Zona de Impacto - ISSN 1982-9108  ANO 20 Vol. 2 - 2018 - julho/dezembro



Relato de experiência de acadêmicas do curso de Psicologia com um grupo operativo de jovens universitários em uma instituição superior pública no extremo norte do país


Halaine Cristina Pessoa Bento UFRR[1]

Melissa Seelig Pamplona Barros UFRR[2]

Fernanda Ax Wilhelm UFRR[3]

Resumo: A literatura tem apontado que o ingresso na universidade é uma experiência que pode revelar-se potencialmente estressora ao estudante que passa a ser protagonista de transformações em sua vida. Diante disso, o presente trabalho apresenta um relato de experiência que se originou de um estágio obrigatório com ênfase em Educação, realizado por duas acadêmicas do 8º semestre do curso de Psicologia, participantes de um grupo operativo de estudantes de graduação de uma universidade pública formado com o objetivo de dar acolhimento a discentes em suas dificuldades acadêmicas, conceder amparo e promover integração entre eles. Entrar em contato direto com os estudantes permitiu tomar maior conhecimento da realidade acadêmica vivenciada, identificar demandas e provocar questionamentos sobre suas experiências na universidade. Partindo do pressuposto de que o objetivo dos encontros visava primordialmente verificar o resultado do acolhimento a partir dessas experiências, acreditamos que isso foi atingido, de acordo com o ritmo e a dinâmica do grupo.

Palavras-chave: Vivências Universitárias; Grupo Operativo; Acolhimento; Dificuldades Acadêmicas.

Report of students’ experiences of a Psychology course with an operative group of university students in a public higher institution in the extreme north of the country.

Abstract: Literature has pointed out that admission to university is an experience that may prove to be potentially stressful to the student who happens to be protagonist of transformations in his life. The present work presents an experience report that originated from a required internship with an emphasis on Education, carried out by two students from the 8th semester of the Psychology course, participants of an undergraduate students operating group of a public university formed with the objective of welcoming students to their academic difficulties, granting support and promoting integration among them. Getting in direct contact with the students allowed to take greater knowledge of the lived academic reality, to identify demands and to bring up questions about their experiences in the university. Based on the assumption that the purpose of the meetings was primarily to verify the result of the reception from these experiences, we believe that this was achieved, according to the rhythm and dynamics of the group.

Keywords: University Experiences; Operating Group; Reception; Academic Difficulties.

 

Introdução

O ingresso no ensino superior tem sido alvo de interesse de estudos que partem do princípio de que a preocupação com este fenômeno é necessária na medida em que a experiência universitária é um processo complexo e multifacetado que tem repercussões notórias na vida do estudante (TEIXEIRA, et al., 2008). As dimensões afetadas são diversas, abrangendo a familiar, laboral, educacional, social, psicológica e a biológica no contexto do jovem que passa por um processo de modificação de hábitos de vida face às exigências específicas do âmbito universitário.

A construção da trajetória acadêmica ocorre de modo diferenciado, uma vez que as vivências do estudante são permeadas por experiências que recebem sentidos e significados próprios, sob a percepção de quem as vivenciam. No entanto, quando negativas, o impacto exercido por estas experiências pode afetar tanto o próprio estudante quanto a Instituição de Ensino Superior, incorrendo diretamente no aumento dos seus índices de evasão, quando o discente opta por se desligar da universidade.

