalho de campo.

 


 

Fig.2 Mercado do T3, no Infulene 

 

Segunda fase do trabalho de campo

 

 

            Esta fase do trabalho foi muito mais fácil para mim, visto já ter um à vontade na agência e conhecer bem as pessoas que lá trabalhavam. Depois de um pequeno encontro com a directora adjunta da Tchuma, fiquei a saber que o chefe da agência tinha mudado e que os gestores estavam também em fase de transição. Contou-me que costumam fazer uma rotação do pessoal pelas agências, de tempos a tempos. A única pessoa que ainda estava na agência era uma das gestoras que conheci na primeira fase.

            Fui à agência antes de começar o trabalho para combinar com uma das senhoras que lá trabalham como iam ser as entrevistas. Fiquei contente por saber que os gestores estariam muito ocupados e que ficaria mais ou menos por minha conta. Contente porque, assim, podia explorar melhor as coisas, ir ao mercado sozinha e procurar as clientes. Por um lado foi mais complicado, porque não tinha ninguém que me anunciasse. Mas por outro, algumas das senhoras já me conheciam e levaram-me a outras. Na agência, o método continuou o mesmo: faria as entrevistas à medida que fossem chegando mulheres à agência.

            O trabalho durou cerca de 10 dias, nos quais consegui fazer 14 entrevistas. Foram menos entrevistas do que as da primeira fase, mas muito melhores em termos da informação recolhida.

 

Análise da segunda fase do trabalho de campo

 

 

            Esta foi, sem dúvida, a melhor fase do meu trabalho. Com a experiência ganha anteriormente, consegui recolher mais e melhor informação para os objectivos a que me propus no início do trabalho. Apesar de não ter tido tanto tempo como na primeira fase, consegui fazer tudo. Podia ter feito mais entrevistas, mas acho que, para o que preciso, estas entrevistas são suficientes.

            Percebo agora melhor como vivem estas mulheres e como é o seu trabalho, as suas preocupações e sonhos de futuro. Depois de transcrever todas as entrevistas, analisei-as, fazendo um quadro com toda a informação obtida, pergunta a pergunta.

 

Dificuldades encontradas durante o trabalho de campo

 

 

            No início do trabalho, o mais difícil foi encontrar uma organização de micro-crédito com a qual pudesse trabalhar. Depois de várias tentativas fracassadas, consegui chegar à directora adjunta da TCHUMA através de um conhecido que me colocou em contacto com ela. Já durante o trabalho de campo, penso que o mais difícil para mim foi ganhar a confiança das mulheres a quem entrevistei. Por ser branca e jovem, aparentemente sem experiência, as mulheres desconfiam logo. Não gostam muito de falar sobre o seu negócio, sobre assuntos que envolvam dinheiro, porque as pessoas têm muito receio que façam levantamentos para lhes “roubarem” os bens. Este é, aliás, um problema que se encontra muitas vezes durante o trabalho de campo em Moçambique.

            O facto de ter que fazer as entrevistas com um gravador também não facilitou as coisas. Foi preciso muita conversa e explicações para as senhoras aceitarem a presença do gravador. Muitas pensavam que eu era uma jornalista e que a entrevista iria estar num jornal, para toda a gente ver. Por isso também insisti para que as entrevistas fossem anónimas.

            Também foi difícil falar de certos temas. Por mais perguntas que fizesse, as entrevistas nunca duraram mais que 20 minutos. Em certo tipo de perguntas, mais relacionadas com o marido da entrevistada, elas não se estendiam muito, sorriam mas não falavam. Tive que ser eu a puxar por elas, a fazer mais perguntas indirectas, para assim chegar ao meu objectivo. Também tive que fazer um esforço para que disessem mais que um “sim” ou “não”.

            O problema da língua também se fez sentir em algumas entrevistas. Apesar de a maior parte das entrevistadas falar português, por vezes não entendiam o que eu dizia e tinha que repetir várias vezes. O contrário também aconteceu, ou seja, também eu não percebi várias das palavras que as senhoras disseram. Nada de muito relevante, apenas algumas expressões sem muita importância ou nomes de lugares. Somente uma vez aconteceu de eu não poder levar adiante a entrevista por a senhora não falar quase nada de português. Como não encontrei ninguém que me ajudasse com a tradução, tive que desistir de entrevistar a senhora.

