Zona de Impacto - ISSN 1982-9108 ANO 20 Vol. 2 - 2018 - julho/dezembro
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Itália, o Mundo, o Brasil: Uma Jornada Para uma Ego-História Oral Riccardo Canesi Resumo:
Um trabalho de Ego-História Oral onde
se seguiu a metodologia da Cápsula narrativa na busca de uma interpretação
feita pelo próprio narrador. Resumo da história de uma vida vivida em dois
mundos diferentes e os desdobramentos destas experiências. Palavras-chave: História; História Oral; Ego-História Oral; Vidas Menores; Migrantes. Abstract:
A work of Oral Ego-History where the
methodology of the narrative Capsule was followed in the search of an
interpretation made by the narrator himself. A compendious of the story of a
life lived in two different worlds and the unfolding of these experiences. Keywords:
History; Oral History; Oral
Ego-History; Minor Lives; Migrants. Uma ego-história, ligada
a vida acadêmica de um historiador, onde ele desenvolve sua vida e linha de
pesquisa, onde o historiador é seu “objeto de estudo”, abre, para a história
oral (cápsula narrativa) uma possibilidade onde um “narrador pleno” possa, além
de criar sua narrativa, comentar, explicar, desenvolver, rearticular num além
da sua cápsula, além da sua matriz narrativa, criando não só uma cápsula
simples, mas uma cápsula que traz também seu enfrentamento, sua auto consciência
enquanto “narrativa separada” do dizer, do viver do narrador, numa reduplicação
da própria cápsula narrativa (caldas: 1999a, 1999b). Os narradores plenos “são hipertextos que exigem estrutura, forma e
interpretação próprias que consigam perseguir sua polidimensionalidade”
(Caldas, 2013: 93). O narrador pleno é aquele que consegue escapar ao mero
contar, ao mero dizer, ao mero falar: mas sim dá à sua vida uma narrativa
própria, densa, específica, um link que se articula com o mais vasto, o leito do
viver comunitário. Não mais um documento,
uma entrevista, mas uma matéria de contato com o presente, com o contexto, um complemento
vivo do contexto, agora texto. Como a ideia de uma
história oral “cápsula narrativa” se funda sobre a prioridade ética e plena da
narrativa do narrador (sua temporalidade, sua ordem, sua perspectiva – sem
pergunta-resposta, mas um dizer que se faz e se aceita livre em busca da
experiência do narrador), uma ego-história oral se propõe a dar mais um passo
quando o narrador é quem faz sua primeira leitura/interpretação ao ler, ao
ouvir sua narrativa como um todo exteriorizado, ao tornar, num segundo momento,
sua interpretação também texto, suas articulações com o “contexto”, a
“história” abrindo margem para se tornar um momento histórico plasmado, dito.
Ele, além de narrador, se torna seu oralista, seu interprete, seu historiador,
sendo o oralista, o historiador, o antropólogo, o sociólogo apenas seu
“ajudante”, seu interlocutor, não o que corrige, mas aquele que segue o caminho
aberto pelo narrador, podendo, em outra hora, retomar o conjunto constituído
para criar uma avaliação, uma análise, uma hermenêutica a parte. Mas é o
narrador quem constrói o círculo que depois poderá ser “usado” como núcleo de
estudo e pesquisa. A ideia de uma
ego-história oral nasceu da possibilidade da utilização da história oral em
psicologia (Caldas, 1998), possibilitando uma
exteriorização escrita do dito pelo “paciente” e enfrentado, cristalizado num
texto, sua construção narrativa. Dessa forma o dito não se perderia no som da
voz, o desestruturado do dizer, na pura oralidade, mas seria enfrentado
enquanto uma textura material, o escrito, o construído pelo dito. Isso dentro
da metodologia de cápsula narrativa. Meu nome é Riccardo Canesi, sou italiano de nacita, de
nascimento e vivo no Brasil faz 25 anos. Hoje tenho 73 anos. E este fato de ter
73 anos é que, na minha visão, me qualifica suficientemente para tentar falar
de uma vida que considero bastante plena, não é limitada a um período curto, no
sentido geral do que se considera de uma vita, de uma vida, como poderia ser um
rapaz de 20 anos que ainda está na fase inicial da sua vida. A primeira coisa que me veio em mente, quando me foi falada
de fazer um trabalho assim, me reporta a um momento na Itália onde eu tinha um
amigo, com o qual a gente se encontrava e conversava aquela filosofia de
botequim. Eu me considero verborrágico. Eu gosto de falar e ele também. Então a
gente tinha dificuldade na nossa conversa, porque muitas vezes a vontade de
intervir na fala do outro criava problemas nesse sentido. Aí um dia ele chegou
com um pacotinho e disse: “Eu trouxe um presente pra nós” – “Que que é isso?”.
Aí ele me deu uma clessidra. Em italiano é assim, aqui a tradução é uma
ampulheta. Então ele falou: “A partir de
hoje você inicia e eu fico calado enquanto a areia não cair. Quando cair, é a
minha vez e você fica calado”. Então
encontramos essa coisa. Então, este fato de poder falar à vontade sem ter a preocupação
de ter que o ouvinte possa interferir na minha fala, me entusiasmou bastante.
Porque, eu repito, eu gosto de falar. Bom, iniciei dizendo que tenho 73 anos, uma vida. E,
pensando nisso, me encontrei, já outras vezes, a pensar nisso – que um dos
sonhos da humanidade seria encontrar a imortalidade. Só que falando de
imortalidade, obviamente me vem, imediatamente, algumas dúvidas do tipo:
Imortal pra sempre, obviamente. Isto queria dizer que eu teria que suportar
todas as perdas, porque eu sou imortal e os outros não, então muitas neste decorrer
enorme e infinito de tempo. Eu perderia companheiras, amigos, filhos... Então,
não sei se seria uma coisa positiva. Num primeiro momento você topa: “ah...
gostaria de ser imortal!” Mas, depois de um certo tempo, acho que isto poderia
ser um fardo extremamente pesado. Estes são meus pensamentos filosóficos. E
outra é que: como é que se estabelece o momento no qual você quer parar? Porque
você é imortal com 10 anos e não cresce? Fica com 10 anos, criança? Ou você
fica com 20, com 30? Ou imortal com 70? Porque eu não gostaria que alguém me
desse a imortalidade hoje com 73 anos. Porque a idade já é extremamente
limitativa. Então, se pudesse escolher, poderia ter escolhido que a minha
imortalidade se fosse quando tinha, sei lá, 30 anos. Que tinha uma maturidade,
mas ainda o meu físico era um físico juvenil. Estas são as elucubrações, sabe,
que me vêm na cabeça. Mas, de qualquer forma, sendo que, em um pensamento
metafísico, a gente sabe perfeitamente que a imortalidade não existe. Mas, eu
faço parte de um grupo restrito, acredito com certeza, de pessoas que tiveram a
possibilidade de viver pelo menos duas vidas. Por quê digo isso? Porque eu
nasci na Itália, e vivi na Itália até aos 48 anos. E nestes 48 anos, eu tive
uma vida plena. Tou dizendo: casei, divorciei, fiquei viúvo, estudei, fiz
amigos, tive experiências de qualquer tipo, que depois mais pra frente a gente
pode tentar relembrar. E, a partir dali, com 48 anos, eu vim pro Brasil. Aonde
encontrei a minha atual esposa, com a qual convivo, sou casado, faz 25 anos.
Então, aqui eu fiz de novo casamento, tenho um filho de 16 anos, frequentei
universidade, fiz novos amigos completamente.... com ideias completamente
diferentes daquelas que foram meus amigos. Porque a cultura Italiana é uma
cultura diferente da cultura brasileira. Sem dizer se uma é melhor ou pior da
outra. É que o esquema de vida do Brasil é diferente do esquema de vida
italiano. Então a vida, as experiências, as coisas que eu vivi aqui, são
completamente diferentes. Eu, obviamente, não sou a única pessoa no mundo que
tive este tipo de experiência. Mas, não é comum. As pessoas, normalmente,
nascem, vivem e morrem dentro de um país. A não ser que possam fazer uma
viagem, como eu fiz pelo mundo inteiro, mas depois se voltam ao casulo
original, não é? Então pra mim foi.... E vou te dizer mais, 25 anos trás,
praticamente não existia a tecnologia atual. Então, os meus contatos com a
Itália, eram limitados economicamente, pelo telefone, que custava muito caro
fazer uma ligação. A carta, a lettra, era vincunlante ao tempo, porque demorava
20 dias pra ir, uma semana pro cara pensar no que eu tinha falado, mais 20 dias
pra me responder.... se eu tivesse feito uma pergunta, quando chegava uma
resposta, a pergunta já tinha perdido completamente o valor. Hoje, graças a
Deus, tem internet, tem toda essa tecnologia que permite um contato imediato.
Mas digo isso por quê? Eu, contrariamente a outros italianos que conheço, que
mantiveram um contato com o país indo um ano sim, um ano não pra Itália, ao
menos. Eu passei 25 anos sem voltar pra Itália. Fui no ano passado. Voltei
depois de 25 anos. Então, eu fiz até me expresso assim, uma viagem no tempo.
Porque você imagina uma menina de 6 anos que eu deixei lá, reencontrei como
mulher de 31. Os meus amigos que tinham 25, e era um grupo de.... como se
diz?.... de.... de boêmios de 25 anos , hoje são pessoas casadas, com filhos.
Então foi assim extremamente chocante, eu diria. Uma coisa que me chamou
atenção foi aquelas mulheres lindas da minha época, que eu não tive nem coragem
de procurar revê-las, porque quando revi uma ou duas pensei: “pucha! Não quero
rever como é que ficou aquela lá”, entendeu?
Porque é assim, porque é muito grande a distância de 25 anos, acontecem
muitas coisas. Não tou falando nem daqueles que morreram, ou este tipo de
coisa. As pessoas normais, entende? O cara que tinha o cabelo fantástico e hoje
é careca. O cara que tinha um físico atlético e hoje tem uma barriga de chopp,
e coisas assim. Então, mexeu muito comigo este meu retorno à Itália. Bom, a partir daí eu acho que precisaria contar um pouco o
que foi a minha vida lá e aqui. E, nesses dias enquanto me preparava para esta
entrevista, tentei analisar o que foi a minha vida. E me dei conta que foi uma
vida normal. Porque o que se entende por vida normal? Nós estamos acostumados a
ler biografias de pessoas que fizeram atos heroicos, que contribuíram com seus
movimentos, pra criar situações que passaram pra história. Óbvio que não é o
meu caso. Apesar que eu tenho uma ideia que dentro de cada um de nós tem um
pouquinho de herói. O que é um herói? O herói é um cara que se comporta em um
determinado momento de uma determinada maneira. Só que isso se deu porque ele
estava naquele momento, naquela situação. Então, provavelmente, pessoas normais
se se encontrassem na situação que se encontraram os heróis, estas pessoas
normais poderiam ter um comportamento até mais heroico do que o cara. Ou vice e
versa. Sabe? Quando a gente pensa em personagens tipo o Churchill. O que seria
do Churchill se não tivesse nascido naquele momento? Se tivesse nascido 50 anos
antes ou 50 anos depois, provavelmente era um funcionário público, aposentado,
sem.... Ele viveu naquele momento, vivenciou.... Óbvio, tem uma questão
caracterial, tá... Mas.... É.... Sabe aquela palavrinha? O “Se” com o poder
condicionante desta palavrinha, pode muito bem mudar a história de qualquer um
e de qualquer situação. Não estou falando de uma hipótese do tipo: “Se Hitler
tivesse ganho a guerra”. Tá. Não é isso. Tou dizendo: Como é que você reagiu
naquele momento? Tá... Você reagiu naquele momento porque a situação na qual
você se encontrou estava dentro de um contexto maior. Se você vive numa cidade
com 500 moradores, provavelmente a tua reação é diferente da de um cara que
vive a mesma situação, mas sendo morador de uma cidade de um milhão de
moradores. Então, assim, se você vive determinadas experiências em época de paz
ou de guerra, as reações desses indivíduos são completamente diferentes. Falo isso, e vou iniciar um pouco por aqui a contar a minha
história, porque eu nasci em 1943. Plena Segunda Guerra Mundial. Obviamente, de
guerra eu não posso dizer nada. Porque eu era extremamente infante. Não poderia
falar de guerra, a não ser por sentido dizer. Mas, eu tenho uma noção bastante
clara do que foi no meu país o pós-guerra. Isto em todos os sentidos. E faço um
primeiro exemplo: armas. Acabou a guerra em 1945, e nos primeiros anos....
47.... 48.... Não sei nem se foi uma lei promulgada ou se foi um instinto das
pessoas quando perceberam que a guerra tinha acabado, o desejo de se livrar de
armas que poderiam ter tido um uso de sei lá o que naquele outro momento. Só
que esta coisa não era feita de forma oficial. As pessoas não iam no quartel e
devolviam as armas. As pessoas largavam na calada da noite, na esquina,
largavam bombas, revolveres, fuzis, metralhadoras coisas assim. E, de manhã,
passava uma caminhonete e recolhia estas armas. Só que nós, meninos daquela
época, sabendo isso, antes que passasse a caminhonete, pegávamos as armas.
Perdi, obviamente, alguns amigos. Tinha rapaz que até algum, um pouquinho até
maior do que eu, que chegavam a desmontar até armas e bombas pra recuperar
metais que, na época, eram considerados valiosos, do tipo cobre, latão,
entende? Coisas assim. Então, nesta situação, estes meninos faziam este
trabalho de desmanche com um profissionalismo impressionante, prum menino de
10/12 anos. Óbvio que de vez em quando alguma coisa dava errado, e algum voava
no ar. Ou, estes meninos.... Meninos é o termo usado, mas são meninos daquela
época. Tem um fato que gostaria de contar, porque é bastante significativo. Eu
já tinha uns 16/17 anos e estava num bar reunido com os amigos. E a gente tava
falando de artes maciais, de judô, de luta, de boxe. E tinha um rapaz que
morava no bairro e eu conhecia de vista. E ele era alto, magro só que tinha uma
dificuldade de andar no sentido de que andava sempre extremamente rígido. Ele
tava tomando um café e escutando por alto a nossa conversa. E ele se intrometeu
na nossa conversa e disse: “Olhem. Vocês tão falando de violência, de luta, ao
menos.... Queria contar pra vocês a minha experiência de vida. Quando eu tinha
mais ou menos a idade de vocês, em plena guerra, eu cruzei com um menino de 10
anos. E percebi que este menino tinha aquele revólver alemão Luger, tem um
cano.... um revólver lindo. Então me apaixonei pelo revólver. E, usando o fato
de eu ser bem maior que o menino, não tive dúvidas – me apossei do revólver do
menino. E dei as costas pra ele e me encaminhei, feliz da vida por ter, através
da minha força bruta, ter conseguido este objeto de desejo. Só que aquele
menino de 10 anos, não era um menino de 10 anos dos dias atuais. Era um menino
daquela época. Então ele revidou simplesmente puxando do bolso uma bomba, tirou
a segura, e me jogou a bomba nas costas. E eu estou vivo, mas tou andando com
dificuldade ainda hoje por causa dos estilhaços dessa bomba. Então, pensem bem
antes de usar da violência contra os outros”. Este é um fato que me parece
bastante significativo. Posso dizer também que vivi, pessoalmente, o momento
político, mesmo sem entender o que estava acontecendo. Mas a Itália se
encontrou dividida profundamente entre forças de esquerda que recolhiam entre
si ex-combatentes, trabalhadores de fábrica, ao menos, que tinham uma ideia um
pouco mais à esquerda do que era a realidade do momento. E eu lembro assim que
o envolvimento destas pessoas de forma política, se dava, por exemplo, na
tentativa de vender o jornal da esquerda italiana da época, que se chamava
L’Unitá. E as pessoas iam de porta em porta, voluntários, entende? Pra vender
este jornal. Porque a venda maior deste jornal dava um caixa pro partido.
Então, tinha este envolvimento, por parte da população que era de esquerda por
pertencer a determinadas categorias. Não necessariamente por está extremamente
politizado. Assim como entre os meninos a Igreja tentava acolher os meninos
dentro das filas do.... não sei.... na Itália se chama boy scout, aqui são....
aquele menino que anda na floresta, que ficam vestidos de.... não sei qual é a
terminologia que se usa, depois a gente pode ver [obs.: aqui são chamados de
“escoteiros”]. E por contra, o partido comunista tentava fazer uma coisa bem
parecida. Não lembro bem como fosse, mas vamos dizer assim: Os meninos de 10/12
anos se dividiam entre aqueles que iam mais pra igreja, ao menos, e
frequentavam a turma dos boy scout, e os outros frequentavam a célula do
partido comunista que tentava criar jovens comunistas através desta coisa. E
sempre desta época, uma coisa que lembro, e que uns Padres Salesianos davam
cinema de graça pra população. Só que pra entrar e assistir ao filme, precisava
primeiro ir na Igreja e assistir à missa. Saindo da missa, tinha uma porta que
sai da igreja e dava comunicação direta com a sala de cinema. Só que tinha um
padre que botava um carimbo na mão. Então quem tinha assistido a missa botava a
mão, levava o carimbo e podia assistir ao cinema de graça. Então são essas coisas que hoje podem não
fazer sentido, mas que fazem parte das minhas lembranças da minha época, sabe?
São lembranças boas, sabe? Me levaram a ser o que eu sou hoje. Porque, acho que
faz parte deste nosso trabalho, todo mundo é o resultado da vida que viveu.
