Zona de Impacto - ISSN 1982-9108 ANO 18 Vol. 1 - 2016 - janeiro/junho
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O CORPO EM
ESTADO ALTERADO DE CONSCIÊNCIA NOS RITUAIS DA TRADIÇÃO
FARRELIANA DE MANAUS
Graduando em Teatro UEA/ESAT Professor UEA/ESAT – Teatro luizdavipesquisa@hotmail.com Resumo: Esta
pesquisa tem como objetivo investigar a corporeidade nos rituais da
Tradição
Farreliana de Manaus buscando entender os estados alterados do corpo
com base
no sacerdote. A metodologia adotada foi a pesquisa performativa, pois a
partir
da prática na bruxaria com a Tradição Farreliana que se iniciou essa
pesquisa.
A partir dos rituais da Tradição, buscamos relacionar o universo
teatral com o
universo da bruxaria tendo como foco os estudos na Antropologia da
performance,
que possibilitam relacionar esses dois universos através de estudos
desenvolvidos por autores que buscaram demonstrar justamente os pontos
de
contato entre o ritual e a performance. Palavra-chave: Performance; Corporeidade; Tradição
Farreliana. Abstract: This research aims to investigate the
corporeality
in the rituals of tradition Farreliana of Manaus trying to understand
the
altered states of the body based on the priest. The methodology adopted
was the
performative research because from practice witchcraft with Tradition
Farreliana that began this research. From Tradition rituals, we seek to
relate
the theatrical universe with witchcraft universe focusing studies on
the
anthropology of performance, which allow to relate these two universes
through
studies by authors who sought precisely to show the points of contact
between
ritual and performance. Key-words: Performance; Body;
Tradition
Farreliana. Esta pesquisa tem como objetivo
estudar a
corporalidade nos rituais da Tradição Farreliana de Manaus, visto que a
Tradição Farreliana é uma bruxaria que realiza as suas celebrações por
meio dos
rituais de Sabás e Esbás, por esse motivo para essa pesquisa busca-se
entender
os estados alterados do corpo e suas expressões com base no bruxo
sacerdote. A crença dos membros da Tradição
Farreliana
refere-se principalmente ao culto à Deusa Mãe em seus aspectos como
donzela,
mãe e anciã; e por meio dela, também ao Deus Cornudo. São para essas
duas
divindades, (a Deusa e o Deus) que estão associados a diferentes nomes
de
deusas e deuses como, por exemplo, a Deusa Brígit e o Deus Cernnunos,
deuses
padrinhos da Tradição, que os bruxos e bruxas sacerdotes e sacerdotisas
prestam
culto nas celebrações dos rituais de Sabás e Esbás.
Os Sabá e Esbás fazem parte das
celebrações
que ocorrem durante a chamada roda do ano que corresponde ao ano das
bruxas com
os seus oito Sabás e os treze Esbás de luas cheias todos celebrados
pela
Tradição, é nesse período de tempo também que o membro exerce seu
treinamento
passando pelos graus de neófito, dedicante até ser iniciado tornando-se
um
sacerdote. Nos rituais da Tradição
Farreliana em certa
medida experimenta-se um estado de fluidez que é adquirido através do
contato
com os deuses no momento cerimonial do ritual. Esse estado produz uma
certa
“corporalidade” com a qual buscamos investigar Por meio dessa pesquisa
buscamos
constatar e relacionar a prática sacerdotal, que consiste em um intenso
trabalho sobre si mesmo, com o treinamento de ator, pois dessa forma
estaremos
mantendo uma relação com a prática sacerdotal e também teatral. Através de estudos e práticas
artísticas
acerca da performance, linguagem essa que experimento e exerço como
artista, é
possível co-relacionar essa linguagem com o ritual a partir de
pensamentos
defendidos por autores como Richard Schechner e Victor Turner.