            O local das entrevistas também não foi o ideal. As entrevistas feitas na agência, durante a primeira fase, foram realizadas na sala de reuniões, que não estava sempre vazia. Ora, foi um pouco complicado entrevistar as senhoras com os gestores sempre de volta, a entrar e a sair e a falar entre si, sem qualquer cuidado para com a entrevista que estava a ser feita. Durante a segunda fase as entrevistas foram feitas na copa da agência, um local bem mais calmo, mas que de vez em quando era perturbado pela passagem de alguém, ou para a casa-de-banho ou para buscar algo na copa.

            Já no mercado, apesar de ter sido bom poder ver onde as senhoras trabalhavam e como era o local, as entrevistas também foram constantemente interrompidas ou por pessoas a passar ou por clientes que perguntavam algo. Não foi nada que perturbasse gravemente o desenvolver das entrevistas, mas muitas vezes quebrou o ritmo e alguns temas que estavam a ser desenvolvidos foram interrompidos e jã não foi possível voltar a eles.

            Na segunda fase, uma das coisas que muito me desagradou, principalmente ao transcrever as entrevistas, foi o barulho ensurdecedor vindo de uma barraca ao lado da agência, que todos os dias nos inundava de música.

            Por último, a questão da distância. Apesar de ter tido sempre quem me levasse e trouxesse do bairro do Infulene, onde se encontra a agência, a verdade é que este fica a cerca de 30 minutos de Maputo. Para poder estar na agência todos os dias bem cedo, tinha que acordar mais cedo ainda e enfrentar uma viagem que, muitas vezes, era atrasada pelo trânsito infernal que se verifica a essa hora do dia.

 

Caracterização da Tchuma, Cooperativa de Crédito e Poupança

 

 

            Os principais fundadores da TCHUMA são a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) e a Sociedade de Controlo e Gestão das participações Financeiras (SCI), cada um detendo 49,9% do capital social.

 

O seu surgimento

 

 

            A Tchuma foi iniciativa do então presidente do BCI[1], Magid Osman. Ao mesmo tempo em que criava o banco, queria estabelecer uma outra instituição para as camadas menos favorecidas. Para tal, juntou-se à FDC. Assim, os accionistas fundadores da Tchuma são a SCI, que é a holding e também accionista do BCI e a FDC. No início, a Tchuma era um projecto pequeno, sem muita viabilidade e sem existência legal. Quem abria as contas bancárias era a SCI e estas ficavam em nome dos principais directores. Tornou-se assim, uma cooperativa, pois na altura era umas das únicas opções. Não foi a opção ideal para a Tchuma o facto desta ter começado como uma cooperativa, pois cada cliente tem que ser atendido como um membro, o que se traduz em mais burocracias para as pessoas e também pelo facto de cada accionista ter um voto, seja ele um banco de fora que investiu uma grande soma ou um cliente que benificiou de um crédito há 5 anos e já não precisa dele. Assim, em termos de investimentos, isso não funciona, facto pelo qual está a pensar-se mudar a situação, fazendo da Tchuma um banco.

            O mais difícil em termos de origem da Tchuma é o facto de não ter uma organização por trás, que garanta o seu funcionamento. Se, por um lado, torna-se complicado depender de um financiamento, que nem sempre vem na altura certa ou da maneira desejada, por outro dá uma independência que as outras organizações não têm.

 

Missão da Tchuma

 

 

 

            A sua missão é a de, através dos serviços financeiros prestados à população menos favorecida lutar, com ela, pela cada vez maior dignidade humana e valorização social e pela melhoria das condições de vida das suas famílias, o que resultará na melhoria da vida social do país em geral.

 

Objectivos da Tchuma

 

 

            De maneira geral, a Tchuma tem como objectivos oferecer serviços microfinanceiros e outras actividades bancárias permitidas por legislação em vigor no país. Especificamente, os objectivos são:

·                                                                    a concessão de micro-créditos aos empresários moçambicanos emergentes, em particular as mulheres;

·                                                                    a mobilização de poupanças dos seus sócios e a sua orientação para a promoção do empresariado nacional;

·                                                                    a mobilização de apoio externo, em particular de instituições bilaterais e multilaterais interessadas no desenvolvimento do sector privado nacional;

·                                                                    o apoio ao desenvolvimento de projectos de pequena e média dimensão realizados por organizações a nível da base;

·                                                                     a concessão de empréstimos e outras operações activas de crédito a curto, médio e longo prazo que sejam permitidas por lei.

 

            De forma estratégica, a Tchuma pretende ser a melhor instituição microfinanceira do país através do desenvolvimento de uma relação de parceria com os seus clientes, serviços qualitativamente aprovados e uma maior abrangência à escala macional.