Ninguém nasce com a cabeça de soldado, de cientista ou.... É a experiência de
vida que transforma aquele ser que nasceu, dependendo dos cuidados, da vivência
que ele teve, naquele ser mais adulto que tem um pensamento, ao menos. Quando a
gente fala, no curso de História, que não existe a possibilidade de ser
imparcial, porque por tanto que você tente ser imparcial no julgamento de
qualquer situação, você leva a bagagem da tua vida, dos teus ensinamentos
recebidos, das tuas experiências. Então você vai julgar, mesmo tentando ser
imparcial, dentro do que é a balança do teu sentimento, do que criou, do que
plasmou o teu ser até aquele momento que faz a análise. Sem levar em
consideração eventuais remunerações do cara que faz a análise. Afinal de
contas, a História é sempre contada pelo vencedor. Então, já daí a
imparcialidade cai completamente. Mas, mesmo o historiador que se diz, que
tenta ser imparcial ao máximo, de qualquer forma não foge a esta regra de ser
aquele cara que vivenciou uma experiência. Quem nasceu no Quênia ou quem nasceu
em Nova Iorque não pode ter a mesma mentalidade em relação as coisas. Voltando a falar de herói, eu acho que, nos tempos atuais,
heróis são verdadeiramente as pessoas, entre aspas, normais. Porque ser herói é
trabalhar trinta anos em uma empresa, ser herói é juntar o almoço com a janta,
aguentar as dificuldades que todas as famílias passam. Nem por isso são
reconhecidas. Ser pais, ser pai e mãe, eu acho que é tentar passar pros filhos
determinados valores nos quais você acredita. E tentar dar um suporte, dentro
das tuas possibilidades, pra isso não ir muito além. A escolha da profissão do
filho por parte do pai, a interferência na religião, a interferência na escolha
da companheira, acho um absurdo. Então, acho que ser herói é conseguir passear
entre esses contextos que são verdadeiras armadilhas que se apresentam aos
pais. Porque ninguém faz o curso de pai. É como se fosse um acidente de
percurso. Independentemente que seja voluntário ou não, esta escolha de ficar
pai, eu acho que a maioria das pessoas não estão preparadas pra esta enorme
tarefa que é passar pra um filho educação, valores... É completamente
complicado. E, vou te dizer mais, eu digo isso porque meu filho é adotado,
então, eu adotei meu filho com 58 anos. Então, vamos voltar ao fato de ser uma
pessoa que já tinha uma bagagem de vivência nas costas. Coisa que normalmente
um rapaz de 22/23 anos que, por acaso, se torne pai ainda é um jovem em
formação. Ele ter que passar estes valores, estas que são extremamente
complexas. As pessoas não estão preparadas pra isso. Instintivamente é muito fácil ensinar pro teu filho não
roubar, não matar. Isto é aquele básico que é... hoje, alguém que sabe ler e
escrever continua sendo praticamente um analfabeto. Ontem, quem sabia ler e
escrever era um letrado. Hoje estamos nesta situação. Eu acho muito complexo
ter o papel de educador quando você ainda precisa ser educado, quando você
ainda não tem maturidade, quando você ainda não passou por determinadas
experiências. Eu sempre digo pra meu filho quando ele me pede alguma coisa, eu
digo: “Olha, se é pra te dizer ‘sim’, eu não preciso te explicar. Porque o
‘sim’ não se explica. Agora você sabe que quando te digo ‘não’, estou pronto
pra defender o meu ‘não’. Eu não te digo ‘não’ porque sou pai patrão. Eu te
digo ‘não’ por isso... por isso... por isso. Eu estou preparado. Então eu te
permito, quero que você sustente a tua opinião, o teu desejo me fornecendo
argumentos. Se você me convence, eu mudo de ideia e te deixo fazer aquela coisa
que, inicialmente, te disse ‘não’. Mas você sabe que eu estou pronto pra
defender o meu ‘não’”. O “não” tem que ser justificado. O “sim”, não. “Eu posso
ir?”, “Pode”. Pronto. “Posso comprar isso?”, “Compra”. Não tem problema. Agora
se te digo “não”, eu tenho mil argumentos pra defender esse “não”, porque,
antes de dizer “não”, eu fiquei pensando na coisa. E tem mais: Os nossos heróis são heróis de coisas
verdadeiras. Vamos ver o herói do passado: Ulysses. A gente sabe que Ulysses
enfrentou os cíclopes – não existe cíclopes. Ulysses enfrentou as sereias – não
existe sereias. Então se eu quero me transformar, nesta entrevista, em um
herói, é fácil – eu posso inventar. Já que não tenho que provar nada pra
ninguém, eu poderia contar da minha vida coisas fantásticas e transformar esta
entrevista em um livro que faria um sucesso enorme. Porque, como a gente já
disse antes, a História é escrita pelos vencedores. Se eu quero contar uma
mentira, porque muitas vezes a História é uma mentira contada por quem venceu,
é fácil. Quem nos garante que aquelas pessoas que nós consideramos heróis, que
nós consideramos exemplos de retidão, não fizeram algo extremamente vergonhoso?
É óbvio que a História não vai passar essas páginas. Só de vez em quando que
aparecem algumas coisas de alguém que, por um determinado tempo, foi cultuado
como uma pessoa que tinha milhares de qualidades e, ao invés, descobrimos que
era um canalha, pra usar este tipo de expressão. E vou te dizer mais: Eu, por exemplo, vivi, pela época,
batendo e apanhando. E entrei em muitas brigas quando eu era garotão, sem
problema algum. Normalmente, mais apanhando
que batendo, pelo físico que não é grande coisa. Mas, tenho na minha memória,
um momento específico. Porque considero uma vergonha pessoal. Que vou contar
aqui, mas, normalmente, não conto. Eu tinha 16/17 anos, estava em uma festa
popular na minha cidade. De repente entrei em discussão com um grupo de
arruaceiros e eles me empurraram pra dentro de um portão, a entrada de um
prédio. Só que um amigo meu, bem mais forte do que eu, viu a cena e interveio
em minha defesa. Só que este grupo de arruaceiros, pra chamá-los com este nome,
pegaram este meu amigo, um segurando de um lado, outro segurando do outro, um
terceiro batendo nele. Eu lembro que fiquei aterrorizado, fiquei petrificado.
Ele tinha vindo pra me ajudar e eu não tive coragem de entrar na briga, que
fosse apanhando, ao menos pra defendê-lo. Eu achei absurdo o que estava
acontecendo e este terror que se apossou de mim eu carrego ainda hoje,
entende?, como a minha pior vergonha. Gostaria de apanhar agora, friamente,
tudo aquilo que não apanhei naquele dia. Não foi uma escolha, foi um momento,
um vacilo, uma fraqueza minha que carrego como uma culpa. Então, acredito que
isto pode ter acontecido com muita gente que, em outro momento, pularam pra
fora da trincheira, fazendo um ato heroico e passando pra História como pessoas
extremamente corajosas. Tudo é relativo, relacionado ao momento, à vivência, à
situação. Não existe o cara que é sempre corajoso. Não existe o cara que é
sempre covarde. Existem momentos de vida. Esta é a figura do herói como eu
vejo. Repito: Pra mim, herói é viver uma vida normal, encarar esta normalidade,
de uma forma heroica, vamos dizer assim. Bom, eu tive esta infância vivida em uma época, como já
disse, específica. Porque só quem viveu em territórios que passaram por uma guerra,
como foi a Segunda Guerra Mundial, pode ter noções disto. Passou a guerra e eu
vivi aquela vida de toda criança normal: fui pra escola, me dava bem na escola
até o início do segundo grau, porque naquele momento eu entrei em contato com o
universo feminino e os meus interesses escolásticos passaram completamente em
segunda, terceira e quarta ordem. Eu sou de família de marinheiros: todos os
membros da minha família – meu pai, meus tios, meu avô, meu bisavô todos foram
sempre marinheiros. Então, quando decidi largar a escola, queria ser
marinheiro. Fiz até um curso específico de motorista naval. Só que, na época,
eu era, obviamente, de menor e pra ter a carteira de trabalho de marinheiro
precisava da autorização do meu pai. E meu pai se recusou. Pela experiência de
vida difícil que é a vida do marinheiro dele, ele disse: “Você vai ser
marinheiro quando fizer 21 anos, que você pode escolher. Enquanto depender de
mim, você vai fazer o que você quiser, mas marinheiro você não vai ser”. Resumindo, a partir dali entrei como funcionário público no
Correio. Trabalhei 20 anos no Correio. Galguei os postos mais altos que me era
permitido dentro da minha qualificação. Desfrutando de uma brecha na
legislação, com 39 anos me aposentei. Falo de brecha na legislação porque na
época foi chamado de escândalo nacional, ao menos. Pra você ter uma ideia, eu
me aposentei dia primeiro de dezembro e dia primeiro de janeiro mudou a
legislação pra não permitir que pessoas que estavam na minha condição pudessem
se aposentar. Óbvio que com 39 anos eu não parei de trabalhar. Eu só me
aposentei do Correio e tentei a vida de outra forma. Mas, sendo que eu tinha
passado 20 anos no Correio, eu praticamente não sabia fazer nada das profissões
tradicionais. Então, aposentado com 40 anos, eu percebi que não podia trabalhar
em lugar nenhum porque não tinha qualificação nenhuma. Então, inventei os meus
trabalhos. Pra você ter uma ideia, eu fui o primeiro e único criador de bichos
dos quais se faz casaco de pele, na minha região. Fui a primeira agência de
casamento. Abri um bar... Botei dentro do bar uma série daquelas máquinas
eletrônicas, joguinhos eletrônicos que hoje todo mundo usa em computador, ao
menos. Na época, cada joguinho tinha uma máquina e no meu estabelecimento
comercial, que tinha um banco-bar no meio, em volta tinha 30/35 destas
máquinas. E esta coisa virou point de encontro da juventude. Como precursor na
época, botei um telão onde transmitia vídeos, musicais com o Duran Duran e este
tipo de coisa. E foi um momento interessante. Isto pra dizer: Sabe? Eu não
poderia ser açougueiro, não poderia ser pedreiro, porque não sabia fazer nada.
Eu sabia tudo de Correio. Fora do Correio, eu não sabia nada. Então, eu
inventei as profissões. Chegando em torno dos 48 anos, a minha primeira mulher, da
qual eu já estava divorciado, mas tinha mantido com ela um ótimo
relacionamento, ela pereceu em um acidente de avião. E esta coisa mexeu muito
comigo no sentido de perceber o quanto a vida era tênue, o quanto não adiantava
fazer projetos de longa distância, porquê de um dia pra outro a vida mudava
completamente. Em concomitância com isso, um outro amigo adoeceu de uma doença
terminal – câncer. Então, esse tipo de coisa me levou à decisão de querer mudar
completamente, dar uma guinada de 180 graus na minha vida e decidi vir pro
Brasil. Vim uma primeira vez, e aqui não vou me delongar, senão precisaria de
25 sessões. Vim uma vez, gostei. Voltei pra ficar 6 meses, nesses 6 meses
conheci a minha atual esposa, em 4 meses a gente estava casado e, a partir dali,
iniciou esta minha segunda vida, esta minha segunda experiência de vida, no
Brasil. De acordo com ela, a gente já estava numa idade – eu 48, ela 35 – a
gente estava com vontade de ter um filho, mas a gente já tinha passado da idade
normal, vamos chamar assim. Então, partimos pra adoção. E foi, acredito hoje, a
coisa mais gostosa que eu fiz, porque hoje meu filho representa pra mim tudo o
que me mantem interessado em continuar vivendo. Mesmo que não seja pela
imortalidade. Bom... O que é que posso dizer dessa minha vida no Brasil?
Foi uma experiência fantástica. Encontrei um país cheio de contradições. Mas
com um clima maravilhoso, pra mim que adoro calor. Tanto é que minha esposa é
paulista e eu falei: “Eu caso, mas em São Paulo eu não fico, porque São Paulo
parece estar na Itália”. Então, eu quero viver no Nordeste. Então casamos e
viemos morar em Maceió. Em Maceió fiquei olhando à minha volta o que estava
acontecendo. Tive algumas experiências... Sendo que o último trabalho que tinha
feito na Itália era relacionado à arte, trabalhando como homem de confiança de
um proprietário de uma galeria d’arte. Me interessei por um escultor de pedra.
Tentei lançá-lo no mercado. Seria muito complexo aqui contar a coisa, mas esta
coisa não funcionou como eu imaginava. Abri, em sociedade com um brasileiro,
uma escola de capoeira. Que, no final de semana, funcionava como boate. Tivemos
ali também algumas problemáticas com barulho, polícia, permissão e coisa assim
e acabei fechando esta boate. E me transferi pro Pontal da Barra. O Pontal da
Barra, pra quem não conhece, é um bairro que vive praticamente de pesca, por
parte dos homens, e de artesanato por parte das mulheres. Depois de alguns anos
que eu vivi aqui, fui picado por essa paixão pelo artesanato, ao menos, e abri
uma primeira loja de artesanato. E, contrariamente às lojas que existem faz 100
anos, ao menos, eu trouxe alguns conceitos práticos de comércio. Tipo:
Fornecer, aos meus funcionários, dinheiro trocado pra poder dar o troco quando
alguém comprava uma peça que custava 30 e o cara queria pagar com 50. Muitas
lojas aqui hoje ainda perdem a venda por que não têm... início de jornada,
início do dia... porque não têm o troco pra dar. Coloquei as minhas
funcionárias de farda pra que pudesse ser reconhecidas entre a turma que
entrava dentro da loja. Coloquei sacolas personalizadas pra serem vistas nas
mãos dos turistas que andavam pela rua. Coloquei etiqueta com um preço, porque
percebi que o preço da mercadoria variava da interpretação do vendedor: “Este
cara tem cara de estrangeiro, então custa 100. Este cara tem cara de alagoano,
então custa 50”. Então eu falei: Eu não quero nada disto. Então eu coloquei
etiqueta... uma série de pequenas coisas, nada que fosse excepcional, que
mostrava o meu tino pra negócio. Só que pra mim eram coisas básicas,
elementares. Mas que, ainda hoje, as pessoas têm dificuldade em aceitar este
tipo de coisa. Bom... isto pra dizer que iniciei com uma loja e em pouco tempo,
no arco de 4/5 anos, abria a segunda, a terceira, a quarta, a quinta loja. Um
sucesso estrondoso. 30 funcionários. Aí, início de temporada, com lojas
abarrotadas de mercadoria, com o pessoal treinado: foi interditada a Ponte
Divaldo Suruagy. Agora, qualquer turista que vem pra Maceió, ouviu falar, quer
conhecer a Praia do Francês. E a prática aqui é a seguinte: as agências de
turismo recolhem com o ônibus os turistas nos vários hotéis, passam pela Ponte
Divaldo Suruagy, vão no Francês, quando dá 3h30 da tarde voltam do Francês e
param no Pontal da Barra pros turistas descer e fazer compras. Naquele momento,
início de temporada, a ponte ficou interditada, eu teria que ter tido a
coragem, a visão, chama como você quiser, comercial de fechar as lojas,
dispensar funcionários e esperar que a situação passasse. Ao invés disto, eu
tentei manter as lojas abertas, porque considerava que os meus funcionários
eram pais e mães de família sustento arrimo da família. Então me enrolei com a
administração e fui à falência, vamos dizer desta forma. E acabou por ali a
minha intervenção no mercado artesanal do Pontal. Então, a princípio, claro que de forma extremamente
resumida, esta é a história da minha vida até hoje. Podemos, obviamente,
através de flashes, lembrar de episódios que marcaram seja a minha vida na
Itália, seja a minha vida no Brasil. Depende se a gente quer partir pra um viés
mais humorístico, pra um viés mais trágico, entende? Obvio, minha vida, como já
disse, não tem fatos heroicos, entende? Não tem coisa extremamente diferente da
vida de uma pessoa normal. Eu sou uma pessoa normal, uma pessoa comum. Como galho da mesma árvore. Eu vou contar agora algumas
coisas que lembro das minhas viagens. Sempre gostei muito de viajar, de
conhecer culturas diferentes. Sempre fui atraído mais pela natureza do que pela
tecnologia. Portanto, nunca fui atraído por uma viagem aos Estados Unidos. Por
contra, fui cinco vezes na África do Norte e três vezes no Quênia. Que
representava, pra mim, apesar de ser bastante perto da Itália – perto, vamos
dizer, em termos de voo de avião – representava, efetivamente, uma diferença em
respeito ao meu modo de vida. Porque eu viajei por toda a Itália, viajei e
conheço praticamente toda a Europa. Mas, com poucas diferenças, se você tá na
Itália ou tá na Espanha, na França ou na Alemanha, respeitando algumas características
típicas do país, as coisas são bem parecidas. Agora, quando você vai pra
África, estou falando de Tunísia, Argélia, Marrocos, você chega em outro mundo
mesmo. Não estou falando tanto do clima... claro, um clima de verão, cheio, com
muito calor, tudo mais... mas a maioria das pessoas já não anda de calça e
camiseta, usa aquelas vestimentas que a gente vê nos filmes, entendeu? As
mulheres com o véu, bichos, camelos... o meio de transporte não é um cavalo, o
meio de transporte normal é um camelo. E, na Europa, você não vê camelos e esse
tipo de coisa. Cheio de palmeiras, que não são palmeiras de cocos, são
palmeiras de tâmaras. Então, efetivamente, é uma cultura diferente, religião,
basicamente, mulçumana. Alguns acontecimentos que acho bastante interessantes foi,
por exemplo, no momento em que me aventurei por um pedaço... porque,
claramente, não atravessei o deserto do Saara, fiz um percurso de uma centena
de quilômetros na borda do deserto. Mas, já encarei temperaturas elevadas,
falta de encontro com pessoas... não tem, como aqui, que em cada 10 quilômetros
tem um povoado. Lá você anda por 50 quilômetros e não encontra alma viva, você
é o único carro que passa na pista. Então, de repente, depois de uma hora de
viagem, com aquele calor sufocante, encontrei um povoado – e, quando digo
povoado, entendo por povoado mesmo porque não passava de uma dúzia de casas,
seis do lado direito, seis do lado esquerdo da pista e pronto. Parando neste
povoado, encontrei um chafariz. Só que o chafariz estava fechado com um
cadeado. Ai uma turma de meninos cercou imediatamente o meu carro, me
comunicando em francês, que eu estudei na escola, e lá é a segunda língua
oficial, além do árabe, e pedi pra que me fosse indicado, pra que me fosse
chamado o dono do chafariz, aquele que tinha a chave deste cadeado. Os meninos
foram, chamaram uma mulher, que veio e, extremamente gentil, abriu o cadeado,
encheu um jarro de água e me deu pra beber e matar minhas sede – coisa q eu
fiz. Só que o jarro da mulher continha um litro e meio de água, e depois de ter
tomado meio litro, tava satisfeito. O meu primeiro instinto era de jogar a água
que tinha sobrado, porque, obviamente, eu tinha bebido colocando os meus lábios
no jarro... então minha mentalidade europeia não era de: “Ah! Isto você leva
pra casa”. “Bebi, isto é água, tá sobrando, jogo fora”. Mas, graças a Deus, que
me veio um espírito de consciência que me fez entender, ou perceber, avaliar,
quanto esta água, naquele lugar, era importante. Então, o quanto seria ruim, o
quanto seria desprestigiante este meu gesto de jogar fora a água. E isto até
pensando em um futuro viajante que parasse e pedisse água, como eu fiz, se a
mulher lembrasse do quanto eu fui desrespeitoso poderia até negar essa água pra
um próximo viajante. Então, eu engoli o restante da água com muito esforço, mas
consegui acabar com a água da jarra, agradeci e sai desse lugar achando que
tinha feito a coisa certa. Outra coisa que acho interessante: no Quênia, na primeira
vez, eu fui fazer um “safari” – safari fotográfico, porque não passaria pela
minha cabeça de matar bicho. Mas eu fiz o safari com tudo que tem dentro dos
padrões. Acompanhado com um guia, com uma máquina... com um carro próprio pra
isso, com tração nas quatro rodas, com um guia que conhecia perfeitamente a
região. Só que você tem que entender o que é safari num parque na África.
