Zona de Impacto - ISSN 1982-9108 ANO 18 Vol. 2 - 2016 - julho/dezembro
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O IMPEACHMENT COMO RITUAL RELIGIOSO: A ESPERANÇA BRASILEIRA RITUALIZADAversão em pdf
É graças a essa dupla
natureza que a religião pôde (sic) ser como a matriz em que se
elaboraram os
principais germes da civilização humana [...] física como moral, as
forças que
movem o corpo e as que conduzem os espíritos foram concebidas sob forma
religiosa. (Durkheim,
2000:
393). Resumo: O interesse basilar deste
ensaio teve como questão a
preocupação que está na mídia e nas ruas: o impeachment.
O processo, marcado por reviravoltas, demonstra que deve existir uma
forte dose
de base “religiosa”
(sentido de “êxtase” social) em
torno dele, pois sem o qual, não se manteriam em pé as velhas figuras
(os
políticos) e os antigos embaraços (peripécias da corrupção). Para
compreender
esse fenômeno complexo, foi que propomos
compreendê-lo a partir da análise sociológica de base durkheimiana. O
eixo de
compreensão parte do princípio de que, ressalvando as particularidades
espaço-temporal, todas as formas que compõem a própria
religião
institucionalizada – indo até as ciências
secularizadas, como a economia, o direito, entre outros – só ganham apoio social
porque são frutos de um frenesi coletivo. Palavras–chave:
impeachment; esperança;
ritual
religioso; corrupção; Brasil. Abstract: My basic
interest in this text is to
question the media main concern visible on the streets: the
impeachment. The
process, marked by several twists, shows that there must be a strong
"religious" ground (social "ecstasy") around the process.
Without which, there would not possible for the old politicians and
ancient
embarrassments (such as corruption) to keep in power. To understand
this
complex phenomenon we believe we need to start from a sociological
analysis
based on Durkheim's ideas. The axis for the understanding starts from
the
principle that, excepting the spatial-temporal characteristics, all
forms that
make up the very institutionalized religion - including secular
sciences, such
as economics, law, among others - only gain social support because they
are
fruit a collective frenzy. Keywords:
impeachment; hope; religious ritual;
corruption; Brazil. É sabido que um “culto” não
torna uma fé somente
renovada, mas a torna “fé” para o homem que crer. Daí a repetição do
ritual
religioso ser o que alimenta o homem que verdadeiramente tem fé. Nem
mesmo o
ateu convicto está isento da “fé” que lhe é intrínseca. Logo, supõe
falsamente
todo aquele que, veja na “fé” somente coisa de pessoa patola, e não de
culta.
Enfim, até mesmo
o homem mais materialista
não é isento de “fé”. Então, as bases pela qual a
religião atua de nada têm a
ver com algo estranho ao que se entende por “civilizado” ou “incivilizado”.
Nesse sentido, entender a sociedade, em certos momentos específicos, como uma reunião de fiéis é
sugestivo. Parafraseando
Efésios
(1: 22-23)
não
existe
igreja de um homem só. Toda Igreja já é em si algo de “aglomerações”.
Um fiel
sozinho em orações no templo só é possível porque se sabe que logo a
igreja
ficará cheia. A esperança, prenha de religiosidade, acontece quando
todos os
fiéis se reúnem no dia da celebração, levando para suas casas a
realidade
sentida na reunião, antes realizada, mas esquecida. Porém, os dias sem
celebrações, devem ser alimentados de
alguma forma, senão igreja alguma se manteria por muito tempo. Todo
homem
“sério em fé” renova sua crença diariamente, sem notar, mas somente a
duras
penas e com
dificuldade. A fé se “naturaliza”, isto
é, torna corriqueira sem aperreios, quando todos se reúnem para
celebrar em
comunhão. Nessa reunião semanal, no caso de uma cidade, ou numa reunião
de
décadas, no caso de um país, há sempre a mesma força pela renovação. Feito
essas
considerações sobre a fé e sua rotina, tomemos as relações políticas do
Brasil,
cercado de rituais e celebrações. Ao que tudo indica, a cada mais ou
menos 30
anos de maneira cíclica, ocorrem turbulências na esfera do executivo e
logo com
sua “solução”: o ato ritualístico. Partimos
da tese
de que, o impeachment
cumpre um papel de promessa da renovação da esperança, pautamos em um
pensamento muito antigo e hoje já bastante negligenciado de que, as diversas instituições
sociais e incluindo o Estado até a
ciência econômica, têm por base o “sentimento” (ou princípio) religioso
(Durkheim, 2000). Desta
feita,
afirmarmos que o impeachment é um
“ato religioso”, mas que, nada tem de metafísico, como veremos.