Lembrando também
do treinamento que um performer exerce para realizar, expor ou compor a
sua
performance. Pensando nesse sentido trago para reflexão um paradigma
bastante
influente e emergente para a contribuição dessa pesquisa que é a
discussão acerca
do Ritual e Performance. Para o antropólogo Jhon Dawsey
(2013, p. 22),
Rituais se produzem como eventos teatrais, e teatros podem suscitar
experiências rituais. Performances podem ser vistas como uma “trança”
(brad) de
elementos de ritual e teatro. Quanto mais trançadas forem as
performances, mais
eletrizantes tendem a ser. Nota-se
que
tanto o ritual quanto o teatro estão relacionados e interligados como
fios de
uma trança, em que ambos elementos convergem entre si caracterizando e
influenciando a própria performance. O autor Jhon Dawsey (2013)
destaca que a
partir de três premissas: Drama, estética e ritual. É possível discutir
sobre
diferentes gêneros de performance consistindo em dramas rituais, dramas
estéticos e dramas sociais. “Dramas estéticos e rituais espelham a vida
social.
A recíproca, porém, também é verdadeira: dramas sociais espelham formas
estéticas” Nesse sentido é possível
relacionar então
esse pensamento com os rituais e o treinamento da Tradição Farreliana,
pois o
ritual de Sabá e Esbá visto desse ponto de vista pode ser entendido e
estudo
como performance, levando em consideração também os elementos e
estruturas que
o compõem. No que cerne ao treinamento exercido pelo membro, pode ser
levantado
questões sobre o “drama social’’ que o dedicante vivência durante o
chamado
período das sombras. Schechner (2013, p. 39), fala
sobre a noção
de “encorporacão” que consiste em “encorporar” experiências e
conhecimentos
genuínos em performances. Conhecimentos esses que são pertinentes ao
próprio
“nativo’’ que aqui pode ser o bruxo sacerdote da Tradição Farreliana.
“Epistemologias e práticas nativas que realizam a unidade do sentir,
pensar e
fazer, Por esse motivo o conhecimento
genuíno do
bruxo sacerdote se torna de grande valia para o estudo aqui em questão,
nos faz
refletir sobre a corporalidade do mesmo que é influenciada pelo ritual
de Sabá
e Esbá ou até mesmo pelo rito de passagem. Para Grotowski (2015, p. 4) “Um dos aspectos à via criativa consiste em
descobrir em si mesmo uma antiga corporalidade à qual se está ligado
por uma
forte relação ancestral”. Portanto, o corpo nos pede um olhar
mais atento
nesse sentido. Pois através do treinamento exercido pelo membro da
Tradição,
podemos pensar a prática sacerdotal em contrapartida com o treinamento
do
performer em que ambos em certa medida buscam treinar, o
“cérebro-corpo’’. Os
rituais Sabás e Esbás da Tradição Farreliana A Tradição Farreliana é uma
tradição de
bruxaria eclética “Écletica são grupos de
pessoas que não seguem nenhuma tradição especifica, mas senten-se
livres para
tomar emprestados aspectos de muitas tradições e culturas (Gori 2012,
p. 23)”.
Por esse motivo na Tradição
Farreliana são
celebrados os (oito) sabás e as (treze) luas cheias do ano e também a
lua
negra, noite em que não à lua no céu, sempre relacionado a uma Deusa em
especifico que será cultuada na noite do ritual seja ele um ritual de
Esbá de
lua cheia, um ritual de lua negra ou um ritual de Sabá. O sentido de fé e crença na
Tradicão
Fareliana está relacionado principalmente a Deusa que é cultuada nos
rituais
com orações, oferendas e agradecimentos dedicadas a ela e os próprios
rituais
são uma maneira de prestar homenagem a ela (a Deusa).
