Zona de Impacto - ISSN 1982-9108  ANO 20 Vol. 2 - 2018 - julho/dezembro



Os sentidos da maternidade para jovens de Roraima, o estado brasileiro com o maior índice de gravidez na adolescência do país

 

 

Talitha Lúcia Macêdo da Silva - UFRR[1]

Halaine Cristina Pessoa Bento – UFRR[2]

 

 

Resumo: Foi realizada uma pesquisa de orientação fenomenológica-existencial com o objetivo de buscar compreender os sentidos da maternidade para mães adolescentes que residem em Boa Vista – RR. Assim, por meio de uma entrevista semidirigida e analisada com base na Analítica do Sentido da Dulce Critelli, foram entrevistadas adolescentes com idades entre 15 e 18 anos. No que diz respeito às análises, as adolescentes se consideraram mães, principalmente, após o nascimento de seus filhos, dado que a maternidade para elas está atrelada aos cuidados diários com a criança e com as descobertas de novos sentimentos. Para as participantes, ao se cuidar de um bebê é importante considerar alguns atributos maternos, tais como: responsabilidade, amadurecimento, atenção e paciência. Logo, os sentidos da maternidade para estas mães adolescentes vêm sendo (re)significados juntamente com o cuidado da criança, uma vez que elas buscam a cada dia superar as barreiras de dificuldades e preconceitos sociais.

Palavras-Chave: Adolescente; Gravidez na Adolescência; Maternidades.

 

The meanings of motherhood for young girls from the Brazilian state with the highest pregnancy rate in adolescence, Roraima

 

Abstract: An existential-phenomenological orientation research was carried out with the aim to comprehend the meanings of motherhood for adolescent mothers residing in Boa Vista - RR. Thus, using a semi-directed interview, adolescents aged 15 to 18 years were interviewed and their narratives were analyzed based on the Analytical Direction developed by Dulce Critelli. Regarding the analysis, the adolescents considered themselves mothers, especially after the birth of their children, since the motherhood for them is tied to the daily care with the child and the discoveries of new feelings. To the participants, it is important to consider some maternal attributes when taking care of a baby, such as: responsibility, maturity, attention and patience. Therefore, the meanings of motherhood for these adolescent mothers are being (re)signified along with the care of the child, since they seek to overcome the barriers of difficulties and social prejudices.

Keywords: Adolescent; Teenage pregnancy; Maternities.

 


 

Introdução

 

A adolescência, de modo simples, pode ser compreendida como uma fase de transição entre a infância e a idade adulta. Das muitas características eminentes nessa fase, a sexualidade é um aspecto que configura transformações, assim, no que concerne ao desenvolvimento sexual da menina este é descrito por grandes mudanças, sobretudo, na gravidez. Disto isto, faz-se importante pensar na relação entre adolescência e gravidez nessa fase da vida, uma vez que Roraima configura-se como o estado com o maior índice de casos de gravidez na adolescência (PONTES, 2014).

Nesse sentido, desde os primórdios da evolução humana, a maternidade recaia sobre a mulher como uma atribuição fundamental de sua existência, consistindo em verdadeiro papel social de procriar. Com efeito, atribuía-se à figura feminina o posto de esposa, mãe e dona de casa (BESCHOREN, 2005). Porém, ao longo dos séculos, a partir das conquistas de lutas femininas exigindo os direitos das mulheres na sociedade, essa ganhou poder sobre o seu corpo e decisões, como decidir casar ou manter-se solteira, ter filhos ou não, trabalhar fora do lar e entre outras mudanças. Assim, a procriação deixa de ser uma imposição social e passa a ser considerado o desejo (ou não desejo) da mulher exercer a maternidade.

Posto isto, sobre a maternidade esta é percebida como um estado fisiológico momentâneo da gravidez, evoluindo para uma ação mais prolongada da mãe nos ensinamentos voltados ao seu bebê. É uma concepção intrinsicamente ligada a uma ideia de maternagem (carinho/acolhimento) da figura materna com o seu filho (ARAÚJO; MANDÚ, 2015). Quando a maternidade ocorre na adolescência remete, ainda, a dois fenômenos importantes: o ser mãe e ser adolescente (LEVANDOWSKI; PICCININI; LOPES, 2008). Logo, além de lidarem com os desafios próprios de sua etapa de desenvolvimento, também se confrontam com os desafios impostos pelo contexto da maternidade.

