REVISTA ZONA DE IMPACTO. ISSN 1982-9108, VOL. 14, JANEIRO/ABRIL, ANO 12, 2010. 

HISTÓRIA, ESTADO E PODER NO ORIENTE MÉDIO*

 

Caesar Malta Sobreira**
caesar@dlch.ufrpe.br

 

Pensar o Oriente Médio é evocar uma área geográfica sob constante conflito, sinônimo de conflito. Desde priscas eras, coisa de mais de três milênios — e muitos antes, se considerarmos os vasos de maldições nos quais os egípcios escreviam textos de execração nos quais fazem referências a Rushalimun — esta cidade estava em conflito com alguma potência estrangeira, porque as execrações eram imprecações contra uma cidade inimiga e foram escritas dois mil anos antes da nossa era.
Portanto, não é de hoje que Usuramen, Urusalim, Rushalimum, Jebus ou Jerusalém, está no epicentro dos conflitos que, desde sempre, caracterizam aquela região de passagem, que é a Canaã bíblica.
Vestígios arqueológicos, encontradas nas tumbas do monte Ofel (ao sul das muralhas), atestam que o mesmo haver foi habitado desde o ano 3.200 antes da nossa era, portanto há mais de cinco mil anos existia população fixa no local da atual Jerusalém.
Centro e coração do Oriente Médio, sede espiritual das três religiões monoteístas, espaço sagrado no orbe terrestre, Jerusalém provoca terremotos políticos e militares há mais de quatro mil anos, sobretudo a partir da conquista da cidade por David, no ano 1000 antes da era atual.
Sua localização talvez tenha sido o principal motivo de sua importância. Localizada sobre um promontório, ela domina a paisagem num ponto estratégico. Naquela região confluem os caminhos que ligam a Ásia à África, sendo um ponto de encontro e de confronto entre as civilizações egípcia, assíria, fenícia e mesopotâmica.
Por tal motivo é que os faraós da XII dinastia iniciaram uma política de aproximação e, assim, exerceram influência durante os séculos XX e XIX antes da era vulgar. Neste último século, Jerusalém entra para a história porque foram encontradas cerâmicas datadas de 3.800 anos atrás.
Durante o reinado do faraó Sesóstris III (1878 a 1842 aC) foram produzidos pratos e vasos, com inscrições hieráticas. Tais vasos deviam ser quebrados durante ritual de magia, com objetivo de provocar a “quebra” e ruína das cidades cananeas (em número dezenove) que haviam desagradado ao faraó. Dentre elas, encontra-se Rushalimum, que na época era governada por dois príncipes, Yq’rm e Shashan.
Textos de execração datados de um século depois, continuam imprecando contra Rushalimum, que nesta época era governada apenas por um homem. Baseados nesta informação, estudiosos acreditam que no século XVIII daquela era ocorreu a transformação política de Canaã e em Jerusalém, passando de uma sociedade tribal para uma sociedade política. Teria sido nesta época que Jerusalém tornou-se um núcleo urbano sob comando de um único rei.
Desde então, os conflitos entre Jerusalém e as potências locais e regionais não cessaram jamais, exceto por intermitências esporádicas, até chegar ao século XXI da era atual, na qual Jerusalém tornou-se sinônimo de problema sem solução, espécie de nó górdio geopolítico a exigir a intervenção de um novo Alexandre para — no caso — cortar o nó, ou do desvelamento de um (novo? velho?) messias para, este sim, desatar o nó da discórdia.
Como a inteligência acadêmica, ciosa dos direitos consuetudinários da Ratio socrático-platônica, não pode acalentar esperanças messiânicas ou soterológicas, cabe aos pensadores e pesquisadores liderar a busca por soluções “científicas” para vislumbrar, à luz do direito internacional e em respeito às tradições hierocráticas da cidade e da região, uma solução que agrade a gregos e romanos, tanto quanto a judeus e muçulmanos.
Daí ser o Oriente, de modo geral, e o Oriente Médio, em particular, um problema para o Ocidente.
Seja o Oriente como invenção do Ocidente, como quer — com alguma mas não toda razão — o incensado Edward Said, seja o Oriente existente no seu ser-em-si, na sua diferença intrínseca em sua relação de oposição dialética, política e geográfica, o fato é que o Oriente Próximo, do qual falamos, está a nos desafiar enquanto problema epistemológico, há vários milênios.
Com a globalização do capital, a mundialização da consciência política, o pós-modernismo das boas causas multiculturais, o advento das novas nacionalidades num quadro de perigosa instabilidade militar na região, o fato é que a cada dia a questão do Oriente Médio assume importância cada vez maior e mais vital na vida de todas as pessoas do planeta.
Isso porque o argumento mais utilizado para a expansão dos diversos imperialismos é a defesa dos direitos dos povos e de suas crenças e tradições. Tudo isso está em jogo no Oriente Médio onde, uma vez mais e sempre, a dimensão religiosa do conflito se tornou o principal elemento “ideológico” da guerra política que se trava pelo domínio da cidade sagrada e da região estratégica do Oriente Médio. 

