Zona de Impacto - ISSN 1982-9108 ANO 18 Vol. 2 - 2016 - julho/dezembro
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LAGOA E ARPÃO: UMA
HISTÓRIA ORAL NA COMUNIDADE SURURU DE CAPOTE – AL (PARTE I)
Resumo A investigação deste projeto de pesquisa teve como finalidade conhecer
a dimensão vivencial na comunidade pesqueira Sururu de Capote através de
específicos narradores. Tocando, assim, uma poética da existência e da
experiência dessa comunidade, visando não a construção de um banco de dados
para ser acessado, mas sim uma visão de mundo que possibilite conhecer a
criação do presente, do passado e da projeção de um futuro não por meio das
naturalizações e universalizações de discursos pretensamente científicos, mas
sim por meio do contato direto com aqueles que vivem e fluem criando sua
realidade. Palavras-chave: História Oral; Vidas Menores; Hermenêutica do Presente. Abstract The
investigation of this research project aimed to meet the experiential dimension
in the fishing community of Sururu of Capote through specific storytellers.
Touching thus, a poetics of existence and experience of this community, aiming
not to build a database to be accessed, but a worldview that allows to know the
creation of the present, past and the projection of the future not through
naturalization and universalizations of supposedly scientific discourses, but
through direct contact with those who live and flow creating their reality. Keywords: Oral History; Minor lives; Hermeneutics of the present. O projeto geral do Centro de Hermenêutica do
Presente/UFAL (CenHPre/UFAL), “Narradores do Presente: Devires e Redes das
Vidas Menores”, é resultante de treze anos de envolvimento do primeiro Centro
de Hermenêutica do Presente na Universidade Federal de Rondônia (1996-2009) com
as narrativas dos mais diversos grupos, como os já realizados projetos “Rio Madeira”,
“Apenados”, “Vida Partidária”, “Soldados da Borracha”, “Seringueiros”, “As
Mulheres no Seringal”, “Hansenianos”, “Sonhos de Mulheres Hansenianas”,
“Benzedeiras”, “Nordestinos na Amazônia”, “Espaço e Memória”, tendo todos se
transformado em artigos, livros, palestras, projetos do PIBIC, monografias
(UNIR), dissertações (UNIR/USP) e teses (USP). O projeto “Narradores do Presente: Devires e Redes das
Vidas Menores” alcançou, através de uma série de entrevistas com narradores, o
exercício duma outra concepção de redes narrativas. Este trabalho foi executado
por meio das narrativas constituídas num processo de entrevistas,
especificamente com os instrumentos metodológicos da transcriação, cápsula
narrativa e hipertexto, instaurando uma dimensão desterritorializada de
interpretação. Singularidades em seus devires narrativos vivenciais que são
normalmente camufladas por metodologias que privilegiam principalmente os
fragmentos de entrevistas para confirmarem seus projetos. E com essas
singularidades poder tocar nas linhas de forças das redes de vida nas
atividades vitais. Exercitou os mecanismos técnico-metodológicos expostos,
seus limites e funções, suas possibilidades e articulações com outros
conhecimentos. Compreendeu as dimensões da singularidade enquanto redes em
hipertextos. Consolidou a leitura e a interpretação específica da Hermenêutica
do Presente enquanto hiperleitura. Avaliou a singularidade enquanto texto e
contexto, tecido hipertextual imaginário. Testou o sistema da Hermenêutica do
Presente como proposta acadêmica visando pesquisas e monografias: 1. descrição
geral (notas de campo, metodologia, procedimentos); 2. hipertexto do
colaborador (narrativas integrais); 3.hiperleitura (interpretação e leitura do
hermeneuta enquanto desterritorialização das narrativas). A noção de Cápsula Narrativa (Caldas, 1999, 1999b, 2013)
foi fundamental na constituição não mais dum documento, duma entrevista ou dum
corpus, mas duma matéria de contato com o imediato do presente, com as
formações discursivas, as classes, as singularidades, a ficcionalidade das
nossas maneiras de existir. Essa noção, ao mesmo tempo operacional e resultante
das nossas perspectivas, mediando vários conceitos ao mesmo tempo, dispõe o
outro e os outros enquanto dimensão plena, heterogênea, diferente. O pescador David foi a principal voz da Comunidade Sururu
de Capote no período de atividades deste projeto de pesquisa. Onde, a partir da
narrativa de suas vivências pessoais, com a comunidade e com a prática da
pesca, pudemos enxergar redes de atividades que geraram e mantêm aqueles
sujeitos em determinadas condições, vidas, experiências. Onde, muitas vezes,
apreciam e mantém posições e discursos de conservação da realidade a eles
imposta. O que nos levou a questionar até onde, de fato, há a necessidade de
que aqueles indivíduos desejem sair, mudar, transformar, ou até revolucionar
suas realidades, seus déficits, seus problemas, sua sorte subalterna. Como o
próprio David me afirmou com veemência: “Eu me sinto bem! (...) Só que o que
prejudica aqui na lagoa é só a poluição. Somente. Só isso”. O projeto Lago e
Arpão não tem como pretensão escrever uma História da Sururu de Capote, ou
uma História dos pescadores na Lagoa Mundaú, nem, muito menos, corroborar com a
construção duma História de Alagoas – Lagoa
e Arpão, tem como aspiração respeitar a vida e sua narrativa a partir da
oralidade de David, nosso narrador, dando-lhe possibilidade de escape e fala
para além destas “histórias” anteriormente citadas, assim como qualquer outra;
pretensamente o projeto busca libertar a narrativa viva do real de David,
inclusive, do olhar científico de seu oralista. Rompendo com o jogo “sujeito x
objeto” intrínseco à pesquisa científica. Aliás, vida é um
termo que quer caracterizar e dizer um modo de ser ímpar, único, antes dessa
oposição, desse chorismós, do qual a estrutura sujeito x objeto, aqui
discutida, é contestada, é uma variação. Sujeito e objeto, subjetivo e
objetivo, matéria e espiritual, interior e exterior, etc., etc., não são
medidas, não são critérios para dar conta do fenômeno aqui denominado vida
(existência)... (Fogel, 2005: 44) Lagoa e Arpão, esta
monografia, é dividida em cinco capítulo: 1. Metodologia – neste é feito uma
breve genealogia da História. É discuto, também de forma breve, a formação dum
campo disciplinar para, só então, chegar à História Oral. Este percurso tem
como objetivo posicionar a História Oral diante da disciplina História; 2.