 

Organização interna e gestão

 

 

A Tchuma tem uma estrutura orgânica formada por:

·                                                        Assembleia Geral

·                                                        Conselho de Administração

·                                                        Comissão Executiva

·                                                        Conselho Fiscal

 

 

            A sua gestão diária é assegurada por uma equipa de directores e gestores seniores, dirigida por um administrador delegado, que ocupa também funções de director executivo.

 

Funcionários

 

 

 

            Trabalham na Tchuma cerca de 103 funcionários, dos quais cerca de 70 é pessoal técnico e o restante administrativo. Mais de 50% são mulheres. Não sendo relevante descrever aqui as funções de todos os funcionários, falarei somente dos gestores de clientes. Estes têm como função principal gerir os clientes, ou seja, cada gestor tem uma carteira de clientes, normalmente distribuída por zonas, da qual tem que fazer a gestão. O seu trabalho consiste em fazer o acompanhamento do negócio do cliente, fazer visitas regulares ao local de trabalho, fazer a promoção dos serviços da Tchuma, controlar as datas de pagamento dos empréstimos e assegurar que estes são pagos em dia. Possuem relatórios bastante detalhados sobre cada cliente, qual a sua situação exacta. Estão a maior parte do tempo fora da agência, a visitar clientes, fazer avaliações ou a promover a cooperativa. Aconselham, aos clientes que têm crédito, a abrir também uma conta poupança, para facilitar o pagamento das prestações. Têm, normalmente, uma relação de confiança e proximidade com cada cliente, o que facilita a resolução de qualquer tipo de problemas que estes possam vir a ter. Este facto confirma-se pois, sempre que um gestor está doente e tem que ser substituído por um polivalente, os clientes preferem esperar que este volte ao trabalho a serem atendidos por uma pessoa “estranha”, que não conhecem e em quem não confiam.

 

Produtos oferecidos

 

 

A Tchuma possui os seguintes produtos:

·                                                        Créditos

a)                                          Para actividades económicas

 

            São créditos de valores que variam entre 500,00[2] e 60,000.00 MT, que são oferecidos a pessoam que já desenvolvem um negócio com uma experiência mínima de 6 meses. O prazo do empréstimo varia entre 1 e 12 meses. A taxa de juro, única, é de 5% por mês. As prestações são mensais. Existem duas modalidades de empréstimos, os empréstimos em grupos solidários (não exigem garantias reais) e os empréstimos individuais (exigem garantias constituídas por bens domésticos).

 

b)                                         Para o consumo

 

            Este produto, destinado aos empregados do Estado, em particular professores e funcionários da Educação, oferece um valor máximo de 100.000,00 MTS em prazos que vão até 24 meses e taxas de juro que variam entre os 3 e os 3,5%.

 

·                                                        Poupanças

 

 

            É um produto recente na instituição. A Tchuma oferece uma conta de depósito à ordem.

 

            Clientes e agências

 

 

            Tendo começado com uma só agência, em Agosto de 2005 a Tchuma tinha já cerca de 13,403 clientes repartidos por 6 agências na cidade de Maputo, Matola (província de Maputo) e Xai-Xai (província de Gaza) e 3 satélites, 1 em Marracuene (servindo também a Manhiça, ambas na província de Maputo) e 1 em Boane (província de Maputo).

            Contando com cerca de 842 clientes no seu início, em 2005 possuia cerca de 8,930 clientes de negócio e consumo e cerca de 4,473 de poupanças. Tem-se verificado, assim, uma evolução positiva da actividade e dos resultados que vão sendo alcançados pela Tchuma.

            Não existe ainda uma ligação on-line entre as agências, mas todas elas comunicam entre si. No fim de cada dia de trabalho, cada agência faz o fecho do dia e envia tudo por e-mail ao centro, onde os dados são validados, voltando depois a serem enviados para as agências, para serem reintegrados. Dependendo da utilidade, existem relatórios diários, semanais ou mensais. Existe um relatório diário que é enviado para todas as agências.

            Em relação aos gestores, estes têm relatórios mais detalhados sobre a situação de cada cliente. No início do mês têm acesso a uma lista sobre o programa de pagamentos dos clientes, em que dia estes devem efectuar os seus pagamentos. O seu trabalho é assim feito com base nessa lista, programam visitas para lembrar aos clientes dos prazos ou então para saberem se estes estão interessados em renovar.