 

Ainda que o sábio tunisino Abd’El Rahman Ibn Khaldun (Tunis,1332 – Cairo, 1406), seja um ilustre desconhecido em nossas universidades, o fato é que trata-se do criador da História como ciência, ultrapassando os limites panegíricos dos anais e dos relatos dinásticos.
O fato de ter ficado mais de seis séculos na obscuridade, mantido no limbo acadêmico, exalta ainda mais a grandeza de sua obra, ainda que circunscrita às condições políticas, econômicas e sociais do Magreb africano. 
Segundo Yves Lacoste, desde a perspectiva de concepções da História, Ibn Khaldun foi qualitativamente mais importante que Tucídides, Agostinho de Hipona, Maquiavel ou Montesquieu.
Há mais de um século, a Europa voltou-se para a extraordinária obra khalduniana, que marca o nascimento da história enquanto ciência. Enquanto isso, entre nós, habitantes dos trópicos brasílicos e deambulantes das academias tupiniquins, Ibn Khaldun não passa ou não passava de um nome exótico.
Estudando o norte da África e os impérios ali formados ao longo dos séculos, Ibn Khaldun concebeu uma filosofia da história e até mesmo uma sociologia política das mais ricas.
Segundo Ibn Khaldun, o sistema tribal é a forma de organização que garante a coesão de um grupo pastoril, cujos deslocamentos impedem que ele possa se definir em relação a um território preciso sob ocupação permanente.
Khaldun afirma que no Magreb a população masculina manteve o bom e saudável hábito de guerrear. Para Ibn Khaldum, a causa da manutenção das estruturas tribais deve-se às aptidiões guerreiras da maioria da população masculina magrebina.
Tal fenômeno deve-se às atividades pastoris porque as populações dedicadas ao pastoreio desenvolvem hábitos nômades ou semi-nômades (neste caso, pastores e agricultores ao mesmo tempo). Assim, necessitam de montarias e elas lhes conferem importância militar em funções das técnicas de combate da época, nas quais o papel da cavalaria assumia relevância.
Portanto, os nômades eram guerreiros ou estavam mais bem preparados para a guerra do que as populações urbanas ou agrícolas.
Segundo Yves Lacoste, “as aptidões belicosas do conjunto das populações fortaleceram as estruturas tribais, impedindo que os chefes guerreiros pudessem ampliar consideravelmente sua autoridade, o que poderia ser feito sobre uma população desarmada.”
Assim, ao contrário de outras regiões mais densamente habitadas do Oriente Próximo (às quais estavam ligados por aspectos culturais, políticos, militares, idiomáticos e religiosos), onde as estruturas tribais estavam enfraquecidas (mas não desaparecidas), na África do Norte a maior parte da população ainda vivia dentro dos esquemas de estruturas tribais, até o final do século XIX, época da colonização francesa nessa região. 
Assim, a especialização guerreira não se tornou fenômeno ligado a apenas uma ou outra classe social, como na Europa medieval onde o senhor feudal impôs sua força em meio à população desarmada. No Magreb, pelo contrário, o porte de armas era um costume cultivado por todos e, por isso, não era possível estabelecer uma casta guerreira como aquela da Europa medieval, impedindo o surgimento de uma nobreza característica do feudalismo ocidental.
Por isso, é impróprio falar de luta de classe na gênese dos inúmeros e contínuos conflitos familiares e dinásticos da África do Norte porque ali nunca se instalou um regime feudal, pois não havia uma verdadeira nobreza no sentido europeu do termo, nem guerreiros profissionais militarizados (com exceção dos escravos, especialmente núbios) nem uma verdadeira burguesia porque as elites magrebinas formavam, no máximo, uma aristocracia guerreira (todos eram guerreiros, mas não militares). Isso porque, na sociedade tribal, não existe propriedade privada dos meios de produção nem da terra, que pertenciam à comunidade que a explorava.
A difusão da vida pastoril, nômade e semi-nômade, foi um dos obstáculos à destribalização do Magreb, na medida em que as estruturas tribais enfrentavam e diminuíam os poderes dos soberanos, tornando impossível a servilização e a mobilização militar dos nômades berberes e tuaregues.
De modo que Ibn Khaldun destacava que, na África do Norte, a religião não sacralizava a minoria privilegiada que ainda estava integrada às comunidades tribais.
Assim, o chefe guerreiro — a exemplo dos nossos yanomamis estudados pela antropologia política francesa — era o chefe da tribo, entretanto sua força militar dependia do zelo, afeição e confiança que os demais guerreiros tinham por ele, chefe. Portanto, o chefe que quisesse manter-se na chefia, tinha com principal preocupação dedicar-se aos demais, sacrificando a si e aos seus bens na busca da manutenção da liderança, sempre efêmera a depender dos caprichos dos seus companheiros porque o chefe tribal nada mais é do que o primum inter pares, o primeiro entre iguais, só isso e nada mais.

