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Luiz Davi
Vieira Gonçalves
Prof.
Departamento de Artes UEA
Doutorando
PPGAS/UFAM
Resumo: Este
artigo tem como
objetivo uma reflexão sobre Antropologia da Performance e o
Pós-estruturalismo
com base nos escritos de Victor Turner e Homi Bhabha. Conceitos como
Liminaridade, Communítas, “Entre-Lugares” e o “Estranho” serão
analisados
coadunados com o ritual Xâmanico Yanomami da aldeia de Maturacá, para o
aprofundamento analítico acerca dos aspectos do ritual xamânico e do
conceito
de Cultura.
Palavra-chave: Antropologia; Performance;
Xamanismo; Yanomami;.
Abstract: This article aims at
a reflection on Performance Anthropology
and Post-structuralism based on the writings of Victor Turner and Homi
Bhabha.
Concepts such as Liminaridade, Communites, "Between Places" and
"Stranger" will be analyzed in line with the Yanomami Shamanic ritual
of the village of Maturacá, for analytical deepening on aspects of
shamanic
ritual and the concept of Culture.
Keywords: Anthropology;
Performance; Shamanism; Yanomami.
Nós crescemos no mundo,
à
medida que o mundo cresce em nós. Tim
Ingold
Este artigo
visa estabelecer aproximações entre o que, cientificamente, é
classificado como
Antropologia Simbólica e o que designamos, de Performance Cultural;
campo dos
estudos culturais, sobretudo acerca de suas ações ritualísticas e
estéticas.
Deste modo, estarei correlacionando experiências performáticas da
cultura
Yanomami, a ideias acerca de conceitos como Liminaridade,
“Entre-Lugares”
Communítas e o “Estranho”.
Para isso, tomarei como provocação inicial as palavras do antropólogo
Tim
Ingold, transcritas na epígrafe citada, como ponto de partida para a
reflexão
sobre o mundo da cultura Yanomami; sua multiplicidade expressiva diante
de uma
fonte de pesquisa ainda pouco sistematizada no Brasil - o xamanismo.
Com o objetivo
de iniciar uma investigação sobre o campo simbólico no ritual xamãnico
da etnia
Yanomami - aldeia Maturacá,
viso neste artigo uma breve definição sobre o xamanismo, tendo como
fonte de
pesquisa o trabalho de campo
realizado em dois períodos, o primeiro de 01 a 22 de julho de 2015 e o
segundo
de 12 a 26 de Fevereiro de 2016. Ambos na aldeia destacada.
Neste
propósito, também trago uma breve
definição sobre o entendimento de performance, que nos conduzirá no
desenvolvimento final deste artigo. Entretanto, vale salientar que
ambos os
temas comportam conceitos inesgotáveis e se situam em campo pantanoso
para o
entendimento imediato. Assim, viso apenas o encaminhamento conceitual
deste
artigo. Basicamente, a linha teórica seguirá os alfarrábios dos
seguintes
autores: Victor Turner (1974, 2005, 2008), no campo do estudo Simbólico
e da
antiestrutura pós-estruturalista; Homi Bhabha (2001), no campo do
conceito de
cultura e pós-estruturalismo; Jean Matteson Langdon (1996) e Joana
Overing
(1994), no campo do xamanismo; Richard Schechner (2006, 2011) no campo
da
Performance, além de outros autores e fontes provocativas, como
fundamentações
teóricas e estéticas.
Dando início à
questão, cabe salientar que este artigo inicia uma proposta lançada em
pesquisa
de nível de doutorado, que propõe uma investigação aprofundada sobre
ambos os
temas (Antropologia, Performance e Xamanismo), baseando-se
fundamentalmente no
ritual Xamânico Yanomami da aldeia de Maturacá. Sobretudo,
conjecturando o
esquema de texto para este artigo, cabe como ponto de partida
apresentar e
definir os conceitos escolhidos de Turner e Bhabha.