Cápsula Narrativa – no capítulo dois está a discussão sobre a Cápsula Narrativa
em História Oral. É apresentada cada etapa, antes e depois da entrevista, para
a produção dum trabalho de Cápsula Narrativa; 3. História do Projeto –
iniciando de como o projeto foi idealizado e se desenvolvendo com breves
relatos da experiência de campo. É uma leitura do diário de campo:
sistematizada e organizada para pontuar os momentos cruciais da atividade de
pesquisa: tanto nos instantes de abstração teórica, quanto nos instantes de
pesquisa de campo; 4. Texto Base – ou a Cápsula Narrativa, é o quarto capítulo:
aqui está a cápsula narrativa gravada com David, já transcrita, pontuada e
hipertextualizada. 5. Leitura – o último capítulo desta monografia. É neste
onde é executado a atividade de interpretação hipertextual da cápsula narrativa
obtida através de entrevistas com David. História:
brevíssima genealogia Registrar as façanhas dos gregos e dos bárbaros –
originalmente a História tem esta função. Para Heródoto e Tucídides, os pais da
historiografia ocidental, acontecimento histórico é aquilo que podemos
registrar a partir do que somos testemunhas ou do relato doutros que viram
pessoalmente. Remo Bodei, em seu A
História tem um sentido? explica: O vocábulo
história (estórias, istorie, da raiz indo-europeia wid-, +weid, “verdade”,
“ver”) designa uma “indagação”, em forma de narração, sob fatos que se presumem
ocorridos e que vêm confiados à memória ou a documentos. Diversamente do que se
poderia acreditar, estes acontecimentos não pertencem necessariamente ao
passado remoto. (...) No momento em que Tucídides se refere a fatos distantes
no tempo, trata-os no âmbito da “arqueologia”. Logo, a história se preocupa
originalmente em registrar os fatos para que a sua lembrança não se suprima e
não sejam esquecidas. (Bodei, 2001: 15-16) Portanto, a História estaria diretamente ligada ao “ver”,
ao testemunho. História sendo “histórias”, relatos de sequências de
acontecimentos: por ora épico-religioso (Heródoto), por ora político-militar
(Tucídides). A concepção cristã de história é definida entre 412 e 426
d.C., período que santo Agostinho levou para escrever A Cidade de Deus. A obra é produto da invasão de Roma por Alarico
em 410. Com Roma saqueada e seus cidadãos e suas instituições humilhadas: os
romanos atribuem este estado à ira dos deuses antigos, cujos cultos foram
combatidos e varridos de Roma pelos cristãos. Uma afronta à qual Agostinho
responde em A Cidade de Deus “com
tons ora irônicos, ora críticos e apologéticos, reduz fortemente o papel, a
função e a importância de Roma na história”. Desta forma, Agostinho rejeita
“toda escatologia de cunho político baseada na centralidade atribuída à
ascensão, à sobrevivência e à queda de impérios e estados” (Pecoraro, 2009:
12). Para este pai da Igreja, a rede sucessiva de fatos seculares, mundanos,
pagãos não é fundamental ou indispensável à ordem das coisas últimas. É desta
maneira que Agostinho estabelece o modelo e o esquema de toda concepção cristã
da história. Inaugurando, à história, a ideia de totalidade, universalidade,
indivisibilidade, a “humanidade” inteira, o totum
genus humanum. A história tem um
começo e um fim, nasce no pecado e na culpa, consuma-se na salvação e é
universal porque é unida, controlada e ordenada por um único Deus para uma
única finalidade. Ela adquire o seu sentido em virtude do plano providencial
que leva ao Juízo Final, à ressurreição e ao advento do reino de Deus. Três são
os pontos que devem ser destacados neste progresso rumo à verdade instituída: o
conflito entre a cidade celeste e a cidade terrena, o “conceito” de peregrinatio
(peregrinação), a divisão da história em seis épocas e a essencialidade da
volta de Jesus Cristo à terra. (Pecoraro, 2009: 12-13) Mais adiante, a História toma a insígnia do “estudo do
passado” (que é uma concepção amplamente aceita no imaginário do senso comum
até os nossos dias). Onde este estudo serviria para a construção dum seleto
banco de dados. Como podemos ver claramente na famosa metáfora do presidente
dos Estados Unidos da América (e também historiador) Theodore Roosevelt em que
os “fatos” históricos são comparados a tijolos e pedras, o historiador a um
“grande mestre construtor” e a História a um edifício. É a História vista
através do prisma do romantismo, que pretendia recriar pedagogicamente o
“passado” com o intuito de trazer lições de moral ao “presente”. Já na segunda
metade do Século XIX, em oposição ao paradigma romântico, há o advento da
“História científica”. Foi por oposição
ao paradigma romântico que se desenvolveu nas últimas décadas do século XIX o
que veio a se conhecer como “história científica”: objetiva e impessoal,
desprendida de valores e apegada aos fatos e às relações externas às coisas.
Fortemente influenciados pelo evolucionismo, os historiadores “científicos”
entendiam a história como uma corrente de causas e efeitos tangíveis (...) ela
se compunha de sequências explicáveis, cada qual ligada geneticamente à sua
antecessora e sucessora que extrai seu sentido do seu conjunto e não de um elo
(evento) singular. (Moura, 1995: 16) Somente no século XX, com os Anales, a História assume a “singularidade” do estudo do homem e
sua relação com sua temporalidade. O objeto da
história é por natureza o homem. Melhor: os homens. Mais do que o singular,
favorável à abstração, convém a uma ciência da diversidade o plural, que é o
modo gramatical da relatividade (...) São exatamente os homens que a história
pretende apreender. Quem não o conseguir será, quando muito e na melhor das
hipóteses, um servente da erudição. O bom historiador, esse, assemelha-se ao
monstro da lenda. Onde farejar carne humana é que está a sua caça. (Bloch,
1996: 28) Como bem afirma Marc Bloch, apesar de manter seu nome dos
tempos helenísticos, a História chega aos nossos dias com outros propósitos,
com outras ferramentas: com perspectiva, com teoria, com metodologia, com
aspirações científicas, com “forma jurídica e policial de fazer pesquisa”
(Caldas, 2013: 27). Decerto a palavra,
desde que apareceu, há já mais de dois mil anos, na boca dos homens, mudou
muito de conteúdo. Tal é a sorte, na linguagem, de todos os termos realmente
vivos. (...) Mas o fato de permanecer tranquilamente fiel ao seu glorioso nome
helénico não significa que a nossa história seja igualzinha à que escrevia
Hecateu de Mileto; tal como a física de Lorde Kelvin ou de Langevin não é a de
Aristóteles. (Bloch, 1976: 24-25) Uma disciplina tem por princípio o estabelecimento de
regras, formas, fórmulas, linguagens que delimitem, enquadrem, sistematizem,
ordenem, organizem. Fala-se em “disciplina moral”, “disciplina religiosa”,
“disciplina militar”, “disciplina partidária”, “disciplina científica”. Neste
usaremos o último sentido de disciplina enumerado. Inicialmente, a
palavra disciplina evoca ordem – um ordenamento ou uma ordenação que pode ser
imposta ou que “livremente”, pode ser admitida, consentida, cumprida e seguida
à risca para colocar em funcionamento algum procedimento, alguma organização
(...) Deve ser neste contexto que surge “disciplina” no sentido de “matéria de
ensino”, de “conteúdo de estudo”, ou seja, no sentido do estabelecimento de um
corte ou de uma delimitação, de modo a demarcar um “ramo” do saber, a definir
um domínio do conhecimento ou uma “cadeira” (“cátedra”) de um estabelecimento
de ensino, de um certo curso (...) Definir tal ramo, tal âmbito ou tal domínio
do saber supõe uma divisão, uma classificação respectivamente uma compreensão e
interpretação e, daí, uma hierarquização do saber. (Fogel, 2005: 11) Dito isto, cabe-nos afirmar que uma disciplina, o que
chamarei de “campo disciplinar” (Barros, 2011a), cria um jogo de regras
estabelecendo para/através de si um/o mundo, um/o real. Uma vez estabelecido o
jogo, dá-se movimento à máquina criada para produzir conhecimento sobre aquele
real. Ou seja: o campo disciplinar cria, ao surgir, seu próprio “objeto” de
análise. Ou, nas palavras de Hilton Japiassu: “Toda ciência se dá mais ou menos
o seu objeto: é a ciência que constitui e constrói seu objeto pela investigação
de um método” (1979: 38). A História, o campo disciplinar em questão, não está
imune a esta afirmativa: ela cria um/seu jogo de regras, cria uma/sua realidade
e, a partir de teorias e métodos, produz seu conhecimento[1]. O que nos leva à questão: qual o objeto (o que chamarei,
por ora, de “campo de interesses”, a partir de José D’Assunção Barros) da
História? Um campo disciplinar, em primeiro lugar, necessita delimitar qual seu
campo de interesses (Barros, 2011a: 19). O das “ciências humanas”, como já é
sugerido pelo próprio termo, é o “humano”. Mas, em certo nível de profundidade
há algo que dá àquele determinado campo uma identidade própria, que é o segundo
momento da constituição dum campo disciplinar: suas singularidades. A História
tem em comum com, por exemplo, a Antropologia, a Economia, a Pedagogia, o
estudo do homem. Porém, no centro de seu campo de interesses se diferencia por
colocar, como nos aponta Marc Bloch (1976: 29), “o estudo dos homens no tempo”.
Mais precisamente: a História cria o “homem” e o “tempo”: e, desta forma, cria
a si mesma. “Ciência dos
homens”, dissemos nós. É ainda muito vago. Temos de acrescentar: “dos homens no
tempo”. O historiador não pensa apenas o humano. A atmosfera em que o seu
pensamento respira naturalmente é a categoria da duração. É certo ser difícil
imaginar uma ciência, seja ela qual for, que possa abstrair do tempo. Contudo,
para muitas delas que, por convenção, o fragmentam em partes artificialmente
homogêneas, o tempo não é mais do que uma medida. Realidade concreta e viva
volvida à irreversibilidade do seu impulso, o tempo da história é, pelo contrário,
o próprio plasma em que banham os fenômenos e como que o lugar da sua
inteligibilidade. Baseado nas definições de constituição dum campo
disciplinar de acordo com José D’Assunção Barros (2011a), não há nenhuma
disciplina que, duma ou doutra forma, não combine Teoria, Método e Discurso.
Este dado campo disciplinar se estende na direção de construir várias
orientações teóricas e metodológicas, as quais são conhecidas, estudadas,
defendidas e/ou refutadas por seus participantes. Gerando adesões e repulsas.
Neste mesmo sentido, o desenvolvimento dum campo disciplinar gera, em sua
dinâmica, uma linguagem própria, uma linguagem comum pela qual seus membros se
comunicarão. Etimologicamente, a palavra teoria relaciona-se à “ação
de contemplar”, do grego Theorien.
