REVISTA ZONA DE IMPACTO. ISSN 1982-9108, VOL. 16, SETEMBRO/DEZEMBRO, ANO 12, 2010.
Rafael de Andrade
Para Deus (In Memorian)
Afirmar que a “literatura deve” fazer algo é agregar a esta um caráter que não me agrada. Entretanto, para iniciar esta comparação ousada que pretendo levar à cabo, preciso afirmar que a literatura enfrente (sem dever) o horror, esta força que nega a vida, que nos deixa apenas o horror. A literatura é imposição, a resistência, a fuga violenta e o rompimento com as estruturas que não criam vida, mas sustentam a naturalização do mundo ordenado em torno do medo e do deus capital. Esta relação entre arte e capital é explorada por alguns autores (de Adorno a Caldas, passando por outros) e temos aqui uma dualidade: a arte necessita ‘se vender’ ao capital para se manter, para permanecer enquanto ‘manifestação do pensamento humano’, mas alguns literatos afirmam que esta ‘venda’, ‘submissão’ ao capital geraria uma forma de casulo de arte, de Literatura, de artesanato, que não é arte de fato e sim uma nova espécie de mercadoria, muitas vezes brincadeira de criança, de gorila, de anta.
A literatura, enquanto aparição fantasmagórica do libertino (que está entre os cordeiros e causa espanto e medo) enfrenta o vazio, a náusea, a rotina, os ratos e os estados, indo além do próprio libertino, sendo a liberdade que ronda para longe, ganhando pernas e braços quiméricos. Ainda há, uma espécie de artesanato mal reproduzido, que mal consegue ‘se vender’ e nesta incapacidade nasce a insatisfação do artesão-artista, que passa a se preocupar com a recepção do público, quem vai lê-lo, que editores deve agradar. Este artesão não pode entender que a arte é um momento de egoísmo-deus (o único que aceitamos), onde o artista cria o universo, concebe ficções satisfaz seu ego: o artista goza, o artesão masturba o capital.
Antes das obras, as criadoras. Cátia Cernov é envolvida em lutas e manifestações ambientais, suas obras são criações de sua transformação constante, de seus devires, nasceu no Paraná e migrou para o norte, residindo em Porto Velho há alguns anos. É possível vê-la distribuindo seus panfletos pelos eventos “culturais” da cidade e fora dela, impressos com vontade e um pouco de malícia. Maria de Fátima Pereira de Oliveira nasceu em Mirassol do Oeste, no Estado do Mato Grosso, se mudando para Cerejeiras (RO) aos dois anos, é formada em letras pela UNIR, conheceu o escritor André Carneiro no Seminário de Estudos Lingüísticos e Literários e acredita em um mundo melhor. Já na apresentação de ambas, notamos as diferenças que as obras possuirão: Enquanto Cátia é uma sem terra, Maria de Fátima reside em Cerejeiras, se formou na UNIR, participa do SELL, escreve para Rondônia, para Cerejeiras, etc. Cernov cita Alberto Lins Caldas, Maria de Fátima cita os salmos da bíblia.
Escolhi estas duas obras porque elas representam duas faces antagônicas que surgem na literatura e Literatura produzida no espaço geográfico das Rondônias. Uma, que deriva da teoria iniciada por Caldas (cujos libertinos se desprendem em: Moreira, Cernov [e a CCP em peso], Fabrício de Lima, Ricardo Bezerra e me incluo nesta horda, assim como grande parte do movimento Barranco) que fala da literatura e libertinagem, literatura enquanto movimento além da terra e da herança e a ‘tradição’ das Academias e Uniões literárias de Porto Velho, que podem ser chamados (e acreditamos estar reduzindo este universo) de regionalistas.
“Amazônia em Chamas” não está em lugar nenhum, enquanto “O Guaporé” está em Cerejeiras (e ao mesmo tempo não está por falta de capacidade) no Estado de Rondônia, no Brasil. O Guaporé não consegue descreve Cerejeiras como Eugênia Grandet (Balzac, Editora Abril, 1971) descreve Saumur e os aspectos provincianos daquela região. Ao passo em que descrever a região é necessária para o entendimento da própria vida do Pai Grandet, a cidade descrita como Cerejeiras não se correlaciona em muitos aspectos com as personagens que ali estão: de alguma forma a fala e os costumes são de moradores de outros lugares: da universidade, dos encontros literários, de Portugal, do litoral. Ao passo em que a vida do Senhor Grandet só pode ser entendida por alguém que tenha vivido pelo menos um pequeno período na província, duvido que os moradores de Cerejeiras se expressem da forma que a autora relata. Vejam a dicotomia.