Antropólogo marcante para o
pós-estruturalismo, Victor Turner escreveu várias obras relacionadas a
este
assunto, nas quais separo para o tema deste artigo os seguintes livros: Floresta Simbólica (2005), Dramas, Campos e Metáforas (2008) e O Processo Ritual: Estrutura e Antiestrutura
(1974). Sendo que a fertilidade de sua escrita, extrapola os campos de
análise
deste artigo. No primeiro livro em destaque, Victor Turner faz uma
compilação
de diversos artigos sobre o Ritual do Ndembus,
escritos entre suas experiências de campo, que foram realizadas durante
os
períodos de dezembro de 1950 e fevereiro de 1952, e entre maio de 1953
e junho
de 1954. Nesta obra, o ritual é o foco central de análise e os estudos
de seus
símbolos se tornaram exemplo de metodologia para pesquisadores que
trabalham
com processos culturais em diversas áreas; antropologia, linguística,
arte
dramática, entre outros.
No
segundo livro, o autor tem como objetivo
analisar as maneiras pelas quais ações sociais de vários tipos adquirem
forma
por meio de metáforas e paradigmas nos pensamentos de seus agentes, e,
em
determinadas circunstância intensivas geram precedentes que legam à
história
novas metáforas e paradigmas (TURNER, 2008). Com base, novamente em
Vann Gennep,
o Turner salienta a estrutura processual da própria ação social. A ação
humana
em movimento no espaço e tempo, sem rigidez cultural e muito menos
performances
produzidas por um “programa” com pensamento geral para todos;
colocando-se
contra os Antropólogos Estruturalistas.
O último livro, O
Processo Ritual: Estrutura e Antiestrutura
que eu trago à baila para a reflexão nos conduzirá a concomitância
entre os
aspectos do ritual com o conceito de cultura de Homi Bhabha, Turner
baseando-se
nos rituais do povo Ndembu, apresenta ao leitor a definição de Communítas e de Liminaridade,
que irei abordar em seguida. Esta obra também é
bastante utilizada para pesquisas voltadas ao ritual e suas
classificações, já
que Turner analisa os planos de classificação do ritual.
O conceito de
Liminaridade de Turner talvez é um dos assuntos mais investigados em
sua obra.
Autores que perpassam por pesquisas sobre costumes, convenções,
cerimonial,
rituais entre outros se subsidiam com a dimensão que este conceito pode
ofercer. Comparada a morte, ao estar no útero, à bissexualidade, à
escuridão ao
eclipse do sol ou da lua, Turner faz a seguinte definição acerca do
conceito no
livro; O processo Ritual:
Os
atributos de
liminaridade, ou de personae (pessoas) liminares são necessariamente
ambíguos,
uma vez que esta condição e estas pessoas furtam-se ou escapam à rede
de
classificações que normalmente determinam a localização de estados e
posições
num espaço cultural. As entidades liminares não se situam aqui nem lá;
estão no
meio e entre as posições atribuídas e ordenadas pela lei, pelos
costumes,
convenções e cerimonial. Seus atributos e ordenadas pela lei, pelos
costumes,
convenções e cerimonial. Seus atributos ambíguos e indeterminados
exprimem-se
por uma rica variedade de símbolos, naquelas várias sociedades que
ritualizam
as transições sociais e culturais. (TURNER, 1974, p. 117)
Na citação, o
autor evidencia muito bem a definição de liminaridade e sobretudo o seu
alcance
de análise. Também vale ressaltar que o estado liminar alcança o agente
cultural como a própria cultura - sua posição e estado. Ou seja, o
corpo de um
xamã em um ritual de pajelança pode representar um estado liminar
quando ele ao
mesmo tempo é real e imaterial ao conectar com os espíritos de sua
crença.
Segundo TURNER (1974, p. 118) é como se fossem reduzidas ou oprimidas
até a uma
condição uniforme, para serem modeladas de novo e dotadas de outros
poderes,
para se capacitarem a enfrentar sua nova situação de vida – os
neófitos.