 

Por ser uma forma de organização militar, o grupo tribal assegura a própria defesa. Seus membros, armados de forma permanente, conhecem as artes da guerra, sabem combater e se subordinam à chefia sob a qual combatem. Portanto, a tribo, enquanto organização política e militar, constitui o embrião de um Estado no qual a classe exploradora ainda não está individualizada.
Portando, desde uma perspectiva histórica, a tribo representa o último exemplo de uma sociedade sem classe, e o primeiro exemplo de uma sociedade de classe. Trata-se de uma democracia militar, em alguns casos, talvez uma pseudo-democracia militarizada.
A economia dos Estados erigidos sobre base tribal sempre foi o comércio. As estruturas de Estados fundados por tribos guerreiras e por comerciantes se assemelham às das “sociedades hidráulicas” que se desenvolveram em torno do Nilo e entre o Tigre e o Eufrates.
A obra de Ibn Khaldun permite estudar a evolução estrutural das democracias militares articuladas com a aristocracia mercantil, no norte da África. Ele percebeu que a atitudes dos soberanos, as vicissitudes da política e o destino dos Estados não eram problemas independentes uns dos outros, mas constituíam um complexo que influenciavam-se mutuamente.
Daí sua busca por estabelecer um estudo que levasse em conta a correlação de todos esses fatores. Tal esforço intelectual, levou-o a uma concepção global da história, a uma análise das estruturas sociais e políticas e ao exame de sua evolução.
Afirma Ibn Khaldun que “tendo imaginado um método novo de escrever História, e escolhido um caminho que surpreenderá o leitor, caminho e sistema inteiramente meus.” .
Portanto, a busca realizada por Ibn Khaldun para encontrar uma explicação racional para as perturbações políticas que estudara e vivenciara no Norte da África, chegou ao ápice na formulação de sua concepção de História enquanto ciência.
Por isso é que, em Um Estudo da História, Arnold Toynbee afirma que Ibn Khaldun (“emigente gênio no campo do estudo da morfologia histórica”) foi “o mais inteligente intérprete da morfologia da história que já surgiu em qualquer lugar do mundo até hoje”.
Toynbee ensina que Ibn Khaldun, notando a diferença das invasões árabes no noroeste da África, chegou a conclusões gerais e esclarecedoras sobre política e religião.
Ibn Khaldun tinha excelente conhecimento de certo número de estados, a começar pelo califado, os quais, no decurso da história islâmica, tinham sido fundados por pastores nômades em territórios habitados por populações sedentárias.
Compreendeu que os guerreiros pastores haviam sido capazes de fundar estados porque estavam animados pela asabiyah, cuja tradução nem sempre correta embora aproximada é a expressão francesa sprit de corps. Um sentimento grupal de solidariedade social que animava as tribos de guerreiros nômades.
Diante da débâcle que tais estados experimentam num ciclo de vida aproximado de três gerações ou 120 anos, Ibn Khaldun explica que, por via do luxo, a asabiyah tende a desaparecer do grupo conquistador. Portanto, seria necessário algo mais, além do indispensável “espírito de corpo” para garantir a construção do império. Diz Ibn Khaldun: “Os árabes só podem conseguir autoridade de realeza empregando algum colorido religioso, tal como profecia ou santidade, ou algum grande evento religioso.”
Para Toynbee “a percepção de Ibn Khaldun  quanto à ineficácia de uma explicação secular sociológica da história do Noroeste africano na Era Islâmica o levou a incluir Deus entre as dramatis personae da história, e, ao faze-lo, deu à história uma nova dimensão.”

 

Como foi visto na sessão anterior, do ponto de vista conceitual o termo asabiya, é fundamental no pensamento histórico de Ibn Khaldun. Para ele, uma tribo só pode conquistar e conservar um império se possuir determinadas características sociais e política que ele denominou asabiya.
Este termo designa a força que permite a uma tribo criar um Estado. Várias traduções foram propostas, tais quais “vitalidade do Estado” (Ebab Mohamed, Lahore, 1930), “força vital de um povo ou Lebenskraft (Erwin Rosenthal, Berlim, 1932), “tomada de consciência nacional” (Alfred von Kremer, Viena, 1879), “espírito público” (Silvestre de Darcy, Paris, 1865), “solidariedade social” (Charles Issawy, Londres, 1950), “coesão de grupo, vontade comum, solidariedade num sentido muito forte” (Claude Cahen, França, 1958), De Slane traduziu-o por “espírito de corpo” ou “espírito de tribo” entre outras designações, na tradução do Prolegomènes (França, 1844-1862) e, finalmente, para Arnold Toynbee a asabiya é “o protoplasma psíquico de que são construídos todos os organismo políticos” (Londres, 1954).
Para Helmudtt Ritter, asabiya seria uma solidariedade grupal irracional ou, mais precisamente, aquilo que Maquiavel denominou virtú.
E para o propagador da obra khaldunia, Yves Lecoste, o conceito de asabiya é eminentemente dialético. Sendo o “a força-motriz do devir do Estado” (na expressão de Rosenthal), a asabiya arruína-se a si própria com a realização do Estado. Por ser o motor do devir do Estado, a asabiya tem dois elementos constitutivos: a democracia militar e aristocracia tribal, elementos muito presentes nas sociedades que compõem o quadro geopolítico do Oriente Médio.
Antes de realizar a transposição da análise khalduniana, então circunscrita ao Magreb, para entender a complexidade do Oriente Médio, é necessário lembrar que Ibn Khaldun se refere à asabiya em relação à África do Norte.
Por isso Yves Lacoste insiste em rejeitar as interpretações que fazem da asabiya uma noção sociológica universal Entretanto, o próprio Lacoste reconhece que Ibn Khaldun se referiu à assabiya para descrever as conquistas árabes do século VII.
Reconhece ainda que este fenômeno poderia ser observado na criação de Estados por tribos conquistadoras não-árabes, como por exemplos a formação dos diversos impérios mongóis, nos quais se percebia a existência desta força misteriosa, chamada asabiya.
Por último, cumpre registrar que a asabiya tem como primeira condição a existência de estruturas tribais, exatamente como ocorre no Oriente Médio.
Portanto, a realidade política do Oriente Médio pode ser analisada a partir do conceito khalduniano de asabiya, em articulação com a perspectiva antropológica tal qual proposta por Ernest Gellner em Antropologia e Política, especialmente o capítulo intitulado “Tribo e Estado no Oriente Médio”.
Para Gellner, “em acentuado contraste com outras partes do mundo, no Oriente Médio a religião conservou, ou reforçou, sua capacidade de atuar como catalisador político.”
Daí porque “a política é freqüentemente fundamentalista” pois a herança política do Oriente Médio seria “uma religião ofrte, um Estado forte, uma sociedade divil fraca e a frágil asabiya de quase-parentes, de clientelismo quase-territorial.”