Nos indicando, desde o início, que teoria é a atividade de observar, estudar,
contemplar a fundo determinado campo de interesses. Uma teoria é uma
visão de mundo. É através de teorias que os cientistas enxergam a realidade ou
os seus objetos de estudos, de formas específicas, seja qual for o seu campo de
conhecimento ou de atuação. É particularmente interessante constatar que a
noção de “teoria” sempre esteve ligada, desde a Antiguidade, à ideia de “ver” –
ou de “conhecer” – o que prossegue sendo válido até os dias de hoje. (Barros,
2011a: 41-42) Para se afirmar que “uma teoria é uma visão de mundo”, é
necessário que a observemos em três níveis de discussão. Primeiramente, a
teoria pode ser observada como um “campo de estudos”. É o território no qual
habitam as realizações teóricas de determinado campo disciplinar. Num segundo
nível de discussão, podemos observar teoria como os diversos modelos ou
sistemas explicativos utilizados pelos cientistas para compreender seu campo de
interesse específico. Finalmente, num terceiro nível, a teoria pode ser
observada como forma específica de apreender a realidade. É importante
salientar que teoria não é o mesmo que intuição. Uma teoria necessita está
associada a uma maneira processual, por meio da razão discursiva, de contemplar
a realidade. Este processo sempre envolvido com várias etapas, procedimentos e
mediações. Já a intuição não carece de métodos ou mediação processuais. Uma
intuição é instantânea. Ou, como define Barros (2011a: 47), “a Teoria é filha
da Razão e irmã da Metodologia Científica”. Há um “novo mundo” criado a cada surgimento duma nova
teoria. Uma teoria define, nomeia, delimita, dar cor, dar cheiro, dar forma,
uma teoria estabelece uma nova realidade. A “teoria” é
precisamente uma maneira de ver as coisas, e que, quando se estabelece um novo
horizonte teórico, é possível literalmente enxergar o mundo de outra maneira.
Com uma nova “teoria”, pode-se dizer, passa-se mesmo a “viver em um novo
mundo”. (Barros, 2011a: 25) A Teoria da História abarca em si as diversas e, muitas
vezes, opostas teorias da história. Como já apontado, uma Teoria representa uma
visão de mundo; uma Teoria da História corresponde, portanto, a uma dada visão
historiográfica do mundo, também como uma certa visão sobre a própria História.
Toda Teoria da História elabora concepções próprias de como se deve ser, fazer,
pensar a História e a historiografia. As Teorias da História estão todas
alicerçadas numa base metodológica e documental. Base esta que já se apresenta desde
as fundações do historiador profissional. Qualquer Teoria da
História pressupõe, simultaneamente, uma determinada concepção sobre o que é a
História e sobre o que deve ser a historiografia (isto é, o campo de estudos
que examina a História enquanto campo processual). Isto, é claro, naquele
sentido mais abrangente que pode ser atribuído a expressão Teoria da História.
(Barros, 2011a: 88) A História, enquanto campo disciplinar, tem sua lógica
própria. A lógica do campo História, a qual estamos discutindo já desde o
início deste primeiro capítulo, passa por metodologia, documentação, teoria,
perspectiva: tudo para que seja possível criar, assim, um saber histórico, um
conhecimento histórico, uma produção historiográfica. Dentro do campo da
História, tudo funciona de acordo com o pensar da História. As sequências
históricas são sempre representações de cenas em que os elementos encontram
colocações que satisfaçam as necessidades de dados interesses para que sejam
alcançados determinados propósitos. Sempre passando pelo grifo da perspectiva
de quem produz esta História. Para as epistemologias genéticas a relação entre o
“sujeito” e “objeto” deve ser observada por intermédio duma dinâmica
progressiva: uma relação sempre em movimento onde um estabelece novas questão
ao outro (Japiassu, 1979: 28). No século XX a disciplina História é confrontada
por novas questões nunca antes aparecidas. Principalmente por causa das grandes
guerras e regimes de governo variados pelo mundo: surgiu a necessidade de
confrontar a “história oficial”: dos documentos, dos discursos oficiais, dos
livros didáticos, das campanhas regimentais, da panfletagem, com o “realmente
acontecido”. Dizendo mais: no século XX houve uma intensa luta pelo domínio do
“passado”, todos os regimes, governos, alianças, reivindicavam o passado para
si como uma forma de controle, de legitimação, de poder. Afinal, “o passado
legitima” (Hobsbawn, 1998: 17). A História estava sendo contada (como sempre
foi, desde que se fez Ciência) a partir dum prisma oficial. Ora, a história é
a matéria prima para as ideologias nacionalistas ou étnicas ou
fundamentalistas, tal como as papoulas são a matéria prima para o vício da
heroína. O passado é um elemento essencial, talvez o elemento essencial nessas
ideologias. Se não há nenhum passado satisfatório, sempre é possível
inventá-lo. De fato, na natureza das coisas não costumam haver nenhum passado
completamente satisfatório, porque o fenômeno que essas ideologias pretendem
justificar não é antigo mas historicamente novo. (Hobsnawn, 1998: 17) Partindo da observação de Adam Schaff no capítulo À maneira de introdução: As causas da Grande
Revolução Francesa vista pelos historiadores, no livro História e Verdade, não há “A” Revolução Francesa, não há “Uma”
Revolução Francesa: mas um série de análises, trabalhos, discussões, fazeres
historiográfico que produzem “várias” Revoluções Francesas. E em todas estas:
os historiadores responsáveis por elas estiveram/estão em busca da “verdadeira”
Revolução Francesa, daquela Revolução Francesa que “realmente aconteceu”, O que submetemos
ao nosso estudo e à nossa reflexão, é apenas o fato da diversidade, da
variabilidade, até mesmo da incompatibilidade dos pontos de vista dos
historiadores que, potencialmente, dispõem das mesmas fontes e, subjetivamente,
aspiram à verdade, e só à verdade, crendo mesmo tê-la realmente descoberto.
(Schaff, 1978: 59) Assim como os historiadores da Revolução Francesa,
apresentados sob a crítica de Schaff, a História se comporta da mesma maneira:
está sempre em busca da “verdade”, do “realmente acontecido”. O que coloca o
historiador na condição de juiz: aquele quem julgará os fatos selecionados,
colhidos, analisados e dará seu parecer sobre quão potencialmente é verdadeiro
esta ou aquela história, nas palavras de Remo Boderi: Para aceitar a
validade de um testemunho é necessário – desde o direito romano – que existam
ao menos duas testemunhas aptas a comprovar um mesmo acontecimento, sendo o
testemunho de uma única totalmente inaceitável ou irrefutável. A história
apresenta-se assim como um tribunal encarregado de julgar, que não se limita a
expor os fatos sobre a base de narrativas, porque podem revelar-se fantasias,
fabulações ou mentiras bem urdidas (...) A obra do historiador deve pronunciar um
“veredicto”. (2001: 68) À solução desta busca pela “verdade histórica” no século
XX, surgiu a História Oral. Em meados do século, nos Estados Unidos,
historiadores começaram a se dedicar a colher entrevistas com enfoques na área
de Ciências Políticas. Mas também a colher histórias dos “notáveis”: servindo
como uma ferramenta de elaboração de biografias de personagens daquele tempo.
Somente no final da década de 1960 que a História Oral passa a ser considerada
como uma disciplina histórica, ainda muito atrelada às Ciências Sociais. Com
uma massiva produção sobre a “história dos vencidos”, a História Oral toma
fôlego como uma produção historiográfica não oficial, uma história dos
silenciados, dos não ditos, Tratava-se duma
história alternativa, não apenas no que se refere à história acadêmica, pois
foi iniciada por pessoas que se encontravam à margem do mundo universitário,
mas também em relação as construções históricas baseadas no escrito. (Abraão,
2002: 23) No ensaio História
Oral, de Gwyn Prins, contido na obra A
Escrita da História, organizada por Peter Burke, fica muito saliente a
preocupação que os historiadores que se utilizam do método da História Oral têm
em coloca-la no cenário da grande História, onde aquela proporciona elementos
que ajudem a corroborar com as preposições desta e vise e versa. Em outras
palavras: Gwyn Prins se mostra preocupado em como a História Oral pode
contribuir para o estabelecimento da grande História. Ele utiliza, dentre
outros, o exemplo de seu próprio trabalho de História Oral com tradições de
tribos africanas e como este trabalho serviu/serve para colocar a História da
África dentro da “História Humana”, contrariando teóricos que afirmam que não
se pode fazer uma História daquele continente. Assim, a História Oral se
apresenta como uma ferramenta de sustentação à História, como formadora de
bancos de dados que serão acessados sempre que algum historiador carecer de
sustentáculos a seus trabalhos, pesquisas, análises. Para Prins, há uma relação
de câmbio entre a História documental e a História Oral: na qual uma se utiliza
da outra na busca pela “verdade” histórica. Buscando, assim, refutar a ideia de
que a História Oral serviria somente quando não se tivesse registros
documentais sobre dado período, grupo, lugar, civilização, povo, etnia. Ele faz
uso de citação de Jon Vansina para afirmar que A questão é que o
relacionamento entre as fontes escritas e as orais não é “aquele da prima-dona
e da sua substituta na ópera: quando a estrela não pode cantar, aparece a
substituta: quando a escrita falha, a tradição sobe ao palco. Isso está errado.