Quando a gente pensa, aqui, num parque, a gente pensa numa coisa extremamente
limitada: um território cercado, ao menos, que tenha mil metros por mil. Na
África, um parque, por exemplo, do que eu estou falando é o Parque do Tsavo,
assim chamado, é tão grande quanto Alagoas. Então você entra no parque e é uma
coisa maluca. E não tem só uma entrada: tem 10 entradas e 10 saídas. Então,
você entra, de manhã, por um lugar, dirige o dia todo no meio deste parque,
passa a noite num hotel que existe dentro do parque e, no dia depois, você sai
por uma outra saída. Eu não sei, pelos padrões africanos, eu acredito, quase
com certeza, que não é gravada a entrada deste carro no dia tal e a hora tal,
com previsão de saída... nada disso. Você entrou? Entrou. Vai sair quando você
quiser. Digo isto por quê? Em uma outra oportunidade, um ano ou dois
depois, eu voltei pro Quênia e quis, me sentindo já superesperto, quis fazer de
novo esta experiência, sem ter que pagar tudo o que era o correto pagar. Então,
sendo que, na realidade, as estradas dentro do parque são estradas, não é
asfalto, mas estradas normais, de terra batida, estamos falando da época que
não tem chuva, ao menos, então você pode ir com um carro normal, não precisa
ser um carro com tração nas quatro rodas. Então eu me aventurei, sem guia, sem
nada e fui. Achando que tava poupando um dinheirão. Me embrenhei, fui rodando
do jeito que... pensei: “Ah! Vou até encontrar uma saída”. Só que num
determinado momento, a pista iniciou... tinha um declive muito íngreme. E eu
falei: “Tudo bem. Tenho este carro, um carro normal, um carro de passeio”. Sem
problema nenhum, eu fui. Só que este declive, extremamente íngreme, quando
chegou no fim, ao invés de dar pra um determinado lugar, fazia uma volta e a
saída era pela mesma descida. Só que descer, qualquer carro desce; subir, o meu
carro, que era um carro de passeio, iniciou as rodas a patinar. Bom... eu
consegui, com a ajuda de Deus, usando toda a minha habilidade de motorista,
sair desta situação. Mas, estou contando pra você que foi uma experiência
extremamente assustadora. Porque se o carro tivesse ficado naquele lugar,
provavelmente passaria um mês antes que alguém passasse por ali e percebesse que
eu tinha passado. Se você sai do carro, você encontra serpente, encontra leão,
encontra tudo. Porque o leão da África não é alguém que come porque chega
alguém que dá a comidinha pra ele. O leão da África come porque mata a zebra,
mata o gnu, então é assim mesmo: a lei da África é uma lei completamente
diferente do nosso conceito. A vida e a morte, na África, têm valores
completamente diferentes dos nossos. Então, independentemente de qualquer outra
situação, eu teria ficado à mercê de bichos, sem alimentos, sem água, sem nada.
Então, provavelmente eu não estaria aqui pra contar esta história. Esta é a
minha dica pra quem vai. Contando coisas mais corriqueiras, quando fui pra Londres eu
percebi que os ingleses têm um sentido de liberdade individual que não encontrei
em nenhum outro povo. Eu acredito que se Hitler, antes de tentar invadir a
Inglaterra, tivesse passado um período de férias na Inglaterra, ele teria
percebido que os ingleses iriam morrer todos, mas não iriam se render, não iam
se sujeitar a serem feitos prisioneiros. O senso de liberdade, de direito
individual dos ingleses é fora do comum. Me chamou a atenção em mil
oportunidades, mas numa coisa específica: na época, na Itália, coincidiu com a
primeira grande crise de petróleo mundial. Então, na Europa toda, tinha uma
tendência a poupar energia. Então os edifícios públicos ficavam com as luzes
apagas e a população aceitava, bem ou mal, porque era legislação, dizia: “A
partir de hoje as luzes deste lugar serão apagadas”. Em uma rua importantíssima
de Londres me chamou a atenção o fato de encontrar as vitrines das lojas todas
apagadas, com cartaz na vitrine que pedia desculpa pra clientela pelo fato de
não ser agradável de ver, mas que isto fazia parte de um esforço feito pelo
governo. Só que em contraste com a maioria das lojas que aceitavam o conselho,
vamos dizer assim, do governo, tinha um cara... digo não um... a cada 20 lojas
fechadas, tinha uma que achava que não era por aí e continuava com a luz
completamente iluminada, entendeu? E todo mundo aceitava essa coisa, porque o
respeito da opinião alheia, entendeu?, é muito forte. Nós ficamos chocados, eu
tou falando de 40 anos atrás, ao menos, de ver pessoas se beijando na rua, que
fossem do mesmo sexo ou vice e versa, e inglês não liga a mínima, entendeu? A
liberdade individual e o respeito pela opinião, pela liberdade do outro, pro
povo inglês é extremamente chocante porque pra quem vem de um país Itália,
católico, tradicional, conservador, entendeu? Essas coisas me chamaram muita
atenção. Na Iugoslávia me chamou atenção um grupo de trabalhadores
detentos que estavam trabalhando na construção... na reconstrução de uma
estrada. E eu, que sou curioso como um macaco, conversei com o guarda e disse:
“O que é que estão fazendo? ”. E ele me contou que eram detentos, condenados a
trabalhos forçados. E eu falei: “Mas tem muitos?”. E ele falou: “Não. O
problema é que aqui temos muitas estradas pra fazer e temos poucos presos”. Na
cabeça dele, se tivesse mais delinquentes seria bom porque conseguiriam fazer mais
estradas. De novo no Quênia, eu estava hospedado num hotel, podemos
dizer, de luxo. Tanto é que no mesmo hotel estava hospedado o presidente do
Quênia, na época, que era o Jomo Kenyatta. E me chamou a atenção que do lado do
hotel uma plantação de girassóis, pra extrair o óleo, e quem trabalhava nesta
plantação era um homem com um macacão marrom com um “P” pintado nas costas. E,
de novo, eu vou perguntar pros guardas, ao menos, e ele me explicou que
efetivamente estes eram presos. Eu achei muito esquisito, porque do lado do
hotel, hotel de luxo, com o presidente hospedado, tem o detento ali
trabalhando. Aí ele me explicou que, obviamente, estes eram presos de baixa
periculosidade, eles tinham cometidos crimes não considerados extremamente
graves. Ele frisou também o fato que se eles se comportassem bem, eles iam
cumprir a pena trabalhando desta forma, agora se ele tentasse fuga ou coisa
diferente eles pagariam a pena em condições bem menos humanas, vamos dizer
assim. São flashs que me vêm, entende? A Iugoslávia é um exemplo
clássico, sabe? Porque... Eu estou falando de momentos, então eu fui na
Iugoslávia quando o presidente era Tito, que foi aquele que conseguiu unificar
todas as várias tribos, todas as várias etnias e criar esta Iugoslávia
unificada. E, pra mim, foi uma experiência muito interessante, não tive
problema nenhum. Sofri, assim, quando vi na televisão os massacres que
aconteceram depois, quando uma etnia se revoltou contra outra. Então passei por
momentos diferentes em diferentes momentos. Na Tunísia, Bourguiba, que é
considerado o pai da pátria. No Quênia, os rapazes com os quais me relacionava,
diziam que eles se livraram do julgo dos ingleses, e conseguiram a
independência, mas o comércio tinha ficado praticamente todo na mão de
indianos, que tinham vindo atrás das tropas inglesas, ao menos. E o africaninho
ali que estava conversando comigo dizia: “Bom... num determinado momento a
gente se livrou dos ingleses, um dia ou outro vamos nos livrar, também, dos
indianos”. Foram experiências prazerosas e diferentes. Por isto estou
dizendo: “Isto sou eu”. Porque quando eu fazia este tipo de experiência, as
pessoas frequentavam aqueles lugares típicos da Itália, não saiam daquele
mundinho. Deslizando pra outro galho da mesma árvore, poderia falar um
pouco da minha experiência com jogo de azar. Estou falando legal, dentro de
casa de jogos, cassinos. Esta é uma coisa extremamente interessante, ao meu
ver, neste sentido: quem não tem experiência deste tipo de situação acha que os
cassinos são falsificados, que é impossível ganhar... E não é nada disto. Eu
repito: estou falando de cassinos legais. Aonde tem controles rigidíssimos, e
aonde o cassino sabe que ele sempre ganha no sentido que por um que ganha, tem
cem que perde. Então, ele sempre sai ganhando. Mas você, com todas as
possibilidades do mundo, pode ser o cara que ganha. E isto você só percebe na
primeira vez que vai no cassino e ganha. Porque todas as pessoas que conheço
que foram num cassino e perderam, nunca mais voltaram a jogar. Aquele que, como
eu, tiveram a sorte, ou azar, de ganhar, na primeira vez que entraram,
perceberam que era possível ganhar. Era possível o inacreditável de acertar
aquela cor, ou, mais complicado ainda, aquele número, ao menos, e ganhar um
dinheiro bom. Eu tenho frequentado todos os cassinos do mundo europeu, vamos
dizer assim. A grande verdade é que pra uma pessoa rica, o cassino é
perigoso. Porque você pode, dentro de um cassino, se transformar de um rico num
pobre. Agora se você já é pobre, você só pode ganhar. Porque o máximo que você
pode perder, são aqueles duzentos/trezentos reais, vamos dizer assim, que você
tá no bolso. Você não tem condição de ir num cassino e perder dez mil,
cinquenta mil. Você não tem cinquenta mil pra perder, entendeu? Tudo bem, me aconteceu coisas assim: eu, por exemplo, com a
minha primeira esposa, fomos no cassino com a intenção de jogar, vamos dizer,
quinhentos reais e, por acaso, a gente estava no bolso com mil reais, cuja
finalidade era fazer a instalação do implante de calefação, porque o inverno
italiano é rígido. Então queria fazer a calefação dentro de casa. Só que
entramos na onda e perdemos os quinhentos que a gente tinha programado perder,
e mais os mil do implante de calefação. E nós passamos o inverno agarrados um
no outro pra nos esquentar na época de frio. Ou, posso dizer, na Grécia fomos com dois casais de amigos,
obviamente, ida e volta paga, hospedagem tudo pago, desde a saída da Itália, e
a gente tinha um X pra passar estes quinze dias. Na primeira noite, fomos no
cassino de Atenas e a gente tinha reservado jantar com direito a espetáculo
dentro do cassino. Nós chegamos com meia hora de antecedência do horário que
tinha marcado o jantar e o espetáculo. E, obviamente, o que eu faço nesta meia
hora que espero? Entrei no cassino e comecei a ganhar. Qualquer coisa que eu
apostasse, dava certo. Então, com muito esforço, com muita fadiga, meus amigos
me convenceram a largar a mesa de jogo e ir fazer o jantar com eles, assistir
ao espetáculo. Mas minha cabeça queria só voltar. Eu fui, assisti sem curtir
nada do espetáculo, sem curtir nada do jantar, voltei. Quando voltei, a minha
maré de sorte tinha virado, e eu perdi tudo que tinha ganho, tudo que tinha
programado, mais todo o dinheiro que eu tinha programado pra passar quinze dias
de férias. Eu fiquei liso completamente. Só sobrevivi nestes quinze dias porque
os dois amigos se cotizaram, e cada um renunciou uma parte do dinheiro que eles
tinham pra gastar e me emprestaram este dinheiro pra sobreviver. Posso contar que, no cassino de Túnis, eu estava hospedado
em um hotel, peguei um táxi, e fui no cassino. Quando cheguei, eu estava
vestido com um terno de linho branco, e minha esposa com um hábito de gala
comprido, e fomos recepcionados no jardim que dá acesso ao cassino, por um
mâitre, que foi extremamente gentil, extremamente cordial, me convidou pra
sentar em uma mesa, ali neste jardim. E continuava chegando pessoas, todas
elegantemente vestidas, e sentavam nas várias mesas, e passavam os garçons,
serviam canapé, serviam drinks, ao menos, e eu que já tinha uma experiência de
cassinos, falei: “Puts! Nunca vi um cassino que trata tão bem seus hóspedes,
seus jogadores!” Imaginando que abrissem a sala de jogos um pouquinho mais
tarde, que esta fosse a recepção. Bom, resumindo, depois de uma hora, depois de
ter tomado drinks e canapé, descobri que o que estava acontecendo era um
casamento dum casal que tinha alugado este espaço do cassino, a parte externa,
pra fazer a recepção do casamento. E o mâitre, quando me viu chegar
elegantemente vestido, achou que eu fosse um dos convidados. Como eu não sabia
de nada, sentei lá e bebi à vontade. Então foi uma experiência... Assim,
assisti ao casamento, foi muito lindo, sabe? Uma experiência que, vamos dizer,
tem a ver com cassino neste sentido. Outra coisa que acho que pode ser digna de nota, foi no
cassino de Monte Carlo, com um casal de amigos, fomos jogar em uma noite de
azar. A gente não tava conseguindo nada, perdemos tudo o que a gente tinha
programado perder. Só que a gente estava com muita vontade de continuar
jogando. Só que, como disse, a gente não tinha mais dinheiro. Só que, embaixo
do cassino de Monte Carlo, o antigo, o tradicional, não é o novo, aquele que
tem roletas americanas. Aquele tradicional, embaixo, tem uma casa de penhora.
Então nós, como jogadores que somos, inveterados, recolhemos relógios,
alianças, correntinhas, ao menos, que a gente tinha e pegamos um dinheiro.
“Daqui a uma semana, daqui a um mês a gente volta e resgata o nosso ouro,
nossos bens”. E conseguimos este dinheiro, voltamos pra dentro do cassino. E
iniciamos a jogar e o azar perdurou. Perdemos, de novo, praticamente tudo o que
a gente tinha conseguido. Em um determinado momento, o meu amigo, cansado de
perder, veio do meu lado e me disse: “E ai, como é que estão andando as
coisas?” E eu disse: “Eu estou perdendo tudo”. E ele disse: “E eu também. Deixa
pra lá! Vamos tomar um whisky lá no bar!” Aí eu me afastei e nem me toquei,
naquele momento, que tinha feito uma aposta. Aí eu fui, tomei um whisky,
conversei, passaram uns cinco/dez minutos, um tempo assim, quando voltei vi que
o chefe me fazia sinais desesperados e eu fui lá e vi que a minha aposta tinha
ganho. E, se você não retira a aposta, ela continua valendo pra próxima aposta.
E eu fiquei dez minutos lá e, por dez minutos, esta aposta continuou ganhando.
E eu cheguei lá e tinha um montão de dinheiro lá em cima, com o qual
recuperamos tudo o que a gente tinha perdido e foi uma festa fantástica, graças
a Deus. Não sei se foi uma festa porque voltei a tempo, ou se era melhor eu ter
ficado mais dez minutos. Eu sei que, na hora, retirei esta bolada e ficou
gravado na memória como um acontecimento específico. Teria muitas outras pra
contar, mas daí falaríamos só de cassinos. Eu não tenho amigos comum entre a primeira vida e a
segunda vida. Os amigos da Itália são relegados aos 48 anos que eu vivi lá. E
os amigos brasileiros são os amigos que eu fiz nestes 25 anos que vivo aqui. As
minhas experiências gerais de vida que eu passei na Itália, não tem quase,
praticamente, nenhuma afinidade com o que eu vivi nesta segunda desta vida
única aqui, não é? Porque se faz a junção. Então, por exemplo, já falamos de
viagem, já falamos de experiências pessoais, assim. Mas, uma característica que
determina a vida de um indivíduo é o trabalho. E nesta situação posso te dizer
assim: Eu iniciei a trabalhar quando decidi, porque foi uma decisão, parar de
estudar. Aqui abro um pequeno parêntese: Eu sou filho de marinheiro, neto de
marinheiro, sobrinho de marinheiros, a minha família toda, meus primos todos
foram marinheiros. Se perde nas gerações passadas essa ligação, essa paixão
pelo mar. Só que, segundo a visão do meu pai, essa era uma visão romântica da
vida. Ele que viveu a vida toda como marinheiro, ele sabia, por experiência
própria, que passada aquela visão romântica de juventude, o fato de ser
marinheiro queria dizer viver longe de família, longe de mulher, longe de
filhos, longe de afetos. Particularmente, estamos falando do que era a Marinha
e o trabalho de marinheiro trinta anos atrás. Faço um exemplo, hoje os trajetos
são mais rápidos, mas, de qualquer forma, ainda hoje, precisam entre Europa e
Estados Unidos ou América em geral é uma navegação de 20/25 dias. Você chegando
no destino, não vai conhecer o país. Você no máximo de 24 horas descarrega o
navio, carrega o navio e você volta. Então você passa 50 dias, entende?, em
navegação circunscrita em um ambiente limitadíssimo. Longe de qualquer
situação. Em caso de emergência você não pode pegar um avião e volver. Nada.
Você tá lá e são 25 dias, porque normalmente é travessia direta. Vamos dizer
assim: Meu pai era contrário à ideia que eu fosse marinheiro. Só que esta era a
visão dele. Então eu tinha feito 2 anos de segundo grau, não é?, e sem o
conhecimento da minha mãe, retirei o dinheiro da inscrição do ano escolar do
segundo grau, e usei este dinheiro pra fazer a inscrição na escola de
marinheiros na cidade de Génova. Fiz um curso de motorista naval, que durou 6
meses. Quando minha mãe descobriu, já tinha iniciado o período escolar, então
não podia fazer nada e pra não me deixar no meio da rua me deixou fazer este
curso e me disse: “Quando o seu pai vem”, porque tava fazendo uma viagem mais
longa, “você se entende com ele”. Dito e feito. Eu fiz o curso, passei. Mas,
meu pai, quando voltou, segundo a legislação vigente da época, meu pai me
disse: “Enquanto você viver comigo, você só vai narregar quando você completar
21 anos. Até lá, você vai fazer qualquer coisa, menos navegar”. E aí acabou o
meu sonho e a minha experiência como marinheiro. E, hoje, acho, com a
maturidade, que o meu pai tava mais do que certo. Bom, a partir dali eu decidi que não queria mais
estudar. Se não podia fazer o que eu queria fazer, vou trabalhar de qualquer
coisa. Saí de casa, na época era, afortunadamente, melhor do que é hoje e eu
saí de casa, fiz 1 quilômetro de caminho e encontrei uma agência... vamos dizer
uma espécie de correio. Era um correio particular. Porque o Correio Nacional se
entra através de concurso ou coisa assim. Bom, na época tinha esse correio particular.