A universidade é um ambiente distinto do espaço escolar, em que a monitoração, cobrança de desempenho e responsabilidade do aluno são notadamente diminuídos (CASTRO; TEIXEIRA; ZOLTOWSKI, 2012; TEIXEIRA, et al., 2008). A vida do adolescente, que antes girava em torno da escola, pois era lá que passava a maior parte do tempo na companhia de seus amigos, passa a se estruturar a partir de mudanças nas suas redes de amizade e apoio social (TAO et al., 2000). O círculo de amigos sofre, em algum nível, alterações oriundas da necessidade de se estabelecer novos vínculos de amizade, uma vez que os colegas não são mais os mesmos no meio acadêmico. Isso implica em um processo de integração em que o estudante, além de ter que contar com suas habilidades sociais para esse novo contexto, também se identificará como um sujeito autônomo, no que diz respeito à procura do estabelecimento de relações interpessoais satisfatórias e maduras com professores e no desenvolvimento de atividades extraclasse, que podem favorecer uma melhor integração com a Instituição de Ensino Superior (IES). Assim, apoio familiar emocional, redes de amizade, satisfação na relação pais-filhos, alunos-professores e alunos-instituição são fatores que podem funcionar como redutores de estresse no processo de transição e ajustamento às exigências da vida universitária, sobretudo propiciar o bem-estar do estudante.

O período de transição para o ensino superior implica em uma série de potenciais dificuldades e transformações na vida do jovem que recém-inserido nesse meio, uma vez que constitui um processo complexo, que envolve aspectos específicos, pessoais e contextuais. Desse modo, a literatura tem apontado que o ingresso na universidade é uma experiência que, com o decorrer do tempo, pode se revelar potencialmente estressora na vida dos estudantes (PENAFORTE, et al., 2016; TEIXEIRA et al., 2008; SILVA FILHO et al., 2007; REASON et al., 2006).

No Brasil, estudos sobre as vivências acadêmicas têm ganhado um considerável espaço na área científica ao longo dos últimos anos, revelando a pertinência e necessidade de atenção ao desenvolvimento de mais pesquisas que procurem explorar a temática.

A emissora de televisão BBC (British Broadcasting Corporation) no Brasil divulgou, recentemente, que, entre 1980 e 2014, a taxa de suicídio entre jovens entre 15 e 29 anos no País aumentou 27,2% (ESCOBAR, 2017), dado que o Brasil é o país com maior prevalência de depressão da América Latina e recordista mundial em casos de transtornos de ansiedade (G1, 2017). Outro dado preocupante é de que 37% dos jovens brasileiros entre 24 e 37 anos, principalmente vestibulandos, estão com níveis de estresse de moderado a alto (G1, 2015).   

Em âmbito estadual, Roraima é o segundo estado brasileiro no ranking mundial de morte por suicídio, perdendo apenas para o Rio Grande do Sul. Grande parte dessas pessoas são jovens homens na faixa etária de 15 a 30 anos de idade e a depressão é a principal doença apontada como desencadeadora para o indivíduo tirar a própria vida (JÚNIOR, 2016).

Em uma tentativa de resposta a essa problemática, surgiu o subprojeto de Iniciação Científica realizado por Barros e Wilhelm (2017), com o intuito de buscar compreender e problematizar a questão do ingresso e permanência acadêmica dos alunos de graduação na Universidade Federal de Roraima (UFRR). Para este estudo, foram entrevistados 10 (dez) estudantes de graduação da UFRR. Os resultados mostraram que as situações estressantes pelas quais os discentes passaram e/ou estavam passando no momento de realização da coleta de dados são frutos de causas tanto internas quanto externas à Universidade. Entre os estressores apontados, estavam: a percepção de carência de espaço físico, estruturação do curso (grade curricular), sobrecarga de atividades estudantis, adaptação acadêmica (ensino escolar vs. ensino universitário), serviços ofertados pela Universidade que não supriam a demanda da comunidade estudantil, entre outros. Independentemente da idade, do período ou do curso em que estavam matriculados, todos os entrevistados mencionaram estressores vivenciados durante o curso de graduação e afirmaram que estes aspectos influenciaram a maneira como experimentaram a Universidade. Foram detectadas, nos relatos, experiências consideradas agradáveis pelos estudantes, e outras foram vistas como desagradáveis a ponto de os levarem a pensar em evasão do curso e da instituição de ensino superior. Por meio da reflexão sobre os resultados obtidos na pesquisa, planejou-se abrir um espaço de escuta/acolhimento aos estudantes oriundos dos cursos de graduação da universidade em questão através do Estágio Específico em Psicologia e Contextos Educativos e Sociais, orientado pela Profª. Drª. Fernanda Ax Wilhelm e desenvolvido por duas estagiárias do 8º (oitavo) semestre de Psicologia.