 

Perfil dos clientes

 

 

            Não existe um perfil ideal de cliente, mas sim exigências que se fazem para uma pessoa se poder tornar sócia. Para ter um crédito na Tchuma, uma pessoa tem que ter já um negócio montado há pelo menos 6 meses, pois é preciso ter o que avaliar para se saber quanto dinheiro a Tchuma está disposta a conceder. O facto de ter já um negócio montado está bastante ligado também com a experiência que a pessoa possa ter, pois é preciso saber se a pessoa está capaz de fazer a gestão do seu próprio dinheiro antes de se lhe conceder o dinheiro para ela gerir. Como não há maneira de se saber ao certo quanto tempo tem um negócio, muitas vezes os gestores, aquando da avaliação, fazem perguntas aos vizinhos do futuro cliente, tentando saber se eles conhecem a pessoa e que tipo de negócio esta faz, onde vende e há quanto tempo, etc. Por isso também a maior parte dos gestores prefere um cliente que tenha sido recomendado por outro cliente, de preferência um bom cliente. Isto porque um bom cliente nunca vai recomendar uma má pessoa, com medo de manchar a sua reputação. E um bom cliente é uma pessoa que paga e investe bem, que fica mais tempo na instituição e que sobe o seu valor. É também alguém que já deu dicas de como se comportar perante a instituição à pessoa que quer entrar na Tchuma. Tudo isto se baseia muito na confiança que as pessoas têm umas nas outras.

            Os gestores preferem também pessoas que tenham um negócio fixo e não ambulante, não porque estes apresentem um maior risco, mas porque é mais fácil trabalhar com um negócio que tenha um local.

            O tipo de negócio que cada cliente tem também não é relevante. O mais importante é a capacidade das pessoas para gerir o seu negócio, seja ele criar frangos ou vender roupa no mercado.

            A idade média dos clientes da Tchuma, que anda à volta dos 45 anos, é mais elevada do que a maioria das outras instituições porque não existe um limite de idade para se ser cliente.

 

 

Prazos – Cumprimento e punições

 

            Nos procedimentos da Tchuma, cada agente estipula o que um gestor deve fazer quando o cliente não efectua o pagamento. A frequência e o tipo das visitas que deve fazer ao cliente, quem deve executar os bens, etc. Quando o cliente atinge os 30 dias de atraso, a Tchuma tem que apresentar o caso à Comissão de Crédito, que se reúne uma vez por semana. Se se consegue provar que já foi feito tudo, que já se tentou de todas as maneiras fazer com que o cliente pagasse a sua dívida e este não colaborou e que não tem meios de pagar, então é provável que a Comissão aprove a execução dos bens.

            O que normalmente acontece é que, mesmo existindo já uma autorização para a execução dos bens, o cliente acaba por pagar a dívida antes da Tchuma chegar a sua casa. Isto porque existe um camião, utilizado nas execuções dos bens, que circula pelas agências, ficando uma semana em cada uma. Ora, se existe uma autorização em mãos, mas o camião não se encontra na posse da agência, há ainda uma oportunidade para se conversar com o cliente e tentar que este pague. Então, o que acontece é que, em mais de 50% dos casos, ou o cliente paga antes de o camião chegar a sua casa ou, e isto é sempre muito aborrecido para a agência, quando o camião chega a casa do cliente para fazer a execução, este tira o dinheiro do bolso para pagar.

            Os outros 50% são divididos entre clientes em que se consegue confiscar os bens, vender e liquidar a dívida. Há ainda outros 25% de casos em que não se consegue executar as garantias, ou porque nunca existiram, porque as pessoas pedem emprestado na altura de conferir, ou porque venderam, esconderam, ou não deixam as pessoas entrar, não há ninguém em casa, porque não se pode confiscar os bens, não se pode entrar forçosamente em casa, tem que ser pacífico.

            O que a Tchuma tenta fazer para evitar esta situação é, na altura da vistoria, ter a assinatura de todos os membros da família, para confirmar que os bens podem ser oferecidos como garantias, que a pessoa que os está a oferecer tem direito sobre eles, que a família está toda de acordo. E tenta-se fazer entender à família toda que estes bens serão confiscados se assim for preciso, para depois não poderem dizer que não tinham sido informados.