Entrei, fui contratado, e trabalhei, agora não me lembro mais, uns 2 anos, me
parece, neste correio particular. A partir dali a visão relacionada ao correio
ficou mais clara e consegui entrar no Correio Nacional, aonde trabalhei por 19
anos, seis meses e um dia. Por que? Porque, desde o primeiro dia, eu percebi
que a situação não era exatamente muito excitante. Não tou falando de carteiro,
tou falando de correio de um modo geral. Eu trabalhei no setor interno, em
todos os setores internos do Correio. Mas, em brevíssimo tempo, percebi que não
era uma coisa que ia me dar muito prazer, muita satisfação. Mas era uma
garantia, porque, de qualquer forma, trabalho pelo governo, é um trabalho
seguro, você recebe, não tem crise, não tem nada. E eu perguntei e me falaram:
“Como funcionário público, você tem direito a aposentadoria imediatamente”. Não
como se faz na indústria particular que você, mesmo com direito à
aposentadoria, você vai receber a aposentadoria quando você completar seu
sexagésimo ano de idade. No funcionalismo público, se você, o mínimo, na época,
era 19 anos, 6 meses e um dia, e um dia depois você inicia a receber a
aposentadoria. Então eu entrei no Correio com 20 anos, com 39 anos eu me
aposentei. Foi o melhor negócio que eu fiz na vida. Porque tenho 73 e trabalhei
19 anos, 6 meses e um dia e já são 30 anos que recebo a aposentadoria. Quando me aposentei, acho que já conversamos sobre
isto, a problemática é que quem trabalho no Correio, quando sai do Correio, não
tem uma profissão específica. Então, a alternativa era inventar uma profissão
pra mim. Porque, saindo do Correio, vou fazer o que? Porque não tenho físico
pra ser pedreiro, não tenho habilidade manual pra fazer qualquer coisa, não
aprendi a fazer nada que não fosse inerente ao Correio. E também era jovem
demais, com 39 anos, pra pensar em viver de aposentadoria, independentemente do
valor da aposentadoria. Então iniciei a inventar. E quando digo inventar, já
tinha começado a inventar. Porque, em contemporâneo com o serviço no Correio,
eu criei uma criação de bichos para a confecção de casacos de pele. Na época,
não tinha ainda esta persecução aos trabalhadores do setor, né? Não tinha esta
consciência ecológica, ao menos, então ninguém mexeu comigo neste sentido. E
foi uma experiência extremamente interessante. Porque a criação, em si,
pressupõe diversos momentos, diversos setores. Tou falando assim – você é
criador, então tem que entender um pouquinho, estudar um pouquinho de genética.
Porque você tem que saber que se você cria acasala irmão com irmão, mãe com
filho, pode ter este tipo de problema. Então, a consanguinidade tem que ser
evitada. Ao mesmo tempo, você vê as características físicas do animal: Aquele
que é maior, aquele que a fêmea te der mais número de filhotes. Então você tem
que fazer todo um estudo específico. Além disto, você tem que estudar
alimentação: o vison é um carnívoro, então você que tem providenciar
alimentação pra ele; só que a alimentação tem que ser uma alimentação que você
tem que manter dentro de um custo, então você tem que procurar peixe barato,
carne barata, vamos dizer, o resto do frango, as cabeças, as pernas, entendeu?;
você compra peixe no momento de maior oferta no mercado, aquele peixe que já
perdeu a beleza pra ser apresentado, por um motivo qualquer, então você compra;
óbvio que tudo isso pressupõe um trabalho de preparação, de trituração, de
congelamento pra poder manter este alimento por 1 semana, 15 dias, vamos dizer,
você compra hoje e vai precisar... Então, tem todo um discurso. Com a expansão
do negócio, você precisa fazer ninhos de madeira, gaiolas de redes metálicas, e
essas gaiolas e esses ninhos não existem prontos no mercado. Então você tem que
aprender a fazer, entendeu?, a copiar de um outro criador. Você tira a foto,
tira a medida, depois vai lá e quebra a cabeça: você faz um ninho e diz: “É
esse! Então vou fazer 50 destes”. Compra a madeira, corta, cerra, prega e faz.
Idem com a gaiola. Então é toda uma série de coisas. Além disto, depois tem a
parte final que é matar. Não vamos esquecer disto. Estes animais têm que ser
matados e tirar a pele deles. A carcaça não é comestível, então a carcaça serve
como adubo pra o cultivo de outras coisas, vamos dizer, de árvores... não tanto
de alfaces e coisas assim. Mas como adubo pra árvore e a pele você leva em
indústrias especializadas e fazem... não sei como se diz em português. Em
italiano é concia. Não sei, depois vamos procurar como é. Faz esta coisa. E
eles te devolvem, devolvem pra você as peles prontas e separadas em quantias
necessárias pra confecção de um casaco de pele. Normalmente, pra confecção de
um casaco feito com machos são necessárias 30 peles. Pra um casaco
confeccionado com pele de fêmea, que é menor, é necessário 40/45 peles. E,
apesar de estarmos falando de animais da mesma coloração, eles têm pequenos
nuances, pequenas diferenças. Então a mesma indústria que faz a curtume, tem
funcionários especializados que juntam essas nuances. Porque existem várias
colorações. Quando digo vison, aqui vocês não conhecem, pode procurar no dicionário
ou no Google, a palavra em inglês é “mink” e você pode ter esta coisa. E estou
falando, existe vison branco, preto, marrom, cinza, entendeu?, são vários
tipos. Só que dentro do cinza, dentro do marrom, ao menos, tem colorações
diferentes e você não pode fazer um casaco de cores diferentes. Então tem que
ser 30 marrons da mesma tonalidade de marrom, sabe? E, depois disto, você tem
que vender pra lojas de costura de peles. É um trabalho que vai de uma coisa
pra outra. Falei da situação de mata-los. Pode ser interpretado
de várias formas. Mas, pra entender o que eu vou dizer, tem que pensar nisto: o
vison não é um animal domesticável. Então, se você cria galinhas, se você cria
coelhos, e você é uma pessoa sensível, você chega a um momento que não tem coragem
de matar a galinha que você pegou como pintinho, faz carinho nela... O vison,
quando você chega perto, ele morde – sempre! E a mordida dele é extremamente
dura, extremamente dolorosa. Na natureza, é um predador selvagem, mata pelo
prazer de matar, não só pra se alimentar, mas pelo prazer puro de matar. Tanto
é que se ele entra em um galinheiro, contrariamente a uma raposa que mata 4/5
galinhas, porque, ao invés dela encher o bucho, ela chupa o sangue, que é a
coisa mais nutriente, o vison não: Ele mata! Ele entra no galinheiro e tem 200
galinhas, ele mata as 200 galinhas, independentemente de depois ele comer
alguma coisa. Mas a satisfação maior dele é a matança. O acasalamento é feito
por estupro: O macho, usando o fato de ser de tamanho bem maior do que a
fêmea... Óbvio que você sabe quem mais coisa. A fêmea consegue fazer o
acasalamento porque ela está no cio. E você descobres este cio a partir do
momento que a mãe dela entrou no cio. Complicado de saber. Mas vamos dizer
assim: o cio dura 5 dias. Bom, as fêmeas cuja as mães entraram no cio no dia 4
de março, ficaram, então, no cio, de 4 a 9, as filhas delas entrarão no cio de
4 a 9. Então, se você bota a fêmea pra ser acasalada no dia 2 ou no dia 12, não
tem conversa, então o macho acaba matando a fêmea. Então você tem que ter
registrado com cartãozinho e toda esta coisa, saber que aquela fêmea, a mãe
dela, foi acasalada no dia 4, no dia 5, no dia 6, então nestes dias, as filhas
delas, você vai botar pro macho tentar cobri-las. Você vai aprender qual é o
momento de você intervir. Se você ver que o acasalamento não está dando certo,
que o macho está sendo violento demais, você tem que intervir, porque, senão,
mata. É um discurso complexo. Mas, isto eu tou dizendo porque, contrariamente,
como dizia antes, a outros tipos de criações, você pega amor ao conjunto da
obra. Você se apaixona pelo fato de ser um criador deste tipo de bicho. Mas
você não cria vínculos com nenhum destes bichos. Se você criou um vínculo, é
contrário, é de ódio. Porque quando ele consegue te morder, você diz: “Vou te
pegar! Você vai ser o primeiro a morrer!”. Porque ele te morde desde que é...
Quando nasce ele tem uns 5/6 centímetros e quando tem 15/20 centímetros ele já
te morde. E pra você entender o que a mordida de um vison imagine isso: A gente
manuseia ele com pele de alce americano, que é um couro grosso. Mesmo assim,
este couro serve a evitar que o dente, que é fino, mais ou menos, como o dente
de um gatinho, então, quando ele dá uma mordida, a grossura, a espessura da
luva evita q ele atinja o teu dedo. Mas, a força da mordida, é a mesma coisa.
Você pode imaginar: Botando a mão dentro de uma luva, e depois dando uma
martelada em um dedo. Pra você ter uma noção, eu brincava dando um lápis,
botava na boca e ele, com uma mordida, quebrava o lápis em 2. Isto pra entender
a força mandibular. Então, feita esta justificativa moral, eu aprendi com
outros criadores de outras regiões, que o melhor método de matança pra esses
bichos, pra esses animais pra poder tirar a pele era através de câmara a gás.
Quando digo câmara a gás entendo uma caixa de madeira, de mais ou menos 1 metro
e meio por 50 centímetros nas laterais, a parte de cima num vidro, pra poder
enxergar o que está acontecendo, uma abertura pra poder enfiar os animais
dentro, e tem uma entrada com um cano de plástico que é ligado de um lado ao
cano do escapamento de um carro. Então você pega, com as luvas, os bichos,
enfia dentro desta caixa, enfia 5/6/7 de uma vez, eles iniciam a se debater lá
dentro, e, mais rápido possível, pra evitar que eles se machuquem um ao outro,
conecta com o carro, liga o carro, óxido de carbono – mata. Pega ele
imediatamente, engancha uma pata num ganchinho como gancho de açougueiro, e com
um bisturi de cirurgião você faz. Então você percebe que tem toda uma série de
trabalhos específicos quando você diz: “Vou ser criador de bichos”. Bom, de qualquer forma, como estava dizendo, eu fiz
este trabalho em contemporâneo ao momento em que trabalhava no Correio. Porque
o meu empenho no Correio era de 7 horas por dia. Então, se eu trabalhava de 7h
às 2h, na parte da tarde ia na criação. Se trabalhava de tarde, de manhã ia na
criação. Eu tinha um sócio pelo menos por um determinado período de tempo pra
este trabalho. Então conseguia fazer as duas coisas. O que foi uma
característica da minha vida: Sempre tentei, quando era mais jovem, ocupar o
meu tempo e deixá-lo o mais lucrativo possível. Então, quando me aposentei do
Correio, já tinha acabado esta experiência. Que foi uma experiência, como
expliquei, bastante construtiva pra minha vida, bastante interessante, ganhei
dinheiro, perdi dinheiro, agora não é o caso de mexer nisto. Mas estou querendo
dizer que esta profissão, esta atividade já tinha acabado quando me aposentei
do Correio. Então o que é que eu fiz quando me aposentei? Era época que estavam
nascendo os primeiros joguinhos eletrônicos. Vamos dizer: Todo mundo conhece os
fliperamas. Isto já fazia muito tempo que existia. Eu estou falando dos
primeiros videogames. Só que, na época, o computador ainda era um sonho de
consumo só pros americanos. Na Europa, ainda, quase ninguém tinha computador,
então não existia nada disto. Só que existia, vamos dizer, tipo fliperama só
que ao invés de jogar com uma bolinha, era um jogo de coisa. E o que estava
acontecendo é que em todos os bares, em todos os lugares, tinha uma ou duas
destas maquininhas. E os rapazes iam, botavam a ficha, não é?, dentro, jogavam
aqueles 10 minutos/15 minutos. Aquele cara que era mais habilidoso conseguia
passar de fase, durar mais tempo com uma ficha. E aquele que era menos
habilidoso em 2 minutos perdia a ficha e tinha que comprar outra ficha. Bom, eu
vi esta coisa, via a febre que estava dando nesta coisa, entrei em contato com
pessoas do ramo, e tive a ideia de juntar, num único lugar, várias destas
máquinas. Ao invés de ser uma máquina que tem um único tipo de jogo num bar, eu
aluguei um espaço e botei, não me lembro, 30/40 máquinas dentro deste espaço.
Além disto, dentro deste espaço, botei um bar, com serviço pra lanchonete,
coisas deste tipo. Mais pra frente botei um telão grande de 3/4 metros.
Passavam os DVDs musicais. Na época o Duran Duran, o Michael Jackson. E
consegui, com isto, transformar este lugar em point de encontro. Então, a
juventude da minha cidade vinha ali pra jogar, passava o tempo tomando
refrigerante e comendo sanduíches, fazendo amizade com os meninos e com as
meninas que estavam jogando, e virou point de encontro: Eu abria 1h da tarde e
ficava até 10h/11h da noite, entendeu?, pra não dizer mais tarde ainda. Esta
foi, vamos dizer, pra mim, uma experiência além de trabalho, ao menos, porque
me ensinou a conviver com pessoas bem mais jovens do que eu. Porque, apesar de
ter uma faixa etária bastante eclética, a princípio, o grosso dos clientes eram
rapazinhos de 15 anos/16 anos. E eu já tinha 39, então já tinha destaque. Mas
eu consegui me entender com este mundo de juventude, interagir com eles. Tanto
é quando saí da Itália com 48 anos os amigos mais chegados que eu deixei eram
aqueles que eu tinha feito nesta aventura. Deixei lá rapazes de 25 anos que
tinham passado os últimos 10 anos trabalhando comigo. Bom, esta é uma das
coisas. Mas não foi só isso. Tive a ideia de abrir uma agência
de casamento. Porque, contrariamente ao Brasil aonde tem mais mulheres do que
homens, na Itália, eu acho que é em toda a Europa, mas vou falar
especificamente da Itália, tem muito mais homem do que mulher. Faço um exemplo,
se você entra em uma discoteca, uma discomusic, dentro você encontra 50
mulheres e 100 homens. Se você entra em discoteca aqui no Brasil, você encontra
100 mulheres e 40 homens. Destes 40 homens tira aqueles que não gostam de
mulher, então você vê que a porcentagem é interessante. Bom, isto me abriu um
outro nicho de mercado, isto me mostrou que existia esta possibilidade. Abri
esta agência de casamento, agora não vou me delongar, mas foi um discreto
sucesso também esta empreitada. Deixei esta outra empreitada, porque um amigo que era
um profissional no campo da arte, ele trabalhava com pinturas específicas do
período 800 italianos, os grandes mestres da pintura italiana do século XIX. E
ele me chamou pra trabalhar com ele, apesar de eu não ter nenhuma experiência
no campo, sobretudo como homem de confiança dele. Então, partindo deste
pressuposto, comecei a entender um pouco da atividade. Depois de um certo
tempo, eu cuidava, sobretudo, das exposições que eram fora da nossa cidade. Ele
tinha uma galeria de arte fora da nossa cidade, e ele cuidava da galeria. Mas a
gente fazia exposições em outras cidades. Eu ia, instalava as exposições,
montava o box, já tinha toda uma listagem de preço, até onde podia chegar, ao
menos. E ele que era o expert da situação, vinha no final de semana. Eu ficava
nesta cidade, Bolonha, Florença, ao menos, onde tinha exposição, sozinho, de
segunda a quinta, na sexta ele chegava e ficava sexta, sábado e domingo comigo.
Então, quando se tratava de fechar negócios menores eu fechava, tinha a
liberdade de fechar. Quando se tratava de altas obras de alto valor, eu marcava
um horário e dizia: “Olha, no fim de semana, vem o proprietário e você combina
com ele, vocês se entendem com o preço”. Fora isso, às vezes, eu ia entregar
obras... Bom, aqui as distâncias são completamente diferentes. Mas pela visão
italiana 500 quilômetros/800 quilômetros é uma viagem que só se pensa de fazer
com avião. Então, eu pegava um avião e ia entregar uma obra que ele tinha
vendido pra um cliente, recebia em dinheiro vivo, pra evitar problema de
fiscalização e de imposto, esse tipo de coisa assim. Dentro da legalidade, mas
aquela legalidade no fio da navalha. Pra evitar a declaração de imposto, ao
menos, de um lado e do outro, as vezes era interessante que não resultasse esta
declaração. Então eu entregava a obra, recebia o dinheiro e cada um ficava
feliz. Só que o meu empresário confiava em mim pelo fato de eu estar longe,
pegar dinheiro... Mas esta é outra coisa. Bom, de tudo isto, pra retornar a nossa fala inicial,
quando vim pro Brasil, por n motivos,
não pude trazer nada destas experiências. Vamos dizer assim: Criação de bichos,
lá funcionava porque o inverno europeu é um inverno rígido que faz com que
animais que tenham uma pelagem forte, funcione. Mas aqui, clima tropical, os
animais não sobreviveriam e não tem consumo porque não tem ninguém que está
interessado neste tipo de coisa. Como disse, a inversão de número de papel
entre homem e mulher entre a Itália e o Brasil faz com que uma agência de
casamento aqui não interesse a ninguém. Então, você entende que tudo o que
aprendi lá, aqui não servia. Bom, chegando aqui, só como resquício desta minha
imersão no mundo das artes, encontrei um rapaz que estava trabalhando como
escultor em pedras-sabão. E eu tive uma visão, gostei muito do trabalho deste
cara, que era uma pessoa extremamente simples. Então ofereci pra ele de ser o
marchand dele. Então, a partir de hoje você não vende mais nada pra ninguém
você tem liberdade criativa, faz o que você sabe fazer, cria as suas esculturas
e guarda ali. Eu te pago, na época, vamos dizer assim, um salário mínimo, você
tem a garantia de ter o teu salário e o que você faz, você dá pra mim, e eu
comercializo esta coisa. Interessante pra ele, porque era uma pessoa
extremamente simples, e interessante pra mim, que tive uma visão de negócio,
vamos dizer assim. Iniciei a fazer isto, ele criou 30/40 esculturas, eu
organizei, aqui em Maceió, uma primeira exposição, que foi um sucesso, foram
vendidas várias peças. Não sei se é o caso, se posso citar, na galeria
Karandash, que aqui é conhecida. E aproveitando que, na época, estava passando
na Globo uma novela que era “Mulheres de Areia”, e sendo que essas pedras são
feitas... eu disse pedra-sabão, mas não é, é pedra-arenito. Então, eu fiz a
exposição chamada “Mulheres de Areia”. A minha ideia básica era fazer várias
exposições pelo Brasil, recolher os recortes de jornais locais que falavam
destas exposições, pra criar, vamos dizer, um currículo profissional deste
escultor que eu estava cuidando da imagem dele. Com esta bagagem de exposições,
eu queria, depois, encher um container de esculturas, levá-lo pra Europa e
fazer exposições na Europa. Porque os valores de uma obra de arte na Europa, é
bem maior. Pra você ter uma ideia, eu estou falando de 1992, aproximadamente.