A primeira obra não se esquiva de enfrentar o horror da existência, da destruição da natureza, da prisão do homem pelo homem, de desnaturalizar o que é natural, de retirar santidade do que não é santo (não existe santo, tudo é humano) e possui suas dificuldades teóricas. O segundo livro não enfrenta nada: é a representação de uma terra pequena, banhada pela imprensa global, da leitura dos clássicos ‘brasileiros’ e de boa vontade, nada mais. O que pretendo analisar e comparar são estas duas percepções diferentes de (L) literatura. Não estou dizendo nada de novo. A análise que realizo destes dois livros não devem apresentar (ou representar) uma ‘única e verdadeira’ forma de interpretação, mas apresentar caminhos.
O livro “Amazônia em Chamas” (Cernov, Ed. Literatura Marginal, 2010) de Cátia Cernov – que já não é dela – é composto por seis contos: Sapiens, O mamulengo, A cúpula Cogumelo Plutônico, Amazônia em Chamas, A guilhotina e Condomínios. Cernov deve ser lida como uma egoísta e prepotente artista, moldando mundos para “salvar” o mundo de nós mesmos.
O conto “Sapiens” tem como ambiente o cenário urbano, que pode se considerada uma característica da literatura que bebe do furor do moderno, das infinitas possibilidades da cidade de Baudelaire. Ao mesmo tempo apresenta Sapiens, um anfíbio que espera pela vez dos “de sua raça” (mesmo ele não tendo raça, como todo moderno, Sapiens talvez seja o resultado do efeito colateral da química lançada no rio) dominar o mundo, quando os humanos se forem de vez, graças às imbecilidades da humanidade. Sapiens conhece Darwin, o defensor da humanidade, com quem se confronta toda vez que vai ao boteco Beagle.
O anfíbio ri da humanidade, ri da história dos vencidos, urina na “superioridade” dos homens, que matam tudo que podem em troco de nada. No fundo, Sapiens é uma nova perspectiva para a humanidade (ou ‘anfibiedade’ – libertinagem – eco-terror-libertinagem-caos), alheia e superior aos valores da ciência e do capital. Não existe progresso ou evolução, “não se pode criar m conceito absoluto dentro de um universo em tão permanente mutação” (p. 17), a única verdade é o devir, a constante trans-mutação de todos. Apesar do apelo ecológico, é tarde demais. Um cometa varre o planeta, queimando os “símbolos de poder” e transformando tudo em quase nada.
Os homens sobreviveram. E em breve habitarão o espaço. Mas quem? Só os evoluídos, os mais ricos, os ditos superiores, que inventarão novos deuses, que discursarão novamente para se manterem no poder, até destruírem novas terras? Cernov termina o conto com perguntas. Que não cabe a ela responder.
“O mamulengo” é o texto a seguir ou poderia se chamar “escola de libertinagem” se Sade não o tivesse usado, e com outro sentido, já que escola é um termo que refere à construção, reprodução e mamulengo é outra coisa. O boneco, em busca de sua autonomia, passa a destruir tudo o que se construiu em sua cabeça, enquanto verdade e vida, para buscar uma nova vida, a verdadeira vida. Ao exemplo de Schopenhauer, o narrador busca a solidão e começa a tomar gosto pela mesma, era nesta solidão “que pretendia erguer os alicerces da nova mente.” (p. 29). E tudo começou com uma festa dançante, mais especificamente quando foi perguntado “pra que?”, e esta pergunta foi o que engatilhou sua inércia. Tal qual Gregor, perguntava por que iria se levantar a atender as expectativas dos seus superiores? Questiona as estruturas da família, da escola, da igreja e do trabalho e apresenta uma realidade que desde Kafka não podemos negar: somos grandes insetos esmagados pelas botas da ‘vida’ do trabalho, da escravidão. Questiona as estruturas da família, do estado, do trabalho, da religião e conclui: a inércia e o desapego de tudo isto é o caminho para a desejada autonomia mental.