 

Jerusalém, coração do conflito judaico-palestino e axis mundi, para usar uma terminologia própria de Mircea Eliade, é uma cidade misteriosa porque desconhecemos sua origem e já a encontramos sob o governo de um rei-sacerdote Melquisedeque (vide Gênesis, 14:17), de cuja Ordem espiritual ao qual o próprio Jesus pertenceria, segundo atesta o autor da Epístola aos Hebreus (7:20).
A sacralidade de Jerusalém para o judaísmo, para o cristianismo e para o islamismo prova a vitalidade de sua natureza teofânica. Para compreender esta dimensão metafísica que implica em entender a cidade de Jerusalém como uma cidade sagrada provoca a perplexidade dos teóricos e acadêmicos, porquanto prisioneiros de uma ratio grego-latina, não conseguem transpor os umbrais do pensamento místico que torna clara a destinação hieronômica de Jerusalém.
Karen Armstrong, em profundo e — até agora — insuperável obra sobre Jerusalém, elegeu como objeto de estudo “descobrir o que é uma cidade santa”.
Ela afirma que o designativo “cidade santa” é portador de uma significação muito complexa. Para entender tal complexidade, Armstrong propõe estabelecer três conceitos:

6  – ANÁLISE DOS TRÊS CONCEITOS: Deus, Mito e Simbolismo

1º conceito – Deus ou o Sagrado: A autora prefere o termo “Sagrado” para se referir ao universo da Deidade, em vez de usar o desgastado teônico “Deus”. Conceitualmente, trata-se da experiência da transcendência e do mistério da existência, que constitui um fato da vida humana, independente do nome pessoal que se atribua à Divindade : Deus, Yahweh, Alah, Brahma, Nirvana, Tupã, etc.

2º conceito – Mito: Quando o homem tenta exprimir sua interpretação do sagrado, não consegue expressar sua experiência em termos lógicos e racionais, discursivo, passando a recorrer ao mito como estratégia narrativa para que possa sua experiência subjetiva relacionada ao sagrado. “A mitologia surgiu não para descrever fatos historicamente verificáveis, e sim para tentar expressar seu significado interior ou ressaltar realidades por demais elusivas para serem discutidas de maneira coerente”, ressalta Armstrong. Daí, diz nossa teóloga, “a questão Jerusalém é explosiva porque a cidade adquiriu o status de mito”.

3º conceito – Simbolismo: O símbolo faz parte da realidade a que se refere. A experiência do divino se dá través de um intermediário, que pode ser uma criatura humana (profetas, santos, ascetas, etc.), um texto sagrado (Torah, Evangelhos, Corão, Zen-Avesta, Mahabarata, etc.), uma doutrina (judaísmo, cristianismo, islamismo, budismo, etc.), um local (grutas, árvores, florestas, montes ou ainda, sinagogas, igrejas, mesquitas, templos de modo geral, etc).

Neste sentido, tem razão Karen Armostrong, quando afirma que:

“As pessoas percebem o sagrado nas montanhas, nos bosques, nas cidades, nos templos, onde se sentem entrando numa dimensão diferente, separada do mundo físico que habitam normalmente, porém compatível com ele. Para judeus, cristãos e muçulmanos, Jerusalém é esse símbolo do divino”.

Jerusalém, portanto, inicialmente foi reverenciada como um “lugar sagrado”, provocando uma tipofilia por si mesma, em função talvez da pedra que se encontra no alto do monte Sião, umbigo do mundo e pomo da discórdia.
Com a sacralização da cidade, posteriormente, pelas religiões reveladas (judaísmo, cristianismo e islamismo), a hierotopofilia inicial deu lugar a uma nova dimensão sagrada, mítica, mística e simbólica à cidade de Jerusalém, tornando-a paradigma da hierópolis, a cidade sagrada no sentido mais estrito que existir.
De tal sacralidade, emana tanto sua extraordinária força espiritual quanto sua tragédia existencial porque tornou-a objeto de cobiça de movimentos políticos seculares — subjungidos à lógica brutal do Estado nacional —, em detrimento de sua dimensão metafísica, enquanto unidade transcendental das três religiões reveladas, derivadas da herança espiritual abraâmica.
Na questão Jerusalém, que é a primordial, orbitam a questão Palestina, a questão árabe e a questão islâmica, bem como, incidentalmente, a própria questão judaica, teorizada por Marx, por Sartre, por Freud e tantos outros pensadores dos séculos XIX e XX.
Dentro deste contexto de entrelaçamento das causas políticas, sociais e econômicas — para seguir o método khalduniano de estudo da história —, passemos a analisar o discurso de Bernard Lewis, que busca imputar aos naturais do Oriente Médio a culpa da situação de subdesenvolvimento e de tirania político-militar a que todos os países da região estão submetidos.