Este estágio constituiu no desenvolvimento de um grupo operativo, isto é, um grupo que tem por intenção esclarecer temas que venham a favorecer o aprendizado individual e coletivo a partir da elaboração de conhecimentos, leitura crítica da realidade, abertura para dúvidas e novas inquietações, integração e questionamentos acerca de si e dos outros (FERNANDES, 2003), ao longo de 5 (cinco) encontros de outubro a dezembro de 2017, com 7 (sete) acadêmicos da UFRR.

Assim sendo, os objetivos específicos do trabalho visaram acolher os estudantes de graduação da UFRR em suas dificuldades acadêmicas, conceder amparo e promover integração entre os discentes. Além disso, por meio desse acolhimento, buscou-se o compartilhamento de experiências universitárias, o qual possibilitou instrumentalizar os estudantes nas estratégias de enfrentamento face às dificuldades encontradas ao longo do período da graduação e realizar trabalhos com o intuito preventivo de possíveis situações causadoras de sofrimento psíquico. 

Em virtude do que foi mencionado, esse artigo tem por objetivo geral apresentar os resultados do acolhimento nas experiências de vida dos acadêmicos da UFRR, a partir do contato com os mesmos, bem como as demandas levantadas pelos participantes, os aspectos psicossociais trabalhados, as atividades desenvolvidas e as aprendizagens adquiridas pelas facilitadoras.

A cidade e a Universidade

A ação de estágio foi realizada na cidade de Boa Vista, capital de Roraima. O estado encontra-se localizado no extremo norte do Brasil e atualmente conta com apenas uma universidade pública federal, a Universidade Federal de Roraima (UFRR), que atende alunos de diversos contextos geográficos brasileiros. Através de convênios internacionais, a UFRR também recebe estudantes de outros países que pretendem cursar sua graduação ou pós-graduação no Brasil.

De acordo com dados do site eletrônico da Universidade, são 50 (cinquenta) os cursos de graduação ofertados pela UFRR, sendo 29 (vinte e nove) bacharelados, 20 (vinte) licenciaturas e 1 (um) tecnológico, com atividades desenvolvidas nos três campi: Paricarana, Cauamé e Murupu. Nos cursos de ensino básico, técnico, de graduação e de pós-graduação, o número aproximado de alunos em 2015 chegou a nove mil matriculados. Ainda nesse mesmo ano, o corpo de funcionários era formado por 956 servidores efetivos, dos quais 571 eram docentes e 320 técnicos administrativos.

Local e a população participante do grupo

As atividades do grupo foram desenvolvidas no campus Paricarana, da Universidade Federal de Roraima (UFRR), com 7 (sete) acadêmicos UFRR, 6 (seis) do sexo feminino e 1 (um) do sexo do masculino, com idade variando entre 18 a 21 anos; todos de nacionalidade brasileira e dos seguintes cursos da UFRR: Enfermagem (uma estudante do 2º semestre da graduação), História (uma acadêmica do 6º semestre da graduação), Medicina (uma estudante do 4º semestre da graduação) e Psicologia (uma acadêmica do 6º semestre, um estudante do 6º semestre e duas acadêmicas do 8º semestre da graduação).

Condução dos trabalhos

 

O trabalho foi conduzido a partir de dinâmicas, rodas de conversas, músicas, vídeos e produção de cartazes. No primeiro encontro, apenas participantes do sexo feminino compareceram. Especificamente para este encontro foi pensado em um momento de escuta/acolhimento das participantes, afinal era o primeiro contato com as mesmas. Primeiramente houve a apresentação das estudantes e em seguida desenvolveu-se um trabalho de aquecimento: andar, pular e esticar-se, com o objetivo de deixar as acadêmicas mais relaxadas e confortáveis para iniciar a conversa após aquela atividade (RAMALHO, 2010).  