Sentia uma enorme dor ao se desligar de todas as conexões com a ilusão do real e esta dor o libertava. E depois de algum tempo, algum desprendimento (cujo caminho o leitor deve trilhar) o mamulengo se levantou. Urbano – a cidade é uma verdade mutável-, líquido e movimentado: a busca do sujeito moderno, de encontrar uma essência, que se desfez. Por fim, o mamulengo teve que aprender o que todo poeta deve: “a sobreviver entre sua autonomia mental e a necessidade de sobreviver dentro daquele contexto” (p. 39). Agora, boneco livre, homem sem aldeia, cantarolando (nu?) pelas ilhas, pelas cidades, pelas tribos: um libertino.
O conto “A Cúpula Cogumelo Plutônico” é a narrativa do nascimento da CCP, romantizada pela autora, ou sabe-se por quem, é a história de “cinco indivíduos que ali se reencontravam...” (p. 43). Se no inicio viviam uma vida desregrada, não tinham pleno conhecimento de seus poderes, tudo se resumia na vontade do caos, uniram-se para participar das transformações do seu tempo e para isto se apegavam aos conhecimentos adquiridos na técnica da academia. Os membros da CCP eram sociolog@, filósof@, cientista, teolog@ e poeta e tinham como base ritual o fogo fátuo, ritual de conexão, conspiração e cumplicidade.
A teoria de base da CCP nasceu da fusão de todos os entendimentos, a fusão que agiu como dor, como rasgando as asas e os pelos, metamorfoseando os ordenados homens em caóticos seres. O conto se desprende na narrativa dos caminhos trilhados pelos membros da CCP, que se tornaram tudo aquilo que mais temiam: manipulador de massas (que massas? A massa não é um conceito superado? Talvez não para Mills e Morin), reprodutor de lógicas de mundo, teorizador de verdades cientificas, se transformarem em divinos ao dar conforto para a dor alheia ou manobrando a linguagem dos homens.
O conto CCP traz reflexões sobre os caminhos do Barranco, movimento literário surgido em meados de dois mil e nove, cujos objetivos e práticas tem se distanciado: a revolução literária e a literatura enquanto verdadeira vida são os objetivos, já na prática, estamos adquirindo conhecimentos (a literatura se faz de conhecimentos? Ou na investigação do horror que beija nossos corpos? O que diria Kafka e Dostoievski?) ou simplesmente não nascemos para a libertinagem. Podemos nos tornar em tudo que mais tememos: podemos nos tornar escritores da terrinha.
“Amazônia em Chamas”, narra a história de José Antonio da Silva Conselheiro, mestiço de índios e urbanóides, retirantes da seca do sertão, afastado de sua cultura (sabemos que cultura original não existe, que ela está em constante transformação) e inserido na cultura do trabalho, cujo cenário apresente arvores mortas e prédios crescendo. Conselheiro sem passado, destruído pelo capital, parte em busca de suas origens ancestrais, se mudou para a metrópole Norte, trabalhando na usina, queimando florestas para abrir caminhos para as fronteiras do mercado.
O trabalho lhe apresentava uma constante falta de significado. Conselheiro estava perdido. Lembrou-se de um conselho antigo e fora se encontrar com o velho índio, xamã, bebedor de chás e cachaça, cujo sangue, apesar do titulo de velho xamã, também se diluíra nas correntezas do capital. Discutiram sobre a destruição, sobre a vida em comum, a união de todos sobre a poeira cósmica e Conselheiro volta ao trabalho com mais empenho, uma espécie de treino para o trabalho mental.
Teve um sonho onde tudo se queimara e afogara, sentiu medo e não quis mais sonhar. Mal sabia que o conflito entre homem e natureza explodiria na estação das chuvas quando a barragem cederia à pressão da água e se romperia, levando toda construção do homem, queimando tudo pelo caminho, não perdoando nada: natureza e homem sofrem juntos, e podem se salvar juntos. Quando atingido por estas forças, não resistiu, se entregou ao instinto e não só sobreviveu, mas viu a grande união de todas as vidas, que o universo era um só.