Ao
resenharmos a “bagunça explícita” da política brasileira, a partir da
mídia,
nota-se uma “comoção” (êxtase) social a partir das manifestações
populares
(sentido lato) em
prol de uma caça à corrupção
(“caça às bruxas”). Alguém já se deve ter feito as seguintes
indagações: por
que a sociedade brasileira não entra em “guerra civil” diante de tanta
corrupção estampadas nos jornais atualmente? Ou, por que o povo
brasileiro é
tido como aquele que sempre dá um “jeitinho” das coisas continuarem
como sempre
foram? As respostas são das mais variadas possíveis. O
Economista diria
que é por falta de um “sólido programa” de reformas econômicas. O
“homem de
partido” (ou “político profissional”) diria que se houvesse um “maior
interesse
pelo povo” a situação não estaria como esta. E por fim, o Jurista diria
que a
situação chegou a esse ponto devido que as leis deveriam ser mais
rígidas e
cumpridas.
A nosso ver, talvez o Brasil seja um
dos países que mais tiveram pacotes econômicos, políticos e de leis!
Será
realmente por faltam dessas diretrizes que o Brasil entrou
em “crise”
(sentido amplo) por sucessivas vezes? É fato que não devemos negar as
diretrizes econômicas, políticas e legais. Todavia enfatizamos as
perguntas
abstratas acima sob caráter negativo, e por isso, não poderiam ver que
o Brasil
sempre encontrou respostas para seus dilemas de um modo peculiar.
Enfim, a
resposta dos brasileiros sempre
esteve estampa para
todos enxergarem, ou seja, a solução à brasileira sempre foi: o ritual
da
esperança; seja lá sob qual face: “golpe”, “revolta”[1] ou “revolução”. Porém, dizer isso não é cair
num idealismo puro, mas é de
certa forma seguir o idealismo sociológico durkheimiano[2], porém, sem puxar nada das
estrelas, mas da própria
sociedade em questão. A esperança brasileira é “ideal”, mas isso é
intramundano
(Habermas, 2000; Bloch, 2005). Para
compreendermos a
sacralização dessa esperança, desenvolveremos a análise do ritual
esperançoso,
dividindo em quatro atos (rituais da atualização-renovação). O primeiro
grande
ritual deu-se com a Proclamação da República (1989).[3]
O segundo, com a tomada
do poder por Getúlio Vargas
(1930). O terceiro com o “golpe-revolução?” em 1964. O
ritual de 1937
(“Estado Novo”) pode ser visto como corolário do ato de 1930. O penúltimo ato (missa ou
culto),[4] deu-se em 1992, com o
impeachment do presidente Fernando
Collor. E o último ritual exorcista se deu com o impedimento da
presidente
Dilma Rousseff (2016).[5] Passemos a analisar de como
cada acontecimento (que muda
os atores no Governo) são, na verdade, rituais que renovam
(intramundanamente)
os grupos, indivíduos e os tornam possível enquanto “grande acordo”
(Habermas,
2000) para que a vida social brasileira não entre num caos. Imaginemos todo o cenário de
exorcismo da Proclamação da
República (1898), amplamente descrito pela vasta historiografia: as
disputas
entre partidos políticos (republicanos vs. conservadores); os desgastes
direto
ou indiretamente causados pelo contraditório movimento abolicionista,
entre
outros. Além, é claro, do palco mundial que impulsionado pela
Inglaterra há
décadas exigia um amplo domínio, em nome do progresso, para as
expansões das
vendas de mercadorias que com modelos pautados na escravização não
tinham como
se ampliar. Ora, sem se dá conta o movimento abolicionista tinha uma
face de
Janus: tinha o caráter de “emancipação humana” e por outro o caráter
que
“servia” ao desejo de desenvolvimento econômico capitalista, mas que
contraditoriamente era o defensor desse mesmo “amor aos negros
escravos”. Este teatro complexo de
combatentes endógenos-exógenos in toto refletia
no país um ambiente de
paradoxais linhas a seguir. Para aquele momento, qual caminho a seguir?