Em aradia o evangelho das bruxas, Leland (2002)
descreve um mito bastante conhecido na comunidade bruxesca relatando
sobre a
vinda de Aradia para a terra, descrevendo a seguinte passagem: Um dos mitos
preferidos relacionados a origem da arte é a história de Aradia, filha
de
Diana, filha da Deusa com seu irmão lúcifer. Diana, vendo o sofrimento
dos
pobres e dos fracos, instruiu Aradia na Arte e a enviou a terra para
formar e
ensinar nas reuniões secretas das feiticeiras. Assim fez Aradia, e,
entre os
segredos que ela passou a seus seguidores, estavam aqueles dos venenos,
da
formação das tempestades (encargo que se destacaria, mais tarde, nos
julgamentos das feiticeiras) e de como amaldiçoar aqueles que se
recusavam a
ajudar seus companheiros. Quando chegou o momento de Aradia voltar para
a sua
mãe, uma das instruções que deixou foi que os seguidores da feitiçaria
deveriam
reunir-se na lua cheia para homenagear Diana com banquete, danças,
músicas,
saudando-a como a rainha dos céus. Em troca, Diana os instruiria nas
desconhecidas artes da magia. (VALIENTE apud LELAND, 1992, p. 55) Nesse pequeno mito sobre Aradia,
é possível
identificar elementos relacionados a crença na Deusa Diana, os ciclos
que fazem
da natureza como o ciclo lunar e a noção de mito que está tão presente
na
cultura e vida das bruxas e bruxos da Tradição Farreliana,
assim como a crença e o ciclo lunar também. Para
Gardner (2003,
p. 31), “o mito pode ser uma história que
afeta as ações das pessoas. Seguindo esse pensamento o mito
de fato pode
afetar as ações das pessoas, principalmente de um grupo de pessoas que
vivencia
ou de alguma forma se relaciona com tais mitos, pois na Tradição
Farreliana os
mitos tem um papel fundamental na formação do sujeito bruxo ou bruxa
que se
deseja ser, pois é através do mito de tal Deusa e de tal Deus que o
membro
possivelmente terá maior afinidade ou não com tal Deusa e tal Deus. Existem diversos mitos de
diversos Deuses e
Deusas disponíveis na cultura pagã e na Tradição Farreliana a cada Sabá
e Esbá
o mito da Deusa que está sendo cultuada e reverenciada na noite do
ritual
carrega em si a carga “dramática” necessária para o rito em questão
como, por
exemplo o mito da Deusa Kali, Yemanja e Tiamate, Deusas essas que foram
cultuadas no Esbá de lua cheia e lua negra ao longo dessa pesquisa. Tão grande é a importância dos
mitos para a
Tradição Farreliana que a cada Esbá de lua cheia ou de lua negra é
comum e
obrigatório que o membro estude sobre o mito da Deusa que será cultuada
na
noite do rito e busque entender e captar a mensagem que o mito carrega.
Outra característica importante é
fato de na
Tradição Farreliana serem cultuados (dependendo do ritual) duas
divindades a
Deusa e o Deus para que assim se tenha o devido equilíbrio entre as
polaridades
dos aspectos feminino e masculino. São essas duas divindades que se
encontram
presentes no momento do ritual, que estão intrinsecamente relacionados
aos
ciclos da natureza. O Deus também é representado nos
rituais da
Tradição Farreliana pelo Alto Sacerdote do clã é ele que se relaciona
com o
Deus nos rituais principalmente quando o ritual é dedicado ao Deus
como, por
exemplo, o Sabá de Lughnasadh dedicado ao Deus Lugh.
Dito isso,
para melhor esclarecer as questões acerca dos rituais faz-se necessário
dizer
que é através de uma estrutura e protocolo específicos que se seguem os
rituais
da Tradição. Alguns elementos são de grande importância para a
realização de
tais rituais como os instrumentos mágicos, os gestos, as invocações, o
círculo
mágico o altar e dentre outros. O trabalho dos rituais
traz uma
conscientização do passado e do presente por vários motivos dentre eles
é
possível destacar o fato de que o culto a Deusa ou ao Deus são cultos
muito
antigos embora nos tempos atuais esses mesmos cultos sejam realizados a
partir
dos meios e para os fins do próprio clã “adaptando-os” de acordo com a
necessidade
e os tempos atuais. Os instrumentos
mágicos
tradicionais utilizados em rituais são: A vassoura, o incensário, o
caldeirão,
o cálice, o pentagrama, o sino, o athame, a espada, o livro das sombras
e
alguns outros que vária de tradição para tradição. Tais instrumentos
são utilizados
para evocar as Deidades afastar a negatividade, direcionar energia por
meio do
toque e da intenção. “Os instrumentos não
possuem poderes outros que não os que nós mesmos lhes conferimos”.