Em 92, eu estava vendendo estas peças a 100 dólares, 1992, 100 dólares cada
obra. Na Europa, uma peça desta, não sairia por menos de 1000 dólares. Ninguém
considera obra de arte, qualquer coisa que possa ser considerada obra de
arte... Não estou falando de nada excepcional, não é um Picasso, não é uma
coisa assim. Mas, qualquer coisa, que seja uma obra de arte e não artesanato,
não sairia por menos de 1000 dólares. Então, retornando, fiz esta exposição,
devido ao sucesso desta iniciei a programar uma exposição no Recife. Contratei
um lugar pra fazer uma nova exposição, contratei pessoas lá pra montar... Bom,
resumindo, quando estava quase tudo pronto, por um cataclisma, uma ventania ou
sei lá. Caiu o teto do lugar que eu tinha programado pra fazer a exposição.
Isto me deu um enorme prejuízo econômico e, sobretudo, moral, entendeu? Então
eu perdi um pouco a coisa. Não consegui entrar em contato, na Itália, com
alguém que pudesse assumir este papel. Porque a minha ideia era: eu cuido da
parte brasileira, faço este trabalho, reúno recorte de jornais, reúno as obras
de escultura, boto num container e mando pra Itália. Aí lá alguém tinha que se
preocupar em desembarcar as obras, organizar as exposições, fazer as vendas lá.
Não queria fazer tudo, entendeu? Bom, moral da história: não vingou mais do que
tanto isto. Só pra dizer aqui as experiências. Um dia, uma amiga, uma conhecida me chamou pra ir pra
casa dela aonde um mestre de capoeira tava dando aula pra ela. Tinha tido uma
amizade com um rapaz italiano que escreveu uma carta pra ele. Só que o cara
escreveu em italiano e ele não entendia. Então ele pediu pra essa minha
conhecida se eu podia traduzir esta carta pra ele. Aí eu fui na casa dela,
assisti esta aula de capoeira e fiz a tradução da carta, coisa extremamente
fácil. Só que fiquei entusiasmado com esta aula de capoeira. Porque capoeira,
na Itália, mesmo que exista é uma coisa completamente... Não é como judô,
jiu-jitsu, caratê que são artes maciais mais conhecidas. A capoeira é
específica do Brasil. Então eu nunca tinha visto esta coisa e me chamou muita
atenção. Eu vi que o cara era muito bom no trabalho dele, tinha uma boa
dialética de metodologia de ensino, além de ser um mestre de capoeira. E
conversa vai, conversa vem e eu morava, na época, em Cruz das Almas, tinha uma
casa grande, com um espaço e um quintal muito grande... Moral da história: Convidei
o cara pra vir na minha casa, no meu quintal, a fazer aula e a coisa iniciou a
crescer: um, dois, três, quatro, cinco, dez alunos. Só que isto me criou outro
tipo de problemática, porque os alunos faziam as aulas e depois precisavam de
banheiro, precisavam de um copo d’água e a coisa ficou... Entendeu? As
funcionárias da minha casa trabalham pela academia que eu estava dando de graça
completamente. Bom, na minha visão de negócio, vi que podia ser interessante.
Então, em frente à minha casa tinha um terreno cercado por um muro, com uma
casa – tive uma visão. Resumindo, fiz sociedade com ele e montei uma escola de
capoeira: Escola de Capoeira Pôr-do-Sol dos Palmares, em Cruz das Almas.
Sucesso mais uma vez. Só que... Porque sempre tem um “mas”. Eu percebi que a
escola de capoeira funcionava muito bem de segunda a quinta. Na sexta-feira,
sábado e domingo, obviamente, as pessoas não vinham pra escola de capoeira e
saiam pra noite, saíam pra boate, saíam pras coisas. E eu percebi que de
segunda a quinta gastava um copo d’água. E que sexta a domingo iam pra noite e
gastavam dinheiro. Então eu percebi que tinha uma estrutura montada, entendeu?
linda... Mas que me dava pouca lucratividade. Então entendi que o espaço
funcionava como escola de capoeira de segunda a quinta e sexta, sábado e
domingo virava boate, virava casa de show, vamos dizer assim. Aí contratei
todos os cantores de Maceió: O Maclen, a Vilma... Agora eu não lembro. Mas
todos eles vieram se apresentar na minha casa de shows. Fiz shows de rock... Fiz...
Mas eu vi que o que mais dava retorno, o que as pessoas gostavam era pagode.
Então fiz casa de pagode. Iniciamos em uma noite que se festejava aqui o dia
dos namorados. Porque na Europa e nos Estados Unidos é 14 de fevereiro, aqui é
12 de junho. Então, na primeira vez, inaugurei a primeira noite de pagode e, a
partir dali todo fim de semana tinha pagode. Agora, aqui, vou ser extremamente
conciso porque é também uma lembrança que é meio que antipática. Vamos dizer
assim: Quando você mistura música, mulher e bebida – se não é na segunda, é na
terceira; se não é na terceira, é na quarta; mas um ou outro vai dar confusão.
E dito e feito. Uma noite, dentro do meu estabelecimento, teve uma confusão
entre um policial militar e um dos meus seguranças, tiroteio, coisas deste
tipo. Eu passei uma na cadeia. Agora, aqui, vou resumir porque senão vou
demorar 3 dias pra contar toda esta história. Bom, ali acabou a minha
experiência como empresário da noite. E fiquei tão revoltado que, no
entretanto, eu tinha comprado um terreninho aqui no Pontal da Barra, onde
estava construindo uma casinha pra fim de semana. Chamei a arquiteta,
modifiquei a planta desta casa e decidi fazer uma casa onde morar mesmo. Então
sai de Cruz das Almas que me lembrava de toda esta história, e vim morar no
Pontal. No Pontal, fiquei 1 ano/1 ano e meio, mais ou menos,
olhando em volta o que acontecia. Vi que este bairro vivia de artesanato e
decidi, mais uma vez, dar a cara a bater. Aluguei uma loja, usei a minha
experiência de vida... Porque de artesanato eu não entendo nada. Mas tenho uma
experiência comercial, uma experiência de vida, ao menos. No tempo de 3 ou 4
anos: 1 loja virou 2, 2 virou 3, 3 virou 4, 4 virou 5. Com 5 lojas, sendo 4
alugadas, a 5 foi de propriedade. Comprei o terreno e construí a loja. Então, 4
lojas alugadas e uma 5 de propriedade. Tinha, na época, aproximadamente 30
funcionários. E, no início de temporada, então com as lojas abarrotadas de
mercadorias preparadas pra temporada, pessoal altamente qualificado, altamente
treinado, início de temporada – quebrou a ponte Divaldo Suruagy, foi
interditado o trânsito. Aí o que acontece? Todo turista que vem pra Maceió, vem
querendo conhecer a Praia do Francês. E, a organização turística de Maceió é
baseada neste sentido: os ônibus de turistas pegam os turistas nos hotéis,
levam pro Francês passando pela ponte Divaldo Suruagy, passam o dia no Francês,
Gunga, Barra de São Miguel... Na volta, lá pelas 3h30 da tarde param no Pontal
da Barra, descem, o pessoal desce deste ônibus, que são 10/11, na alta
temporada, 15/20 ônibus descem pela rua do Pontal, porque é uma rua
especificadamente, que são mais ou menos 100 lojas. Naquela época, com o
bloqueio da ponte Divaldo Suruagy, o que foi que aconteceu? Eles não podiam
eliminar este point turístico do Francês do roteiro. Então, fizeram um caminho
diferente. Passaram... não sei... Como é que se chega ao Francês? Por cima! Eu
não sei te dizer. Mas tem outro caminho pra chegar no Francês, eliminando a
rota da ponte. Só que isto deixou o Pontal fora, completamente, do circuito dos
ônibus de turismo. E isto durou praticamente uma temporada. Acho que foram uns
5 meses de interrupção desta ponte. E isto me quebrou. Eu poderia, deveria ter
despedido, pelo menos, 25 funcionários. Devia que ter entregue, no mínimo, as 4
lojas que eram de aluguel, e ter ficado só com a minha loja, a última, que era
de propriedade. Mas seria muito complexo explicar tudo isto, reverter o... A
vida não é feita de “se” e de “mas”. Não fiz, fui à falência. E acabou esta
história. A partir dali eu já tinha passado dos 60, né? E decidi
dar um tempo com os negócios. Fiquei vendo televisão, fiquei contando os dedos
das mãos. Até que percebi que uma coisa que estava me incomodando, era que,
quando conversava com alguém as pessoas, percebendo que a minha dialética era
decente, me perguntavam qual era a minha formação. E eu estava incomodado com o
fato de dizer que não tinha nem o segundo grau. Foi aí que me apareceu uma
publicidade daquele curso de “Faça o segundo grau em 3 meses”, me interessei
pela coisa, fui no Marcelo Cursos, me inscrevi, fiz aquela coisa, fiz o exame.
Graças a Deus, passei nesta coisa. A partir dali um amigo meu muito querido,
disse: “Agora você fez 30, agora faz 31! Agora vai pra universidade!”. Então
falei: “Mas como vou pra universidade?”. E ele disse: “Não... Vai! Agora que
pegou o boi pelo chifre, vai pra frente!”. Aí fiz outro cursinho, de novo. Dei
a cara a bater. Fiz o exame pra UFAL, pra História. E decidi entrar pra esta
nova aventura com 66 anos. E acho que, bem ou mal, me dei bem. Me lembrei de um episódio que acredito que seja
bastante particular, bastante único. E que poderia botar como título da coisa:
“A confissão de um crime”. Faço uma pausa. Só que antes de contar este
episódio, queria estabelecer um conceito, meu, do que é honestidade. Pra mim,
existe a “honestidade relativa” e a “honestidade total”. Eu me considero uma
pessoa honesta, dentro de um conceito de “honestidade relativa”. Eu vou
explicar qual é o meu pensamento. Faço um exemplo: Se eu encontro uma carteira
com dinheiro e documentos, eu não tenho dúvidas que devolvo. E isto, pra mim, é
honestidade relativa. Se eu encontro uma nota de 50 reais, eu boto a nota no
bolso. Por que digo isto? Porque na minha vida tive um amigo, e um dia fizemos uma
hipótese deste tipo e ele foi categórico em dizer que se ele encontrasse uma
carteira com documentos, ele devolveria; se ele encontrasse uma nota de 50
reais, ele ia entregar pra o primeiro posto de gasolina, loja que estivesse nas
redondezas pra ser devolvida, de qualquer forma, à pessoa que tinha perdido
esta nota. Obviamente, no meio de nosso grupo, teve uma série de gargalhadas e
todo mundo gozou da cara dele, dizendo que ele estava entregando esta nota e
que, naturalmente, a pessoa pra qual ele entregasse ficaria com a nota. E ele
defendeu a sua posição dizendo: “A minha consciência não me permitiria de ficar
com esta nota, porque eu sei, perfeitamente, que esta nota não é minha. Só que,
entregando esta nota pra uma outra pessoa, eu não quero saber qual é a atitude
que esta pessoa vai tomar. Se ele fica com a nota ou se ele expõe em um cartaz
na loja avisando que foi encontrada... Isto é um problema dele”, ele diz, “A
minha consciência não me permite ficar com a nota, porque esta nota não é
minha”. Isto, pra mim, é um exemplo de “honestidade total”. Eu não conheço
praticamente ninguém que corresponda, além deste amigo, nunca conheci ninguém
que tivesse esta característica. Mas, vou aceitar e tirar o chapéu diante da
atitude de alguém que se comporte desta forma. Agora, vamos voltar ao crime: o
meu foi um crime legal. No sentido que fiz um ato que era sujeito a pena, foi
um infringimento de legislação. Então, se eu tivesse sido pego fazendo o ato,
eu teria sido julgado pela lei, condenado pela lei, porque estava fazendo uma
coisa ilegal. Mas, agora vou contar... Na realidade, eu estou contando até
porque já se passaram 40 anos e acredito que o crime já prescreveu, pela
legislação, além do fato de ter sido cometido em um outro país. Vamos lá, vou
contar o fato. A gente tem que voltar no tempo, aproximadamente em
1980. Nesta época, na Itália, era bastante comum, em época de natal ou em
ocasiões especiais, fazer competições de carteado ou de sinuca, ao menos. E
muitas vezes o prêmio pras duplas vencedoras, ao menos, era moedas de ouro. Mas
ouro verdadeiro. Isto porque, naquela época, é fácil recuperar os dados via
internet, ao menos, o valor do ouro era baixo. Então, vamos dizer assim, não
sei hoje quantificar, mas dava pro organizador da competição entregar como
prêmio uma moeda de ouro. Esta coisa fez com que muitas pessoas, ou pelo menos
algumas pessoas, iniciassem a fazer coleções de moedas de ouro, medalhas de
ouro, ao menos, como forma de poupança. Ao invés de guardar dinheiro, as
pessoas ganhavam dos tios, avós, ao menos, 5 reais/10 reais, juntava 50 reais e
comprava uma moeda de ouro e guardava esta moeda de ouro, na esperança que o
valor do ouro aumentasse. E eu fui uma dessas pessoas. Um pouco porque tinha
ganho alguma competição, e outra como forma exatamente de poupança: Ao invés de
botar o dinheiro num porquinho, comprava moedas de ouro. O que acontece que eu
sempre gostei de ler, desde gibi a livros de informática, sempre tive uma
paixão pra ler. E jornais de todo tipo: isto porque, trabalhando no Correio,
tinha acesso a todos os jornais em primeira mão. Iniciei a me informar quais
eram as cotações do ouro e estas coisas. Agora vamos explicar um fato: Na Itália, quem vende
moedas de ouro e quem compra moedas de ouro são lojas especializadas, normalmente
em filatelia e numismática. E, nestas lojas, a moeda de ouro pode ser avaliada
de duas formas: Uma, pelo valor do ouro; outra, pela raridade numismática. Tou
dizendo assim: Vamos pegar a Libra Esterlina, tem Libra Esterlina de várias
épocas, tem Libra Esterlina com várias esfinges. Por exemplo: No momento em que
os árabes ficaram donos do mundo com a história do petróleo, por uma coisa
curiosa, eles pagavam alguma coisa a mais por moedas de ouro com a imagem do
rei, e não queriam, ou pagavam menos, pras moedas de ouro com a imagem da
rainha. Por uma questão de machismo, entendeu? Isto é uma curiosidade. Porque,
na realidade, basicamente o valor era determinado pelo peso da moeda. A não ser
que fosse estragada, pequenos defeitos, pequenas imperfeições, davam um valor
médio à moeda. Só que este fato de dar um valor médio, fazia assim: Em uma
cidade normal, vamos dizer Maceió, havia mais do que uma loja. Se você tem uma
moeda de ouro pra comprar ou pra vender, você fazia uma pesquisa de mercado,
não é? Você ia em uma loja e perguntava: “Eu tenho esta moeda e quero vender,
quanto você dá?”. Um oferecia 100, outro oferecia 95 e outro oferecia 105. E
você comprava no lugar que era mais barato ou vendia no lugar que pagava mais.
Mediamente, o preço era bem parecido entre uma e outra. Agora vamos contar outro fato: Nesta época, na França,
estava acontecendo um fato político importante – enquanto, no poder, era, no
momento, o Valéry Giscard d’Estaing, que representava a direita, vamos dizer
assim, o centro-direita, o status-quo, pra melhor dizer. E, como opoente, tinha
o François Mitterrand, que representava a esquerda, eu acredito, de poder
dizer, que era comunismo mesmo, não socialismo – comunismo mesmo. Então, este
fato, da possibilidade de o Mitterrand ganhar a eleição e governar a França,
criou uma onda de pânico entre as pessoas que moravam na França e tinham muito
dinheiro. Isso porque eles tinham medo que o Mitterrand, eventualmente chegando
ao governo, pudesse decretar alguma lei estrambólica do tipo confisco das
poupanças, taxação enorme em cima das poupanças. Então as pessoas tiraram
dinheiro vivo das contas de banco e foram comprar moedas de ouro. Que, em
italiano, é chamado de “bene rifugio”, no sentido de que em qualquer situação,
se você tem um saquinho com moedas de ouro, você bota no bolso e foge e você
tem uma quantia relevante. Coisas que, às vezes, não dá tempo de você sacar
dinheiro, o dinheiro se desvaloriza em função de uma queda de um governo, não
vale mais nada, tem toda uma bibliografia, por exemplo, na Segunda Guerra
Mundial, na Primeira Guerra Mundial os alemães andando com carrocinhas de mão
cheias de dinheiro pra comprar um quilo de pão, porque a moeda teve uma
desvalorização enorme. Aqui no Brasil quando cheguei aqui, em 91, ainda tinha
uma inflação maluca que corroía completamente o valor da moeda papel. Então, as
pessoas, neste caso, sobretudo por medo das incertezas do futuro, incorreram
neste estratagema de trocar as suas poupanças em moedas de ouro. Só que a gente
não pode esquecer que na economia mundial tem uma lei básica que a da demanda e
oferta. Então, a partir do momento que muita gente foi atrás de moedas de ouro,
o valor da moeda de ouro cresceu de forma vertiginosa. As pessoas que tinham
moedas de ouro, se encontravam na necessidade de vender ou se achavam que valia
a pena vender, estavam vendendo ao preço máximo que conseguiam. E as pessoas
que tinham dinheiro de papel, se encontraram dispostas a pagar qualquer preço
pra ter na mão um valor diferente que não fosse declarado que não fosse
possível rastrear. Isto até porque, depois vamos ver, a legislação francesa,
assim como a legislação italiana, não necessitava absolutamente que este
comércio, esta troca fosse registrada. Então, qualquer um podia comprar ou
vender sem se identificar. O que acontece? Eu percebi estas coisas, além das
cotações nos jornais, ao menos... Só que uma diferença básica: na França, a
cotação da moeda de ouro não é estabelecida pelo dono da loja, mas é
estabelecida pelo valor da bolsa de valores todos os dias, além de dar a
cotação dos títulos, dá também a cotação das moedas de ouro identificando cada
moeda e dando o seu valor pra compra e pra venda. Então, você não dependia do
humor do comprador ou da ganância ou da capacidade de traquejo em fazer a
operação. Você quer comprar? É “X”! Você quer vender? É “Y”! Isto não se
discute. A não ser que você vá no sentido de mismática. Quando você diz: “Esta
moeda, além do valor áureo, tem um valor porque é de um ano específico, um
amoeda rara”, aí é outro papo. Eu estou falando de moedas correntes. E vou
falar, especificadamente, dos 50 pesos mexicanos, porque é a moeda, que depois
vou explicar melhor, com a qual eu trabalhava. É uma moeda grande, é uma que
pesa uns 30 gramas, não sei precisamente, mas uns 31/32 gramas, é uma moeda
bonita, é uma moeda com circulação bastante recente, motivo pelo qual se
encontra com facilidade e tem sempre uma boa apresentação, ninguém vai
questionar se tem um riquinho, ao menos, é aceita pelo valor do ouro. Então, como é que acontecia esta coisa? Eu ia compra
na minha cidade moedas de ouro em uma loja especializada, como eu disse, neste
tipo de operação. Até este momento, eu não estava cometendo nenhum crime,
porque eu ia comprar em uma loja especializada, autorizada a vender sem
problema nenhum, pagava regularmente, pegava as minhas moedas de ouro. O que
acontece? Eu pegava a minha moeda de ouro, botava no bolso, pegava o meu carro,
atravessava a fronteira – não vamos esquecer que a minha cidade ficava a 90
quilômetros da fronteira e 120 quilômetros de Nice, onde eu fazia o trabalho.