Nós
agora o sabemos: o regime republicano de base militar. Era tão
contraditório
todo o processo que o personagem da proclamação (Teodoro) era amigo do
que
seria destituído (D. Pedro II). Para nós, as contradições tinham o
álibi ideal
que serviria para todos os outros momentos subsequentes para resolver o
possível caos social: a Proclamação. Este ritual mesmo não “agradando”
nem aos
gregos (instituintes) nem troianos (os destituídos), os unia, naquele
momento,
e os uniriam até o presente momento, com o exorcismo do impeachment
da Rousseff. Para não sermos mal
compreendidos, não podemos negar que
a elite do período da Proclamação tinha por prática aquilo que alguns
entendem
hoje por “golpe”. A primeira manifestação, nesse sentido, deu-se na
independência (1822), conforme acredita Emília Viotti da Costa (2007:
11). Mas,
ao conteúdo de “golpe” dado pela historiografia não nega a nossa tese
de cunho
exorcista, pelo contrário a embasa. Ora, a elite de fazendeiros e
comerciantes,
no sentido dado por Viotti, ia é na “contramão” dos interesses
ingleses!
Portanto, nesse ponto, a elite pode ser vista como “defensora” do
Brasil, e não
contra, mesmo tendo em vista apenas seu interesse de “elite”. Devido a
esse
caráter contraditório, dado pela historiografia, é que nos voltamos
apenas para
o caráter de ritual do ato em si do exorcismo o qual trata este ensaio. Em termos laicos (sob tom
religioso) o em 15 de novembro
de 1898 significou justamente a primeira “grande esperança” brasileira (ou
a primeira comunhão) mesmo tendo caráter “elitista”. Todas aquelas
contradições
sumariamente apontadas anteriormente,
de certa
forma, se acoplaram para um caminhar sob a velha base mitológica do
“futuro
melhor”. E que não se veja nesse sentimento nacional algo de “ilusão”
ou de “má
fé” de uma elite que só quer dar o “golpe”. Pelo contrário, aquilo que
se chama
de “elite” também é envolvida no processo de ritual (purificador) sem o
qual
ela mesma correria o risco de se embananar com o caos daquilo que se
entende
como “povo”. Um suspiro tão atualizado
hoje (de êxtase), se podia
sentir no olhar dos homens daquele tempo: “Ah, enfim veio a Proclamação
da
República!”. Este fato real deve ter feito suspirar homens letrados e
iletrados
nos becos das cidades em paroxismos de euforia por “novos tempos”.
Depois
desses suspiros de alívios, o que veio? O “retorno” (claro que sob
novas formas
peculiares a cada espaço-tempo) das contradições sociais, e um novo ato
ritual,
e um novo rito deveria reanimar esses homens em disputas. Esse novo rito deu-se em
1930, cuja deposição do
Presidente eleito Washington
Luís, em 24 de outubro de 1930, significava
apenas que as “coisas” não iam bem (para qual classe social pouco
importa
aqui). Para resolver as coisas não faltaram os pacotes ou planos
econômicos,
acordos politiqueiros, porém, nada resolveu. Ora, o período de 1930, já
não era o “mesmo” do período
da Proclamação, mas o que o iria salvá-lo, tinha a mesma base
“exorcista” do
primeiro. E o homem (“salvador da pátria”, ou o hilário “pai dos
pobres”) fora
“escolhido” para o novo exorcismo porque preenchia o requisito
histórico
apropriado: era coronel. Que era ser “coronel” se não um homem “amado”
tanto
pelos ricos quanto pelos pobres. A “revolução-golpe” fez os homens
daquele
período suspirarem: “Ah, enfim veio alguém (Vargas) para retirar o
atraso de
nosso país e colocá-lo nos trilhos do desenvolvimento!”. Devo alertar
peremptoriamente que não se pode ver nesse sentimento popular algo de
“ilusório” causado por má-fé da elite ou do povo. Não. Pois a classe
que se
chama de elite era tão confusa quanto às pessoas mais
“simples” durante
todo o processo. E o sentimento de “desenvolvimento”
era sentido de modo bem intencionado não só pelo povo, quanto pelo
homem
poderoso político-economicamente. Nesse sentido, Getúlio