(CUNNIHNGAM 2002, p. 46) Os gestos estão
presente em
muitos momentos do ritual além de estarem relacionados principalmente
ao corpo
ou a partes dele como as mãos e dedos, podem ser praticados em junção
com as
invocações e possíveis danças. O significado
mágico dos gestos é
complexo, e origina-se do poder das mãos. A mão pode curar ou matar,
acariciar
ou apunhalar. É o canal pelo qual as energias são enviadas do corpo ou
recebidas de outros. Nossas mãos preparam altares mágicos, apanham
bastões e
athames e apagam as chamas das velas ao concluirmos ritos mágicos. (CUNNIHNGAM 2002, p. 65) O círculo mágico é
um elemento
fundamental nos rituais definindo a área ritual, pois dessa forma é
estabelecido uma esfera mágica ou um cone no círculo através da
visualização da
alta sacerdotisa da Tradição em que tempo e espaço sessão de existir,
além de
ser o espaço em que são invocadas as Divindades com a qual se comunga e
também
os guardiões e espíritos dos quatro elementos. A história do
círculo mágico é
antiga, muito antiga. Não é somente uma área de trabalho, mas um
símbolo da
eternidade, como se não tivesse começo e nem fim. Ao traçar o círculo
mágico, a
área se torna, de fato, solo sagrado, defesa contra as forças hostis e
contém a
energia que forma o cone de poder. (VALIENTE 1992, p. 155)
O altar é montado
no centro do
círculo, de frente para o norte. O norte é a direção do poder. É
associado à
Terra, e uma vez que esta é a nossa morada podemo-nos sentir mais
confortáveis
com este alinhamento. [...] O altar é por vezes redondo, para
representar a
Deusa e a espiritualidade, apesar de também poder ser quadrado,
simbolizando os
quatro elementos. Pode ser nada mais do que uma área no cão, uma caixa
de
papelão coberta com um pano, dois blocos com uma tábua sobre eles, uma
mesa de
café, um velho toco de uma árvore há muito cortada ou uma pedra grande
e plana.
(CUNNIHNGAM 2002, p.
84) Seguindo essa
estrutura e com os
devidos elementos que constituem os aspectos simbólicos e ritualísticos
de um
ritual é que o clã da Tradição Farreliana se organiza e juntos realizam
seus
rituais de acordo com os seus fins e a partir dos seus meios. Esses rituais não são tentativas
de fazer
resurgirem as maneiras antigas, mas uma criação baseadas nelas. Os
instrumentos
e os símbolos pertencem todos à tradição antiga, mas palavras e
pensamentos
estão adaptados a maneira atual. (VALIENTE 2002, p. 154) Uma das características
principais das
crenças em bruxaria, como Evans-Pitchard (1937) demonstrou de forma tão
memorável, é que elas são tentativas de explicar o inexplicável e
controlar o
incontrolável em sociedades que possuem apenas capacidade tecnológica
limitada
para lidar com um ambiente hostil. Victor Turner (1974, p. 161),
antropólogo e
figura representativa quando se fala em pesquisa em ritual através de
sua
experiência com os Ndembos nos diz nessa passagem o objetivo da pratica
de
bruxaria que consiste na tentativa de explicar o inexplicável e
controlar o
incontrolável. A
Roda do Ano: O tempo e o treinamento Tradicionalmente um membro para
ser iniciado
nos mistérios antigos precisa ter passado o tempo de um ano e um dia de
treinamento através de estudos, práticas e presenças ininterruptas em
todos os
rituais celebrados pela Tradição concluindo assim uma roda do ano. A
chamada
roda do ano consiste em um movimento cíclico no qual as bruxas
baseiam-se as
suas celebrações e buscam influências para as suas vidas diárias, tendo
em
vista as mudanças das estações e os pontos marcantes da natureza como
os
solstícios e os equinócios. Na Tradição Farreliana celebra-se
os oito
sabás da roda do ano, sendo que temos os quatro Grandes Sabás maiores e
os
quatro Sabás menores, os quatro maiores são: Imbolc (2 de fevereiro),
Beltane
(30 de abril), Lugnasadh (1º de agosto) e Samhain (31 de outubro). E
os
quatro Sabás menores que marcam os dois solstícios, do verão e no meio
do