[As fontes orais] corrigem as outras perspectivas, assim como as outras
perspectivas as corrigem.”[2] Mas, como conceituar História Oral? Partindo de
Jean-Pierre Wallot, História Oral é “um método de pesquisa baseado no registro
de depoimentos orais concedidos em entrevistas”[3]. Sendo assim, História Oral
seria, ainda seguindo a discussão de Gwyn Prins, uma ferramenta da História que
possibilitaria estudos históricos que outros métodos não conseguiriam alcançar.
Ferramenta que se sustenta no colhimento de depoimentos orais por meio de
gravadores de áudio. Porém, não basta ser um método: o próprio Prins atesta a
importância da História Oral por sua força se firmar no fato dela ser “metodologicamente
competente” assim como qualquer outra História. Mas ainda é pouco. Para José Carlos Sebe Bom
Meihy, em seu História Oral, escrito
juntamente com Fabíola Holanda, a História Oral “é um conjunto de
procedimentos” (2007: 15). Mas não apenas um conjunto aleatório de
procedimentos, nem dum ato único de procedimentos, não se trata somente da
entrevista ou doutra fonte oral: é “um conjunto de procedimentos” previamente
pensado, planejado e articulado em conjunto, partindo da elaboração dum projeto
de pesquisa e findando com, se possível, a publicação dos resultados obtidos.
Meihy e Holanda enumeram quatro principais conceitos sobre História Oral: 1 – História oral é uma prática de apreensão de narrativas
feita através do uso de meios eletrônicos e destinada a: recolher testemunhos,
promover análises de processos sociais do presente, e facilitar o conhecimento
do meio imediato. 2 – A formulação de documentos através de registros
eletrônicos é um dos objetivos da história oral. Contudo, esses registros podem
também ser analisados a fim de favorecer estudos de identidade e memória
coletivas. 3 – História Oral é uma alternativa para estudar a sociedade por
meio de uma documentação feita com uso de entrevistas gravadas em aparelhos
eletrônicos e transformadas em textos escritos. E, finalmente, 4 – História oral
é um procedimento sistêmico de uso de entrevistas gravadas, vertidas do oral
para o escrito, com o fim de promover o registro e o uso de entrevistas. Fica bem explícita a diferença entre as preocupações de
Meihy e a de Prins: enquanto este preocupa-se em legitimar a História Oral e
incluí-la na grande História por, segundo ele, contribuir para a correção de
análises em que a história documental pode, eventualmente, falhar, e vise e
versa. Uma preocupação como que para a construção duma “História da Humanidade”
(um esforço próprio dos tempos dos enciclopedistas que buscavam por uma
“História Universal”). Meihy se preocupa com uma conceituação da História Oral
através e a partir de si mesma: a História tem, em Meihy, seus próprios
problemas, suas próprias questões, seus próprios enfrentamentos, suas próprias
causas, suas próprias finalidades: não estando, necessariamente, interligados
às causas da História. Como todo método disciplinar, a História Oral tem, dentro
de si, normas, conceitos, definições, maneiras de se fazer, de fazer funcionar,
de criar, de pensar, de produzir. E tudo isto está em constante movimento,
junto com a própria disciplina. Partindo da enumeração dos quatro principais
conceitos de História Oral em Meihy e em Holanda, podemos afirmar que a
História Oral se preocupa com a elaboração de registros, documentos,
arquivamento e estudos que dizem respeito ao “tempo presente”, à “história
viva” de determinados indivíduos inseridos em seus grupos sociais e suas
experiências com eles e com mundo, com a vida, com o tempo. “História Oral é um
recurso moderno”, com o qual se busca respostas práticas a questões de
utilidade social, de reflexão, de pensamento, e em tempo imediato, sempre aqui,
sempre agora. A “Cápsula Narrativa” é um conceito criado por Alberto
Lins Caldas (1998) no fim da década de 1990 a partir da atividade do uso da
História Oral de José Carlos Sebe Bom Meihy. Caldas põe em movimento uma
radicalização de conceitos encontrados em Meihy: como, principalmente, o
conceito de “pontuação”, que parte do conceito de “textualização”; assim também
como o conceito de “narrador pleno”, que desconsidera o “banco de dados” (lista
com perguntas que serão feitas ao “entrevistado”) por ser uma violação à
narrativa do narrador (a este assunto, em tempo, voltaremos a discutir com a
devida atenção). A noção de
Cápsula Narrativa tem se tornado fundamental na constituição não mais dum
documento, duma entrevista ou dum corpus, muito menos dum sistema, mas duma
matéria de contato com o presente, com imediato do presente, com as formações
discursivas, as classes, os grupos, as singularidades, as falas, o discurso, o
texto, a ficcionalidade das nossas maneiras de existir. Essa noção, ao mesmo
tempo operacional e resultante das nossas perspectivas, mediando vários
conceitos ao mesmo tempo, dispõe o outro e os outros enquanto dimensão plena,
heterogênea, diferente, transversal, fragmentar, múltipla e ficcional. (Caldas,
2013: 77) Dito
isto, há uma “anulação” no papel do oralista enquanto “sujeito” da ação. A
noção de Cápsula Narrativa em História Oral extrai o “eu” do pesquisador do
centro do trabalho e coloca, em seu lugar, a narrativa do narrador. Dando a
autonomia necessária para que o trabalho se desenvolva. Eliminando, assim, o
uso da estrutura sujeito x objeto, própria da produção do conhecimento (Fogel,
2005). O
sujeito da minha atenção não está em mim; ele, no processo, se opõe a mim em
sua existência autônoma, o meu melhor interesse não consiste em apropriá-lo,
mas em deixa-lo se afirmar afirmando todas as suas redes vivenciais, todas as
suas determinações, caminhos e tecidos particulares, todas as suas diferenças,
mentiras, verdades, ilusões, devaneios. (Caldas, 2013: 99) Uma vez realizado o contato inicial com nosso
interlocutor, no qual é explicado, em linhas gerais, o interesse em sua
“experiência de vida”, esclarecendo questões técnicas e “éticas” da nossa
entrevista, do nosso interesse pessoal, mas sempre evitando falar no Título do
Projeto, em História ou história, História Oral, História de Vida, cronologia,
temas e assuntos: colheremos a narrativa em áudio. Durante o desenrolar da
atividade de pesquisa e da narrativa, certamente, seremos satisfeitos sem
pedir, previamente, o que queremos saber. Depois das primeiras entrevistas
podemos esclarecer ao nosso interlocutor sobre tudo aquilo que não elucidamos
desde o início para evitar que houvesse um direcionamento em sua construção e
em seu fluxo narrativo, “a específica, única e delicada montagem ficcional que
é sua vida”. Dizemos
normalmente, e não obrigatoriamente como frase-chave, ao nosso interlocutor
aproximadamente como primeira “pergunta”: “Agora que sabe por que estamos aqui,
pode começar como quiser e por onde quiser”. O resultado tem sido o de aparecer
o eixo narrativo do próprio narrador; sua temporalidade pessoal; sua ordem,
seus próprios labirintos, é que dirigirá nosso trabalho de pontuação sem
precisarmos mais refazer os eixos temáticos, temporais, espaciais, estilísticos
à nossa revelia: princípio, meio e “fim”, agora, pertencem ao narrador
respeitado radicalmente enquanto narrador (nem a entrevista dirigida pelo
pesquisador nem o texto reescrito pelo oralista): não me cabe reescrever sua
narrativa, mas garanti-la em sua significação, sua respiração, seu ritmo e
encadeamento de sentidos narrativos: eu, não tenho autonomia epistemológica
para “falar em seu lugar” ou completar sua “fala”, muito menos expor uma
“bateria de perguntas e respostas” cruas que apenas expõem meus desejos,
ânsias, necessidades, obrigações: as garantias epistêmicas se dão e se devem
dar e se constituir contra mim, não contra ele, contra minha ganância
discursiva, um “método” contra os métodos. (Caldas, 2013: 83) Caldas instaura, através desta radicalização, um
“nascimento voluntário” para a gênese duma narrativa, sem a interferência do
oralista. Iniciando a configuração duma cápsula narrativa onde poderemos,
depois, inserir ou não o restante da entrevista (cápsulas temáticas), de
possíveis perguntas e respostas, escapando ao início e ao direcionamento no
modo de interrogatório, tradicional de toda instrução policial ou jurídica. Os Narradores
Plenos “são hipertextos que exigem estrutura, forma e interpretação próprias
que consigam perseguir sua polidimensionalidade” (Caldas, 2013: 93). O narrador
pleno é aquele que consegue escapar ao mero contar, ao mero dizer, ao mero
falar: mas sim dá à sua vida uma narrativa própria, densa, específica. Este
conceito se baseia na “existência” de indivíduos singulares os quais possam se
perceber enquanto tal num mundo ditado pelas mídias, pelas modas, pelo consumo,
pela imagem. A Entrevista,
na aplicação da Cápsula Narrativa em História Oral, é concebida como práxis,
“no melhor e mais íntimo sentido do termo (pura poiesis)” (Caldas, 2013: 98).