Eu, naturalmente, no momento em que passava pela fronteira, não declarava que
estava em posse desta moeda de ouro, nem de uma, nem de dez. Eu não declarava
este valor que estava passando. Então, eu estava cometendo um crime. Porque eu
estava fazendo contrabando de ouro. Porque eu teria que ter declarado, chegando
na fronteira, que eu tinha um valor de ouro que eu estava tirando da Itália e
que eu estava levando pra França. Então, se eu fosse pego, neste momento, eu
estaria sujeito a gravíssimas penalidades, não é? vamos ver depois. Mas, eu
passando a fronteira, automaticamente, de novo, eu entrava na plena legalidade.
Tanto é que eu vendia as minhas moedas de ouro para um banco. Não vou citar o
nome do banco, mas este banco, pelo qual eu não era obrigado a me identificar,
e pra evitar problemas do tipo de denúncias anônimas, ao menos, eu era
conhecido neste banco através de um codinome, eu era conhecido como Monsieur Rossignol.
Quando eu chegava lá, me relacionava com um funcionário de alto escalão
específico, vamos dizer assim, que me levava em uma salinha escondida da vista
das pessoas, eu botava na mesa as minhas moedas, ele contava, me dava um recibo
e eu ia passear, ia num restaurante, na praia, dependendo do momento, e
esperava o fechamento da bolsa. No fechamento da bolsa, vinha estabelecido a
cotação, e ele me pagava pelo valor da cotação. Aí o que acontece? Ele estava
me pagando em Francos franceses. Então eu pegava estes Francos franceses e, sem
declará-los, de novo, eu passava pela fronteira e entrava na Itália. Digo que
era sem declará-los porque, na realidade, eu não queria, sobretudo, chamar
atenção sobre esta passagem de dinheiro. Mas, neste caso específico, eu não
estava cometendo um crime. Ou, vamos dizer assim, era muito menos problemática
a coisa porque eu poderia afirmar que tinha ganho dinheiro jogando no cassino.
E os ganhos de cassino não são declaráveis, não tem nenhuma obrigação, muita
gente perde, muita gente ganha e não para na fronteira pra dizer: “Hoje ganhei
1000. Hoje ganhei 2000”. Provavelmente, uma soma mais alta poderia ter que
colocar isto em discussão. Mas, era o menos preocupante porque, no mínimo, não
existia o crime de contrabando. Poderia existir o crime de não declaração de passagem
de divisas. Mas o grosso, a problemática grave, era o contrabando de ouro. E
isto só acontecia quando eu passava da Itália pra França. Posso dizer que esta
passagem, ainda hoje, pode ser feita por várias passagens. Tem a ponte São
Louis, a ponte Ludovico, tem a ferrovia e a autopista. Então, eu não passava
sempre no mesmo horário, não passava sempre no mesmo dia, possivelmente, às
vezes, pegava um carro emprestado de um amigo, entendeu? Um dia passava pela
São Louis, um dia pelo autopista, um dia ia pela ferrovia, um dia chagava de
manhã, um dia chegava de noite. Óbvio que, quando chegava de noite, tinha que
dormir em uma pousada e esperar o horário de abertura do banco. Às vezes
chegava na segunda e fazia a operação de venda na terça de manhã, né? no
horário de venda. Só que a grande a grande sacada, o que me deixava
entusiasmado e o que, ainda hoje, me permite de enfrentar este julgamento, de
uma certa forma, é que eu sempre mexia, trabalhava, me relacionava com pessoas
de bem. Tou dizendo: Se você organiza um assalto a um banco, se você faz
contrabando de cocaína, ao menos, você sempre se relaciona com marginais, com
pessoas que são infratoras da lei em todos os aspectos. Eu estava comprando de
lojista e vendendo a funcionário de banco. Então, os meus contatos.... Eu não
tinha medo nenhum de, de repente, alguém puxar o revólver e pegar o dinheiro ou
coisa deste tipo. Eu era tratado como Monsieur, Senhor, de um lado e do outro,
entendeu? Um era feliz por me vender, o outro era feliz por me comprar, porque
eles tinham a comissão deles relacionada a isto sem problema nenhum. Agora,
vamos voltar à operação: Eu recebia Francos franceses, precisava transformar
estes Francos franceses em Liras italianas. Então eu tinha um conhecido que era
funcionário de banco o qual me disse: “Riccardo, se você se apresenta, duas
vezes por semana, levando altas quantias, você vai chamar a atenção da polícia
que vai querer saber de onde você pega este dinheiro e porque você está fazendo
este tráfego. Então, eu te aconselho a fazer uma operação, vamos dizer, de meia
fachada”. Ele me oferecia declarações de vendas de moedas, eu preenchia estas
relações com nomes e endereços fictícios. Então, vamos dizer, eu botava “Jean-Louis
Godard, Rue de la Paix, Paris”, que trocava 10000 francos. Ninguém ia verificar
a veracidade destas coisas, não chamava, minimamente, a atenção, porque a minha
cidade é uma cidade turística, recebe centenas de turistas italianos,
franceses, alemães, os quais fazem continuamente este tipo de operação. Então, apesar
de, de novo, cometer uma ilegalidade, porque eu preenchia um documento que não
era o meu, mas pela legislação atual, com a conivência, óbvio, do funcionário
do banco, passava batido. Eu apresentava 10 folhinhas e ele me dava o
correspondente em Liras italianas. Eu pegava este correspondente em Liras
italianas, ia comprar, de novo, moedas de lojistas italianos, as vezes não
encontrava na minha cidade, ia na cidade vizinha, Génova, 40 quilômetros,
comprava lá, entendeu? Porque eu precisava abastecer este fluxo. Pra você ter uma noção prática do tipo de business,
vamos dizer assim, em valores atuais, aproximadamente, eu poderia dizer que eu
comprava uma moeda de 50 Pesos por 500 Reais e vendia, na França, por 800
Reais. Então, eu ganhava 300 Reais por cada moeda. Então, se você multiplica o
número de moedas que eu conseguia juntar, eu cheguei, nos melhores dias, a
ganhar 10 mil Reais por dia. E isto, tá entendendo? sem machucar ninguém, sem
ameaçar ninguém, sem está preocupado se aquela pessoa que comprou a droga vai
morrer, sabe? eu não tinha este escrúpulo. Por isto que estou te dizendo: Eu
sou consciente que estava fazendo uma coisa contrária à lei, mas não me sentia
culpado quase que de nada. Não tinha vergonha de fazer, assim como não tenho
vergonha, hoje, de contar esta coisa. Apesar de que stricto sensu, em termos
legais, eu estava cometendo um crime, sim: Contrabando. Mas vá... Nada
aconteceu. Agora, posso dizer mais: Que, na realidade, tem uma
coisa que muitas vezes me encontrei pensando, que se tem um arrependimento, é
de não ter feito a coisa em escala maior. O que quer dizer o que? Eu sempre
apliquei neste negócio todas as minhas economias, tudo o que eu conseguia
pegando dinheiro emprestado de um amigo, ao menos, tudo o que eu conseguia. E foi
o que eu consegui fazer. Nunca me passou pela cabeça, e me questiono ainda
hoje, de não ter recorrido ao uso de agiota, que existe na Itália também. É
claro que, tratando de uma operação legal, de uma compra de um estabelecimento,
de uma viagem, ou seja, lá o que você quiser fazer, usar dinheiro de agiota é
sempre desaconselhável. Porque o juro do agiota é astronômico e você já tá
mexendo com pessoas mais ou menos. Então você pode ter uma situação negativa.
Mas, no meu caso, os meus lucros eram tão altos que teriam me permitido,
tranquilamente, de pagar o juro do agiota sem ter problema nenhum. E,
eventualmente, se tivesse dado algo errado, eu era funcionário público do
Correio, então se eu tivesse sido pego na fronteira, ia ser condenado, ia pra
cadeia, perdia com o sequestro do carro porque era que estava fazendo o
contrabando, provavelmente teria sido dispensado, teria perdido os anos que já
tinha feito no Correio.... Então teria sido uma ruína enorme. Então, frente a
estas possibilidades, o problema de não poder pagar o agiota teria sido o
último dos meus problemas. Agora, se eu tivesse tido esta ideia, eu poderia ter
multiplicado por 10 o meu lucro. E, posso dizer aqui, que foi muito dinheiro,
muito dinheiro que eu ganhei. Vou te dizer mais: Passei esta informação a dois
amigos íntimos, então triplicamos a operação, diminuímos o risco porque, na
realidade, um dia passava eu, outro dia passava o meu amigo. Então, vamos
dizer, aquele policial que me viu passar hoje, a possibilidade de, mesmo que
ele não foi com a minha cara, que ficou cismado por alguma coisa, provavelmente
tinha chance de passar 2 meses antes de me ver de novo. Porque ele estava de
serviço toda segunda, e eu passava uma vez na segunda, depois passava 3 meses
antes que passasse de novo pela segunda. Ele estava de serviço de manhã, e eu
passava de tarde. Aí ele esperava que passasse eu com o meu carro, e passa o
Geovanne com outro carro, entendeu? Então era muito difícil. Por parte do banco
francês, ele não poderia avisar à fronteira que eu estava passando porque ele
não sabia quando era que eu chegava, qual a hora que eu chegava, de qual
fronteira eu estava passando. Então, não se justificava. Era o só o puro acaso
que podia me ferrar a operação. Mas, voltando ao assunto inicial, eu te digo: Eu tou
confessando um crime, mas, na minha visão, é um crime bem, bem pequenininho.
Mas, pela moral comum, eu acho que poderia ser absolvido. Agora, pela moral
rígida, eu sou consciente do fato de que estava cometendo um crime. Bem, acho
que com esta pérola específica, porque não é todo mundo, graças a Deus, que
comete crime, menos ainda comum é uma pessoa que cometeu um crime confesse que
tenha cometido um crime. Então, acredito que possa ser juntado à minha história
de uma forma, vamos dizer assim, como a cereja em cima do bolo. Pré-leitura Ego-história. O que é isso? Uma autobiografia? Um conto onde
verdade e ficção se entrelaçam para dar vida a uma espécie de narrativa que
transforma a estória de uma existência comum em algo digno de ser contado e
merecedor da atenção alheia? É o ápice do Egoísmo, em querer falar do Eu, ou,
uma forma de altruísmo em dividir, compartilhar, confessar experiências
pessoais com quem possa se interessar em prestar ouvido a estória da minha
vida. E mais, a estória da minha vida pode ser considerada como um fato isolado
ou fazer parte da estória de uma geração, de um período histórico, de uma
experiência coletiva que a transforma em um testemunho oral de uma época,
colocando-a, portanto, de fato e de direito, no contexto da História Oral, como
forma reconhecida de estudo? Eu sei que na frente do oralista as imagens que se
formavam na minha mente não tinham perdido a cor e a força com o passar dos
anos, muito pelo contrário, voltavam trazendo até perfumes esquecidos. E cada
vez que eu, feito feiticeiro, colocava no caldeirão um novo ingrediente me
transformava em um consumidor voraz do meu próprio feitiço, não conseguindo me
conter e querendo mais. No caleidoscópio de imagens, no turbilhão de emoções
despertadas pelas lembranças me reencontrava com meu Eu mais íntimo. Me
reconhecia no jovem faminto de aventuras que não aceitava passar as férias no
balneário tradicional e se aventurava nas escaldantes areias do Deserto
Africano. Do jovem pobre que ousava calcar o verde e mágico tapete das
roulettes dos cassinos de toda a Europa! A minha fome de viver a vida era
tamanha que não podia me contentar em ler os livros das aventuras dos outros.
Paguei o preço dessa minha ansiedade de várias formas, mas não me arrependo de
nada que fiz, só daquilo que não consegui fazer. Leitura Meu nome é
Riccardo Canesi. Esta
declaração vai muito além de uma simples apresentação, no nome, e sobretudo no
sobrenome, está incluído não um dado anagráfico, mas é marca de unicidade, é
sinônimo de uma carta de qualificação para indicar a regionalidade, a estória
de uma família, a saga de um clã, mesmo que na nossa cultura, não seja
acompanhada de brasão e cores específicas, que poderiam indicar algum grau de
pertencimento à nobreza. Quando falo de regionalidade, me refiro ao fato que a
Liguria é terra de navegadores, e a minha família é a prova disso. Meu pai,
meus tios, meu avô, bisavô e outros antepassados pertenceram aos quadros da
Marinha Mercante ou Militar. A minha geração interrompeu esta tradição, e se
dedicou a outras atividades, apesar de ter ainda um primo, capitão de navio,
mas, o amor pelo mar, a paixão pela busca de outras terras, culturas e povos
está no nosso D.N.A. Não estou aqui querendo contar esses feitos, mas gostaria
de frisar a importância de carregar um nome. Para tanto, acho interessante
sinalizar o trecho do livro "Raízes Negras" que dá uma ideia mais
contundente dessa importância em determinadas culturas. Os
pensamentos seguintes de Kunta, de pé ao lado da cama, concentraram-se na busca
de um nome apropriado para a filha. Sabia que não poderia pedir ao massa oito
dias de folga para pensar no nome da filha, como qualquer pai faria na África.
Mesmo assim, sabia que tinha de pensar muito no assunto, pois o nome escolhido
teria grande influência no que a criança se tornaria. Mas Kunta lembrou-se de
repente de que, qualquer que fosse o nome que escolhesse para a filha, ela
seria também chamada pelo último nome da massa. Isso deixou-o tão enfurecido
que jurou a si mesmo que a filha cresceria sabendo seu verdadeiro nome.... Já
era quase meia noite quando Kunta ronou a sair da cabana, levando a filha
recémnascida, em volta numa manta. Afastou-se o suficiente para ter certeza de
que ninguém iria interferir no que estava para acontecer. Sob a lua e as estrelas,
Kunta ergueu a filha para o céu e depois virou-a, a fim de que o ouvido direito
da menina ficasse encostado em seus lábios. E depois, bem devagar, falando com
toda clareza, em mandinga, sussurrou três vezes: -Seu nome é Kizzy. Seu nome é
Kizzy. Seu npme é Kizzy. Estava feito, como fora feito com todos os ancestrais
Kintes, como fora feito com ele próprio, como teria sido feito com aquela
menina recémnascida se tivesse nascido na terra de seus ancestrais. Ela tinha
sido a prieira pessoa a saber quem era. (Haley: 1979, 262 - 264). Sou Italiano de
náscita, de nascimento. O
orgulho com o qual declaro minha nacionalidade, vem não só do fato de ser a
terra que deu origem a um dos maiores impérios que o mundo conheceu, império
que proporcionou à humanidade inventos que mudaram a história e contribuíram ao
desenvolvimento da raça humana, como também, esse orgulho, que considero
justificado, deve-se a direta participação de meu bisavô à expedição dos
famosos "mil' que com sua luta deram origem ao nascimento do Reino
D'Italia. Mas, muito além dessa origem ancestral, sentir-se italiano é
declarar o amor pela vida, pelo mar, pelo sol, pela música e, por que não, pelo
futebol. Claro que essas paixões não são prerrogativas únicas dos Italianos,
muitos outros povos compartilham esses sentimentos, mas tem uma que se destaca
e forja a "italianidade": a cozinha. Não estou falando da cozinha
sofisticada, dos grandes chefes, e das receitas extremamente elaboradas, onde
encontraríamos nos Franceses rivais à altura. Estou aqui me referindo à base da
nossa alimentação: a massa. Contrariamente ao Brasil e à China, onde essa base
é o arroz, para os Italianos falar de massa, caseira ou industrializada, é
motivo de orgulho e de tradição. Muitas vezes isso foi tema de intermináveis e
acaloradas conversas com meus amigos Brasileiros. Alguns sustentam a semelhança entre o hábito de comer massa
todos os dias com a rotina costumeira do arroz e feijão (aquele feijão,
insuperável, feito pela mãe ou pela avó). Aí, inicia o atrito. Sem querer
desmerecer o sabor maravilhoso daquele feijão, eu contesto que se trata, de
qualquer forma, da repetição cansativa de um único sabor. Por contra a cozinha
italiana, além de oferecer uma grande variedade de tipos de massas, cuja função
primária é de reter e assim enaltecer o sabor dos molhos, se baseia no
"sugo". Este é o verdadeiro ingrediente que faz toda a diferença. Se,
como já disse, o feijão tem um único sabor, os molhos, ao contrário, oferecem
uma quase infinita gama de sabores completamente diferentes entre si e
transformam a variedade da cozinha Italiana em um festival de delícias que
levaram fama mundial à essa arte centenária. Não vou aqui elencar as grandes
variedades existentes, mas, posso afirmar, sem qualquer dúvida, a possibilidade
de alternativas em mais de cem diferentes receitas de molhos, com sabores
únicos e individuais. A estes, podem-se acrescentar uns 50 molhos próprios para
o "risotto". Por isso, que as expressões "de comer rezando"
e "precisa comer de joelhos" encontram uma justificativa na culinária
italiana. Se afirma que na Itália a comida é uma religião e para quem queira
aprofundar-se no assunto encontrará com facilidade justificativa para essa
asserção. Essa busca da perfeição supera as regionalidades, mesmo que justificadas
por paladares e preferências, no reconhecimento de superioridade em vários
itens, tipo: "o melhor manjericão" é o de Gênova, o melhor
"tomate" é o de Nápoli, o melhor "pimentão" é o de
Carignano (TO) e assim vai. Essa busca pela excelência é práxis nas cozinhas
familiares, não só em restaurantes renomados. Acrescente-se o acompanhamento
com vinhos de diferentes bouquet (não o costumeiro sabor da cerveja) e o hábito
da troca de pratos para não alterar os sabores e se terá uma ideia dessas
singularidades, e, por que não, superioridade da cozinha Italiana. Dentro desse
contexto, deve-se sinalizar a importância do momento "refeição" pela
cultura Italiana. Em volta de uma mesa, se fecham negócios, se estabelecem
alianças, estratégias das mais variadas naturezas e assim comemoram vitórias,
casamentos, batizados e toda sorte de eventos. Vivo no Brasil
faz 25 anos. Conheço
muitos italianos que moram aqui, mas uma das coisas que me diferenciam deles é
que eu nunca (até o ano passado [2015]) voltei para lá, isso torna meu
testemunho muito parecido com aquele dos emigrantes de outrora, gente que saía
para, provavelmente, nunca mais voltar. Muitas vezes me deparei pensando que
emigrar é um pouco como morrer, ou seria mais correto pensar em nascer de novo? Muitas pessoas me perguntaram qual foi a motivação que me
trouxe ao Brasil. Eu sempre respondo que não foi um fato específico, mas um
conjunto de fatores que contribuíram para que essa decisão fosse tomada.