Desse modo, “existem muitas maneiras de ser mãe. A maternidade é modelada pela cultura, pode ser adaptativa e pode ser reflexível” (FORNA, 1999, p. 32). Dado que a maternidade é um exercício diário de reflexões, mudanças e aprendizagens na relação entre mãe e bebê. E que, portanto, ao longo do tempo, a experiência de ser mãe deixou de ser, necessariamente, algo puramente biológico para tornar-se um acontecimento singular, porquanto, quando mães em questão são adolescentes, os aspectos históricos, sociais, religiosos, familiares e econômicos influenciam significativamente a vivência da maternidade.

Logo, a gravidez na adolescência tornou-se foco de preocupação social em virtude das múltiplas repercussões associadas a esse evento, como a evasão escolar das mães, as adversidades no mercado de trabalho, a falta de preparo para lidar com as questões relacionadas à maternidade, enfim, questões relacionadas a ideias de “futuro interrompido” e de uma maternidade mal exercida (LEVANDOWSKI; FLORES, 2012). No entanto, a literatura lembra que esta perspectiva é recente (NUNES, 2013, p. 3):

 

É importante lembrar que a maternidade antes dos 20 anos até décadas atrás não se constituía em assunto alarmante. Ao contrário, era até bem-vinda quando dentro de um projeto matrimonial. [...] Na atualidade, esse panorama se modificou e a maternidade antes dos 20 anos passou a ser percebida como “desvio”, e potencial ameaça à ordem social.

 

Posto que com as mudanças sociais, a mulher vem postergando por mais tempo uma gravidez pelo fato de buscar, primeiramente, uma independência financeira, por meio dos estudos e de um bom emprego, antes de planejar ter filhos. Logo, quando adolescentes acabam engravidando, saindo do tal “modelo” contemporâneo de planejamento de vida, por vezes, essa situação pode ser vista como um “desvio” social. 

Assim, levando em consideração os dados do Ministério da Saúde, estima-se que 19,3% das crianças nascidas vivas em 2010 no Brasil são filhos e filhas de mulheres de 19 anos ou menos. Regionalmente, os números tornam-se ainda mais expressivos, pois, a partir de dados divulgados pelo IBGE em 2014, Roraima é o estado com o maior índice de gravidez na adolescência do país, alcançando 20,1% do total de gravidezes (PONTES, 2014, p. 1). Os índices apontam com clareza que, embora a maternidade precoce não seja esperada, ela é recorrente.

Portanto, apesar de parte dos estudos relacionados à maternidade na adolescência colocarem-na como problemática, certo cuidado com a rotulação e/ou categorização negativa desse fenômeno deve ser tomado. Por vezes, a maternidade pode ser, para muitas destas meninas, um modo de ressignificar suas existências, do qual elas sentem orgulho e é na relação com seus filhos que muitas delas veem meios de exercer algum tipo de poder (SILVA, 2012).  

A conotação complexa com a qual a adolescência, por si só, é considerada na sociedade em geral, somada às pressões específicas da experiência do ser adolescente do sexo feminino, tende a ser intensificada pela ocorrência da maternidade considerada precoce. Nesse sentido, visto que as duas fases, adolescência e maternidade, demandam uma série de transformações e ressignificações, fez-se necessário lançar um olhar sobre tal situação. 

Por fim, considerando que cada jovem pode atribuir um sentido próprio à experiência da maternidade, aponta-se a importância de buscar pesquisar os sentidos da maternidade para adolescentes que estão passando por esta nova experiência em suas vidas.

 

Método

 

Trata-se de uma pesquisa descritiva, qualitativa e exploratória, de orientação Fenomenológica Existencial. Esta pretendeu investigar os sentidos da maternidade para adolescentes que são mães. Participaram adolescentes entre doze e vintes anos incompletos e de qualquer nível socioeconômico.

Para participar da pesquisa, se fez necessária a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. No caso da adolescente ser menor de idade esse foi assinado pelos pais e/ou responsáveis, além da assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido pela participante. Não foi definido, a priori, o número de adolescentes participantes da pesquisa, pois, o critério utilizado foi de saturação, isto é, “o pesquisador fecha o grupo quando, após as informações coletadas com um certo número de sujeitos, novas entrevistas passam a apresentar repetições em seu conteúdo” (TURATO, 2003, p. 363). Após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido foram realizadas entrevistas semidirigidas. As respostas foram gravadas, transcritas e literalizadas para a realização das devidas análises.