7 – O QUE DEU ERRADO: O Oriente Médio ou a análise de Bernard Lewis ?

Bernard Lewis, pensador inglês (Londres, 1916) e professor da Universidade de Princeton (EUA) desde 1974, é um dos mais brilhantes intelectuais que se dedicam à história do Oriente Médio.
Tanto conhecimento e tanta especialização não foram o suficiente para fazer de Lewis um pensador menos etnocêntrico do que a antropologia aconselha. Trata-se de um “totem envelhecido”, na expressão feliz e jocosa de Tariq Ali.
A principal doutrina de Lewis é que os problemas do Oriente Médio cessarão quando a democracia for implantada na região. A política externa norte-americana devia ensinar tal doutrina a Mubarak (há mais de 30 anos no poder), à família Saud que transformou um país num feudo particular (Arábia “saudita”); a Sadam Hussein, antes da primeira guerra do Golfo, pois até então o ditador iraquiano era o queridinho dos americanos na luta contra o Irã; ou ao governo de Israel, cuja democracia segue a fórmula do apartheid sul-africano: democracia de brancos e para brancos, na qual os negros eram excluídos dos benefícios da democracia, no antigo regime racista da África do Sul, e excluídos os árabe-palestinos de Israel e Territórios Ocupados, sob ocupação militar e ilegal, desde a perspectiva do Direito Internacional.
No seu livro, que ficou cinco meses no topo da lista dos mais vendidos do New York Times, o próprio título pressupõe imputação de causa e culpa de todos os males do Oriente Médio exclusivamente aos árabes. Doutrina fácil, esta. Boa para agradar a indústria militar norte-americana, que assim pode esgrimir o argumento da intervenção militar para levar a democracia aos países da região (só aos inimigos, pois os aliados tipo Arábia Saudita, Egito, Iraque pré-1991, Irã no tempo do Xá Reza Pahlevi, etc.).
As intervenções em defesa da democracia, justificadas pela doutrina da guerra preventiva, é doce-de-leite no pensamento oblíquo de Bernard Lewis. Ele é um intervencionista, ainda que seja “o decano dos estudos sobre Oriente Médio”. Sua inteligência e seu saber estão a serviço do imperialismo anglo-americano.
Sua obra e, sobretudo, What Went Wrong ? Western Impact and Middle Eastern Response (New York : Oxford University Press, 2002), publicado no mesmo ano no Brasil sob título O que deu errado no Oriente Médio ?.
No capítulo dedicado ao secularismo, ele diz que só o cristianismo é capaz de realizar a coexistência de Deus e César no Estado. Isso porque se, na doutrina romana imperial César era Deus, tanto no judaísmo quanto no Islamismo, Deus é o César, fundando assim o regime teocrático, cujo termo fora forjado por um judeu-romano, Flavio Josefo que — na obra Contra Apião — usou pela primeira vez o termo teocracia para se referir ao modelo político-religioso dos judeus.
Lewis reconhece a identidade profunda entre judaísmo e islamismo, tanto na concepção política do Estado teocrático, quanto na ausência de uma ecclesia judaica ou islâmica, e também na ausência de um clero no sentido estrito do termo, pois rabinos e sheiks não são sacerdotes, mas sim professores, mestres, orientadores espirituais. Tudo isso, menos sacerdotes.
Em relação ao Islam, Lewis afirma que não há distinção entre direito canônico e direito civil, entre a lei religiosa e a lei do Estado. Existe apenas uma lei, a shari’a, aceita por todos os muçulmanos como legislação de origem divina.
Tanto que não existe conflito doutrinal no Islam, mas im conflito de liderança política no seio da Umma, a comunidade muçulmana, cujo exemplo axial é a divisão entre sunitas e xiitas, relacionadas à sucessão do profeta Maomé, e não a algum elemento doutrinário.
Will Durant, em A Idade da Fé: A História da Civilização tomo IV, diz que Maomé foi, ao mesmo tempo, César e Cristo, no sentido que ele exerceu a liderança política e religiosa da nova religião.  Assim, diz Wewis, “Maomé alcançou vitória e triunfo durante sua própria vida. Conquistou sua terra prometida e criou seu próprio Estado, do qual ele mesmo foi soberano supremo.”
Assim, “tanto em árabe quanto em persa e em turco, as palavras usadas para designar ‘a nação’ são termos que haviam sido usados anteriormente para designar a sociedade religiosa do islã”.
Lewis, em sua doutrina “democrática” aconselha os muçulmanos a utilizarem a ciência (‘ilm, em árabe) “para subverter a sociedade islâmica e pôr fim ao império da shari’a [a lei corânica].