            O negócio da Tchuma não é a cobrança e venda de bens, mas sim financiar negócios com valores e prazos que os clientes sejam capazes de reembolsar. A maior parte das vezes, os bens que são apresentados como garantias são simbólicos, pois não é possível vendê-los pelo valor que lhes foi atribuído. Por isso é que, na altura da avaliação, os gestores não olham só para o rendimento do negócio. Olham também para a situação económica da família, para tentar chegar a um valor excedente da unidade familiar. Verificam quanto é que a família gasta em alimentação, renda, telefone, energia, etc, para saber quanto sobra para pagar a prestação. Utilizam esse valor como base e ajustam-no para chegar a um valor que é uma percentagem razoável que não sobrecarregue as pessoas. Isto porque à medida que as pessoas renovam os contratos, pagam melhor e mostram capacidades de pagar, vontade de pagar, os rácios da Tchuma ficam cada vez mais flexíveis e, em termos de garantias, não se exige tanto.

 

 

Perspectivas para o futuro

 

 

            Existem já diversas ideias em desenvolvimento em relação ao futuro da Tchuma. No novo pacote informático que vai ser instalado, foi incluido todo o software para ATM’s[3], no pressuposto de que, num futuro muito breve, se possa introduzir essa possibilidade. O novo pacote inclui também novos produtos de depósito e de crédito de consumo, que foi testado com o sector da educação, pois a Tchuma trabalha com escolas. Pensam que se poderá expandir este serviço para outros sectores do governo, pois este é muito estável, ou seja, as pessoas, uma vez admitidas no quadro do Estado, não são facilmente demitidas. A instituição está também num processo de fazer uma agência no Xai-Xai[4], com outros produtos, e pretende abrir em mais duas províncias nos próximos dois ou três anos. Pretendem também instituir um produto nas zonas rurais, para a agricultura.


Agência do Infulene – caracterização e funcionamento

 

 

Fig.3 Fachada da agência do Infulene 
 

            Tendo aberto em finais de 2004, a agência do Infulene situa-se ao lado da terminal dos chapas[5] e em frente a um mercado informal, num bairro chamado T3. As instalações são pequenas. Tem um balcão de atendimento geral e informações, outro de entrega de talões e cobrança e um de depósitos e levantamentos.

            Possui um número reduzido de pessoal para o que é normal, mas visto ser uma agência pequena, não se justifica ter mais gente a trabalhar. Tem, portanto, sete pessoas ao serviço: o chefe da agência, uma pessoa na caixa, uma tesoureira, uma operadora, que substitui o chefe da agência quando este não se encontra e dá conta da parte informática, das fichas, contratos e relatórios, dois gestores de clientes, que fazem o trabalho de campo, são analistas de crédito, promovem a agência, avaliam e visitam os clientes, com ensino médio e formação para o cargo e, finalmente, uma servente.

            A agência é composta por um balcão de atendimento logo à entrada, com algumas cadeiras para as pessoas que estão à espera de serem atendidas, uma sala de reuniões, uma sala para o chefe, uma cantina e um pátio exterior onde se encontra a casa-de-banho.

            O horário de atendimento ao público é das 8h00 às 15h00, sem pausa para almoço. Porém, a agência abre às 7h30 e fecha às 17h30. Todos os dados da agência são remetidos diariamente à sede, que lhes fornece um relatório diário. Existe também um relatório mensal. Os clientes desta agência pertencem ao Posto Administrativo do Infulene, mas a acção não se sente da mesma maneira em todos os bairros. A actividade principal da maior parte dos clientes é o comércio (de alimentos, bebidas, roupas, criação e venda de frangos, etc), existindo também alguns carpinteiros e modistas. No total, existem 408 clientes, dos quais 269 são mulheres e 139 são homens.

            As principais actividades da agência são a venda dos produtos, o crédito[6] e a poupança[7], através de reuniões, palestras nos mercados e bairros ou visitas indidualizadas, pessoa a pessoa, nos mercados, onde estas se encontram a trabalhar. Também nesta agência se podem efectuar depósitos, levantamentos, pagamentos (de prestações[8]) e obter informações diversas. Não sendo na agência que se dá o dinheiro do empréstimo, emite-se um cheque a ser levantado no banco. Relativamente ao serviço de crédito, enquanto que o individual exige garantias, o grupal não. Este pode ser formado por vizinhos ou amigos, pessoas com laços afectivos, cada um com o seu negócio. Exige uma grande solidariedade do grupo, pois quando um membro se encontra em dificuldades, os outros têm que ajudá-lo. Pode ir de 4 a 6 elementos.