Longe de pensar que este conto representa uma “viagem cósmica” da autora, lemos uma mensagem ecológica e terrorista. Cernov enfrenta as realidades sociais e a relação homem – meio ambiente sem fugir do que de fato acontece: a terra é destruída e todos nós pagaremos.
O conto curto “A Guilhotina” fala sobre a morte da vontade do homem, fala da rebeldia do ressentido, que agora é liberto, filho destes, libertino. O condenado acredita que a guilhotina é humilhante e serve apenas aos desígnios do rei (e um dia será guilhotinado) e o carrasco crê que a guilhotina é justa, que deve servir ao rei e que é ele faz apenas seu trabalho.
Mas a guilhotina não corta apenas a cabeça, mas o pensamento. É um instrumento que faz com que todos hajam de acordo com o rei, “é o império do medo”. E o condenado goza: escolheu como morrer, escolheu desafiar o rei. E mesmo depois que a cabeça dele rolou, a sombra da guilhotina continuou por lá, representando o medo da morte e lembrando que os condenados podem até mudar (proletários, reis, presidentes), mas ela não desaparece do cenário.
O último conto do livro “Condomínios” fala exatamente das construções que levantamos para nos salvar da violência que está lá fora. A violência de dentro, da prisão, reflete nas doenças físicas e mentais que abatem a nós e nossos filhos. Apesar de toda criação de Deus, que deveria nos dar alimento e proteger, somos um povo inquieto, que pouco se preocupa com a dor alheia. No condomínio, jaz um povo atormentado.
O livro “O Guaporé” de Maria de Fátima Pereira de Oliveira (Pedro & João Editores; EDUFRO, 2009) é no mínimo, uma imagem antagônica do livro de Cernov. O texto é uma “boa novela”, pois procura sensibilizar todas as faixas (etárias?). Já inicialmente notamos: que este livro se passa às margens do rio Guaporé e é um pedido de socorro em favor da Amazônia, pulmão do mundo. Confesso que li esta novela três vezes e a cada leitura, tive maior dificuldade.
O livro é composto por dezessete capítulos. O primeiro capítulo “A Vila” descreve como a autora concebe a cidade de Pimenteiras do Oeste, RO (como ela mesma escreve). Escreve o cheiro dos trabalhadores, peixe, disfarçado com banhos e fragrâncias, as mulheres e suas curvas esculturais e pele bronzeada, o peixe assado como o prato da região, e este povo está sempre comemorando nestes momentos, casamento, boa pescaria, nascimentos. Neste cenário que nasce João Batista, que recebera este nome graças à promessa de sua mãe.
No segundo capitulo, “O Nascimento” fala sobre o dia em que João nascera. O parto foi difícil, e só ocorreu com a ajuda de Nossa Senhora Aparecida, mãe de Jesus. Para tal, D. Maria, a mãe de Batista, prometeu que o filho seria padre e teria nome de santo, caso sobrevivesse ao parto. Junto com a linguagem coloquial da ribeirinha, este capitulo já aponta uma das características da obra: ela remete a algo que não existe ou que já foi dito pela Literatura e telenovela brasileira. No terceiro capítulo “O Milagre”, uma luz toma conta do quarto de D. Maria e a aparição da virgem Maria faz com que o jovem batista nasça saudável. Foi um milagre que ninguém conseguia explicar. Aqui já sabemos o que vai ocorrer.
Vamos descrever a estória: numa certa manhã de domingo, chega de São Paulo uma nova família, mãe e filha, cujo marido havia morrido. Elas procuravam naquela região um local tranqüilo para continuarem suas vidas. A menina se chamava Margarida e logo se tornou amiga de Batista. A amizade se tornaria algo mais, e a mãe de Batista (D. Maria) se preocupara com a situação e mandara o rapaz para longe, onde ele se tornaria padre. Alguns anos depois, o jovem volta a vila e se declara para Margarida e resolvem trocar cartas mesmo de longe. Escolhe D. Maria como a responsável por receber e trocar as cartas.
Já podemos perceber que a mãe não entregará as cartas para Margarida nem encaminhará para o rapaz no seminário. Tudo em nome da fé e da boa repetição: sem me esforçar muito, lembro de algumas mães que em nome da fé ou do dinheiro, atrapalham o romance do casal apaixonado da trama.