Vargas,[6] não era só homem da
“elite”, ele era ou se tornou, de
boa-fé ou má-fé, mesmo sem ter clara consciência disso, no “salvador da
pátria”
porque preenchia historicamente os sentimentos (reais) dos que se
sentiam fora
do caminho do “progresso”. Mas como tudo o que é social não depende
somente de
pacotes econômico-políticos prontos, tinha que chegar a hora de novas
contradições produzindo estertor de anseios por novo ritual, sem o
qual, tudo
travaria e tudo seria um caos. A terceira celebração
exorcista se deu em 1964 (em 31 de
março), quando os novos “salvadores da pátria”, agora como Homens de
Farda (sob
o ML. Castelo Branco), destituíram o então presidente Jânio Quadros (o
então
“Cordeiro” imolado).[7] O cenário que de maneira
contraditória se prefigurava
(entre os segmentos e individualidades sociais) iria descambar ou para
a luta
nas ruas, ou para um caos sem fim das finanças. Ruim para quem? Não se
pode
saber porque o ritual veio como “válvula de escape”. O sentido desse ato
esperançoso, é o que mais importa
para nós, se efetivou e cumpriu sua meta de medium
das contradições dos segmentos coletivo-individual mais uma vez. E
subsequentemente se observou o clima de “milagre brasileiro” que se
seguiu. E a
palavra “milagre” (que é real) deve ser levada a sério: sentimento esse
que
tomou conta, tanto da elite quanto do povo. Note-se que o “milagre” só
veio a
ser notado após o ato de exorcismo (o 1964). Ora, hoje se sabe que tal
“milagre” foi exagerado e durou pouco. Porém, isso não invalida a nossa
tese
porque ele foi sentido como realidade pelo povo (“ideal” que importa),
e de
modo abrangente também por economistas de boa-fé. Uma pergunta que não
quer
calar-se: como lutar ou resistir contra esse clima de “euforia
religiosa” que
deu base, além das armas, para os militares no poder? Porém, novamente
as
contradições se acirraram, pois, são inerentes à vida em sociedade, e
não
porque há uma “conspiração” da “elite” contra o povo, ou vice-versa.
Daí,
passado as décadas, novamente a sociedade angustia o “exorcismo”.[8] O quarto ritual se deu em
1992 com o impeachment do “menino
prodígio” Collor de Mello (atualmente
senador! E caçado ferozmente também pela “esquerda” em 1992). Naquele
ato, também como os anteriores serviria para “aliviar” os anseios do “povo” (sob a sigla PT)
ou da elite (sob a sigla PMDB)?
Deixamos o leitor livre para responder. A nosso ver, o que importa é: o
caráter
“exorcista” do ato. Como é sabido, o clima que levou Collor ao poder
era
o velho mito “caça aos corruptos”, pois as mazelas (cf. nota 9) da
economia
pelo PMDB eram coisa “insuportável”. Ora, que é uma caça se não um ato
de
“matar”. Matar quem? Os corruptos.
Porém, quem eram
os corruptos? Uma pergunta que ninguém saberia dizer a não ser com um
“os
políticos”. Mas, como Collor era “político”, nada mais justo que
caçá-lo para dar
a “esperança pretendida”. Novamente o ritual “salva” o clima de caos
que estava
se instalando de uma forma ou de outra. Na verdade, Collor (1992)
qual o rei Luís XVI
(guilhotinado em 1793), imaginava que estava sendo “injustiçado” (que é
real,
pois não fora condenado), mas sem se dar conta, como também aquele rei
de que,
estava era a serviço de “algo” (sentido social e não metafísico termo)
maior,
sob o qual o grito “Viva o fim da corrupção” (que é imaginária) era
justificado. Não esquecendo de ressaltar, sem esquecer a diferença de
contexto
espaço-temporal do ato, o mesmo sentido de exorcismo observa-se para o
rei,
quando este não pode mais ouvir o “povo” francês após sua cabeça rolar
para o
balde, berrar: “Viva a Nação! Viva a República”. As contradições, como
espectro, sempre retornam para
“acoplar” o cenário de caos. E elas voltaram incorporadas no que até
então, se
fazia sentido chamar de “esquerda”, na figura do ex-sindicalista Lula
da Silva.