Por outro lado,
o estado cultural por si só representa esta liminaridade por não se
aplicar
definida ou estática, não possuído status, propriedade, demostrando
estados de
mudança; antiestrutura, ou seja, assemelha bastante com a questão do
Entre-lugar de Homi Bhabha. A liminaridade implica que o alto não
poderia ser
alto sem que o baixo existisse, e quem está no alto deve experimentar o
que
significa o baixo (TURNER, 1974, p. 119).
Faz se
pertinente destacar o agente do estado liminar, chamado por Turner de
Communítas, que o autor define da seguinte forma:
Assistimos,
em tais ritos, a um "momento
situado dentro e fora do tempo", dentro e fora da estrutura social
profana
que revela, embora efemeramente, certo reconhecimento (no símbolo,
quando não
mesmo na linguagem) de vínculo social generalizado que deixou de
existir, contudo
simultaneamente tem de ser fragmentado em uma multiplicidade de laços
estruturais. São os laços organizados em termos ou de casta, classe ou
orden5
hierárquicas, ou de oposições segmentares, nas sociedades onde não
existe o
Estado, tão estimada pelos antropólogos políticos. (TURNER, 1974, p.
118)
Em exemplo o
autor referência a “geração beat”
que sucederam os “Hippies”,
que são membros audaciosos das diferentes categorias de idade – jovens
e
adultos – que não tem as vantagens dos ritos de passagem nacionais e
que
decidem fugir da ordem social ligada ao status e adquiriram os estigmas
dos
mais humildes, e apontados como “vagabundos, ambulantes, mendigos, etc.
Segundo
Turner (1974, p. 138) A Communítas
pertence ao momento atual; a estrutura está engalgada no passado e se
estende
para o futuro pela linguagem, a lei e os costumes. Importante lembrar
que o
conceito de estranho de Homi Bhabha se assemelha nesta indicação de Communítas de Turner pelo seu estado
liminar; não correspondendo ao um status definido.
Homi Bhabha
é importante figura entre os autores que se dedicaram aos estudos
pós-coloniais
se destacando com teorias sobre o hibridismo cultural, lançou o livro: O Local da Cultura (1994), no qual, o
cerne da discussão é o pós-modernismo, o pós-colonialismo, o
pós-feminismo, ou
seja, a ideia do além; “o além não é nem
um novo horizonte, nem um abandono do passado”. (BHABHA,
1994). A ideia do
além para Bhabha, configura o eixo principal para o entendimento do seu
conceito de cultura, pois para ele, a cultura se encontra no cruzamento
do
transito em espaço e tempo, produzindo figuras complexas de diferenças
identidades. Mais especificamente a ideia do “entre-lugares”.
Esses
“entre-lugares”
fornecem o terreno para elaboração de estratégias de subjetivação –
singular ou
coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos
inovadores de
colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de
sociedade.
(BHABHA, 1994, p. 20)
Para o autor,
essa passagem entre identificações fixas abre a possibilidade de um
hibridismo
cultural que acolhe a diferença sem hierarquia, abrindo mão da
representação
pré-estabelecida e da tradição fixa, ou seja, cultura enquanto estado
rígido.
Assim a ideia
do além é estabelecida por Homi Bhabha como algo que está em transito e
ao
mesmo tempo dando voz ao passado e ao futuro – entre-lugar.
“Além”
significa distância
espacial, marca um progresso, promete o futuro; no entanto, nossas
sugestões
para ultrapassar a barreira ou o limite – o próprio ato de ir além –
são
incogniscíveis, irrepresentáveis sem um retorno ao “presente”
que no processo de
repetição torna-se desconexo e deslocado. (BHABHA, 1994, p.24)
Homi Bhabha
neste livro, faz várias ligações de seus caminhos teóricos com
múltiplos
exemplos oferecendo ao leitor uma maior evidencia de seu pensamento. Na
citação
anterior, o autor traz ao conhecimento do leitor o Teatro Contemporâneo
do Sri
Lanka salientando o modo hibrido de ver a cultura em ação; há uma evidência esmagadora de uma nação mais
transnacional e
translacional do hibridismo das comunidades imaginadas.