Superando a fórmula sujeito x objeto, sendo realizada como narrativa, dando ao
narrador a liberdade de dizer a si e ao seu mundo, sua vida, sua realidade,
suas crenças, conceitos e preconceitos. Sem que o oralista seja “sujeito” nesta
narrativa, sem que a “vontade de conhecimento” do oralista dê um norte à
narrativa. Na verdade, a “vontade de conhecimento’ do “pesquisador” já deve
começar a ser potencializada a partir da liberdade do outro, o narrador, em
dizer-se. Partindo do princípio óbvio de que é impossível escrever
como se fala, o momento posterior às entrevistas é de fundamental importância
para a atividade da História Oral. Para Sebe Bom Meihy, o pós-campo, o pós-entrevista,
é constituído por três estágios distintos (Meihy, 1991). A primeira destas
etapas é a de transcrição, na qual
busca-se transcrever tal qual o dito, não se muda nada. É nesta etapa que se
deve ter o cuidado de se manter “a musicalidade da entrevista e se afiança o
tom pretendido pelo narrador” (Meihy, 1991: 30). Mantendo, inclusive, os
“erros” da Língua Portuguesa, as interrupções, os silêncios, eventuais
instantes emotivos como risos ou lágrimas. O momento da transcrição é a
“passagem fiel” do dito à grafia. O segundo momento é o da “anulação da voz do
entrevistador”, o que ele chamará de textualização.
À textualização é imputada a tarefa de reorganização do discurso. É neste
momento onde a narrativa já transcrita toma corpo, sendo rearticulada “de
maneira a fazê-la compreensível, literariamente agradável” (Meiry, 1991: 30). A
voz do entrevistador é anulada com a supressão das perguntas e incorporação
destas ao discurso do narrador. A Cápsula Narrativa desconsidera a aplicação da
textualização substituindo-a pelo conceito de pontuação. A pontuação é a atividade de aproximação do tecido
textual. A pontuação, ao contrário da textualização, não é usada para a
formatação da narrativa transcrita, do texto: mas sim para realiza-lo enquanto
narrativa de determinado narrador. A pontuação é uma “textualização suave”: A pontuação
enquanto “textualização suave” é necessária não por questões estilísticas ou
por exigência do rigor hermenêutico da reflexão sobre a fala-texto do outro: a
pontuação obedece ao respeito ao dizer e ao ser do “narrador”: sua vida (suas
virtualidades específicas), sua fala, sua existência, sua temporalidade, sua
ordem narrativa, é ficcional e ficcional será também aquilo que a dirá
“integralmente”, não perdendo de vista que as “falas do outro” não nos exime de
nos por e de interpretar, ao contrário, exige essa interpretação e essa tomada
de posição: as falas do outro por si mesmas não são suficientes (assim como não
é suficiente uma narrativa apenas): mesmo não se misturando à nossa, exige a
reflexão: sua multiplicidade pede complemento, pois tanto a dele quanto a nossa
são, de determinado momento em diante, contrafaces dum mesmo e grande texto,
duma mesma e complexa realidade. (Caldas, 2013: 106) A terceira etapa, inda segundo Meihy, é a etapa da
teatralização do que foi dito por nosso narrador. Esta “teatralização da
linguagem” tem por objetivo recriar, no texto, a atmosfera da entrevista,
fazendo com que o leitor possa perceber o mundo de sensações provocadas pelo
contato com o narrador, e “como é evidente, isto não ocorreria reproduzindo-se
o que foi dito palavra por palavra” (Meihy, 1991: 31). A esta terceira, e
última etapa, denomina-se transcriação.
Porém, dentro da perspectiva da Cápsula Narrativa em História Oral, todo o
processo faz parte duma “transcriação hermenêutica” – desde a produção do
projeto, usando como exemplo o projeto “História Oral na Comunidade Sururu de
Capote” (que deu origem a esta monografia), passando pelas idas e conversas com
os moradores da Sururu de Capote, até às gravações, transcrições, pontuações,
transcriações, leituras e interpretações: todo o processo de atividade da
Cápsula Narrativa em História Oral faz parte duma transcriação hermenêutica. Para a Cápsula Narrativa, a transcriação não pode se
limitar, como queria Meihy, a ser somente “a fase final de trabalho dos
discursos” (1991: 30), não pode se limitar somente à produção de efeitos que
deem ao leitor as sensações do contato direto com o interlocutor. O que é algo
recorrente na metafísica das Ciências Humanas: a tentativa de reprodução dum
real realmente vivido, realmente acontecido, realmente passado, aquele passado
histórico que traz consigo ambições de “realidade”, ambições de “verdade”.
Aceitando as proposições da transcriação de Sebe Bom Meihy, estaríamos, assim,
aceitando que à História é relegada àquela função de tribunal encarregado de
julgar o que é realmente “verdadeiro”, o realmente vivido, o realmente sentido
diante da narrativa e da atmosfera que se apresentavam no instante da gravação.
Fazendo, desta maneira, uma “reprodução” desta atmosfera, numa tentativa de
“reproduzir o real”. A tentativa de recriar a atmosfera da entrevista não faz
parte dum processo mais vasto de transcriação, mas sim do uso de técnicas
literárias, uma textualização em sentido estrito. O conceito de
transcriação para nós quer dizer uma ação criativa geral que busca tanto as
ficcionalidades pessoais, grupais e coletivas quanto o presente como nossa
matéria fundamental, nossa ficcionalidade básica. É recriar, através dos
artifícios de diálogos gravados, tanto as possibilidades do significado (o que
no fundo é dizer que não traduzimos nenhum significado), quanto as flutuações
até mesmo físicas daquilo que é o outro. (Caldas, 2001: 38) A transcriação promove um desequilíbrio, um estranhamento
radical por desmantelar o sistema sujeito x objeto próprio à produção de
conhecimento, produzindo, assim, não somente um texto, mas concepção e visão do
mundo. A transcriação na Cápsula Narrativa é a radicalização da transcriação em
Sebe Bom Meihy. E o resultado desta radicalização é um texto que possa, ao
nosso narrador, ser sua vida no papel: aquela vida escolhida, selecionada,
delimitada e criada por ele para ser sua vida, sua história, suas experiências:
sendo, a ele, a representação de seu vivido: o que não significa que seja o
“realmente vivido”, a realidade real, concreta e acontecida: mas sim a vida
escolhida por nosso interlocutor para representa-lo, “faltando limite, não
havendo uma solidez ideo-lógica nem uma monofonia”, tornando os textos
transcriados em “realidades abertas que exigem abertura e enfrentamentos”
(Caldas, 2001: 38). Havia cento e
quarenta e duas escadas em Hogwarts: largas e imponentes; estreitas e
precárias; umas que levavam a um lugar diferente às sextas-feiras; outras com
um degrau no meio que desaparecia e a pessoa tinha que se lembrar de saltar por
cima. Além disso, havia portas que não abriam a não ser que a pessoa pedisse
por favor, ou fizesse cócegas nelas no lugar certo, e portas que não eram bem
portas, mas paredes sólidas que fingiam ser portas. Era também muito difícil
lembrar onde ficavam as coisas, porque tudo parecia mudar frequentemente de
lugar. (Rowling, 2000: 99) A noção de hipertexto se desenvolve a partir das
possibilidades do uso da tecnologia de computadores. O século XX
particularmente se esforça para o colhimento, processamento e catalogação de
dados: seja para academia, para a guerra ou para a indústria (setores que
estavam muito mais próximos neste período). E se depara com um problema
fundamental: “como acessar estes dados?”. Vannevar Bush, conselheiro para
assuntos científicos de Franklin Rossevelt, imaginou uma plataforma com a qual
se pudesse ter acesso aos dados catalogados em formas de microfilmes onde o
usuário pudesse selecionar e exibir em qualquer parte que desejasse, tudo isto
integrado a algum meio que permitisse isto. A este, Vannevar Bush chamou de
“Memex”. Tendo em vista q isto ocorreu em 1954, e a tecnologia necessária ainda
não havia, nem se podia imaginar o potencial que os computadores tinham: o
Memex de Vannevar Bush se limitou a alguns ensaios, artigos e discussões
encabeçadas por ele mesmo. Somente no início da década de 1960, Theodor Nelson,
então estudante de graduação, percebeu e reuniu a tecnologia necessária para
criar uma ferramenta que possibilitasse este acesso dinâmico e interativo aos
dados catalogados: a isto ele chamou “hipertexto”. Ao fim de meses,
acabei compreendendo que, embora os programadores estruturassem seus dados
hierarquicamente, isso não era necessário. Comecei a ver o computador como um
local ideal para fazer com que interconexões entre coisas fossem acessíveis às