Em contraposição, o Islam soube se defender pois identificou a fonte do mal: Europa, estados Unidos, judaísmo, cristianismo, comunismo. Daí a solução ter sido eliminar as leis e costumes impostos por imperialistas estrangeiros e reformadores nativos, buscando restaurar a única lei verdadeira, a lei universal de Deus.
Diz Lewis que “os proponentes dessa doutrina conquistaram o poder no Irã em 1979” e “são, cada vez mais, uma força a ser considerada em outros países muçulmanos”.
Diz ele que o secularismo vai de mal a pior no Oriente Médio. E oferece dois exemplos de Estados que não possuem constituições escritas: Israel e Arábia Saudita.
Em Israel, confere-se um papel político muito importante ao pensamento rabínico, essa espécie de proto-clero judaico; e na Arábia Saudita dá-se muita atenção à aplicação vigorosa e rigorosa da lei religiosa.
No mundo islâmico, o desprestígio da religião como princípio organizador da sociedade nunca aconteceu de forma completa e, nos últimos tempos, começou a existir um movimento muito mais forte, no sentido contrário, de estabelecer a religião como princípio fundamental do Estado. Por isso, em países islâmicos, a questão da tolerância “tanto na teoria quanto na prática, fica aquém das democracias ocidentais”.
Não obstante e apesar da celebrada “intolerância”, não existe na História do Islã — Lewis reconhece como que a contra-gosto — “nada que se compare com a expulssão de judeus e muçulmanos promovida pela Espanha, a Inquisição, os autos-de-fé, as guerras de religião.
Diante da atual intolerância que Lewis diz existir nos países árabes e em israel, Lewis afirma: “Contemplando o Oriente Médio contemporâneo, tanto muçulmano quanto judaico, somos obrigados a perguntar (...) se muçulmanos e judeus não teriam talvez pegado a doença cristã”, a da intolerância contra as outras religiões, doença típica do zelo inquisitorial da Igreja Católica.
Esta chaga, a intolerância, seria o motivo de — na opinião de Lewis — o Oriente Médio continuar atrasado. O remédio seria adotar as doutrinas laicas do Ocidente cristão, que tanto mal fez a judeus e muçulmanos?, perguntamo-nos e respondemos que não.
Porque a intolerância é um sistema de defesa contra as interferências estrangeiras, etnocêntricas e eurocêntricas, promotores das injustiças políticas, sociais e militares que atormentam o Oriente Médio.
Para combater a intolerância, é necessário extirpar o mal que está na raiz de todas as desgraças do Oriente Médio: a intervenção de potências estrangeiras nos assuntos internos daquelas comunidades que mal saíram das suas estruturas tribais para formar Estados nacionais, que enfrentam a oposição sistemática e organizada dos novos cruzados, que são as forças imperialistas que tentam manter a região sob regime de satrapias ocidentais encravadas no Oriente Próximo.
Mas, para Israel, a aliança com o Ocidente e seu principal patrocinador político-militar é inevitável pois “a sobrevivência do estado, cercado e superado, em números e em armas, por vizinhos que rejeitam seu próprio direito de existir, pode depender de sua margem de superioridade qualitativa, derivada em grande parte do Ocidente”.
Lewis, na conclusão de seu livro maniqueísta, termina por afirmar esta pérola da intolerância, ao afirmar que os muçulmanos são “inaptos para uma sociedade livre, aberta”.
No fim, Lewis diz que existem duas respostas para a questão do Oriente Médio.
A primeira, “atribui todo o mal ao abandono da herança divina do islã, defende o retorno a um passado real ou imaginário”, que seria o procedimento da Revolução Iraniana e dos movimentos e regimes fundamentalistas nos países muçulmanos.
A segunda resposta confere à democracia secular e ocidentalizada a panacéia para os males médio-orientais, cujo exemplo “tem sua melhor corporificação na República Turca fundada por Kemal Atyaturk” , democracia esta que está baseada na força do exército turco, amplamente rejeitado nas urnas, com as vitórias recentes de partidos islâmicos, que controlam o governo turco na atualidade, sob a sombra sempre ameaçadora do exército turco, de formação laica e ocidental, ainda que bem pouco democrático.
Em síntese, esta obra de Bernard Lewis não passa de um livro ridículo, reacionário, pleno de preconceitos e equívocos crassos. Como todo livro que freqüenta a lista dos “mais vendidos”. Em função de tais concepções arcaicas e intolerantes, devemos dar um basta à bosta escrita pelo besta Bernard Lewis.
Passemos adiante. Vejamos o que nos ensina um pensador menos preonceituoso e menos intolerante. Ouçamos o que tem a nos ensinar o paquistanês Tariq Ali.