A mãe de margarida está doente e decide que ela precisa se casar, escolhendo “Luanzinho” como pretendente. Mais uma vez, ela aceita. Sabendo disto, o jovem Batista resolveu tomar satisfações. Descobrindo que fora a mãe responsável pela não entrega das cartas, fizeram as pazes e em um dos encontros que tiveram às escuras, transaram. Não querendo contrariar a mãe e sabendo que Batista em breve seria um “homem de deus”, se casara com o tal Luan. Acreditando ou não, quando Margarida contou que estava grávida de Batista para sua mãe, a mãe morreu de desgostou. Ao procurar a mãe de Batista, esperando por apoio e por enfim, ficar com seu amado, ela fora desprezada e humilhada, fugindo para sempre daquele local sem deixar rastros.
Assim termina a primeira fase. Acreditamos que Margarida ou o filho da união dela com Batista voltará em grande passo. Estamos no sexto capitulo, Margarida se tornou uma pessoa vingativa e pensava que com a morte, sofreria menos. Sendo salva por uma senhora, Margarida ganhou uma segunda chance. Dona Lindalva, este era o nome dela, contou sua historia, logicamente, de sofrimento e dor. Sua filha morrera e pelas boas graças, Margarida era parecida com a menina morta.
A trama possui transformações mágicas: Margarida ascendeu no mercado de trabalho, estudando e se formando em “administração de empresas”, se tornando gerente. Conheceu um doutor, empresário, com quem teve mais dois filhos. E tinha vontade de voltar para aquela vila e se vingar de todos (não disse?), como toda boa cristã, rezou para deixar para trás aquele sentimento de vingança. Um dia, mãe e filha foram à outra igreja (tudo ocorre segundo a mão divina da autora) e lá Margarida reconhecera Batista, correndo da presença dele. Como desculpa para a filha, Margarida disse que ao ver o padre “algum espírito mal que estava me acompanhando naquele momento e a presença do padre o fez manifestar-se” e completa: “Ainda bem que já passou. Fique tranqüila” (p. 68-69). Estranho, espíritos ruins vão e vem como a trama é bordada neste livro: por uma mão divina estranha.
O capitulo oito se chama “O Reencontro”. Batista e Margarida se reencontram e as lagrimas descem. Ela fugia do padre, que a procurava. O relacionamento da Margarida com as outros personagens se modifica. Ao procurar Batista e não encontrá-lo, soube que ele fora ver sua vida que estava doente. Para evitar que sua filha ou o padre amante soubesse da historia da gravidez, resolveu voltar para a terrinha para “deixar tudo limpo”.
Após brigar com o marido, Margarida voltou para Pimenteiras. Hospedou-se na pensão da mãe de Batista e evitava a todos que podiam se lembrar dela. Na voz de um vendedor de peixe frito, soube de todos: que o Luan sumira quando fora deixado no altar, que o padre soube de tudo e passou a procurá-la, que ninguém sabia da gravidez, alem da velha Maria. A festa do divino espírito santo inicia o capítulo dez “A Confusão”, onde durante a celebração, Batista reconhecera Margarida, parara o ritual e a perseguira, perdendo-a de vista e voltando em seguida. Uma confusão entre o Luan, o padre e sua mãe acontece e Margarida foge com o violão (não entendo bem a mão divina) de Batista. Em São Paulo, o marido de Margarida conta para sua filha que o pai dela ainda esta vivo e Margarida sofre um infarto, vindo a morrer. Após a morte, Maria Clara (filha de Batista) sai de casa e leva o violão de seu pai. Ela fazia medicina e se formara. Achou uma pista, um papel desbotado que citava Pimenteiras D’Oeste e foi para lá.
Maria Clara ficou trabalhando na pensão de sua avó. Em uma das festas do povoado, um rapaz a chamara para dançar e ela aceita. M. Clara investiga e descobre muito sobre o passado que viera investigar, sem concluir nada. O tal rapaz morava do outro lado do rio, sendo filho de Lua, que não morrera, mas casara com a filha de um fazendeiro. Narra a história de sua vida, que envolve salvamento heróico e casamento forçado, entre outros clichês.