(BHABHA, 2014, p.
24).
Logo em
seguida, o autor evidencia a questão das culturas nacionais que
frequentemente
são alteradas para o estabelecimento de conexões internacionais,
cunhando
assim, um processo continuo de reconfiguração. O desejo do
reconhecimento de
outro lugar e de outra coisa, levando a experiência da história além da
hipótese instrumental.
Outro exemplo
que o autor nos oferece é o artista performativo, especificamente
Guilermo
Gomez-Pena, que segundo Bhabha vive em outros tempos e espaços, na
fronteira
entre o México e Estados Unidos:
Tais
culturas de contra-modernidade
pós-colonial podem ser contigentes à modernidade, descontínuas ou em
desacordo
com ela, resistentes a suas opressivas tecnologias assimilacionistas;
porém,
elas também põem em campo o hibridismo cultural de suas condições
fronteiriças
para “traduzir”,
e portanto reinscrever, o imaginário social tanto da metrópole como da
modernidade. (BHABHA, 2014, p. 26)
Quando o autor
nos conduz à ideia das condições fronteiriças para o entendimento do
entre-lugar, nasce outro conceito que subsidiará o tema central deste
artigo; a
ideia do “estranho”.
No tópico;
Vidas Estranhas: A Literatura do
Reconhecimento, a questão do estranhamento encontra-se como
uma intervenção
do “além”, a condição das iniciações extraterritoriais e
interculturais. Ou
seja, ser estranho na perspectiva da fronteira, não é está sem casa, em
uma
visão simplista dentro da divisão familiar da vida social em esferas
privada e
pública.
As fronteiras
entre casa e mundo se confundem, o privado e o público tornam-se parte
um do
outro forçando sobre nós uma visão que é tão dividida quanto
desnorteadora, ou
seja, o autor nos ortiga sobre a diferença cultural e a distinção entre
coisas
que deveriam ser ocultas e coisas que deveriam ser mostradas: “como o oculto pode ser rico e múltiplo em
situações de intimidade” (BHABHA, 1994, p. 31)
Homi Bhabha,
para exemplificar a ideia do “estranho”
traz a imagem estética da arte como o próprio evento do obscurecer, uma
decida
a noite, uma invasão da sombra:
A
“completude”
do estético, o distanciar
do mundo na imagem, não é exatamente uma atividade transcendental. A
imagem –
ou a atividade metafórica, “ficcional”, do discurso – tornará visível “
uma
interrupção do tempo por um movimento que se desenrola do lado de cá do
tempo,
em seus interstícios. (BHABHA, 1994, p. 37)
Percebe-se que
o autor, usa a ideia do estético, da imagem, para explicar que o
estranho faz
parte do entre-Lugar que corresponde a cultura que se constitui sem
rigidez e
configuração única, seu movimento indo ao subalterno e voltando para
realidade,
sua ida ao passado e também se lançando ao futuro como uma performance
artística.
No tocante a
concepção do tema deste artigo, faço a seguinte proposta para a
coadunação
entre o conceito de Cultura de Homi Bhabha e os aspectos do Ritual de
Victor
Turner: a liminaridade coadunado com o entre-lugares, e communítas
coadunado
com o estranho
Por
conseguinte, trago a similaridade entre os conceitos de liminaridade
e o entre-lugares devido ao estado de movimento de
ambos os conceitos. A liminaridade
de
Turner representa o estado de transição, já em seguida o entre-lugares
de Homi Bhabha é habitar em um espaço intermediário.
Portanto, os dois conceitos se coadunam por sua epistemologia de
sentido, em
ambas realidades de cada autor.
Já por outro
lado, com o foco no individuo, o conceito de Communítas
coaduna com o conceito de o
estranho, pois o primeiro representa os “foras da lei”
estabelecida e o mesmo individuo é colocado por Bhabha em seu estudo
sobre o
“Além” como: o estranho. Exemplos:
Artistas Performáticos, Hippies, Mendigos e outros.