O lulismo que se seguiu (pós 1992), na verdade, “salva” da bancarrota
tanto a
“elite” político-partidária tradicional (os fósseis-vivos atuais como
os
Sarney/Neves, entre outros – e não por acaso o PMDB foi o principal
aliado do
PT, símbolo da “esquerda”) quando, e principalmente, salva o “ânimo”
(que e
real) do povo pobre (sem esquecer grande parcela da “elite”) para as
“conquistas” do desenvolvimento material sólido (que era imaginária)
com uma
força religiosa (beirando o êxtase xamânico) que o país novamente
“renovava”.
Enfim, a esperança tornada teukein,
“agir-fazer”, no sentido dado por Castoriadis (2000).[9] Porém, as contradições
apontadas como intrínsecas, sejam
a nível econômico ou político-partidário, além do micro complexidade
social,
retornaram com força (em 2016), e agora, com um caráter mais
interessante:
agora sob novo fator midiático-tecnológico. Mas, mesmo sendo midiático
ou de
“espetáculo” (Debord, 1997), em nada muda o nosso interesse que vê no
antigo medium a velha chave para o
exorcismo
dos “males brasileiros”. O ritual “purificador” recai agora sob uma
mulher (e
que nem a força do debate ingênuo de “gênero” suportou, pois, esse
debate nunca
passou de “pré-texto”), que tanto a sociedade reclamava para uma saída
das
crises. As palavras de Debord (1997: 13), caso lhe retiremos o sentido
“conspiratório” peculiar deste sociólogo, cai bem nesse
contexto: “Toda
a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de
produção se
anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era
diretamente
vivido se esvai na fumaça da representação.” O
quinto e último ato
exorcista (o medium
de nossa tese), enfim, dá-se em 17 de abril de 2016 com
o “recente”
neologismo impeachment da
presidente
Dilma Rousseff (PC do B/PT/PMDB, a “santíssima trindade” do mundo
intramundano). Finalmente os deputados federais votam
(independentemente das
brigas politiqueiras ou dos inumeráveis interesses a
tergo) pelo sentimento de “esperança” do povo (“classe
média”,
entre outras) nas ruas a favor da tão sonhada campanha de “fim da
corrupção na
política” (o espectral imaginário atuante) na política congressista e
afora no
país.[10] Se imaginarmos, por um
instante, o cenário dos (pros) e
dos (contras) ao impeachment (2016)
conseguimos ter uma visão clara do “mesmo” êxtase religioso que
acompanham
todos os fiéis em uma celebração. A igreja era o país todo. E se não
era Jeová
o ídolo a ser adorado, era ao menos um sentimento tão importante para o
país, a
“Nação”! Em casa, podemos supor o povo em euforia por notícias dos que
estavam
no cenário do teatro, os congressistas (exorcistas). Nas ruas a euforia era
generalizada (fiéis). Em delírios
nas ruas e nas casas, dando-se as mãos num uníssono “fora Dilma!”
(2016) como
atualização do “fora Collor” (1992). Ora, mas de qual Dilma o povo
estava a
berrar? Será o mesmo berro de “fora Collor” gritado por
esquerdista-centro-direitistas daquele ano? Os personagens são
diferentes (os
referentes), e o espaço-tempo também, mas a mensagem (o “significado”),
não
seria a “mesma”? Esse frenesi de “ódio” ao PT
(2016) e aos “corruptos” em
geral pode ser explicado apenas pela falta de comida em nossas casas?