Nesse sentido, as respostas das adolescentes foram compreendidas à luz da Analítica do Sentido proposta por Dulce Critelli (1996), que, a partir de uma postura Fenomenológica Existencial, propõe uma aproximação do real através de uma apreensão, diferenciação e expressão daquilo que se busca compreender. Ao contrário de grande parte dos métodos de pesquisa, a Analítica do Sentido não impõe procedimentos específicos, regramentos de conduta do pesquisador ou instrumentos e equipamentos formais, uniformes e indispensáveis.

A Analítica do Sentido preocupa-se, prioritariamente, com os paradigmas que compõem o olhar do pesquisador, com sua postura epistemológica, precisando que ele compreenda que faz parte da realidade que vem à tona na interrogação; e preocupa-se com a manifestação do fenômeno pesquisado, o modo como ele aparece, realiza-se; é um movimento em uma direção e cuida de ser, realizando seus sentidos de existir em uma direção. Desse modo, a Analítica do Sentido busca abrir espaço para que venha à tona o sentido que ser tem para as pessoas em seu concreto, simbólico e histórico modo de ser-no-mundo e de relacionar-se com as pessoas e coisas ao redor (CRITELLI, 1996).

 

Resultados

 

Participaram da pesquisa mães adolescentes residentes em Boa Vista – Roraima com idades entre 15 e 18 anos, de classe média e baixa, solteiras ou em união estável e a maioria com apenas um filho. Como expõem a tabela.

 

Tabela 1. Informações sociodemográficas das participantes da pesquisa

Nome

Idade

Escolaridade

Estado Marital

Classe

Filho(a)/Idade

Reside com

Jasmim

15 anos

Ensino Médio Cursando

Solteira

Média

Menino de 1 anos e 1 mês

Avós, mãe e primo

 

Rosa

 

16 anos

Ensino Médio Cursando

 

União Estável

 

Média

Menino de 3 meses

Cônjuge, sogra e cunhada

Angélica

17 anos

Ensino Médio Cursando

Solteira

Baixa

Menino de 1 ano e 10 meses

Mãe e irmãos

 

Margarida

 

17 anos

Ensino Médio Cursando

 

União Estável

 

Média

Menino de 6 meses

Cônjuge, sogros e cunhada

 

Dália

 

18 anos

Ensino Médio Cursando

 

Solteira

 

Baixa

Menino de 4 anos e grávida de 3 meses

Pais e irmãos

 

Amarílis

 

18 anos

Ensino Médio Completo

 

União Estável

 

Média

Uma menina de 2 anos e um menino de 4 meses

Cônjuge e irmãos

Orquídea

18 anos

Ensino Médio Completo

União Estável

Média

Menino de 2 anos e 8 meses

Cônjuge e cunhado

Todos os nomes de flores das participantes são fictícios para preservar a identidade das mesmas.

 

Discussão

 

As entrevistas e o contato com as participantes suscitaram aspectos relevantes acerca de suas vivências com a maternidade. O primeiro aspecto trata da percepção de si mesmas como mãe; o segundo, os atributos que as participantes consideraram importantes ao exercer a maternidade; o terceiro aspecto são os sentimentos que perpassaram na gestação e que atravessam no exercício da maternidade delas; e o último, a importância das figuras de apoio e/ou referência, desde a própria mãe da adolescente, cônjuge, avó, tia, sogros(as) e amigos, na vida destas jovens mães. Vejamos:

 

1.  Percepção de si mesmas como mães: “na gestação não me senti preparada para ser mãe, só quando ele nasceu é que fui aprendendo”

A partir da análise das entrevistas foi possível perceber que apenas Rosa sentiu-se preparada, durante a gestação, para exercer o papel materno, diferente das outras participantes que ao longo do período gestacional não se sentiam preparadas exercer a maternidade. Pois, para elas apenas com o contato com os seus filhos é que puderam vivenciar as dificuldades enfrentadas ao cuidar de uma criança. Logo, é uma maternidade construída através do contato e do exercício dos cuidados com o bebê.

Na minha gestação tinha muito medo de não saber cuidar. Hoje não tenho esse medo porque conforme ele foi crescendo fui aprendendo. A partir do momento que você passa a cuidar dele é que você vai aprendendo, vai vendo que tudo é muito natural. A maternidade é um período que aprendemos a amar, cuidar e mesmo em situações difíceis você vai sentir uma alegria por estar com o seu filho – Orquídea (18 anos).

 

Foi possível, ainda, perceber que todas as entrevistadas se consideraram mães, principalmente, após o nascimento dos filhos. Uma vez que para elas a sensação de ser mãe estava atrelada aos cuidados diários com a criança.