Portanto,
trançando com o conceito de Antropologia da Performance, trago este
esquema
para refletir sobre o xamanismo yanomami enquanto estado de
performance. No
entanto, o que é Xamanismo? O que é performance?
Segundo Langdon
(1996) A antropologia brasileira tem uma história profícua em matéria
de
xamanismo e sobretudo as pesquisas atuais refletem novos paradigmas
analíticos.
No entanto, a autora salienta que o tema é um campo fértil de pesquisa
devido à
pouca sistematização dos grupos de trabalhos sobre o assunto. O foco
aqui não
se situa na preocupação em definir profundamente as possibilidades que
este
tema oferece, sobretudo, mas na investigação de sua capacidade
simbólica e
cultural.
A palavra
xamanismo no Brasil muitas vezes é substituída por pajelança e,
consequentemente, o termo xamã é substituído
por
pajé. Em alguns casos, as duas palavras
são
usadas, ao mesmo tempo, de modo alternado, como pude verificar na
aldeia de
Maturacá, onde as próprias lideranças indígenas usavam as duas
denominações,
naturalmente, sem que isso causasse qualquer estranhamento nas pessoas
em
volta. No caso específico deste artigo, entretanto, farei uso do termo
xamanismo e xamã.
Voltando aos estudos de Langdon,
é
importante observar que a autora, lançando mão de uma perspectiva
diferencial,
entende que as práticas do xamanismo podem ser interpretadas enquanto
uma
categoria de representação simbólica:
É
necessário considerar o xamanismo do ponto de vista coletivo. Antes de
pensar
sobre a motivação individual dos xamãs e seus poderes “mágicos”, é
preciso
reconhecer a prioridade do sistema de representações coletivas, das
representações compartilhadas. [...] Porém, o sistema xamânico precisa
estar
manifestado, tornando-se concreto através do rito, do mito, da arte e
de outras
manifestações simbólicas. (LANGDON, 1996, p. 26)
O xamanismo
oferece ao interessado no assunto, um ponto de vista coletivo; as
representações em coletivo e principalmente a importância destas ações
na
construção do mundo da etnia indígena, OVERING (1994, p.101). Também
vale
ressaltar que cada realidade é própria de seu sistema xamânico, e por
isso o
tema é inesgotável, pois o xamanismo realizado no alto do Rio Negro
será
diferente do xamanismo do Xingu. A diferença não é difícil de se
imaginar,
basta lembrar de toda as questões históricas e as peculiaridades de
sobrevivência de cada sociedade indígena e principalmente na forma que
ele,
índio o coloca.
Dando continuidade à análise
das terminologias e fazendo uma ligação entre o xamanismo e a
performance,
trago à discussão o diretor de teatro e estudioso da antropologia e
performance
Richard Schechner, mais especificamente seu artigo O
que é Performance?; para findar estes dois pontos iniciais.
A performance tornou-se um
dos temas mais estudados dos últimos anos, em uma variedade de formas e
linguagens; nas artes, na literatura, nas ciências sociais, nos
rituais, na
vida cotidiana, entre muitos outros campos. Ela pode, ao mesmo tempo,
auxiliar
o pesquisador no desenvolvimento de determinada teoria, como pode
deixá-lo
perdido graças à abrangência de seus significados:
Nos
negócios, nos esportes, e no sexo, “realizar performance” é fazer algo
no nível
de um padrão – ter sucesso, ter excelência. Nas artes, “realizar
performance” é
colocar esta excelência em um show, numa peça, numa dança, num
concerto.
(SHECHNER, 2011, 28)
Schechner (2011 p. 29)
salienta que o ato de realizar performance pode ser entendido em
relação a
noções elementares como as que as flexões verbais a seguir denotam: sendo, fazendo, mostrar fazendo e explicar
“mostrar fazendo”. Estas noções me serão muito úteis para dar
prosseguimento
às análises que o presente artigo objetiva, ou seja, pensar a
performance como
algo acontecendo, enquanto ação, interação e relação.