Não
sabemos. Porém, devemos levar a sério o papel importante que é o
ato-ritual impeachment exerce,
pois age no grupo
social em êxtase qual o ritual religioso age no fiel que realmente
participa do
culto em sua igreja nos finais de semana. Ambos os fiéis (da Nação ou
de Jeová)
saem “aliviados” e “renovados” dessas celebrações, seja nas ruas ou na
igreja. O erro das análises
puramente economicistas ou
materialistas é ver nesse ato dos fiéis algo de “ilusão” ou de
“alienado”. A
nosso ver, assim como o crente não mente ao seu sentimento de “alívio”,
do
mesmo modo o manifestante da rua sente no impeachment
uma realização (real) que o torna renovado em sua
esperança material
(imaginária) à brasileira. Mas onde quero chegar com
tudo isso? Como um ato profano,
como impeachment pode ter seu
fundamento na Religião? Ora, pode devido a dois fatores intrínsecos ao
todo
ritual religioso. Primeiro, a periodicidade com que são praticados
desde a
Proclamação da República até ao impedimento da presidente Dilma. Há uma
regularidade quase matemática dessa esperança ritualizada (cf. Tabela).
O
segundo, o sentimento de renovação-alívio (a expiação), o qual é
expresso por
esse ritual. Características conjugadas, então, temos algo de princípio
religioso.
Arriscamos sacrilégio ao dizer: seja
lá que forma o sagrado venha a se incorporar, numa montanha ou num
homem, é
sempre necessária uma regularidade que o mantem vivo, e não a coisa em
si. Com
a deusa “Nação” brasileira não é diferente, e como vimos anteriormente,
o
ritual do impeachment é a forma que
nós brasileiros, conscientes ou não, damos rumo para não se cair num
caos
generalizado. Dizer isso não é negar as contradições sociais, político
ou
econômicas, mas pelo contrário, é afirmá-las ou colocá-las nos devidos
ou em
outros trilhos.
Como já citamos (cf. nota 11), o
sentimento de alívio que sente um manifestante interrogado pelos
repórteres de
rua, demonstra o caráter ritualístico dos atos discutidos neste ensaio.
Isto é,
o impeachment é tão importante para
o
manifestante porque ele participa do ritual, se comove com seus
correligionários em ideal. Dito de outro modo, o manifestante participa
do
culto, e a rua faz o “ar” de igreja. Ele não age assim porque é
iletrado ou letrado.
Não. Ele age assim porque para ele (assim como para seus companheiros
da
esperança) o impeachment realiza a
esperança nele (nos manifestantes em geral), naquele momento. Essa
realização
não pode ser compreendida como ilusão. Ela é real. Do mesmo modo que o ato
esperançoso age nos
manifestantes, age em Eduardo Cunha (PMDB). Após ele votar “sim”,
soltou as
palavras renovadas e atualizadas de um típico Pôncio Pilatos: “que Deus
tenha
misericórdia dessa Nação!”. Claro que Cunha espreitava que, ao
decapitar Dilma,
podia significar sua futura decapitação. Mas, o problema essencial, e
disso não
se pode “acusar” Cunha: o ato exorcista foge ao próprio Cunha! Nesse sentido, o alea
jacta est agora sendo ritualizado pela mídia e pelas
manifestações, entra
num caminho sem volta. Entrementes a Nação enquanto um monstro sem face
(mas
que compõe todas elas) precisa ser “purificado” da corrupção
(possibilidade
imaginária). Talvez devido ao caráter midiático, agora “tecnologizado”,
todo o
esquema (do ato exorcista) possa ser reatualizado de forma mais
simbiótica que
foi até o momento Collor (1992), e agora Rousseff (2016), intensificado
ad infinitum. Devido ao pouco
espaço
característico de um ensaio, nossa análise fica até este ponto, sem
tocar no
fato midiático-tecnologizado.[11] Mas, devemos reconhecer que
nossa análise deixa algo em
segundo plano e sem qualquer comentário sério sobre ele, e que com isso
nossa
tese corre o risco de ser taxada de idealismo rasteiro. Referimo-nos ao
fator
“econômico”. Não cabe a um geógrafo-historiador se meter com gráficos
ou
análises econômicas. Porém, e não desviando de nosso estilo
metodológico,
gostaria de citar um discurso de um economista para ilustrar o setor
econômico
como subordinado ou imiscuído no processo do ritual de base religiosa a
qual
perseguimos neste texto. Antes, vale citar a fala de
um político-advogado, o
próprio presidente interino Michel Temer (PMDB), tornado presidente.