Quando estava grávida amava muito o meu filho, mas ainda não me considerava mãe porque não o tinha ainda nos meus braços para eu cuidar – Margarida (17 anos).

 

Antes não me sentia mãe porque quem cuidava mais dele era a minha mãe e hoje já me sinto porque sou eu quem cuida – Rosa (16 anos).

 

Posso me considerar mãe pelo fato de ter meu filho, mas de cuidado não muito. Queria ter mais tempo para ele, mas tenho que trabalhar para o meu filho ter as coisas – Angélica (17 anos).

 

Assim, em situações como na história da jovem Orquídea, que passou um mês sem cuidar do filho devido a sua cesárea, a mesma apenas se sentiu “mãe de verdade” quando pode criar (cuidar) sozinha do seu filho, sem precisar da ajuda dos seus familiares. Portanto, percebe-se que ter o filho em si, para as participantes, não é necessariamente ser mãe, dado que elas necessitam cuidar dos seus filhos para se sentirem mães. Ou ainda, quando Angélica não tem tanto tempo para cuidar do filho por causa do trabalho, ficando a cargo da sua mãe os cuidados maternos, sente a sua maternidade fragilizada.

Considerei-me mãe a partir do momento que os meus dois filhos nasceram, porque durante a minha primeira gestação não ligava muito que iria ser mãe. Era muito nova e não ficava pensando sobre isso. Mas, quando tive a oportunidade de vê-los nos meus braços foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Meus filhos são tudo para mim e só em pensar em perdê-los a minha vida fica sem sentido – Amarílis (18 anos).

 

Fui mãe de verdade quando peguei ele pela primeira vez no colo, porque foi o momento que senti e vi que era verdade que eu tinha um filho – Jasmim (15 anos).

 

Logo, a maternidade, por vezes, está intrinsicamente ligada ao cuidado da mãe com o seu filho, pois esta não é somente dar à luz, mas cuidar do filho desde o processo de lactação e, juntamente com o companheiro, dar banho, trocar, ensinar as fundamentais lições da língua, os primeiros passos, estudar e etc (BADINTER, 1985).

 

2.  Atributos considerados ao ser mãe: “ser mãe é ter mais responsabilidade e saber que agora tenho que cuidar de alguém”

 

Com base nos relatos das adolescentes foi possível constatar que todas as participantes da pesquisa relataram a responsabilidade como um aspecto fundamental para ser mãe, dado que cuidar de uma criança remete a uma maturidade a ser conquistada a cada dia, como afirma Orquídea: “Não tinha responsabilidade com ninguém e hoje tenho que ter com o meu filho”.

Assim, a maternidade institui, por vezes, uma necessidade de mudanças e amadurecimento pessoal devido as responsabilidades sociais, econômicas e psicológicas que a adolescente precisa ter ao cuidar de um bebê (FERREIRA; PEDROSA, 2013). 

Desse modo, a ideia dos autores supracitados, corrobora com as falas das entrevistadas ao descreverem que com a responsabilidade de educar um filho acabaram amadurecendo mais, no que diz respeito ao modo de pensar e agir. Isto é, “pensar que agora você tem que estudar e trabalhar porque tem alguém para cuidar. Antes você tinha vontade de sair e viajar, hoje fica um pouco mais difícil porque temos outras responsabilidades em jogo”, afirma Orquídea.

 

Antes se importava mais comigo e hoje estou mais preocupada com o meu filho do que comigo mesma. Mudei por causa do meu filho o meu modo de pensar – Margarida (17 anos).

Amadureci bastante na forma de pensar e agir depois que o meu filho nasceu. Acho que na minha gestação era muito criança ainda, depois que fui mudando. Quando peguei ele no colo comecei a mudar em tudo, pensar duas vezes antes de fazer algo – Jasmim (15 anos).

 

Tudo o que eu faço hoje penso primeiro no meu filho. Ele vem em primeiro lugar na minha vida. Minha mente ficou mais aberta à vida porque quando somos novas não pensamos nas consequências e hoje tudo que faço penso no que pode acontecer – Rosa (16 anos).

 

Nesse sentido, a gravidez tem como uma das possíveis características marcar a entrada na fase adulta e a aquisição da responsabilidade e autonomia (OLIVEIRA, 2008). As entrevistadas consideraram importante assumir uma nova postura, ou seja, responsabilidade/amadurecimento perante esse novo fenômeno em suas vidas.