inverno, e os dois equinócios na primavera e no outono que são: Ostara
(21 de
março), Litha (22 de junho), Mabon (21 de setembro) e Yule (22 de
dezembro). As bruxas celebravam (e continuam a celebrar) essas
antigas ocasiões
rituais com danças e com alegria, bebendo à saúde dos Antigos Deuses, e
geralmente organizando grandes festas. Em tempos antigos, elas acendiam
fogueiras ao ar livre em algum lugar distante, e vários covens
reuniam-se na
noite do Sabá. (VALIENTE 2009, p. 373) Cada Sabá desse tem um
significado na vida
das bruxas e também um significado para a natureza, pois como salienta
Valiente
esses sabás eram e ainda são uma forma em que as bruxas buscavam e
buscam
reunir-se para celebrar uma data que para elas são tão especiais e
significativas. Os quatro grandes sabás estão
todos
associados a Deusa Mãe e ao Deus Cornudo, o Sabá de Imbolc é dedicado a
Deusa
Brigit, momento do plantio ritualístico de um grão, em Beltane o
festival do
fogo e da fertilidade em que a Deusa se uni ao Deus e a semente que foi
ritualisticamente plantada começa a brotar, em Lugnasadh o festival da
colheita
que é dedicado ao Deus Lugh em que a semente está finalmente madura e
pronta
para a colheita. Em Samhain mais conhecido como Halloween a véspera de
todos os
santos é a noite em que o véu que separa o mundo dos vivos e o mundo
dos mortos
está mais tênue facilitando assim o acesso e a comunicação com os
espíritos dos
mortos. Esses quatro Grandes Sabás
ocorrem a
intervalos regulares de mais ou menos três meses. Entre eles temos os
sabás
menores dos equinócios da primavera e do outono, dos solstícios do
verão e do
inverno. (VALIENTE 1992 p. 164) Assim é estabelecido um tempo
adequado para o
treinamento do membro cujo objetivo é justamente o de conhecer e
vivenciar a
roda do ano com os seus oito Sabás e treze Esbás. Proporcionando assim
a
oportunidade do membro dedicante discernir sobre as suas indagações
acerca do
que está vivenciando e amadurecer de acordo com o tempo de cada Sabá. O tempo se traça na memória que
se enraíza.
São rizomas órfãos, pedaços de nós. (MEDEIROS S/ANO p. 5) Em todos esses oito Sabás o
membro é
obrigatoriamente ávido a participar, pois estar presente nas
celebrações desses
rituais também faz parte do treinamento exercido pelo membro iniciante
ou como
descrito na Tradição Farreliana o dedicante, que não é mais um neófito
(novo),
pois ele ou ela passou pelo rito de dedicação que é um rito de
passagem, e
agora no grau de dedicante o membro é impulsionado a se dedicar
inteiramente
aos estudos de bruxaria proposto pelos antigos além de cumprir uma roda
do ano
ininterruptas de Sabás e Esbás realizados pela Tradição. As pessoas comuns iam aos Sabás
das bruxas
por uma razão natural e compreensível, porque elas viviam bons momentos
ali.
(GARDNER 2004, p. 121) Nesse sentido, em meio a esses
oito Sabás
temos ainda os chamados Esbás de lua cheia que também são rituais
celebrados
pela Tradição Farreliana de acordo com o calendário lunar, embora nos
Esbás em
específico os rituais são realizado somente com o clã, diferente do
Sabá que
pode vir a envolver a participação da comunidade. E para a realização de cada Esbá
também
existe um limite de tempo adequado para que o ritual aconteça seja por
conta da
lua cheia ou por conta da lua negra, que são dois rituais diferentes e
com
energias diferentes, através desse tempo estabelecido é possível
refletir sobre
o que está “entre” esse período de tempo, pois assim verifica-se o
treinamento
que o membro exerce sobre si mesmo, ou o que conhecemos como
“autoconhecimento”. O presente do passado é a memória; o presente do presente é a visão,
o presente do
futuro é a espera. (MEDEIROS S/ANO p. 7) No Esbá em específico, á uma
forte relação
com a lua cheia, pois as bruxas acreditam que a lua cheia é uma noite
em que a
magia está no ápice do se poder energético e que essa energia
influência nas
nossas vidas, além do fato de que a lua é o símbolo da Deusa. A lua