Ainda no primeiro encontro, a fim de buscar levantar as demandas das participantes, foram anotados em um pedaço de papel temas que elas gostariam de discutir nos 4 (quatro) próximos momentos de reflexão. Assim, para fechamento, foi realizada a “dinâmica do barbante” durante a qual cada uma teria que relatar uma história/situação de ingresso e/ou permanência na UFRR para depois passar o barbante para outra integrante do grupo também relatar. Ao final, todas estavam bastante “enroladas” com os fios e percebendo que os fatos, por mais que fossem com pessoas, momentos e cursos distintos, todos, de certa forma, tinham uma identificação, pelo motivo de estarem vivendo essas mesmas mudanças e problemas no ambiente acadêmico.

Já para o segundo encontro, como a temática a ser discutida era estresse, foi pensado realizar um levantamento de possíveis situações estressantes pelas quais os acadêmicos têm passado e/ou estavam passando dentro ou fora do espaço universitário a partir dos seus relatos. Posteriormente, buscando expelir esse estresse, cada um recebeu vários balões para serem enchidos, à medida que as situações estressantes eram trazidas e, ao final, as bexigas foram estouradas.

Por fim, para levar também as estratégias de enfrentamento no ambiente acadêmico em relação ao estresse, algumas situações foram criadas pelas estagiárias para depois cada um trazer a sua opinião e/ou formas de lidar com tais circunstâncias. A seguir, são apresentados alguns depoimentos:

Sinto-me muito desmotivada (o) para buscar atividades prazerosas, afinal a universidade ‘suga’ tanto o meu tempo que acabo esquecendo de mim, da minha vida e da minha saúde física e mental. Mas o que posso fazer para mudar essa situação? 

Sei que estou em um curso superior que, em tese, está me preparando para o mercado trabalho. Mas já me deparei com tantas dificuldades ao longo da minha vida acadêmica que fico com certo medo, quando penso que se o que eu estudei/aprendi será o suficiente para eu atuar profissionalmente. O que posso fazer diante disso?

 

No que tange ao terceiro encontro, foi necessário retomar a dinâmica do balão do encontro anterior para que também pudéssemos discutir situações estressantes no ambiente acadêmico com os estudantes que haviam faltado ao segundo encontro. Logo em seguida é que foi possível dar início a proposta do dia, que era discutir violência nas universidades, com as seguintes abrangências: agressões contra mulheres e públicos diversificados, violência institucional, moral, física, psicológica, sexual e outras. Para refletir tal temática, o vídeo “Violência Contra Mulher no Ambiente Universitário”, da Pesquisa Data Popular do Instituto Avon (2015), foi apresentado para ser discutido junto às outras formas de violência nas instituições brasileiras. 

Para finalizar, o quarto e o quinto encontro foram destinados à confecção de cartazes contra as várias formas de violência presentes nas universidades brasileiras, para colar nas paredes nos blocos da UFRR, principalmente da Psicologia e Medicina.

Análises e demandas levantadas

Apesar dos cinco encontros terem propiciado abertura para rodas de conversas onde os temas eram livres, isto é, não se tratava de uma roda de conversa puramente diretiva, pode-se dizer que foi devido ao momento no primeiro encontro em que os alunos foram solicitados a escrever, em um pedaço de papel, sobre o que queriam falar, que as facilitadoras puderam melhor direcionar os temas de cada encontro.

Essa solicitação foi um momento em que os estudantes tomaram para refletir sobre suas vontades aliadas a possíveis anseios e medos, resultando nos temas que emergiram e que foram pedidos para serem abordados no grupo. Logo no primeiro dia de encontro foram detectadas as demandas dos estudantes participantes em uma conversa inicial e através dos tópicos que todos anotaram no papel.