Disse ele:
“o Brasil precisa de confiança”. Por ironia, seu principal ministro, o
da
economia, Francisco Meireles, não por acaso desabafou: “a questão do
Brasil é
de confiança”! Ora, que tem a ver
“confiança” com “esperança”? Tudo.
Porém, dizer esperança invés de confiança é arriscado e cheiraria
estranho para
um parlamento, não para uma igreja. Mas o mais estranho, porém
justificado, foi
Meireles não ter dito, já que é economista: “o problema do Brasil é
‘econômico’”. Não há problema em reconhecer que a questão econômica é
séria e
inegável, mas para que ela aumente é necessário investidor, logo,
“confiança”,
que o anima na sua crença de ganhar mais, na sua esperança de lucro,
etc., pois
como nem só de pão vive o homem, de pacote-econômico também não! Este é
importante, mas sem uma base de “confiança”, isto é, de esperança, não
passaria
de um pacote vazio.[12] Porém, quando se trata de
uma renovação em nível de país,
então, a periodicidade deve ser não mais semanal, mas medido por
décadas. Pensado em dar uma visão
geral dessa esperança
ritualizada foi que elaboramos a Tabela a seguir. Nela, a “Nação”
brasileira,
se mostra como seus problemas estruturais, conjunturais foram
“amenizados”, por
uma periodização regular em cerca de um ciclo de 29,5 anos (cf. nota
12). A Tabela em questão,
portanto, demonstra que, um próximo
ato ritualístico de impeachment
poderá ocorrer entre 2040 e 2045, caso o fator “mídia” não o modifique. Tabela:
periodicidade dos rituais da nação ritualizada
Nesse sentido, e procurando
seguir o estilo
teórico-metodológico empregado neste ensaio, não se justifica mais
pensar o
Brasil como um país que “tudo pode”, ou “um país que não sabe lidar com
suas
situações de crises”, como se costuma ouvir tanto por estrangeiros como
por
brasileiros. Ou que é pior: “o Brasil não consegue desenvolver nunca
definitivamente seu caminho e sair desse poço de corrupção porque não é
capaz
de revolucionar seus métodos, como souberam outros países
desenvolvidos”. A nosso ver, ao contrário, o
Brasil tem por base um modo
sólido (pode não ser o ideal) como modus
operandi que é tão eficiente como qualquer outro método
empregado em outros
países. Agora, se este método deixa o país sempre expostos aos
politiqueiros de
toda espécie que transformam as riquezas do país em seu patrimônio
pessoal, e
“abandonam” a população à própria sorte, é outra história. Porém, esta
constatação negativa não muda em nada o sentido importante da esperança
brasileira ritualizada que a alimenta e a sustenta. Agradecimentos: Aos estimados amigos Dr. Carlos
Trubiliano e Dr.
Miguel Nenevé, ambos professores da Universidade Federal de Rondônia
(UNIR). Ao
primeiro devo a paciência de revisar criticamente o ensaio apontando
sugestões
valiosas. Ao segundo a gentileza de traduzir o Resumo para o inglês,
dando-lhe
sentido “transcriativo” e melhorando o estilo e o entendimento. Referências BLOCH, Ernst. O
princípio esperança. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. (V.
1). CASTORIADIS, Cornelius. A
instituição
imaginária da sociedade. 5ª ed., São Paulo: Paz e Terra,2000. COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república. 8ª ed. São
Paulo: Unesp, 2007. DEBORD, Guy. A
sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo.
Rio
de Janeiro: Contraponto, 1997. DURKHEIM, Émile. As
formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na
Austrália. São
Paulo: Martins Fontes, 2000. EFÉSIOS.
Bíblia Online. Disponível em:
<Disponível
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Acesso em : 12/06/2016. HABERMAS, Jürgen. O
discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martin Fontes,
2000. PIMENTEL,
J. Jr. Impeachment, oposiçao e autoritarismo – o perfil e demanda dos
manifestantes em São Paulo. Em Debate.
Belo Horizonte, v.7, n.2 p.15-22, abr. 2015. Disponível em:
<http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/artigo/4-Dossie-Abril-2014-Jairo-Pimentel1.pdf>.