8 – A NOVA CARA-de-PAU DO IMPÉRIO: Dialogando com Tariq Ali

Tariq Ali, escritor paquistanês radicado em Londres e uma das estrelas da esquerda intelectual, atuando como editor da revista New Left Review, concedeu várias entrevistas a David Barsamian. O conjunto delas corresponde ao livro A nova face do império: os conflitos mundiais do século XXI.
Livro muito interessante. Para ilustrar nosso tema, leia-se o capítulo VII, intitulado “Palestina e Israel” (pp. 155-192). Respondendo a questão colocada por Barsamian acerca de a questão Palestina ser tão importante para a conscientização islâmica, Ali indica que esta questão também é muito importante para a conscientização de muitos judeus, que não querem fazer com os palestinos aquilo que os nazistas fizeram com os seus avós.
Ali lembra que “em setembro de 2003, mais de 24 pilotos israelenses assinaram uma declaração pública em que se recusavam a bombardear aldeias ou cidades palestinas”.
Em relação ao fundamentalismo, Ali afirma que “existe o fundamentalismo imperial, e no seu núcleo está o país mais religioso do mundo”, os Estados Unidos da América. E que a partir do onze de setembro, os EUA sentiram-se no direito de abrir a temporada de caça aos árabes e aos muçulmanos, atropelando o Direito Internacional, o Direito Humanitário, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção de Genebra e a consciência mundial, atacando sem piedade e de forma indiscriminada o Afeganistão e fazendo o mesmo no Iraque, logo em seguida, sem que a ditadura de Sadam Hussein tivesse nada a ver com o ataque às torres Gêmeas.
Quanto à Palestina, Tariq Ali acredita que manter a Palestina sob ocupação “é a demonstração mais grotesca de padrões duplos” na política externa dos Estados Unidos. Para ele, “os israelenses negam direitos humanos básicos, elementares, à população palestina, em Israel e nos Territórios Ocupados”.
Quanto à democracia no Oriente Médio, Ali lembra que nem a monarquia saudita é popular na Arábia Saudita (motivo pelo qual não pode haver democracia naquele país, caso contrário ele deixaria de ser “saudita”), nem o regime mubaraquiano é popular no Egito. Daí porque estes dois maiores aliados dos EUA entre os países árabes e islâmicos da região podem fazer o que bem entenderem em termos de desrespeito à democracia, que os Estados Unidos não estão nem aí...
Portanto, ensina Tariq Ali, “toda esta conversa sobre levar a democracia ao mundo árabe é um monte de bobagem” porque o que está em jogo na região é a guerra pelo domínio do petróleo, diz ele.
Citando o célebre Edwar Said — autor de Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente —, Tariq Ali lembra que Said “descrevia Oslo como uma Versalhes Palestina, onde, em troca de algumas migalhas, eles concordaram em se render. A liderança palestina achou que conseguiria um pequeno Estado, que fosse ao menos funcional — nem isso conseguiu. Ao contrário, tudo o que os israelenses estavam preparados para oferecer eram minúsculos bantustões”.
A Segunda Intifada nasceu como uma resposta à provocação de Ariel Sharon, que invadiu a Esplanada do Templo, onde se localizam a Mesquita de Omar e o “Nobre Santuário”, onde resplandece a Cúpula Dourada que protege a rocha sagrada, umbigo do mundo, centro do universo e pomo da discórdia entre judeus e muçulmanos.
Mas ela já estava fermentando muito antes e não foi somente um levante contra a ocupação israelense, diz Ali, mas também um protesto contra a corrupção da liderança palestina.
Para Tariq Ali, “a Organização de Libertação da Palestina cometeu o erro fatal de concordar com Oslo e de participar da farsa de Camp David”. Ele acredita que a Palerstina necessita “desesperadamente” de uma nova liderança nacional quer continue a luta pela causa palestina no século XXI.
A expectativa de Tariq Ali é que seja possível construir um Estado Palestino significativo, “um Estado adequado com fronteiras contíguas e no mínimo metade do antigo Estado da Grande Israel — ou, se isto não acontecer, que os palestinos vençam a luta para se tornarem cidadãos iguais num Estado unificado da Palestina-Israel”.
Só que a liderança sionista é contra estas duas expectativas e, segundo Ali, esta seria a maior fragilidade dos líderes judeus porque, indo contra a tendência natural da história, “eles não podem impedir as duas coisas para sempre”.
Quanto à Jerusalém Oriental, anexada por Israel em violação às resoluções da ONU, Tariq Ali diz que “o direito internacional só funciona quando o maior e mais poderoso Estado do mundo quer” mas “os Estados Unidos sempre desdenharam o cumprimento do direito internacional” daí porque Tariq Ali diz temer “que não seja o direito internacional que ajudará os palestinos”.
Por fim, citando Sam Huntigton, refere-se ao “paradoxo democrático” que é o seguinte: ao se permitir democracia no mundo árabe, podem ser eleitos líderes que o Ocidente não gosta. Por isso, os Estados Unidos nunca incentivaram a democracia no Oriente Médio.
Tariq Ali tem razão. A democracia levou ao governo os fundamentalistas da Frente Islâmica de Salvação, na Argélia, e o Ocidente apoiou o golpe militar que o exército marxista daquele país perpetrou, violando a vontade popular de trocar o marxismo pelo islamismo.
Na Palestina ocorreu o mesmo, nas últimas eleições parlamentares de há dois anos, quando as massas elegeram os candidatos do Hamas e conseguiram a maioria no Parlamento Palestino, impondo o nome de Hanié como primeiro-ministro, contra a vontade da OLP e de Abu Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina.
Resultado: após um ensaio de guerra civil na Palestina, o Hamas expulsou a OLP de Gaza e criou um novo Estado Palestino na Faixa de Gaza. Enquanto isso, a Cisjordânia continuava sob governo de uma OLP cada vez mais corrupta, mais dócil para com americanos & israelenses, além de contar com uma liderança cada vez mais senecta.