O ingresso no ensino superior tem sido alvo de interesse de estudos que partem da premissa de que a preocupação com este fenômeno é necessária na medida em que a experiência universitária é um processo complexo e multifacetado que tem repercussões notórias na vida do estudante (TEIXEIRA et al., 2008). As dimensões afetadas são diversas, indo desde a familiar, a laboral, a educacional, a social, a psicológica e a biológica, no contexto do jovem que passa por um processo de modificação de hábitos de vida diante das exigências específicas do âmbito universitário.

Face a este fato, os participantes narraram o incômodo que surgiu após a entrada na Universidade, que acabou moldando suas próprias vivências dentro e fora do ambiente acadêmico. Um exemplo citado foi o distanciamento da família, o isolamento do estudante que passou a ter a Universidade como o pilar central de sua vida. Não necessariamente foi apontado como algo bom, já que os estudantes se mostravam insatisfeitos em sentirem que estavam vivenciando apenas um âmbito de suas vidas em detrimento de outros.

Relatos como estes citados anteriormente fazem parte dos desafios enfrentados pelo jovem ao adentrar na universidade, contudo estes desafios podem trazer uma série de apreensões e ansiedades, já que antes tinham uma aproximação maior dos familiares e de uma hora para outra tudo isso muda em função da universidade. Logo, estratégias devem ser pensadas para que estes estudantes não venham a passar por adoecimento físico e, principalmente, psicoemocional (LIMA et al., 2013).    

Outra questão bastante enfatizada foi a perda da empolgação pelo curso, que aconteceu em algum momento de suas vidas acadêmicas. Os estudantes chegaram ali demonstrando em suas falas estarem interessados em recuperar esta empolgação inicial pelo curso, porém não sabiam como ou o que fazer. Seguido a isso, foi mencionado ainda o que chamaram de “perda de sentido”, esvaziamento de uma existência dentro de um espaço universitário em que os discentes se sentiam aprisionados. Funcionando a maior parte do tempo em um tipo de ambiente, parece levá-los a fazer suas tarefas acadêmicas de maneira automática, um modo que denominaram de “só fazer por fazer”. Como resultado disso, relataram sentir que poderiam não estar aprendendo o tanto que deveriam, ou o tanto que queriam.

O aspecto anterior levantado revela que o cansaço e a exaustão tem permeado as atividades estudantis dos participantes do grupo, levando a uma desmotivação relacionada a uma capacidade de produção diminuída, reconhecida pelos alunos. Não existe um consenso sobre o que causa a perda dessa motivação, pois esta pode estar associada a uma série de fatores, mas Campos e Ramos (2011) apontam que ela é determinante para a qualidade da aprendizagem e do desempenho. Ao considerar essa perspectiva, pode-se compreender por que a percepção da falta dela ou de sua diminuição causou nos alunos uma sensação de insatisfação com seu desempenho.

Além do que foi apontado na conversa inicial do primeiro encontro, dentre os assuntos solicitados estavam: exercícios de autoestima intelectual, atividades fora da Universidade, ação ou intervenção que envolva pessoas externas ao grupo, direitos básicos do ser humano, aproximação, apoio mútuo, aprender a buscar atividades prazerosas, compreensão de que não existe um culpado ou que o estado no qual o estudante se encontra não é uma escolha unicamente pessoal, relações com colegas de sala, divertimento e satisfação, medo do fracasso, vontade de trancar o curso, pressão familiar, auto pressão, desconcentração, isolamento, dificuldade em conciliar a vida social com os estudos, procrastinação e desinteresse em ler textos, vida profissional, conhecer as dificuldades dos outros cursos, atividades de “escape” para quando a faculdade pesar muito, importância dos outros aspectos da vida além da faculdade, bem como reservar um tempo para eles.

Alguns desses assuntos solicitados apareceram, ainda que brevemente, no segundo encontro. Questões como “direitos básicos do ser humano” foram mencionadas quando foi citada a culpa que se sentia por estar se divertindo ao invés de estar se dedicando para alguma coisa relacionada à Universidade. É um direito dedicar algum tempo de lazer para si mesmo, mas mesmo assim uma participante mencionou que havia alguns momentos em que sentia culpa por isso.