crescente
representa a Deusa em sua face “Donzela”, a lua cheia representa a sua
face “Mãe”
e a lua minguante representa a sua face “Anciã”. A deusa da Lua era a deusa do amor, e também a
senhora do encantamento
do mistério, em todas as terras e cidades que floresciam quando o mundo
ainda
era jovem. Lindas mulheres do Antigo Egito exaltavam-na como a Rainha
Ísis, os
raios da Lua eram as flechas de Artemis, lançadas pelos emaranhados das
árvores
murmurantes nas florestas da Grécia. Os festivais selvagens e alegres
de Ishtar
eram realizados em sua homenagem. Ela era Diana dos bosques de carvalho
de Nemi; e Lucius Apuleius em
sua visão mágica contemplava seu
surgimento a meia-noite no oceano encantado. (VALIENTE
2009, p. 35) Observa-se então que, em muitas
culturas
antigas a Lua tinha seu papel na crença dos povos antigos, pelo fato de
ser
considerada feminina, pois ela (a Lua) representava a deusa que esses
povos
prestavam seus cultos e com o qual mantinham suas relações devocionais,
e esse
pensamento de alguma forma se perpetuou até os dias de hoje como visto
na
Tradicão Farreliana. As treze luas cheias da roda
lunar em que
acontece os rituais de Esbá da Tradição Farreliana são: lua do milho... O Esbá é uma ocasião menor e menos solene que o
Sabá. No Sabá, vários
covens podem se reunir, mas o Esbá é um encontro local. Ele pode
acontecer para
cuidar de um determinado assunto do coven, ou simplesmente para
diversão e
prazer. A palavra “Esbá” vem da antiga palavra francesa s´esbattre, que
significa festejar e divertir-se. (VALIENTE 2009, p. 171)
Nos
rituais de Esbá da Tradição Farreliana tradicionalmente é uma noite
dedicada a
uma Deusa que será cultuada no ritual e que envolve ainda determinados
“assuntos” como cita Valiente, no caso da Tradição realiza-se nessa
noite de
lua cheia um trabalho mágico sendo esse de cura, prosperidade, proteção
e etc.
Tendo em vista as características da lua cheia em questão. Portanto, é
possível observar então que a cada Sabá e Esbá existe um período de
tempo para
a realização do respectivo ritual que varia de Sabá para Sabá e de Esbá
para
Esbá, tempo esse de suma importância para o desenvolvimento e o
treinamento do
membro, visto que no decorrer desse treinamento existe também o tempo
do
“sujeito” (membro) que acaba por envolver a sua intersubjetividade
enquanto
individuo, pois os rituais se diferem ente si, tornando dessa forma
cada ritual
uma experiência única. O tempo, como elemento estético,
faz
definitivamente parte da linguagem artística. (MEDEIROS S/ANO p. 6) O
Sacerdócio: O ator sacerdote e o sacerdote ator Depois de ter passado pelo seu
treinamento
mágico como dedicante e iniciado o membro então está apto a seguir o
caminho do
sacerdócio, visto que esse mesmo membro passou pelos ritos de passagem,
chamados rito de dedicação e rito de iniciação, tornando dessa forma um
iniciado nos mistérios da bruxaria e também um sacerdote dos Deuses. Um rito de passagem como o rito
de dedicação
marca um dado momento da vida do membro que passa do gral de neófito
para
dedicante, tendo em vista todos as interpelações, dúvidas, medos e
anseios que
aparecem no decorrer de sua caminhada ainda como neófito, momento esse
em que o
membro ainda é tido como um curioso, novo nos assuntos a respeito da
bruxaria. Quando o neófito finalmente e
dificilmente
consegue seguir com os seus estudos, a partir de um período de tempo
específico
é dado a ele ou a ela a oportunidade de ser dedicado com o ritual de
dedicação
que tradicionalmente acontece em uma noite de lua cheia onde os que já
foram
dedicados antes também se fazem presentes. E todos aqueles que conseguiram
seguir com os
seus estudos serão finalmente apresentados aos espíritos dos quatro
quadrantes
(Terra, Ar, Fogo e Água) com um outro nome escolhido pelo próprio
dedicante
pelo qual será reconhecido pelos Deuses e pela comunidade pagã e farão
um