pessoas. E acrescenta, Compreendi que a
escrita não tinha que ser sequencial e que não apenas os livros e as revistas
do futuro estariam nas telas [terminais de raios catódicos], como todos
poderiam estar conectados uns aos outros em todas as direções. Imediatamente
comecei a trabalhar em um programa (escrito em linguagem Assembler 7090) para
levar avante esta ideia. O hipertexto é aplicado à escrita pela primeira vez em
meados da década de 1970, na Brown University, quando o professor Andries van
Dam contratou o professor de inglês Robert Scholes para tentar descobrir se
havia alguma funcionalidade ao, que na época era chamado de sistema editor de
texto (hoje conhecido como processador de texto), este com características de
hipertexto embutidas. Scholes e seu grupo de pesquisa se empenharam em
desenvolver meios de utilizar as funcionalidades do hipertexto para a
interpretação de textos literários, no caso específico da pesquisa com poemas. Textum,
traduzido do latim, significa “tecido” ou “entrelaçado”. Partindo de Do texto ao texto, de Ulisses Infante,
temos uma razão etimológica que não nos deixa esquecer q o texto é produto duma
atividade de tecelão: onde se une, enlaça e tece “unidades e partes a fim de
formar um todo inter-relacionado” (1996: 90). Seguindo este raciocínio: Ulisses
Infante estabelece quatro elementos centrais para a avaliação dum texto: repetição,
progressão, não-contradição e relação. Estes quatro elementos são necessários à
produção dum “texto coerente”: como o autor salienta no início da conceituação
de cada um dos elementos. Assim, “um texto deve ser: uma sequência de dados
não-contraditórios e relacionáveis, apresentados gradativamente por meio de um
movimento que combina repetição e progressão” (1996: 94). Lembra a
conceituação, muito mais técnica, de texto feita por Roger Laufer e Domenico
Scavetta em Texto, hipertexto e
hipermedia: “o texto é um conjunto de parágrafos sucessivos, reunidos em
artigos ou capítulos, impressos em papel, e que se leem, habitualmente, do
princípio ao fim” (19??: 5). O olhar percorre
as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você deve pensar,
faz você repetir o discurso, e, enquanto você acredita estar visitando Tamara,
não faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria e
todas as suas partes. Como é realmente a cidade sob esse carregado invólucro de
símbolos, o que contém e o que esconde, ao sair de Tamara é impossível saber.
(Calvino, 1990: 18) O texto propõe ao leitor um caminho fixo. Aponta, desde
suas primeiras palavras, quais passos e quais resoluções estarão dentro de si:
sempre dentro de si. O texto impõe seus próprios limites: o texto é uma volta
sobre seu próprio eixo: infinitas voltas. É uma sequência comunicativa impressa
em signos que seguem uma norma gramatical e é (assim como o funcionamento
próprio do ocidente) linear progressivo, seguindo o modelo de início-meio-fim.
No qual, com o decorrer da leitura, haverá uma acumulação de informações que
possibilitará sua compreensão. O texto segue a lógica do tempo
cristão-agostiniano: a criação (o passado), a vinda do cristo/os últimos dias
(o presente) e o milênio (o futuro teleológico). Curiosamente a mesma lógica
linear progressiva da indústria. O texto é a cidade invisível de Tamara, da obra Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino:
diz ao leitor tudo aquilo que se deve pensar: tudo o que se deve fazer: como se
deve ler. Faz o leitor repetir seu discurso, sua lógica interna (sempre
interna), seu jogo próprio. Enquanto dá a impressão de impressão duma verdade,
dum conhecimento, dum saber, duma informação, duma literatura, dum manifesto:
está dando ao leitor o registro dos “nomes com os quais ela define a si própria
e todas as suas partes”. O texto é sedentário, é imóvel, protegido por
regulações de leis de direitos autorais e intelectuais. Protegido pelo sagrado:
o texto é inviolável. João depois de narrar as revelações “que brevemente devem
acontecer” aos mortais, aos imortais, às potestades celestiais, à terra, ao
universo e à toda criação: conclui seu apocalipse garantindo q seu texto
permanecerá sempre o mesmo, estático, inviolado: Porque eu
testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro, se
alguém lhe acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que
estão escritas neste livro; e se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta
profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida e da cidade santa, que
estão escritas neste livro. Apocalipse de João cap. 22, vers. 18, 19. O hipertexto é um texto dinâmico onde o leitor, neste
caso, o oralista, interage diretamente com sua leitura, com sua ordem, com sua
visão. O prefixo hiper é empregado
com o mesmo sentido que é empregado na matemática para hiperespaço: o
hipertexto, assim como o hiperespaço, representa n dimensões. Da mesma forma como um hipercubo: o hipertexto não
está acessível aos nossos sentidos: o leitor quem cria relações, elementos,
elos, conexões, cor, som, gosto, sentido no ato da hiperleitura. O hipertexto
cria n dimensões, n possibilidades de leituras, n caminhos. Não é uma concentração de
informações ou de dados nem de interpretações: mas sim um espalhar, um
perfurar, um dilatar nas mais variadas direções. Enquanto o texto cristaliza: o
hipertexto dinamiza o real – o real é hipertextual. Assim como as escadas de Hogwarts: o hipertexto está
sempre em movimento. A cada leitura, a cada passagem, a cada dia. Todas as
dimensões do hipertexto estão sempre se cruzando, se interligando, se
interagindo, procriando. Está sempre dando numa porta diferente, num lugar
diferente. Por vezes esbarrando em portas que não são bem portas: “mas paredes
sólidas que fingiam ser portas”. Ou até em portas que não abrem a não ser que
se peça por favor ou faça “cócegas no lugar certo”. O “homem civilizado” tem pavor à dinamicidade do real:
pavor à possibilidade que nalgum momento as regulações e os reguladores
desapareçam: “treme à ideia que a sociedade possa um dia encontrar-se sem
juízes, sem policiais, sem carcereiros”, nas palavras de Kropotkin em A Anarquia. O que justifica o espanto de
Harry Potter em nunca conseguir lembrar onde estavam as coisas, as escadas, os
caminhos, os degraus, as portas: “porque tudo parecia mudar frequentemente de
lugar”. Mas não somente parecia: tudo estava frequentemente mudando de lugar. Jamais se sabe o que se pode encontrar por trás das
portas de Hogwarts: desde Fofo, o cão gigante de três cabeças no corredor do
terceiro andar do lado direito. Até a “Sala Precisa”: imensa porta que se
materializa nas paredes sólidas que leva a uma sala que só aparece quando se
precisa dela. Que talvez só apareça sob determinada incidência da luz da lua:
ou talvez em determinada hora do dia. Desta mesma maneira, nunca sabemos o que
se pode encontrar num hipertexto: Encontrar Homero,
Agostinho, Dante ou Shakespeare num hipertexto que nos aparece absolutamente
estranho a tudo isso não quer dizer que esse hipertexto “contenha algo”
[esperamos sempre que haja uma materialidade natural em tudo] de Dante,
Agostinho, Homero ou Shakespeare: o oralista hermeneuta, o oralista no seu
momento de “interpretador” cria, cava e escava o “buraco do coelho” que faz a
ligação entre universos textuais separados: jamais o que dizer-do-texto
(naturalização): o dizer está sempre além, em fluxo conectivo. (Caldas, 2013:
146) O hipertexto garante que as constantes e frequentes
transformações das condições do real sejam percebidas. A vida líquido-moderna
(Bauman, 2007) tem suas condições radicalmente alteradas num tempo menor que
aquele que poderia permitir que estas se consolidassem como hábitos e rotinas.
O texto, a História, a Jurisprudência, a Lei, as Sagradas Escrituras fazem
parte dos mecanismos de cristalização do real. Tentativa de velar o espetáculo
próprio do nosso mundo industrial: a velocidade avassaladora e implacável em
que o descarte de produtos é realizado, onde nós somos feitos da mesma matéria
do smartphone lançado agora e superado daqui a alguns instantes. Tentativa de
velar o medo gerado por saber que a qualquer momento podemos ser descartados,
jogados à lixeira, deletados: pelo cônjuge, pelos contatos, pela família, pelo
mercado, pelo trabalho, por Deus. A proposta hipertextual busca vibrar na mesma
intensidade que a velocidade do nosso mundo. Esta monografia é resultado duma bolsa PIBIC/UFAL.