9 – QUASE CONCLUSÃO: A TRIBO CONTRA O ESTADO ou as novas e velhas perspectivas políticas & antropológicas

Nesta conclusão, quero destacar três idéias essenciais na obra Antropologia e Política: revoluções no bosque sagrado, de Ernest Geellner.
Ele dedica dois capítulos que se articulam como nosso tema: o capítulo 12, “Tribo e Estado no Oriente Médio” e o capítulo 13, “Maghreb como espelho para o homem”, onde retoma os ensinamentos de Ibn Khaldun.
Diz Gellner que “o quase-estado tribal característico do oriente Médio” tem como base uma série de fatores dentre os quais bastará destacar os seguintes:
Primeiro – Organização de linhagem segmentaria, todos com um ancestral comum cuja patrilinearidade garante a pertencência ao grupo. “Isso significa na prática a existência de grupos coesos que mantêm a ordem por esforço comum” ensina Gellner, completando que tais grupos “contam com um alto índice de participação militar” porque na prática “todos os homens adultos tomam parte na violência organizada e participam dos riscos envolvidos”.
Em sociedades deste tipo, “a organização interna que têm baseia-se mais no equilíbrio de poder do que em sua concentração”, ensina Gellner. Com uma economia baseada no comércio externo e na exploração e proteção de rotas de caravanas, tais sociedades têm necessidade de se organizar em algum grau de ordem política.
Diz ainda que a “unidade militar tribal era um grupo social preexistente” que estava “habituado, pelas condições normais da vida que levava, à mobilidade , à violência e à frugalidade”. Daí porque “a continuidade entre as exist~encias social e militar das forças armadas tribais tornava-as freqüentemente formidáveis”.
Gellner inclina-se a adotar a teoria de Ibn Khaldun sobre a sociedade magrebina, para analisar as estruturas políticas e sociais do Oriente Médio, mesmo sabendo que o objeto de estudo de Ibn Khaldun era a Berbéria. Mesmo assim, Gellner acreditar ser possível pensar a teoria de Ibn Khaldun “como uma teoria geral do mundo muçulmano da zona árida”.
Quanto à capacidade de resistência do povo árabe, Ernest Gellner acredita que “nada, e certamente não a morte, põe fim ao jogo” porque “a liderança na sociedade segmentaria tem a característica dos dentes de dragão” na medida em que “quanto mais líderes tribais são mortos, mais novos líderes emergem da linhagem do chefe”.
Além disso, os árabes têm a vantagem de possuir uma extraordinária força que os torna imunes às vicissitudes: uma religião viva e militante, algo que o Ocidente perdeu há muito tempo. Tal força é expressa no brado vitorioso, de esperança e de desafio lançado pelos muçulmanos aos reinos deste mundo: Allah ul-akbar!


* Conferência proferida sob título História, Política, Religiosa e Memória em Ibn Khaldum, durante a Semana Nacional de História, na Universidade Federal Rural de Pernambuco, em 2008.

** Caesar Sobreira é professor de Antropologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco, doutor em Filosofia pela Universidad de Salamanca e pós-doutorando em Linguística pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Cf. ARMSTRONG, Karen. Jerusalém : uma cidade, três religiões. São Paulo : Companhia das Letras, 2000, p. 27.

Neste particular, leia-se, de Caesar SOBREIRA, Jerusalém pertence a quem? – Análise do conflito israelense-palestino à luz do direito talmúdico, do direito islâmico e do direito internacional público. Recife : Kabalah Editorial Universitária, 2008.

Para uma melhor compreensão da tensão permanente na região, consulte-se: DURANT, Will. César e Cristo : A História da Civilização. (Vol. III). Rio de Janeiro : Record, 1971; e DURANT, Will. A idade da Fé: A História da Civilização. (Vol. IV). Rio de Janeiro : Record, S/D.

LACOSTE, Yves. Ibn Khaldun : nascimento da história – passado do terceiro mundo. São Paulo : Ática, 1991, p. 12.

Cf. Idem, op. cit., p. 30.

Cf. Idem, op. cit., pp. 32-33.

Apud LACOSTE, op. cit., p. 79.

TOYNBEE, Arnold. Um estudo da história. Brasília : Universidade de Brasília / São Paulo : Martins Fontes, 1987, pp.  512-514.

Idem, op. cit., p. 514.

Apud TOYNBEE, idem, ibidem.

Idem, ibidem.

Apud LACOSTE, op. cit., p. 129.

Idem, op. cit., p. 147.

Idem, op. cit., p. 132.

GELLNER, Ernest. Antropologia e política : reevoluções no bosque sagrado.  Rio de janeiro : Jorge Zahar, 1997, pp. 186-205.

Idem, op. cit., p. 205.

Idem, ibidem.

ARMSTRONG, op. cit., p. 14.

Idem, op. cit., p. 16.

Idem, op. cit., p. 17.

Idem, op. cit., p. 18.

LEWIS, Bernard. O que deu errado no Oriente Médio? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

Idem, op. cit., p. 118.

Idem, op. cit., p. 120.

Idem, op. cit., p. 123.

Idem, op. cit., p. 133.

Idem, op. cit., p. 179.

Idem, op. cit., p. 181.

Idem, op. cit., p. 183.

ALI, Tariq. A nova face do império : os conflitos mundiais do século XXI em entrevista a David Barsamian. Rio de Janeiro : Ediouro, 2006.

Idem, op. cit., p. 159.

Idem, op. cit., p. 165.

Idem, op. cit., p. 167.

Idem, op. cit., p. 169.

Idem, op. cit., p. 170.

Idem, ibidem.

Idem, op. cit., p. 171.

Idem, ibidem.

GELLNER, op. cit., p. 186.

Idem, ibidem.

Idem, op. cit., p. 191.

Idem, op. cit., p. 195.