juramento perante a presença deles os chamados guardiões como bruxos ou
bruxas. O ritual de iniciação também é um
marco para
a maioria dos membros além de ser o momento muito esperado por todos
aqueles
que se dedicaram de forma intensa durante um ano e um dia no seu
treinamento
enquanto dedicante em que finalmente depois do seu ‘’período das
sombras’’,
período esse que ocorre na fase de dedicante que busca alcançar o gral
de
iniciado em que os Deuses colocam testes e provas que tornam esse
período ainda
mais difícil. No ritual de iniciação o membro
iniciante que
é o adepto a iniciado é apadrinhado com uma Deusa e um Deus de sua
escolha com
o qual prestará culto como sacerdote na sua jornada sacerdotal. A
iniciação
também acontece em uma noite de lua cheia em que os membros antigos que
já foram
iniciados antes também se fazem presentes nessa noite tão importante
para as
bruxas, em que o ou a iniciante pode vir a se relembrar de iniciações
de vidas
passadas. Como salienta Grotowski, (XXX, p. 177) “As
memórias são sempre reações físicas. É a nossa pele que não se
esqueceu, são os nossos olhos que não se esqueceram. O que ouvimos
ainda ressoa
dentro de nós” Tanto no ritual de dedicação como
no ritual
de iniciação à um cerimonialismo por envolver seres não humanos como os
espíritos dos quatro quadrantes e os Deuses, fazendo com que os rituais
venham
a ter uma estrutura pré-estabelecida pelos membros antigos de acordo
com a
solenidade em vigor. Por mais que o membro venha a se
iniciar nos
outros graus da Tradicão Farreliana, no segundo e terceiro gral em que
passa a
se tornar um Elder Líder dentro da Tradição, ainda assim a sua jornada
sacerdotal segue de acordo com o passar dos dias das noites e dos anos,
visto
que a prática sacerdotal está elencada justamente em saber exercer o
seu
sacerdotal no seu dia-a-dia, na sua casa com a sua família, na sua
comunidade e
principalmente na sua vida, pois entende-se que o membro será para
sempre ou
até quando ele se propuser um sacerdote dos Deuses antigos. Diante disso, é possível
identificar que um
ator a partir de diversas perspectivas também exerce ou tende a exercer
uma
postura sacerdotal seja no seu processo de criação na sala de ensaio,
seja como
ator-criador, seja como diretor, pois os atores em sua maioria também
são
diretores, seja como ator pesquisador ou até mesmo como performer. Dessa forma o que acaba por
emergir nesse
contexto é o trabalho do artista sobre si mesmo, tão recorrente nas
obras de
nomes como Jerzy Grotowski e também Antonin Artoud, nos quais ambos com
pontos
de vistas diferentes, mas com objetivos semelhantes partindo desse
pressuposto,
do trabalho do artista sobre si mesmo. Na visão de Artoud (2008, p.
91), os
atores devem se parecer como mártires queimados vivos, que continuam
nos
enviando sinais lá de suas fogueiras. E essa perspectiva é análoga ao
processo
sacerdotal que um sacerdote em treinamento é ávido a vivenciar, que
consiste em
um constate trabalho sobre si mesmo através do autoconhecimento que é
‘’adquirido’’ e praticado constantemente e diariamente, tendo em vista
o
auxílio que o sacerdote busca estabelecer com as suas divindades e
também
atitudes relacionais com rituais específicos. Pensando nesse sentido, é
possível
identificar também as funções e atitudes exercidas por um sacerdote ou
sacerdotisa dentro dos rituais como, por exemplo, a alta sacerdotisa (A
Senhora) e o alto sacerdote que ‘’representam’’ a Deusa e o Deus nos
rituais,
visto que a palavra representar soa bastante familiar quando se fala em
teatro,
em que se está ligado ao ato de representar um personagem em cena. Esse pensamento se torna
importante também
quando se fala em ‘’falas dos personagens’’ que geralmente se relaciona
com
algum texto, seja ele dramatúrgico ou literal, ou até mesmo um roteiro
em que o
ator busca criar as ações para determinada fala da personagem. As bruxas
acreditam que, ao representar um papel, você realmente assume a