Projeto intitulado “História Oral”, do Prof. Dr. Alberto Frederico Lins Caldas
Filho. Com o plano de trabalho do pesquisador intitulado “História Oral na
Comunidade Sururu de Capote”. Projeto que durou de agosto de 2012 a julho de
2013. E apresentado no XXIII Encontro de Iniciação Científica – PIBIC/UFAL
2012/2013, realizado na primeira semana de dezembro de 2013. No entanto, meu
interesse e minhas visitas à comunidade Sururu de Capote ocorrem desde 2011. E
meu envolvimento com a Cápsula Narrativa em História Oral desde meu segundo
período do Curso de História, inda em 2010. A Comunidade Sururu de Capote é uma tradicional favela da
cidade de Maceió. Localizada no bairro do Vergel do Lago, às margens da lagoa
Mundaú. É uma comunidade constituída por pescadores, catadores de sururu e
marisqueiras. E meu interesse pela comunidade se deu pelo desejo de trabalhar
num projeto PIBIC e, por conseguinte, em minha monografia com algum grupo
inaudível dentro do cotidiano da vida urbana maceioense. Aproveitando também o
fato de nossas 17 lagoas serem homenageadas no próprio nome do estado e a lagoa
Mundaú, assim como a Lagoa Manguaba e a Lagoa de Jequiá, ser representada no
brasão da bandeira de Alagoas como uma das três tainhas na parte superior
(brasão criado pelo folclorista Théo Brandão em 1963). Uma contradição que
chama a atenção. A escolha do uso da Cápsula Narrativa em História Oral
como metodologia se deu por meu contato desde o primeiro período do Curso de
História com aquele que posteriormente seria o orientador desta monografia, o
prof. Alberto Lins Caldas. Que me colocou em contato com a História Oral e com
a obra de José Carlos Sebe Bom Meihy, o mais notável oralista do Brasil. A aplicação da Cápsula Narrativa na e para além da
História Oral de Sebe Bom Meihy me atraiu pelas possibilidades outras que ela
propõe. Dois dos conceitos que, desde o início, mais me despertaram interesse
e, precisamente, os que mais pesaram para minha escolha pelo uso desta
metodologia foi o conceito de Narrador Pleno e Hipertextualizção. Que são,
respectivamente, “aqueles que mantiveram intacta sua ‘faculdade de intercambiar
experiências’” (Caldas, 2013: 92) e “é a forma de virtualidade singular,
holograma polidimensional em constante crescimento e convulsão de infindáveis
formigueiros” (Caldas, 2013: 136). Desta forma, a primeira empreitada para a realização do
projeto foi a construção duma base teórico-metodológica. Com leitura,
discussões, levantamento de questionamentos, fichamento de livros sobre o
trabalho com História Oral, a utilização da Cápsula Narrativa em História Oral,
o cotidiano de comunidades pesqueiras tanto em Alagoas, quanto noutros estados
pesqueiros do Brasil – por meio de artigos, monografias, dissertações e
publicações: apesar da dificuldade para se encontrar este tipo de bibliografia,
principalmente no que diz respeito ao estado de Alagoas e mais ainda à
Comunidade Sururu de Capote. A abstração destes itens foi de essencial
importância para a realização dum projeto de Cápsula Narrativa em História.
Projeto que foi amadurecendo juntamente com seu executor. Imediatamente depois veio a necessidade da escolha dum
tema ao projeto. Após passar por outros temas como “História Oral com
Sacerdotes”, cheguei à compreensão de que deveria fazer com pescadores. Apesar
do direcionamento às comunidades pesqueiras, a Sururu de Capote ainda não
estava em pauta. A preferência era por comunidades às margens da Lagoa
Manguaba, ou Lagoa do Sul, como também é conhecida, na cidade de Marechal
Deodoro. Pelo fato de já ter realizado um projeto de História Oral com
pescadores deodorenses para a disciplina eletiva de História Oral, ministrada pela
prof. Msc. Clara Suassuna Fernandes, no segundo semestre de 2011. Pelas causas
que apresentei alguns parágrafos a cima, delimitei o tema e o local de execução
do projeto. Veio, portanto, a construção dum projeto a partir deste tema e com
base na bibliografia que dispunha. O projeto é sempre uma preliminar, é um
norte pelo qual não podemos nos basear. O projeto em História Oral está sempre passivo, e deve
estar, à superação. É uma necessidade acadêmica de produção de documento para
se alcançar legitimação, oficialização e, se for o caso, financiamento. Ele é
consumido pela atividade da pesquisa, do campo, pelo exercício do contato com a
realidade que se deseja perceber, “sua função é não se realizar, é se dissolver
diante da efetividade, é sempre um antes da efetividade” (Caldas, 2013: 91).
Tendo consciência da dimensão acadêmica do projeto em História Oral,
desenvolvemos um projeto com este objetivo. E, como já dito, em agosto de 2012
teve início meu PIBIC “História Oral na Comunidade Sururu de Capote”. No decorrer do projeto, uma série de outras
possibilidades, tentativas e coisas que não previmos, nem poderia ter sido
previsto inda no projeto, se apresentou. Concretizando aquilo que até então só
conhecia enquanto teoria, tendo em vista que este foi meu primeiro trabalho
robusto de pesquisa acadêmica. Entrei na Sururu de Capote buscando encontrar um
narrador que pudesse narrar sua vida a partir de suas memórias e das do mundo
que o cria e que ele cria. Uma vez encontrado este narrador, que necessariamente,
a princípio, seria um pescador, buscaria perceber por meio de sua narrativa as
condições que possibilitam a permanência e manutenção daqueles indivíduos
naquela realidade. Tenho que confessar que há 5 (cinco) anos, quando entrei
pela primeira vez na Sururu de Capote, entrei com a visão meramente daquele que
passou por vezes de ônibus pela avenida Senador Rui Palmeira, que está bem em
frente à comunidade. Nesta condição, cria que os indivíduos que ali habitavam,
por motivos que para mim pareciam óbvios, desejavam, duma ou doutra forma, sair
daquela situação. Posicionamento que mudou desde meus primeiros contatos com os
moradores da comunidade. Logo no primeiro contato, percebi que poderia expandir de
pescadores a pescadores e marisqueiras. Conversei com a dona Ivanilda:
marisqueira a vida inteira, que topou conversar. Conversamos não só uma vez. No
entanto, ela não permitiu a gravação de nossas conversas. Com um tempo,
consegui convencê-la a gravar. No dia marcado para conversamos, nossa
marisqueira não apareceu. Soube depois, por alguns conhecidos, que seu marido a
proibiu de conversar e/ou gravar comigo novamente – sob ameaça de agressão
física. A Sururu de Capote se abria a mim com toda sua complexidade, com suas
diferenças, com seus preconceitos, com sua beleza, com seu funcionamento. O segundo grande momento de atividade dentro da
Comunidade foi marcado pelo encontro com a pastora Eliana. Líder duma pequena
igreja de tábua, lona, algumas fileiras de tijolos e coberta por telhas de
fribrocimento onduladas, as famigeradas telhas Brasilit. Acomodado entre os
fiéis sentados em não mais que 50 (cinquenta) cadeiras plásticas brancas, com
um som mal equalizado e demasiado alto para a quantidade de pessoas dentro
daquele templo, que amplificava mensagens, profecias, músicas e toda sorte de
ferramenta sonora necessária à realização daquela assembleia. Acompanhei uma
reunião: um Círculo de Oração, como é chamado os cultos no período da tarde,
cultos comuns entre as igrejas pentecostais. É um culto quase que exclusivamente
de mulheres, crianças e adolescentes, tendo em vista que durante o dia o homem
está no trabalho e a mulher e os filhos estão em casa. Dentro de igrejas
tradicionalmente conservadoras nas quais os homens são sempre os líderes e os
principais: onde missionários, pastores, presbíteros, diáconos e porteiros são
sempre cargos ocupados por homens (como a Assembleia de Deus, a mais antiga
igreja pentecostal do Brasil e que influenciou tantas outras em seus mais de
100 [cem] anos de história em solo brasileiro e que, claramente influenciou
imensamente a pequena igreja no seio da Sururu de Capote) o posto de “dirigente
de Círculo de Oração” é o posto mais alto e honrado que uma mulher pode galgar
dentro desta estrutura. Tudo isto à beira da avenida Senador Rui Palmeira,
entre os barracos e as quitandas onde são vendidos os frutos da lagoa. Trata-se
duma igreja familiar, sem placa alguma em sua fachada modesta. É não somente
gerida, como mantida e propagada pelos membros da família da pastora Eliana –
marido, esposa, filha, genro e dois netos. Marido que fora o fundador na
igreja, porém afastado de suas funções sacerdotais devido a um AVE (Acidente