Snyders (1995) menciona o amadurecimento pelo qual o aluno passa, relacionando-o com o fato de o jovem estar frequentando uma universidade em um período coincidente com a fase de transição para a vida adulta. Relacionado a isso, talvez o que tenha sobressaído mais no segundo encontro foi justamente o amadurecimento sentido e o conhecimento obtido após o ingresso na Universidade, que permitiu a uma estudante se dar conta de que se encontrava em um relacionamento abusivo.

Já no terceiro encontro, sobressaíram algumas demandas relacionadas ao estresse sentido dentro da Universidade, o qual acabou influenciando o agravamento de algumas situações. A transição do estudante do ensino médio para o ensino superior pode causar algumas mudanças psicossociais alarmantes, isto é, o aparecimento do estresse e da ansiedade. São sintomas que podem acometer alunos que estão no início, mas também no meio ou final de algum curso superior devido à sobrecarga de responsabilidades acadêmicas, dificuldades financeiras para manter-se estudando, conflitos com colegas e professores, a falta de motivação na carreira escolhida, dentre outras razões (BRANDTNER; BARDAGI, 2012).

O suicídio entre estudantes universitários, infelizmente, não é uma rara notícia em jornais. Um dos fatores que podem acometer um sujeito a suicidar-se ou tentar o suicídio é uma depressão severa (TERRA, 2010) e, independemente da região do país, esta é uma realidade recorrente entre jovens e adultos jovens, inclusive Roraima tem dados bastante alarmantes sobre o assunto. Nesse sentido, houve uma situação, em especial, narrada no terceiro encontro, que estava relacionada à tentativa de suicídio da parte de um aluno em uma época que se sentia bastante fragilizado por determinadas situações que estavam acontecendo em seu meio. Coube às facilitadoras acolher a experiência e apresentar alternativas para lidar com este tópico, fosse no grupo ou de maneira individual, junto a um profissional da saúde.

 

Considerações finais

Com base na atividade prática desenvolvida com os estudantes da UFRR, foi possível aprender como funciona a dinâmica do trabalho com um grupo operativo e a importância de uma prévia organização, para que aquilo que foi planejado funcione.

Houve um grande aprendizado em relação às diferenças nas dificuldades com a qual cada estudante pode se deparar ao longo de sua graduação. Cada curso pode ter suas dificuldades, mas devido ao fato das graduações apresentarem-se de modos diferentes, isso implica dizer que cada uma tem suas especificidades.

A aprendizagem foi obtida também no sentido de se compreender o quanto pode ser difícil e desafiador trabalhar com grupos operativos, pois são pessoas com pensamentos distintos e principalmente de cursos diferentes, isto é, o fato de estarem inseridas no mesmo espaço universitário não significa que estejam passando pelo mesmo tipo de problema.

Como pôde ser observado, foram detectadas algumas necessidades dos estudantes, demandas que eles mesmos colocaram em pauta para serem discutidas nos encontros, o que revelou a urgência que estes alunos possuíam/possuem para serem acolhidos e ouvidos, a fim de que possam ter uma melhor integração não só na Universidade, mas entre eles mesmos.

Desse modo, partindo do pressuposto de que o objetivo desses encontros repousava primordialmente em um trabalho de acolhimento das experiências universitárias, acreditamos que isso foi atingido, de acordo com o ritmo e a dinâmica do grupo pelo qual ficamos responsáveis como facilitadoras.

 


 

Referências

 

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Notas

[1] Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). E-mail: halaine_cristini@hotmail.com

[2] Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). E-mail: melissa.seelig@hotmail.com

[3] Professora do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Roraima (UFRR). E-mail: fernanda.ax@ufrr.br

  Recebido 05/04/2018.  Aceito para publicação 05/05/2018