            Relativamente aos empréstimos, no crédito individual o primeiro vai de 1.000,00MT e não pode ser superior a 6.000,00MT, variando consoante a avaliação dos agentes e as garantias que o cliente possui. A taxa de juro é de 5% ao mês e o empréstimo deve ser pago num máximo de 6 meses. A maior parte dos clientes paga, porém, numa média de 2 meses. Os empréstimos seguintes vão subindo, variando entre 8.000,00MT a 10.000,00MT. Já no crédito grupal, o empréstimo pode ir até 2.000,00MT por cada elemento, não podendo cada elemento ultrapassar os 6.000,00MT.

            A maior parte dos clientes renova os empréstimos, existindo clientes que vão já no seu décimo empréstimo. Existem muito poucas desistências, a tendência é o crescimento no número de contas. Quando existe um mau desempenho por parte dos clientes (ou porque o negócio não corre bem ou porque este estava desempregado e entretanto arranjou um emprego), estes páram o negócio por iniciativa própria. Quando os clientes ultrapassam bastante o prazo do pagamento do empréstimo, a TCHUMA executa os bens que serviam como garantia. Esta acção é, porém, muito rara, uma vez que se consegue quase sempre conversar com os clientes e arranjar maneira de estes pagarem as suas dívidas.

            Nem todos os clientes da TCHUMA têm conta poupança, assim como nem todos os que têm uma conta poupança são clientes de crédito. Existe, porém, um grande incentivo à poupança.

            Existe uma relação igual de pessoas que visitam a agência por vontade própria, que ouvem falar através de outros clientes ou através da promoção que os agentes de clientes fazem. Para se tornar cliente da TCHUMA, tem que se ser abonado por dois sócios activos, com o pagamento em dia, ter um negócio há pelo menos 6 meses[9], ter mais de 21 anos de idade, possuir garantias (bens)[10], ter a documentação em dia e tornar-se sócio da TCHUMA[11], pagando a jóia (não devolvível) e um depósito mínimo, correspondente a duas acções na Cooperativa (devolvível se quiser sair da Cooperativa).

 

Referências

ANTÓNIO,Francisco. MARGARIDA, Paulo, Margarida (2006). Impacto da Economia Informal na Protecção Social, Pobreza e Exclusão: A Dimensão Oculta da Informalidade em Moçambique. Cruzeiro do Sul, Instituto de Investigação para o Desenvolvimento José Negrão, Maputo Disponível em: www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/assotsi.pdf acesso em 05/03/2007.

 

CASIMIRO, Isabel (2000), Relações de Género em la Família y en la Comunidad en Nampula. Cruzeiro do Sul: Trust Fund, Maputo.

CRUZEIRO DO SUL TRUST FOUND (1999), Projecto Seguimento do Programa Estratégico de Nampula (Projecto SEGUI), Relatório Ano 1 (referente a 1998), Nampula e Maputo, Janeiro. Grameen Bank http://www.grameen-info.org/Acesso em 3/03/2006.

FION, Vleter (2006). A organização dos trabalhadores do sector informal dos mercados de Maputo e sua acção na promoção de melhores condições de vida e de trabalho – O papel da ASSOTSI. Microfinance in Mozambique – Achievements, Prospects and Challenges. A report of the Mozambique Microfinance Facility.

JACKELEN, Henry R. e Rhyne, Elisabeth (1991). Toward a More Market-Oriented Approach to Credit and Savings for the Poor (UNCDF), Tokyo Fórum on LDCs. pp10.

MICK, Jacques (1999). Micro-crédito e Combate à Pobreza: a experiência brasileira no contexto da Globalização. Brasília: ESAF.

UNRISD (2005). Gender Equality: Striving for Justice in an Unequal World. Geneva
YUNUS, Muhammad (1997). O Banqueiro do Povo. Difel.

 

Recebido: 29/10/204
Aceito: 26/11/2014

 

Notas

[1] Hoje BCI Fomento

[2] R$1,00 equivale a cerca de 12,56 MT (meticais)

[3] Automatic Transfering Machine ou o que normalmente se chama caixa electrónica

[4] Informação referente a meados de 2005

[5] Designação popular para transportes semicoletivos de passageiros.

[6] Individual ou grupal

[7] Este serviço é relativamente novo, tendo cerca de 2 ou 3 anos

[8] Por transferência (através da sua conta poupança) ou paga-se no banco e traz-se o recibo

[9] Sujeito a avaliação.

[10] Electrodomésticos, mobílias, etc.

[11] A admissão como sócio não garante que a TCHUMA concederá o empréstimo.