Vascular Encefálico), o “derrame cerebral”. Desta forma, sua esposa, a pastora
em questão, assumiu suas funções. Enquanto ele observa atentamente, de perto, o
percurso de sua igreja. Aquela igreja e sua respectiva pastora tinham funções
muito objetivas na Comunidade: a pastora Eliana vai para as casas dos fiéis,
ora pelos enfermos, traz palavras de alento, ora pelos armários (sim, pelos
armários!) das pessoas que a procura – com o intuito de Deus multiplicar o
alimento que ali há, caso haja, quando não há, o que é o mais comum, para que
Deus possa prover o pão de cada dia. Conversando com uma das fiéis, logo depois
do término do culto, enquanto esperava para conversar com a pastora, que estava
cercada por várias outras pessoas que buscavam sua atenção, a fiel me confirmou
que semanas antes daquele dia 4 janeiro de 2013, a pastora orou e ungiu seu
botijão de gás de cozinha que estava prestes a acabar. O botijão continuava
cheio, por um tempo milagrosamente maior que o normal. Ou seja, a função
daquela igreja na Sururu de capote é clara. O filósofo esloveno Slavoj Žižek
(2005: 21) observa bem este fenômeno: Não é de se
estranhar que a forma hegemônica de ideologia nesses bairros miseráveis seja o
cristianismo pentecostal, com sua mistura de fundamentalismo voltado para
milagres e espetáculos, e de programas sociais como cozinhas comunitárias e
cuidados com crianças e idosos. Desta maneira, os caminhos do projeto “História na
Comunidade Sururu de Capote” pareceu que daria noutros horizontes que não somente
os dos indivíduos efetivamente envolvidos na pesca (tanto na pesca direta,
quanto no tratamento dos frutos da lagoa, quanto na comercialização destes). A
pastora Eliana, que além de se dispor a conversar, a gravar, a abrir suas
portas, trouxe uma nova ideia à pesquisa, um leque de possibilidades, que
poderia inserir algumas visões que anteriormente não haviam. Como já dito, a
princípio o projeto se resumia à gravação de cápsulas narrativas com, somente,
pescadores e, em último caso, com marisqueiras. No entanto, com o contato com a
pastora Eliana e a percepção da importância, para muitos vital, que ela, sua
família e sua pequena igreja têm ao funcionamento da Sururu de Capote vieram as
possibilidades de alargar este grupo para não somente pescadores, mas sim todos
os indivíduos que ali vivem e trabalham. Desta forma, poderia ser percebido
como indivíduos que, mesmo sem trabalhar diretamente com a pesca, exercem
fundamental papel na manutenção da comunidade – como mercadores;
atravessadores; líderes comunitários; professores que trabalham com as crianças
da comunidade; policiais que convivem com o cotidiano daqueles indivíduos –
policiais estes que desencorajaram totalmente, desde o início, a pesquisa;
quando conversei com eles nalguns momentos no batalhão me disseram que a
comunidade era violenta demais para este tipo de coisa, e, se fosse o caso de
permanecer na lagoa, que o mais indicado seria a transferência da pesquisa para
o outro lado da lagoa, para o bairro do Pontal, que é um ponto turístico frequentado
e habitado por outros grupos sociais. Todavia o horizonte do alargamento para
outros que não só os envolvidos com a pesca, foi fechado pelo mesmo motivo que
levou muitos a não querer conversar, e quando conversavam, não permitiam a
gravação da conversa — o medo. Este é um ponto que podemos ver como fundamental para
compreensão do discurso de muitos com quem conversamos. O medo da retaliação
por parte dalguns moradores da própria comunidade. É importante ressaltar que o
poder ou a influência do Estado dentro destas comunidades marginais é sempre
reduzido. A partir desta realidade, os próprios membros marginalizados criam
seu próprio poder, suas próprias regras, suas próprias relações entre os
indivíduos integrantes deste meio. Conversando com o pescador David, de quem
falaremos mais adiante, ele deixa bem claro como os próprios “bandidos”, como
são apresentados à sociedade, que vivem e ditam as regras da comunidade, têm
aversão a qualquer tipo de estranho que busque contato com os moradores. Umas
das principais causas são operações da polícia que por vezes vai
descaracterizada para tentar se infiltrar e conseguir informações sobre
moradores e até sobre “foragidos da lei”, que são escondidos e abrigados pela
comunidade — afinal, à lei, são “foragido”, mas à comunidade aqui observada,
são filhos. Outra causa a este medo, é o medo da retaliação por fornecimento de
informações a outros grupos de “marginais” que vão à comunidade assaltar,
disputar territórios, dentre tantas outras coisas. Tive a oportunidade de experimentar desta hostilidade ao
outro de fora. Em determinada ocasião, quando conversava com David, o principal
anfitrião na comunidade, fomos intimidados por um grupo de jovens. David havia
sugerido que conversássemos num banco de frente a um campo de futebol, ao lado
do batalhão da PM, exatamente para evitar qualquer tipo de intimidação. O que,
como já sabido, não adiantou muito. O grupo de jovens do outro lado da avenida
nos observava, apontava, fazia gestos. Um deles chegou a nos rodear montado numa
bicicleta levantando discretamente a camiseta que vestia, exibindo uma arma de
fogo colocada em sua cintura. Certamente este foi o momento mais tenso de toda
a pesquisa na Sururu de Capote. Apesar do medo ter limitado as conversas, ou melhor, ter
limitado as gravações das narrativas, pude, como já dito, conversar, com David.
David é pescador, nascido e criado na comunidade. Com certeza o Pequeno (como
David é conhecido na Comunidade) nos forneceu as narrativas que o projeto
desejou. A partir de suas narrativas, David foi nosso principal narrador, não
somente na aplicação da Cápsula Narrativa em História Oral, mas também noutra
forma de ver comunidades às margens do consumo, da lei, da sociedade: como a
Sururu de Capote. David, logo de início, rompeu com um preconceito que trazia
comigo, e que só o trabalho em campo poderia romper: um narrador,
necessariamente, não precisa ter uma idade mais avançada. Quando conversei com
o Pequeno, ele estava no auge de seus 25 anos de idade. Além do mais, David fez
o projeto voltar a seu enfoque original, fazer cápsulas narrativas com
pescadores/catadores da Lagoa Mundaú. E foi onde eu o conheci – às margens da
lagoa.
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Paulo: Boitempo, 2005. Recebido: 01/05/16 Aceito: 15/06/16 NOTAS [1]
Baseio-me aqui nas noções de conhecimento discutidas na obra Introdução ao pensamento epistemológico,
do filósofo maranhense Hilton Japiassu. Na qual é apontada a direção que segue
a concepção de conhecimento: conhecimento enquanto conhecimento-processo. Com o qual corroboro. “Hoje em dia, o
conhecimento passou a ser considerado como um processo e não como um dado
adquirido uma vez por todas (...) O vê antes de tudo como um processo, como uma
história que, aos poucos e incessantemente, fazem-nos captar a realidade a ser
conhecida” (1979: 27). Com isto, não é dito que o conhecimento faz parte dum
processo cumulativo progressivo linear. No qual a fórmula: “quanto maior a
‘experimentação’ acumulada, mais acertado será determinado conhecimento” é o
aceito. A isto, o próprio Hilton Japiassu responde ao discutir sobre as
propostas epistemológicas de G. Bachelard, uma vez q “não há verdade primeira,
apenas erros primeiros” (1979: 72) é destituída a afirmação de que há um
conhecimento inicial o qual a ciência o aperfeiçoará progressivamente. Além do
mais, “a ciência não é representação, mas ato. A noção de espetáculo precisa
ser eliminada. Não é contemplando, mas construindo, criando, produzindo,
retificando que o espírito chega à verdade. É por retificações contínuas, por
críticas, por polêmicas que a Razão descobre e faz a verdade. Para a ciência, o
verdadeiro é retificado, aquilo que por ela foi feito verdadeiro, aquilo que
foi constituído segundo um procedimento de auto constituição” (1979: 69). Desta
maneira, é possível afirmar que o conhecimento é um processo em choque,
transformação, atrito, retificação no qual a verdade cientifica está baseada.
Processo este que está em constante movimento. [2]
Prins, Gwyn. História Oral. In:
Burke, Peter (org.). A Escrita da
História: Novas Perspectivas. São Paulo: Editora da Universidade Estadual
Paulista, 1992, p. 166. [3]
Wallot, Jean-Pierre, apud Abraão, Janete. Pesquisa
& História. Porto Alegre: Edipucrs, 2002, p. 23. |
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