Elenquei alguns e passei a contar algo referente à minha segunda vida, porque é
assim que eu enxergo essa minha experiência nessa terra que me acolheu e me deu
tantas oportunidades. Poderia acrescentar que aqui chegando, estranhei essa
expressão de "Novo Mundo". Se essa definição cabia e encontrava
justificativa em 1500 e 1600, ela já não faz sentido. Para um europeu da
atualidade, sem querer criticar, mas simplesmente admitindo a realidade, aqui
não tem nada de "novo", nem nas mazelas dos políticos, na corrupção
endêmica de vários órgãos e autoridades que transformam até cidadãos honestos
em corruptores por causa de uma visão distorcida da tentativa de levar vantagem
em tudo ou de se safar de justas punições, nem tampouco de vícios e
maus-hábitos originários do "Velho Mundo". Os meus
contatos com a Italia. Devido
à falta de tecnologia (computador, internet, Whatsapp) e ao alto custo das
ligações telefônicas internacionais, em brevíssimo tempo eu perdi contatos com
parentes e amigos. Eu,
contrariamente a outros italianos que conheço. Entre os italianos que vieram
para o Brasil, muitos trouxeram consigo filhos pequenos ou adolescentes. Estes
meninos, ao meu ver, apesar de serem criados no seio de duas culturas, de serem
bilíngues, de sentir-se um pouco Italianos e um pouco Brasileiros, não podem
dizer que viveram duas vidas. Se por isso entende-se que em cada uma delas,
deveriam ter passado por experiências e provações capazes de deixar marcas
indeléveis da formação do seu caráter. Voltei depois
de 25 anos. Eu,
pelo contrário, cheguei aqui como homem feito, com 48 anos, levando, na minha
bagagem pessoal, lembranças e vivências de uma infância, de uma adolescência,
de um casamento, divórcio. Cheguei como aposentado depois de ter trabalhado 20
anos na mesma empresa. O que é um
herói? Nessa cápsula inicio com algumas considerações
que se transformam rapidamente em elucubrações e conjecturas sobre a figura do
"herói". Estamos acostumados a considerar, a catalogar, a inserir
nessa categoria, aquelas pessoas que, em determinados momentos se destacaram
com atitudes fora do normal, atitudes que fogem ao padrão considerado
"normal", previsível, comum. Eu acho que ali consiste a deformação de
um ser humano em uma figura mítica, em um semideus, em alguém cujas atitudes
fogem aos padrões da multidão. Ao meu ver, se esquece de considerar o momento,
as condições quase únicas nas quais tais atos se desenvolveram. Acredito eu que
qualquer um, colocado em determinada situação, possa ter um rompante heroico.
Quem, para defender a própria prole, não se transformaria em um sujeito
destemido, capaz de superar limites e obstáculos inimagináveis? Como não
diferenciar comportamentos no calor de uma batalha ou na rotina de um
estressante dia no escritório? Qualquer um, ao meu ver, pode superar seus
medos, seus instintos de sobrevivência, se, dos seus atos, depende o destino de
parentes, companheiros d'armas, de patriotas, etc. etc. Dito isso,
analiso ao invés, quanto difícil seja superar a normalidade, a monotonia de um
trabalho repetitivo, sem estímulo algum, que nos torna máquinas de uma
engrenagem aparentemente sem importância, mas que, desde o primórdio, permite à
sociedade, como um todo, existir, progredir, e alcançar um futuro melhor. Óbvio
que, nesse mundo macro, cada um, pertence a um mundo micro, pessoal, subjetivo
e nesse contexto passo a enfrentar a enorme dificuldade pessoal que representa
a hercúlea tarefa de ser pai. Não sei se estou certo na minha avaliação, mas
acho que hoje está mais difícil do que nunca cumprir esse papel. Digo isso
pensando no meu pai, meu avô, e a época em que eles viveram. A sociedade deles
se baseava em um tripé funcional: Deus, Pátria, Família. Em poucas gerações
esse mundo desmoronou completamente. Através de conversas informais com as
novas gerações é fácil concluir que esses valores, outrora sagrados, não representam
mais o leme com o qual dirigir nossas vidas. Não tem espaço aqui para analisar
em detalhes essa minha convicção, mas, a impressão que tenho é que tudo se
resumiu em uma adoração ao "Deus Moeda". Em nome dele, tudo se faz,
nada é imoral, tudo pode e deve ser alcançado. Em uma sociedade altamente
consumista, onde padrões de beleza e de competição varreram do mapa aqueles
cultuados por centenas de anos, me encontro eu, pai de um adolescente, sem mais
certezas sobre qual é a tábua de mandamentos que devo passar para ele. Quando
me tornei pai, imaginei que a minha função se limitaria em repassar para meu
filho os princípios que aprendi no seio da minha família e que nortearam a
minha formação como indivíduo e cidadão. Pura ilusão!! Se na minha época a
expressão "Droga, Sexo e Rock and
Roll" era basicamente folclórica ou relativa a uma distante realidade,
hoje permeia a nossa sociedade representando um apavorante perigo para os
nossos meninos. Pulando de pés juntos esse pensamento, passei a contar, de
forma sucinta, o que foi a minha vida na Itália. Iniciei com um recorte que
mistura lembranças infantis com fatos históricos e políticos para depois, já
com vinte anos, falar do meu ingresso e da minha saída dos Correios Italianos.
Não daria para contar, se não em um livro de memórias, os inúmeros episódios
hilários ou semi-sérios que marcaram esse importante e longo período da minha
vida. Me limitei a tentar explicar como se deu a possibilidade de alguém se
aposentar com 39 anos dentro da legalidade de uma Lei falha e que continua me
beneficiando ainda hoje. Assim como tentei mostrar que por falta de uma
qualificação específica, procurei encontrar saídas para continuar a participar
de forma ativa e criativa, do mundo produtivo. Contei propositalmente aquilo
que eu considero uma página vergonhosa da minha vida, o episódio onde me
comportei com uma atitude covarde e inexplicável frente a um momento
anti-heroico para dar mais credibilidade ao meu testemunho para não dar a
impressão daquele que só conta aquilo que lhe é favorável. Meninos daquela
época. Eu acho que aos meninos que
tiveram o azar de viver em épocas de conflitos, em qualquer lugar do mundo, foi
roubada a possibilidade de passar de uma fase à outra da vida de forma natural,
em outras palavras, a eles foi negada a "inocência". À luz da nossa
atual realidade, as minhas palavras soam como mentiras ou exageros, mas quem
passou por situações similares entende que a verdade pode ser ainda mais crua. Quando eu era menino. Estou escutando pela enésima
vez a gravação da minha fala, estou lendo e relendo a transcrição na tentativa
de capturar a alma do meu trabalho no esforço de passar para os ouvintes e
leitores um retrato, o quanto mais fiel possível, de alguns acontecimentos, de
recriar a atmosfera da época, de passar credibilidade aos meus contos, mas
percebo a enorme dificuldade de explicar "emoções". É fácil contar os
fatos, trata-se enfim de um exercício de memória, a dificuldade consiste em
repassar as sensações que tais lembranças despertam em mim. Vou tentar me
expressar melhor: quando eu era menino, e, acredito eu, isso acontece com
todos, aos meus olhos as coisas pareciam maiores que aos olhos de um adulto.
Falo isso em termos de grandeza, mas não só, se falo do medo por exemplo, a
sensação de medo em uma criança é bem maior que a de um adulto. Não sei
explicar o porquê, mas as minhas lembranças infantis são fundamentalmente sem
cor, digamos em preto e branco, como em uma película da época. Os adultos eram
chamados "os grandes", não existia medo algum em relação a ladrões
(provavelmente porque não tinha nada para roubar!), nunca senti constrangimento
algum em relação à pobreza. Aquela era uma época onde todo mundo era pobre, nos
anos 50 ainda não era palpável a distinção de classes sociais. Por isso que, por
incrível que possa parecer, a minha infância foi feliz apesar de ter vivido em
um momento tão conturbado para o meu país. Lembro, por exemplo, que, para dar
uma ideia de muita confusão, a expressão comum era:" foi um 48".
Descobri muito depois que isso se devia às enormes convulsões sociais que se
sucederam ao atentado a Palmiro Togliatti, na época Presidente do Partido
Comunista Italiano, em 1948. Estou falando aqui de fatos que nem mencionei na
minha fala primária, porque obviamente, não dá pra contar em detalhes o dia a
dia de uma vida. Me limitei a pincelar fatos marcantes para mim e que achei que
pudessem ser, de qualquer forma, interessantes para explicar o ser que me
tornei, as decisões que tomei, o rumo que imprimi à minha vida. Como é que
posso explicar a sensação de, aos 19 anos, ter conseguido comprar meu primeiro
carro, um velho Fiat 500, eu que, aos 10 anos, usava calças curtas com um
reforço nas nádegas pra durar mais tempo??!! Divorciei. Falar em divórcio hoje é
fácil, quase banal, mas em um tempo relativamente recente, a coisa era bem
diferente. Em um primeiro momento existia a "separação" e já não era
corriqueira. A mulher "desquitada" era vista com desconfiança pela
sociedade e incluída entre as pessoas "mal faladas". Eu me separei
quando a legislação Italiana ainda não tinha estabelecido, nos termos da Lei, a
vigoração da figura do "divórcio". Participei do plebiscito que
legitimou essa figura jurídica, mas não escapei da reprovação e do julgamento
de uma parte da população. Imortalidade (X). Como o conceito básico da "imortalidade" é a
negação da inelutabilidade da morte, tal pensamento tornou-se objeto do
fascínio da humanidade. Todos os grandes filósofos da antiguidade se debruçaram
sobre o tema, a maioria deles, tal como Platão, Aristóteles, Sócrates,
escreveram sobre a imortalidade da alma senão do corpo. Segundo Homero, na
Ilíade, por exemplo, a figura de Aquiles consegue a fama "eterna"
através de suas gestas e desperta até a inveja dos Deuses por conseguir tal
proeza mesmo tratando-se de um mortal. Em tempos mais próximos essa discussão
trouxe os pensamentos de outras ilustres mentes, entre elas gostaria de
lembrar: Wittgenstein, que escreve no "Tractatus" - "se não
definirmos a eternidade como infinita duração temporal, mas intemperalidade,
então a vida eterna pertence “aqueles que vivem o presente". Gênesis 2: 8-9 diz: E
plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, da bando do Oriente, e pôs nele o
homem que havia formado. Do solo fez o Senhor Deus brotar toda sorte de árvores
agradáveis à vista e boas para alimentos; e também a árvore da vida no meio do
jardim e da árvore do conhecimento do bem e do mal. Interpretação: 1 - plantar uma árvore significa que cada um
de nós tem que plantar a sua semente espiritual; Interpretação 2 - ter um filho = compartilhar o seu
conhecimento; Interpretação 3 - escrever um livro = escrever a sua
história. Com esse trabalho, pretendo concluir as tarefas designadas a
cada ser humano para se tornar um homem: busco o meu crescimento espiritual
desde que iniciei a ter noção do meu existir, tentei passar todo meu
conhecimento e a minha experiência a meu filho e a todos que vivem ao meu
redor, e concluo contando a minha história com o propósito que possa, de
qualquer forma, contribuir para o desenvolvimento de outras pessoas. Então, inventei
os meus trabalhos. Como
corolário a esse meu comentário queria me valer do texto da música "My
Way" na interpretação inesquecível de Frank Sinatra: "e agora o fim
está próximo, e, portanto, encaro o desafio final, meu amigo, direi claramente,
irei expor o meu caso do qual estou certo. Eu tenho vivido uma vida completa”. Viajei por cada e todas as rodovias. E mais, muito mais que
isso. Eu o fiz do Meu Jeito!! Carpe Diem e o Memento Mori "Ela pereceu em um acidente.... um outro amigo adoeceu
de uma doença terminal" Essas duas expressões, em aparente contraste, podem,
dependendo da interpretação, serem vistas como as duas faces da mesma moeda.
Carpe Diem, a mais famosa frase em latim de um poema de Horácio, cujo
significado é "curta o momento", "viva o agora", é um
convite ao gozo, ao desfrutar pleno e total da vida em todas as suas belezas,
mas no "imediato". A outra citação é encontrada em certas ordens
religiosas católicas. Ali, os monges, ao se encontrarem nos corredores do mosteiro,
costumam dizer uns aos outros: "Memento Mori", uma expressão latina
que significa "lembre-se de que vai morrer". A saudação funciona como
um exercício espiritual de aceitação da morte, vendo-a como uma consequência da
própria vida. Tanto é que segundo uma vertente filosófica, nascer é o ponto de
partida do tempo que inexoravelmente nos levará à morte. Cada dia vivido nos
aproxima do fim. Não dá para escrever sobre a "morte" de forma
resumida. Esse tema, com certeza, seria merecedor de uma monografia específica.
A vida e a morte, entrelaçadas de forma indissolúvel e ao mesmo tempo com
conceitos tão opostos serviram de inspiração a todos os grandes pensadores e
filósofos desde o surgimento da humanidade. Para tanto acho mais interessante
citar frases e sentenças relacionadas com tal mistério: "A serenidade e a vitalidade da
nossa juventude baseiam-se em parte no fato de que nós, ao subirmos a montanha,
não vermos a morte, pois ela encontra-se do outro lado da encosta".
(Schopenhauer) Outras citações: Schopenhauer : "a morte é a musa da filosofia" Sócrates : definiu a filosofia como "preparação para a
morte". Epicuro : "A morte é uma quimera: porque enquanto eu
existo, ela não existe; e quando ela existe, eu já não existo". Nietzsche: "A morte covarde pode ser definida, em
poucas palavras, como a experiência da morte como um acaso, cujo efeito
imediato é o desejo de morrer. Nesse caso, deseja-se morrer porque se morre. A
falta de longevidade da vida basta para que se pregue o abandono da mesma.
Aqueles que pensam assim, dirá Nietzsche, são os pregadores da morte". Heidegger: "homem é um "ser que caminha para a
morte" Michel de Montaigne : "Meditar sobre a morte é meditar
sobre a liberdade" Freud : "Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto
para aceitar a morte." Tolstoi: "O homem não tem poder sobre nada enquanto tem
medo da morte. E quem não tem medo da morte possui tudo." Victor Hugo: "Morrer não é acabar, é a suprema
manhã." Voltaire: "Aproximo-me suavemente do momento em que os
filósofos e os imbecis têm o mesmo destino." Brecht: "Temam menos a morte e mais a vida
insuficiente." Sêneca: "Nisto erramos: em ver a morte à nossa frente,
como um acontecimento futuro, enquanto grande parte dela já ficou para trás.
Cada hora do nosso passado pertence à morte." Kant: "Se vale a pena viver e se a morte faz parte da
vida, então, morrer também vale a pena..." Nietzsche: "O gosto de minha morte na boca deu-me
perspectiva e coragem. O importante é a coragem de ser eu mesmo." Nietzsche: "A recompensa final dos mortos é não morrer
nunca mais." Francis Bacon: "Os homens temem a morte, como as
crianças temem a escuridão." Corneille Pierre: "Cada instante da vida é um passo
para a morte" Montaigne: "Quem ensinasse os homens a morrer estaria
ensinando-os a viver”. Kafka: "Se estou condenado, não estou somente condenado
à morte, mas também a defender-me até a morte." Leonardo da Vinci: "quando eu pensar que aprendi a
viver, terei aprendido a morrer." Sempre gostei
muito de viajar Quando eu falo das minhas andanças mundo à fora, estou me
referindo basicamente à década de 70. Portanto, neste período os países que
visitei, como afirmei já em outro trecho desta análise, viviam um período de
estabilidade política e econômica excepcional, isso devido em grande parte à
forte liderança nacional de seus chefes de Estado. Essa pax social se refletia claramente na segurança e tranquilidade com
a qual os turistas do mundo inteiro circulavam e se relacionavam com as
populações locais. Digo isto porque hoje repensando as minhas excursões noturnas
nos mercados árabes ou na periferia de cidades do Quênia, parece muita
irresponsabilidade de minha parte, mas a sensação de segurança na época era
total. Estes países estavam em franca expansão econômica e o turismo
representava um setor extremamente pujante. Demonstração disto era a construção
de novos aeroportos nas cidades de Tunis, Hammamet, Monastir Skanes e na Ilha
de Djerba. Luxuosos hotéis surgiam como cogumelos na costa do Quênia, que, na
época, era considerada "A Suíça da África". Apesar disso, acho interessante relatar o meu pensamento
daqueles momentos que acredito possam servir para melhor entender a visão de um
branco Europeu em relação aos Africanos: conversando com minha mulher sobre o
hipotético relato às autoridades policiais de um hipotético acontecimento
delituoso, me dei conta que não teria condição de descrever ou reconhecer um
suspeito porque, para mim, os negros eram todos iguais!! Não conseguia enxergar
diferenças somáticas entre eles!! Tenho receio de expressar esses pensamentos
porque acredito que possam ser interpretados como uma forma de racismo ou de
qualquer maneira uma ideia de superioridade racial, mas tenho certeza que não
era esse o meu pensamento. Outra coisa que gostaria de frisar é o fascínio que exercia
sobre mim a ideia de viagens para lugares exóticos e totalmente fora dos
roteiros convencionais da época. A cidade onde eu morava, na Itália,
encontra-se em uma zona altamente turística, destino de muitos italianos e
estrangeiros em busca de sol e praias aconchegantes repletas de bares, hotéis,
restaurantes e toda sorte de mordomias que fazem da Riviera Lígure um destino
eclético para turistas de todas as classes. Mesmo levando em consideração que
essa era a minha habitual residência e, portanto, natural, a vontade de
conhecer outros lugares, a Itália e a Europa como um todo, ofereciam um leque
variado de opções, mas não condiziam com o meu espirito de aventura e o meu
desejo de algo muito diferente. Quando eu era menino-garoto não existia internet,
computador. Pouquíssimas pessoas tinham acesso econômico a TV, filmes e
viagens, portanto o único meio de sair do nosso mundinho era através da
leitura. Ler não era uma obrigação escolar, mas um jeito de soltar a
fantasia e de adquirir conhecimentos. Padrões africanos. Com esta expressão, não quero
ser, de forma alguma, ofensivo e considerar os "padrões africanos"
inferiores aos europeus. Quero simplesmente frisar "diferenças".