Nesta breve reflexão sobre
performance, percebe-se o potencial performático que o ritual oferece,
indo
diretamente ao encontro deste tema. Schechner, ao analisar os diversos
tipos de
performance, faz a seguinte reflexão sobre o ritual: “Rituais e ações
são não
apenas gêneros de performances, mas também estão presentes em todas as
situações enquanto qualidades, reações ou modos”
(2011, p.30).
Por fim, trago ao texto
minha experiência em campo com os Yanomami, como citado no início deste
trabalho. Especificamente para nossa análise, ofereço um recorte deste
campo
que nos provoca enquanto Performance, sobretudo Perfermance Cultural,
já que se
trata de uma ação da cultura Yanomami – o ritual xamânico.
Na aldeia de Maturacá, o ritual xamãnico
acontece entre as 14h e as 18h, e
apenas no domingo e ocasiões especiais este horário é alterado. Durante
o
ritual, os corpos dos xamãs ficam todos completamente transfigurados. A
corporeidade em todo momento nos chama a atenção, pois quanto maior o
tempo de
performance xamânica, maior o corpo parece ficar, nos lembrando a
abordagem
poética de Jean-Yves Leloup acerca do corpo: “O
corpo sente, toca, fala, comunga. Vida incorporada, corpo da vida”.
(LELOUP, 2015, p. 9)
Os movimentos são apresentados
como provocação ao próprio corpo, planos baixos, médios e altos a todo
instante. Gestos realizados espontaneamente, partituras corporais como
desenhos
no espaço, passos lentos e rápidos, base firme na terra, joelhos
flexionados e
muita vitalidade,
em uma dança sem marcação e/ou
regra. As expressões são concretas como lembrado na epigrafe deste
artigo: “O
corpo é o nosso texto mais concreto (...) é também o templo onde outros
corpos
mais sutis se abrigam” (LELOUP,
2015, p. 9).
As expressões construídas são
intensas e o xamã, faz de sim próprio um intelecto do plano “sensível”
para o
plano racional, um diálogo entre o que se vê (a distribuição do espaço
e os
outros xamãs) e o que não é visível (os hecurapë;
espíritos). Essa transição dialógica do, sensível para racional e vice
e versa,
acontece espontaneamente em um jogo corporal dentro do
Toxasikë – espaço. O xamã conversa com os espíritos e também
com
os outros xamãs ao mesmo tempo, ele dança, canta e chama as pessoas
presentes
no local para compreender sua ação, construindo sua autonomia e
atraindo os
participantes intencionalmente usando todos os elementos possíveis à
sua volta.
Como destaca Schechner ao falar sobre a intensidade da performance:
Compreender
a “intensidade da performance” é descobrir como uma performance
constrói,
acumula, ou usa a monotonia; como ela atrai participantes ou
intencionalmente
os barra; como o espaço é projetado ou manipulado; como o cenário ou
roteiro é
usado – em resumo, um exame detalhado de todo o texto performático.
(SCHECHNER,
2011, p. 2019)
Por
conseguinte, o xapiri
pode se caracterizar de acordo com sua vivência ritualística. E ao relatar o ritual de
xamanismo Yanomami, Bruce
Albert e William Milliken, configuram a diversidade de signos
elaborados para o
ritual: “Os entes-imagens xamânicos remetem, assim, às formas
primordiais dos
seres da floresta atuais (animais e vegetais), bem como a uma série de
seres
cosmológicos e mitológicos” (2009, p. 137), assim, faz-se importante
voltar à
reflexão sobre o espaço, a voz e o corpo.