Posto isto, as participantes ainda relatam que com a ajuda dos familiares não pararam de ir à escola após o nascimento dos filhos, exceto Dália que por escolha própria deixou de estudar por dois anos para cuidar do filho, visto que, com essa nova responsabilidade desejam o melhor para os seus bebês.

A minha avó ajudou bastante depois que tive que voltar para a escola, ela disse que parar de estudar eu não iria. Então, hoje quero fazer uma faculdade e me formar. Não é por mim, mas pelo o meu filho. Eu quero dizer que tudo isso é por ele – Jasmim (15 anos).

 

A minha mãe sempre aconselhou a nunca parar de estudar. Então, penso muito no futuro dos meus filhos, quero dar o melhor para eles e nunca faltar nada – Amarílis (18 anos).

 

Desta forma, a gravidez na situação das entrevistadas não foi, independemente da classe social, empecilho para deixar de estudar, porém elas tiveram estímulos e apoio familiar para manter-se estudando. Em outras pesquisas, a maternidade na adolescência gerou a interrupção dos estudos (DIAS et al., 2011). Assim, as jovens entrevistadas continuam, mesmo depois da gravidez, planejando melhorias para si e para os seus filhos, por vezes, “a maternidade pode ser um motivo estimulador e fortalecedor para a continuação da vida escolar” (SOUZA, 2013, p 96).

Por fim, outro ponto que elas consideraram importante para ser mãe é saber educar e ter, principalmente, muita paciência e atenção com os seus filhos. Características estas remontam a uma maternidade responsável (GONDIJO; MEDEIROS, 2008).

Ser mãe precisa de muita paciência. Tem horas que por mais que a gente ame o nosso filho queremos jogar tudo para alto, mas aí lembramos que temos que ter paciência. Precisamos ser fortes e ter responsabilidade – Margarida (17 anos).

 

Ser mãe é cuidar e dar educação aos filhos. Criamos eles para o mundo e tenho que ensinar o que é certo e errado – Amarílis (18 anos).

 

Para ser mãe tem que ter aquela atenção, um acompanhamento e amor acima de qualquer coisa. Precisa está presente na vida, nos estudos e no crescimento dele – Dália (18 anos).

 

3. Sentimentos na gestação e maternidade: “cada momento você descobre novas coisas, novos sentimentos”

 

Neste, foi possível notar que os principais sentimentos apontados pelas participantes durante a gestação foram: medo, tristeza e ansiedade. Demonstrando, assim, as inseguranças vividas nessa fase e típicas para qualquer gestante de “primeira viagem”: “(...) no início tinha muito medo de não ter condições de criar ele, então sentia certa tristeza” no relato de Jasmim; ou ainda: “Na minha gestação sentia ansiedade em querer ver logo ele” nas palavras de Rosa.

Mas, após o nascimento dos seus filhos e com exercício da maternidade, citaram sentimentos de amor, carinho, afeto e felicidade com a criança.

Maternidade dá muito trabalho, mas tem aquela parte do amorzinho quando ele começa a sorrir. É muito bom cuidar dele e ter alguém para amar e ficar do lado babando – Rosa (16 anos).

 

Ser mãe é um afeto muito grande. Tenho um afeto muito grande pelo o meu filho, gosto muito dele e tenho medo de que aconteça alguma coisa com ele – Jasmim (15 anos).

 

Durante a gestação você descobre que ama alguém mesmo não vendo. Cada dia é um novo sentimento. O que mais de destaca é o amor porque é uma pessoa que você ama muito e quer cuidar mesmo não sabendo de nada. A minha mãe e a minha sogra pediram várias vezes para cuidar dele, mas não abri mão porque amo muito o meu filho e descobrimos isso perto dele – Orquídea (18 anos). 

 

Logo, observa-se que mesmo diante dos sentimentos de medo, ansiedade e tristeza ao estar grávida na adolescência, após a criança nascer, as jovens relatam o processo de construção dos vínculos afetivos com os seus filhos. Desmitificando, portanto, a natureza instintiva do amor materno (BADINTER, 1985). Afinal, é um amor conquistado e/ou espontâneo entre mãe e filho.

Contudo, ser mãe na adolescência também pode ser uma experiência que pode gerar sentimentos “aprisionamento” em razão das sensações de uma perda de liberdade, devido às novas responsabilidades adquiridas com a chegada da criança (SOUZA, 2013). Logo, mudanças no cotidiano acabam sendo necessárias como Angélica relata:

Antes eu saia muito e hoje tenho que ficar mais quieta. Antes todo horário vago que não tinha que estudar estava em alguma festa. Tenho mais responsabilidade depois que o meu filho nasceu. Caso tenha que sair vou para um lugar adequado onde o meu filho também possa ir e ficar comigo, não posso sair sem ele.