Durante uma chuva forte, Vinicius e Maria Clara se refugiam em uma cabana, onde o rapaz se mostra um grande artista. Os dois se encontram constantemente e após perguntar sobre a cabana, M. Clara descobre tudo sobre o passado. No decorrer do capitulo treze, M. Clara salva sua avó (mesmo com raiva desta) e mesmo assim (a velha é o demônio que mente pela fé), a velha mente para ela, afirmando que Luan é seu pai e não Batista, seu filho.
Por acaso do destino, Vinicius descobre por seu pai que M. Clara não é sua irmã e parte para São Paulo, onde se encontra com Lorena, irmã de M. Clara. Lá ele começa a fazer “sucesso”, a namorar Lorena e após alguma reviravolta mais que esperada, volta a ficar com M. Clara. Ao querer tocar violão para sua amada, Vinicius descobre as cartas de Margarida e Batista. Em Pimenteiras, M. Clara tira satisfações com sua velha avó e conta tudo para seu pai, Batista. Ao descobrir que sua amada tinha morrido e tudo mais, J. Batista sai de barco a sofrer. Deixaria de ser padre, mas só depois de realizar o casamento de sua filha com Vinicius, onde, com todos os pecados perdoados (inclusive da velha-abissal) todos viveriam felizes, deixando os dias de dor e angustia para trás. Separo como idéias-base do livro de Cernov, o terrorismo intelectual e ambiental, enfrentamento do horror, a busca da essência do cativeiro intelectual, moral e físico a que estão submetidos os homens, da arte enquanto ferramenta, armadilha caótica e tudo mais. Esta literatura, produzida na noite e na fumaça da cidade, não bebe em nenhuma outra fonte a não ser na investigação literária e filosófica da autora do que seja a “vida” e o viver “em sociedade”, no liquido urbano, amado pelos anfíbios loucos.
No livro de Oliveira, temos como idéia base a promessa ao deus cristão, o amor impossível, a vontade da família, as festas do interior (cujas peculiaridades são parcamente apresentadas, resultando na má apresentação de uma dada “realidade”), a trama é decida de forma que nos lembramos dos romances de costumes (herói e vilão, conflito entre bem e mal, o destino controlado pela mão invisível de deus-autor), cujo herói está em conflito com este ser mal (ou ignorante) e não contra o próprio mundo: característica de uma literatura moderna e presente em “Amazônia em Chamas” em todos seus contos.
Se ao ler Cernov compreendemos que o nosso destino é tramado pelo acaso e que nossa vontade apenas nos dará o controle temporário sobre o nosso drama, no livro de Oliveira temos a certeza do final bom, independente dos traumas e dramas: todos estão ricos e decididos.
Cabe ao leitor destas obras definirem o que é Literatura e o que é literatura. Temos em uma mão uma obra voltada para o grande público, feita para agradar a todos, cheio de reviravoltas, sentimentos e finais felizes (mesmo para o demônio D. Maria) e doutro lado, um ato de terrorismo, que nos força à ler e investigar.
Um vírus bomba ou uma dose de soma “a lá Admirável Mundo Novo”? é preciso ler a tudo e a todos, sem exceção. De fato, senti certa tontura ao ler uma das obras, parecia que tinha voltado aos doze anos de idade e via, junto com minha mãe, uma telenovela. Chamar esta obra de literatura seria o mesmo que chamar de literatura algo produzido atualmente pelas emissoras de televisão.
Sei que a literatura não deve, mas enfrenta. E para afirmar, digo: “literatura é terrorismo”, citando Alberto.
Referências
Balzac, Honoré de. Eugênia Grandet. Editora Abril, 1971.
Berman, Marshall. Tudo o que é Sólido de desmancha no ar: A Aventura da Modernidade. Tradução Moisés F. C; Ioratti A. M. L. Editora Companhia das Letras, 1986.
Cernov, Cátia. Amazônia em Chamas. Editora Literatura Marginal, Selo do Povo, São Paulo, 2010.
Kafka, Franz. A Metamorfose. Editora Abril. 2010.
Oliveira, Maria de Fátima Pereira de. O Guaporé. São Carlos: Pedro & João Editores. Porto Velho: EDUFRO, 2009.