Já no que se refere à voz,
os mesmos autores destacam
os cantos como força
motriz do ritual, “saber cantar é uma forma de expressão muito
valorizada na
cultura yanomae,
principalmente durante os grandes eventos intercomunitários: reahu”
(GORHAM,
2011, p. 157). Portanto, percebe-se que o canto e o diálogos são
fundamentais
na construção da realidade xamânica:
Os
xamãs formam um grupo vocal com regras de interação e um local
específico para
realizar os cânticos. Trata-se de uma expressão de sua arte verbal
associada à
música vocal humana e à estética das vozes dos hekurapë
que somente eles
compreendem. (GORHAM, 2011, p. 158)
As vozes durante o ritual compõem
o corpo de forma diversificada e íntima. Ou seja, cada xamã que realiza
o
ritual tem sua composição vocal peculiar, uns demonstram explosões
rítmicas e
vibratórias, e outros já se colocam sutis e singelos. No entanto, todos
apresentam
um diversificado recurso durante sua performance. Em minha experiência in loco, algumas vezes percebi as vozes
ecoarem no espaço de toda aldeia, com grande potência, e quando eu
identificava
o xamã que estava produzindo aquele som, percebia que ele era pequeno,
franzino
e de idade avançada, demonstrando uma força insuspeitável aos olhos
comuns.
Retornando aos estudos de
Gorham, também se torna perceptível, na citação anterior, que o espaço
aparece
como ponto de interação das manifestações.
Corpo
e voz, no desenvolvimento do ritual. No entanto estes espaços são
múltiplos,
conforme relata o autor:
As performances
xamânicas ocorrem por
meio da apropriação espacial pública dentro da casa. São realizadas em
frente
aos lugares residenciais da maloca, considerados um espaço público, mas
também
acontecem nos lugares íntimos, os espaços familiares dentro do Yano.
(GORHAM,
2011, p. 69)
Por conseguinte, o espaço
torna-se elemento de força para o desenvolvimento do xamanismo
Yanomami, “a
praça e a primeira vertente da maloca são os lugares emergentes onde se
observa
a força/poder das performances” (GORHAM, 2011, p.70). O espaço que os xamãs usam para
realizar o ritual, na
aldeia Maturacá, é chamado por eles de Toxasikë.
Uma espécie de palco sagrado, onde os xamãs “dialogam” com os hecurapë
– espíritos, na
língua Yanomami, durante o período em que estão em “transe”. Neste
espaço, ficam apostos ao ritual os Pariqueiros,
termo usado para designar os indígenas que
estão em processo de preparação para se tornarem xamãs e indígenas que apenas fazem uso do
Paricá.
Por fim, o corpo é o elemento
fundamental durante todo o desenvolvimento da performance xamânica de
Maturacá.
Destaca-se o estado liminar deste agente do ritual, as pinturas em
decomposição
e seu estado de trança: realidade e o transe. Vale salientar que, do
ponto de
vista do ritual como um todo, entende-se por corpo, toda a composição
criada e
desenvolvida pelo xamã, assim voz é corpo, desenho é corpo e adornos
também,
sobretudo a corporeidade performática – a performance cultural - no
ritual
Yanomami que nos chama atenção para o encontro com a liminaridade de
Turner e
com a percepção de cultura hibrida de Bhabha.
Referências
Bibliográficas
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da cultura. Belo Horizonte. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
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OVERING, Joana. O Xamã
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Nádia Farage. Ideias: Campinas, 1994.
STEIL, Carlos Alberto, Carvalho, Isabel C. M.
Cultura, percepção e ambiente: diálogos
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______. Dramas,
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Fala Ritual Yanomami: Performance Linguagem e Força.
Tese (Doutorado em Antropologia) Universidade Federal de Santa
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________. Sonhos
e Cantos Indígenas: exemplos de poder Xamanístico sul-americano. Dissertação (Mestrado em
Antropologia). Universidade de Brasília. 2005.
LELOUP, Jean-Yves. O
Corpo e seus símbolos: uma antropologia essencial. Org. Lise
Mary
Alves. Ed. 23. Rio de Janeiro: Vozes, 2015.
Recebido:
02/05/16
Aceito:
30/06/16
NOTAS
Os Yanomami são mencionados na
literatura sob várias
etnonímias: Guaharibos, Waika, Xiriana, Xirixana, Xamatari, Sanumá,
Ninam-Yanam, Yanomamo, Yanomama, Yanonamë, Yanoama, Yanomam e Yanomae
(2011, p.
38)
PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
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PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
PALAVRAS PALAVRAS,
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