Acesso: 08/06/2016. Recebido: 14/06/16 Aceito: 30/06/16 [1]
Habermas (2000, p. 360, nota 26) preludia que aja diferença entre
“revolta” e
“revolução”, mas sem indicar a diferença. Para nós não nos interessa as
diferenças dos termos. Porém, se nossa base de exposição parte de
Durkheim,
isso não se faz cegamente. Cf. a crítica feita por Habermas (2000, p.
464). [2]
Não temos em mente a força “coerciva” imposta, mas feita através dos
acordos
complexos da sociedade em interação. [3]
O primeiro grande ritual religioso da formatação da sociedade
brasileira se deu
com a Inconfidência Mineira (1798). [4]
O leitor já deve ter observado que usamos os termos “ritual”, “culto”
ou
“missa” aleatoriamente, mas o fazemos de propósito, pois é inútil
defender um
contra o outro. [5]
Esclarecendo que o objetivo aqui não é fazer a descrição história de
cada
acontecimento histórico, pois isso já foi feita pela ampla
historiografia. [6]
Em alguma de suas obras, a qual não me recordo, C. G. Jung expõe a
teoria de
como os personagem carismático/históricos como Hitler, Mussolini, e
para nós,
aplicado também a Vargas, Lula, entre outros, como figuras que
“incorporariam”
os sentimentos mais contraditórios de um povo, provindo-os de força
quase
mítica. Não é por acaso que a paixão por tais personalidades não
diminui (em
parte), mesmo quando tais personalidades são acusadas de corrupção ou
de crime
contra a sociedade. [7]
Aqui não me interessa as influências (econômicas, estratégicas, ou o
cenário de
guerra-fria), que certamente influenciaram o ato em si do “golpe”.
Volto-me
para o lado “religioso” para seguir o método de análise com a suposição
de que,
sem uma base “religiosa” (social), tanto nos (ins)tituintes quanto nos
(des)tituídos não seria possível algo ser aceito e durar por muito
tempo. [8]
Não tocaremos aqui nas “diretas já” (1985), palco de transição.
Acreditamos que
esse período Neves-Sarney (os “fósseis-vivos” da política) estava
contaminado
pelo “militarismo”. Todos sabem da bancarrota econômica que o partido
do PMDB
(coligado com outros) causou no país durante aquela década. Ora, como
explicar,
ainda, a força política desse partido que mesmo tendo levado as
finanças do
país ao caos inflacionário é valorizado tanto pelo povo (simbolizado
pelo
casamento incestuoso entre PT e PMDB) quanto pela “elite”? Não vemos
outra
explicação que não seja algo de “esperança religiosa” na base de
sustentação
desses “fósseis-vivos” que, agora reassumem sucessivamente o poder. [9]
Cf. Castoriadis sobre os o leigein
e
o teukein (“falar” e “agir”,
respectivamente), que também foi criticado por Habermas, mas que
utilizamos
aqui no sentido de que há uma interação de ambos. [10]
Por falta de espaço neste ensaio, não podemos enriquecer nossa análise
com
fotos das sessões de votação durante o impeachment. Por sugestão do
professor
Trubiliano lemos o artigo de Jairo Pimentel Jr. Para este autor, a
defesa do impeachment (de Rousseff) é fruto de algo “antipetista”. Porém,
paradoxalmente Pimentel tem que dar conta dos 75% de entrevistados que
não
optam por este ou aquele partido político! Logo, percebe-se que
Pimentel
“silenciar” sobre esse fato ou fica embaraçado para resolvê-lo. A nosso
ver a
questão é resolvida se o ato de impeachmnt
for entendida como ato de “purificação” para além da velha dicotomia
enferrujada da “esquerda” vs. a “direita”. [11]
Devo ao professor Isaac Lucena Amorim, Departamento de Agronomia da
Universidade Federal de Rondônia (Unir), o alertar sobre a rígida
periodicidade
que apresento na Tabela. Segundo ele, de agora em diante (a partir do
período
Dilma) não deva ter a regularidade que a Tabela mostra devido o “fator
mídia”
acelerador ou freado da periodicidade. [12]
Sobre a questão de que a própria atividade econômica tem base
religiosa, cf.
Durkheim (2000, p. 608), em especial a esclarecedora nota 4, da
Conclusão de
sua obra. |
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