 

4. Relevância das figuras de apoio e/ou referência: “sem a minha mãe não sei o que seria de mim”

A partir da narrativa das participantes, elas apontaram como essencial, durante a gestação e, após o nascimento dos seus filhos, o apoio que tiveram, principalmente, de suas mães, bem como dos demais familiares e amigos, desde o cônjuge, avós, tias, sogros(as) e colegas de escola.

Desse modo, é possível afirmar que a família é uma das fontes fundamentais de apoio, proteção e cuidado, assim como um meio de buscar fortalecer a mãe adolescente a superar os medos, os desafios da maternidade e, consequentemente, melhorar a sua qualidade de vida e a do seu bebê (BRAGA et al.,2014).

 Nesse sentido, todas as participantes apresentaram suas mães como o membro familiar de referência, apoio e transmissão dos ensinamentos e cuidados maternos com a criança. Assim, conta Angélica: “Na gestação tive o apoio da minha mãe e após o nascimento do meu filho da minha mãe também. O apoio dela foi importante porque o amor que ela me deu estou dando para o meu filho”.

Diante disso, os ensinamentos, cuidados, atenção e carinho que são passados de mãe para filha é de extrema importância para que venha auxiliar a adolescente nos cuidados com o seu bebê. Dado que esse apoio possibilitará que a jovem se sinta mais segura e capaz de cuidar do seu filho. Logo, o apoio e a transmissão de conhecimentos da mãe da gestante dará melhores condições de cuidados de si e do filho:

(...) a mãe não transmite apenas as mensagens de sua cultura a respeito da sexualidade, gestações, maternidade e como ser mulher; também transmite as respostas às mensagens que recebeu de sua própria mãe. Assim a transação entre mãe e filha é uma transação entre três gerações (JOFFILY, 2010, p 36).

 

Assim, além das mães das entrevistadas, tias e avós são outras figuras femininas muito presente nos relatos delas quando perguntadas com quem vem aprendendo acerca dos cuidados maternos. Configurando-se, possivelmente, uma transmissão intergeracional, isto é, ensinamentos passados por gerações cujos membros mantêm contato (CABRAL; LEVANDOWSKI, 2012).

 

CONCLUSÃO

 

Com base na aproximação da realidade das adolescentes desta pesquisa, foi possível compreender que as jovens mães se sentem diferente após a maternidade no que diz respeito ao modo de pensar e agir.  Para elas a maternidade é percebida como um momento de maior responsabilidade, amadurecimento e autonomia, pois esse novo fenômeno em suas vidas abriu espaço para que elas amadurecessem e ser reconhecidas com base nas suas capacidades.

Apesar dos estigmas que podem surgir relacionados à gravidez na adolescência, os sentidos da maternidade para as entrevistadas vêm sendo (re)significados juntamente com a prática do cuidado com a criança, uma vez que as adolescentes buscam a cada dia superar as barreiras de dificuldades e preconceitos sociais. Por vezes, para as participantes da pesquisa, a gravidez pode ser uma possibilidade de reconhecimento/valorização social e a formação de um núcleo familiar desejado.

 

REFERÊNCIAS

 

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BRAGA, I.F; OLIVEIRA, W.A; SPANÓ, A.M.N; NUNES, M.R; SILVA, M.A.I. Percepções de adolescentes sobre o apoio social na maternidade no contexto da atenção primária. Revista de Enfermagem, Escola Anna Nery. [Internet]. 2014; 18 (3): 448.

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DIAS, A.C.G; PATIAS, N.D; FIORIN, P.C; DELLATORRE, M.Z. O significado da maternidade na adolescência para jovens gestantes. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. [Internet]. 2011; 3 (6): 167.

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Notas


[1]Psicóloga, professora e pesquisadora do curso de Psicologia da Universidade Federal de Roraima (UFRR); Orientadora pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal de Roraima (PIBIC/UFRR); e Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Endereço Eletrônico: macedo.talitha@yahoo.com.br

 

[2]Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e pesquisadora pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal de Roraima (PIBIC/UFRR). Endereço Eletrônico: halaine_cristini@hotmail.com

                Recebido 22/04/2018. Aceito para publicação 22/04/2018.