Porém, sem levar na devida consideração estas diferenças, não é possível entender
a alma da África. A África é "primitiva" na sua mais pura essência,
os inúmeros animais que compõem a fauna africana não recebem comida dos
tratadores, como acontecem nos nossos zoológicos. Lá impera a mais autêntica
"lei da selva": matar ou morrer. A ação do homem se limita a interferir exclusivamente para
conter as ações de outros homens, tipo: caçadores ilegais ou contrabandistas de
animais e de marfim. Portanto, a ideia de vida e morte permeia diferentemente da
nossa a cultura africana. Para um turista europeu ou americano é muito difícil aceitar
que saindo do extremo conforto e luxo de um hotel, pode-se esbarrar em uma fera
ou uma serpente mortal. Difícil entender que mesmo com todo o dinheiro do mundo
uma pessoa é picada por uma Mamba-negra. A Muamba-negra (Dendroaspis polylepis)
é uma das cobras mais venenosas do continente africano. Ao contrário das outras
espécies do mesmo género, vive a maior parte do tempo no solo, mas pode escalar
árvores com facilidade. Sua dieta consiste de pequenos mamíferos e aves. Tem um
bote muito rápido e seu veneno nefrotóxico causa paralisia. Com o veneno da Muamba-negra
a vítima pode falecer em menos de 20 minutos. Sem o tratamento é mortal em 100%
dos casos. O hospital mais próximo encontra-se a centenas de quilômetros de
distância. Na África, o homem, querendo ou não, é obrigado a voltar à
sua ancestralidade. O seu relacionamento com o tempo e a natureza não são mais
ditados pelas regras das civilizações, mas pelos "padrões africanos". Cassinos Ao meu ver, este capítulo nos oferece a possibilidade de
análise, sob o viés psicológico, do narrador. Ao invés de conversar sobre o
conteúdo específico da fala e dos fatos narrados, acho interessante nos
debruçar sobre o que pode ser extraído em relação ao caráter do personagem
desta saga. Obviamente esta tarefa apresenta um grau de dificuldade maior
devido ao fato que o "narrador" e o "analisador" são a
mesma pessoa, quer dizer: "Eu". Mas, acredito que isto seja possível pelo fato que o
"analisador" está fazendo um julgamento do caráter do "narrador"
com o auxílio do tempo que, pelo menos em teoria, deveria ter servido para
acrescentar experiência, tolerância e uma visão da vida mais ampla e realista. Começamos com o fato básico da admissão do relator em se
declarar como um jogador contumaz, mas não um viciado, não um jogador
compulsivo, que não consegue colocar freios na sua paixão ao ponto de colocar
em xeque a sua condição básica de subsistência. É bem verdade que em
determinados momentos a sua paixão o leva a excessos e a rompantes que fogem a "normalidade",
mas nada que tenha comprometido definitivamente a sua estória de vida. As
dificuldades para as quais ele passa em determinados momentos, poderiam ter
origens completamente diferentes como uma doença, um furto, ou um acidente qualquer,
mas nada capaz de provocar efeitos catastróficos duradouros. Muito pelo
contrário, normalmente ele se permite a aproximação a zona de perigo, com um
capital precedentemente estabelecido e que representa um extra às suas
necessidades básicas. Ao mesmo tempo podemos relevar, nesta sua paixão, o gosto
pela aventura, pelo não conformismo, pela necessidade de adrenalina, mas sempre
dentro de uma "medida de segurança" que o diferencia dos excessos dos
viciados e dos inconsequentes. Este acometimento, porém, não exclui a
intensidade da entrega no cumprimento da "tarefa" estabelecida.
Sempre, em toda minha vida, quando encaro um desafio o faço com todo meu ser,
não poupo esforços nem energias para alcançar os objetivos que me proponho.
Dentro de um Cassino me inebrio com o típico barulho da roda da
"roulette" ou das "fichas" movimentadas pelos
"croupiers". Respiro a plenos pulmões a atmosfera de glamour e da
imponderável e caprichosa vontade da Deusa Fortuna que parece abençoar ou
condenar os atores que naquele exato momento estão no palco. Quem consegue
captar o espírito da coisa encara aquele momento como uma diversão, cara, mas
por sempre uma diversão por si só. Ganhar ou perder torna-se de secundária
importância em relação ao prazer da emoção produzida pelo resultado do acaso. Voltando a tentar entender "o personagem ",
podemos encontrar ali algumas características de um empreendedor. Explico-me
melhor: avaliação de riscos, a necessidade de capital, o comprometimento, o
plano de negócios, a persistência, a liberdade de escolhas e a autoconfiança.
Todas estas características necessárias para um jogador são as mesmas que podem
fazer um empreendedor de sucesso. Caso de emergência: Abordo dos navios, um dos oficiais
tem "noções" de medicina, e, em caso de necessidade, é ele que
orienta e administra os necessários cuidados. Mas não esqueçam que eu falei
"noções". Então, meu pai, por exemplo, em uma travessia entre Itália
e Estados Unidos, sofreu uma ulceração no olho esquerdo, provocada por um corpo
estranho que ficou alojado no interior do olho. Não sei explicar direito as
causas e as consequências, mas, em decorrência de um procedimento errado,
quando o navio chegou em Norfolk (Oregon), meu pai teve que ser internado em um
hospital, onde, graças aos necessários cuidados e à competência da equipe
médica, não perdeu o olho, Só...... a visão do olho esquerdo! Meu pai ficou internado 6 meses e ele
não falava inglês. Um médico se sensibilizou com a situação e colocou meu pai
em contato com uma família americana de origem italiana. Assim meu pai pôde se
comunicar com alguém e desse contato, nasceu uma linda amizade. Esta família
tinha feito fortuna nos U.S.A e eram proprietários de uma empresa importante.
Para dar uma ideia, eram sete os componentes dessa família e tinham seis carros!!!
Isso quando na Itália a propriedade de um carro era ainda um sonho. Em outra parte desse meu trabalho, eu
já fiz referência à imponderabilidade do "se". Digo isso porque essa
família ofereceu a meu pai a possibilidade de permanência nos E.U obviamente, com
a ida minha e de minha mãe, para lá. Então, o que teria sido da minha vida
"se" meu pai tivesse aceito esse convite? Eu tinha na época uns dez
anos. Além de completamente diferente a minha estória teria sido uma estória de
sucesso ou eu teria morrido lutando no Vietnã? Só Deus sabe!!! Aposentadoria: Falei em outro trecho que aproveitei
uma brecha na Legislação Trabalhista do meu país, e que, a aposentadoria
precoce daqueles que se encontravam na minha situação foi motivo de um
escândalo nacional e de profundas mudanças na proporção do cálculo desse
direito. Para dar um exemplo: se alguém tivesse um salário de, digamos, 100, o
cálculo era feito assim: 80% fixo e 20% em relação ao número de anos
trabalhados. Um mês depois que me aposentei veio a mudança: 20% fixo e 80%
relacionado ao tempo de serviço! Uma mudança e tanto, não é??? Consciência ecológica: Aqui podemos abrir um vasto
leque de considerações que hoje fazem parte de acaloradas discussões sobre
ética e costumes. No mundo inteiro surgiram campanhas contra o uso de casacos
de pele, sobre a exploração de animais em todo o tipo de pesquisa, desde o
forçado método de engorda de variadas espécies até a proibição ou limitação do
uso dos mesmos em pesquisas científicas. Mas eu queria ir além:
partindo do pressuposto que não se trata de "seres humanos", então
tudo ou quase é permitido, o meu pensamento me leva ao tratamento reservado aos
Judeus pela Alemanha nazista, ou antes mesmo aos escravos de outrora! Muitas
vezes li e ouvi considerações desse tipo: "não se tratava de seres
humanos!!". Tratava-se, pelo contrário, de seres desprezíveis, no caso dos
Judeus, ou de simples "peças", sem a mínima importância e cuja morte
ou sofrimento não pertenciam à esfera dos sentimentos além daquele de posse.
Digo isso porque, naquela época, eu matava friamente e sem algum peso na
consciência aqueles bichos e a minha única preocupação era de fazê-lo em escala
industrial. Hoje, porém, vejo com calafrios as semelhanças entre a minha caixa
e as câmaras a gás dos campos de extermínio! O que foi uma característica da minha
vida: Encontramos aqui uma das
características principais do nosso personagem-narrador: a busca constante de
oportunidade de negócios, não necessariamente aquelas facilmente reconhecíveis
ao olhar atento do investidor. Mas aquela procura de novidades no mercado, na
verdadeira invenção das mesmas, criando-as quando não existem. Não é por acaso
que fui o primeiro criador de visons da região, que abri a primeira agência de
casamentos da região, a primeira sala de videogames da cidade!!!! Não fui atrás
de uma padaria bem localizada, de uma loja horto-frutícola em um bairro em
surgimento, de um açougue lá onde o mercado indicava uma demanda. Obvio que
isso foi basicamente pela minha total falta de conhecimentos desses negócios
tradicionais, mas as minhas escolhas juntaram, mais uma vez, o meu espírito
aventureiro com a vontade de inovar, inventar, tentar o que, à primeira vista,
poderia parecer impossível! Aliás, por muito tempo, na cabeceira da minha cama,
tinha um quadro com o seguinte leme: "o impossível não existe; quando
um homem faz dessa asserção o seu -Acredito-, só Deus pode dobrar a vontade
dele". No fundo tratava-se do seguinte
raciocínio: se precisava embarcar em uma empreitada sem nenhuma base frente à
concorrentes espertos, melhor seria buscar uma atividade sem concorrentes!! Contrariamente ao Brasil, aonde tem
mais mulheres do que homens: Como pode-se verificar através de
consulta ao censo demográfico nacional. Empreitada: Quando falo de sucesso, não estou me
referindo ao efetivo alcance do aparente objetivo primário: o casamento. Isso,
só consegui realizar em uma oportunidade, mas, estou falando de estabelecer
contatos entre indivíduos que, por tendo em comum características que indicavam
uma possível sintonia entre eles, não tinham, por timidez, falta de
conhecimentos comuns ou qualquer outro motivo. E, nesse caso, eu fui Cupido de
várias aproximações. E ele me chamou para trabalhar com
ele: Nessa época da minha vida eu já
estava divorciado e aposentado, portanto não tinha responsabilidade econômica
alguma, só persistia em mim, aquela ânsia de viver, aquele espírito de
aventura, aquela comichão própria das almas penadas. A possibilidade de
explorar novos caminhos foi a principal mola para deixar o certo pelo
desconhecido. Problema de fiscalização e de
impostos: Para o nosso declarante, como veremos
melhor mais para frente. o conceito de honestidade é bastante elástico. O
respeito às leis passa por um crivo pessoal e por uma "interpretação"
certamente não ortodoxa. Clima tropical: Estou me referindo ao Nordeste
brasileiro, zona da minha residência. Uma visão de negócio: Mais uma vez aparece a buscar pelo
novo, pela "criação" do business. Não vingou mais do que tanto: Assistindo a uma palestra no SEBRAE,
descobri que, estatisticamente falando, um empresário vai à falência pelo menos
3 vezes antes de alcançar o sucesso. Montei uma escola de capoeira: Nos primeiros dois anos de vida no
Brasil, me envolvi em três atividades diferentes: arte, escola de capoeira e
anexo academia de musculação, e casa de shows. Então, 4 lojas alugadas e uma de
propriedade: No início desse depoimento, falei que
fiquei 25 anos sem voltar para a Itália. Pode parecer absurdo para quem nos
primeiros 15 anos enxergava esta terra como uma árvore cheia de frutos maduros,
só esperando alguém para colhe-los, mas foi justamente o resultado positivo das
minhas investidas no mundo dos negócios que não me permitiu me afastar por um
tempo maior das "minhas criações". Como sempre, depois do período das
vacas gordas, vem aquele das vacas magras, e ali, a motivação da falta de tempo
virou falta de recursos. E acho que, bem ou mal, me dei bem: Apesar de me considerar uma pessoa de
cultura média graças às minhas leituras e ao meu interesse pelos mais variados
assuntos, percebi que me faltava aquele carimbo oficial de pessoa esclarecida
que pudesse participar de conversas sobre qualquer assunto sem passar vergonha.
E este foi o incentivo principal que me impulsionou a voltar a estudar. Estou
muito agradecido com este País que me deu esta oportunidade e me abriu as
portas para o mundo acadêmico, me permitindo entre outras coisas, o convívio
com pessoas que admiro muito e que contribuíram enormemente com o meu
crescimento intelectual, além de fazer novas amizades e estabelecer relações
com mentes brilhantes e espíritos iluminados. Neste trecho do depoimento faço uma
análise completa de um momento singelo da minha vida. Contei os fatos com
riqueza de detalhes para que seja possível, à quem interessar, verificar a
autenticidade da narrativa. Inicio fazendo uma introspecção pessoal sobre o
conceito de "honestidade". Obviamente não espero unanimidade nem
consenso com as minhas teorias, simplesmente coloco em evidência os fatores que
me permitiram encarar essa minha confissão sem morrer de vergonha. Assumo
plenamente a responsabilidade moral dos acontecimentos narrados, mas, dentro do
contexto da análise da minha vida, me sinto confortável para encarar o juízo
além. Não serei o primeiro nem o último homem que frente à uma oportunidade
decidiu colocar a consciência do lado e aproveitar o momento. É notório que, em
determinados momentos históricos, como guerras por exemplo, alguns indivíduos
enriquecem enquanto outros caem em ruínas. Se, para conseguir os próprios objetivos,
precisa se equilibrar sobre o fio da navalha, eu decidi aprender a arte do
malabarismo. Contudo, analisando friamente os fatos, não me sinto merecedor da
reprovação geral. Não matei, não fui responsável direto da desgraça de ninguém,
não coloquei em risco nenhuma instituição que pudesse, mesmo de forma
reflexiva, prejudicar a sociedade como um todo. Como já disse, os parceiros
dessa empreitada não pertenciam ao mundo do crime, nenhum fato que pudesse
fugir ao controle seria causa de desgraça para ninguém a não ser eu mesmo. Dito
isso, não quero aqui me justificar pedindo, mesmo o perdão moral da sociedade,
até porque, no mínimo, para pedir o indulto precisaria se arrepender do delito
cometido, e, não é o meu caso!! Acredito simplesmente que os fatos narrados
sirvam para corroborar quanto afirmado em relação à minha personalidade: busca
de adrenalina, faro para oportunidades, capacidade de avaliação de riscos,
busca da inovação. Não me considero a pessoa mais honesta do mundo, mas também
não aceito o estigma de "delinquente". Demorei bastante até me
decidir contar esse episódio por receio do julgamento moral, mas cheguei à
conclusão que, se omitisse esse fato, deixaria incompleto e menos verdadeiro
esse meu testemunho. Não estou incentivando ninguém a seguir meu exemplo, até
porque como afirmei, em relação à comportamentos heróicos ou de vilania, tudo
se reduz à "momentos", na maioria dos casos, irrepetíveis. Aqui, por
exemplo, precisa-se considerar o "momento" político da França, a
legislação de gente na Itália e na França, a relativa proximidade da minha
cidade com a divisa, e não último, a minha disponibilidade de correr riscos
mesmo que calculados. Quando, na parte final da minha fala, uso a expressão
"cereja em cima do bolo", não quero enaltecer esse meu feito como uma
coisa de que eu possa me orgulhar, mas simplesmente queria evidenciar que,
dentro de uma vida "normal", sem episódios dignos de passar a
História, alguns momentos fogem à banalidade ou para melhor dizer, à
"normalidade". Pós-escrito Alguém disse um dia que a vida é como uma viagem de trem. A
cada estação sobem novos passageiros que entram a fazer parte da nossa estória,
outros descem. No meu caso, decidi fazer uma parte dessa viagem de avião,
assim, de repente, deixei para trás um grande número de pessoas que aqui elenco
como um simples exercício de memória. Cada um deles seria merecedor de um capítulo dessa biografia
e com certeza seria enriquecedor, mas faltaria espaço nesse trabalho. Por
contra, a partir do desembarque outras pessoas começaram a interagir comigo. A
maioria dessas pessoas pertence à atualidade e não são exclusivamente
conhecidos meus, eles podem muito bem pertencerem à esfera de amigos comuns.
Por isso, considerando que não gosto de falar da vida alheia me limito a lembrar
os nomes dos "passageiros" italianos: Cerisola Aldo, Sergio
Trinchieri, Giuseppe Parodi, meus primos Elvio, Mauro e Roberto, (esse
último foi para mim, como um pai). Oreste Gagliardi, Vittorio Bovolo, Ranieri
Giancarlo, Paolo Seccafen, Piccone Lorenzo, Ermanno Chiavacci, Frizzi Sergio,
Fiorenzo Fernandez, Angelo Bertolotti, Bruno Broggi, Ettore Peirano, Bruno
Maggiolo, Domenico Trevisan, Mauro Mora, Cornelio Silvio, Minetti Carlo, Aonzo
Niccoló, Gaetano, Enrico, Maurizio Bovero, Mauro Povigna, Marcello Bonvicini,
Roberto Cailani, Pollero Giuseppe, Egidio, Rossello Alberto, Daniele Tiscione.
Entre as amigas: Fernanda Perotti, Frida Pantano, Grazia Baiguini, Marisa Mora. PS: os nomes sublinhados desceram do trem. ABRAÃO, Janete. Pesquisa e História. Porto Alegre:
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