natureza da
coisa imitada [...] Representando o papel da deusa, a sacerdotisa
estaria em
comunhão com ela; da mesma maneira o sacerdote, agindo como o deus,
tornado-se
um com ele em seu aspecto de Morte, o Consolador, o Confortador,
portador de
uma pós-vida feliz e da regeneração. Um iniciado ao se submeter às
experiências
dos deuses, vira um bruxo. (GARDNER
2003, p. 137-138) Partindo desse pressuposto e
tendo em vista a
linguagem ao qual está pesquisa está vinculada que é a performance por
conta do
ritual, constata-se que o bruxo sacerdote da Tradicão Farreliana pode
ser
definido a partir desse contexto como um performer. Pois seguindo o
pensamento
de Richard Schecher (2013, p. 60) quando ele afirma que ‘‘os
xamãs eram performers’’, o mesmo poderia se aplicar ao bruxo
da
Tradição em que estes realizam e excuta as suas ações ‘‘mágicas’’. Diante dessa perspectiva,
ressalta-se então
uma questão inerente a arte da performance que é o performer para o
qual este
capítulo buscou na medida do possível ser o foco de análise. ‘‘O Performer,
com
letra maiúscula, é um homem de ação. Ele não é um homem que faz o papel
de
outro. É o atuante, o sacerdote, o
guerreiro: está fora dos gêneros estéticos’’ (GROTOWSKI, 2015, p.
1). Por
outro lado, Grotowski (2015) salienta que o performer assume diversos
saberes,
estabelece conexões e propõem distinções, ‘‘é o homem
da ação’’, pois a
ação para este sujeito é
motivo norteador
dos seus impulsos é aquilo
que o traduz. ‘‘Ele só pode entender depois de fazer.
Ele faz ou não faz. O conhecimento
é
uma questão de fazer’’
(2015, p. 2). [...] O Performer
é
um estado do ser. O homem de conhecimento, podemos pensá-lo
relacionando-o aos
romances de Castañeda, se gostarmos do romantismo. Eu prefiro pensar em
Pierre
de Combas. Ou até nesse Don Juan descrito por Nietzsche: um rebelde
diante do
qual o conhecimento é tido como um dever; ainda que os outros não o
amaldiçoem,
ele sente que é diferente, um outsider. (GROTOWSKI, 2015, p.
9) Pensando nesse
sentido, é
possível relacionar, conectar e identificar os
saberes do performer destacado por Grotowski com o conhecimento genuíno
do
bruxo sacerdote da Tradicão Farreliana tendo em vista as convergências
de
pensamento que esses sujeitos promovem. Ressaltando que o objetivo aqui
não é
comparar, mas relacionar, propondo dessa forma vínculos de estudos
artísticos
para com os estudos holísticos. Esse ‘‘conhecimento genuíno’’ é o
conhecimento
nativo que os praticantes do candomblé e da capoeira – e os praticantes
de
centenas de outros tipos de performances - experimentam. Dessa maneira Schechner (2013, p.
61), propõe
uma profunda reflexão e também uma provocação sobre o que ele chama de
‘‘pesquisa encorporada’’, que consiste justamente na soma e no
cruzamento entre
saberes performáticos e metodologias nativas. ‘‘A encorporação - no
sentido
mais amplo – é o ponto subjacente de contato entre o pensamento
antropológico e
o performativo’’ A partir de pensamentos e estudos
dos autores
de teatro aqui destacados como Grotowski, á uma certa relação no que
tange a
prática mística da própria magia para com os seus experimentos
laboratoriais.
Segundo Schechner (2013, p. 60), a antiquada oposição entre o
pensamento e a
ação ‘‘racionais’’ e ‘‘instintivos’’ precisa ser descartada em favor de
estudos
holísticos que tratem mestres da performance não como ‘‘objetos de
estudos’’,
mas como parceiros de dança. Portanto, essa perspectiva
sacerdotal propõe
então provocações para os estudos da performance e para a arte do
performer,
lançando luz sobre a bruxaria da Tradicão Farreliana, tentando
estabelecer uma
rede de contato entre universos, não tão distintos assim, pois visto do
ponto
de vista da magia tanto o performer como o bruxo sacerdote da Tradicão
Farreliana são pontifex como
destaca
Grotowski, são ‘‘fazedores de
pontes’’. REFERÊNCIAS
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